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Jornal de Psicanálise
Print version ISSN 0103-5835
J. psicanal. vol.54 no.101 São Paulo July/Dec. 2021
A POTÊNCIA DA DIFERENÇA
A clínica psicanalítica no acompanhamento terapêutico: experiência, escrita e transmissão1
The psychoanalytic clinic in therapeutic accompaniment: experience, writing and transmission
La clínica psicoanalítica en acompañamiento terapéutico: experiencia, escritura y transmisión
La clinique psychanalytique en accompagnement thérapeutique: expérience, écriture et transmission
Lucas de Oliveira AlvesI; Gerusa Morgana BlossII; Ana Lúcia Mandelli de MarsillacIII
IMestrando no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGP-UFSC). Florianópolis / lukass.oliveira@hotmail.com
IIDoutoranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGP-UFSC). Florianópolis /gebloss@gmail.com
IIIPós-doutora, professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGP-UFSC). Florianópolis / 2206ana@gmail.com
RESUMO
O artigo se refere à experiência clínica no dispositivo acompanhamento terapêutico (at) em um projeto de extensão universitária. O projeto em questão concerne à clínica ampliada e é sustentado pela psicanálise. Percorremos a dimensão da escrita: do sujeito, dos casos, da transmissão, destacando alguns fundamentos das teorizações freudianas e lacanianas, em diálogo com autores contemporâneos, que orientam a escuta e a construção dos casos. Salientamos a relação do sujeito com a cidade: a dinâmica de enlace com a rede, com a família e com a comunidade indica que a dinâmica do AT colabora com a reconfiguração de espaços e sentidos do viver. Dessa maneira, esse dispositivo se apresenta como uma possibilidade de compor e tecer estratégias antimanicomiais.
Palavras-chave: acompanhamento terapêutico, psicanálise, clínica, cidade, escrita
ABSTRACT
The article refers to the clinical experience in the therapeutic accompaniment (ta) device in a university extension project. The project in question refers to the expanded clinic and is supported by psychoanalysis. We covered the dimension of writing: of the subject, of the cases, of the transmission, highlighting some fundamentals of Freudian and Lacanian theorizations, in dialogue with contemporary authors, who guide the listening and construction of the cases. We emphasize the subject's relationship with the city: the dynamics of linking with the network, with the family and with the community indicates that the dynamics of the ta collaborates with the reconfiguration of spaces and meanings of living. Thus this device presents itself as a possibility to compose and weave anti-asylum strategies.
Keywords: therapeutic accompaniment, psychoanalysis, clinic, city, writing
RESUMEN
El artículo se refiere a la experiencia clínica en el dispositivo de acompañamiento terapéutico (at) en un proyecto de extensión universitaria. El proyecto en cuestión se refiere a la clínica ampliada y cuenta con el apoyo del psicoanálisis. Abordamos la dimensión de la escritura: del sujeto, de los casos, de la transmisión, destacando algunos fundamentos de las teorizaciones freudianas y lacanianas, en diálogo con autores contemporáneos, que orientan la escucha y construcción de los casos. Destacamos la relación del sujeto con la ciudad: la dinámica de vinculación con la red, con la familia y con la comunidad indica que la dinámica del AT colabora con la reconfiguración de espacios y significados de la vida. Así, este dispositivo se presenta como una posibilidad para componer y tejer estrategias antiasilo.
Palabras clave: acompañamiento terapéutico, psicoanálisis, clínica, ciudad, escritura.
RÉSUMÉ
L'article fait référence à l'expérience clinique du dispositif d'accompagnement thérapeutique (at) dans un projet d'extension universitaire. Le projet en question fait référence à la clinique agrandie et avec le soutien de la psychanalyse. Nous abordons la dimension de l'écriture: le sujet, les cas, la transmission, en mettant en évidence certains fondamentaux des théorisations freudiennes et lacaniennes, en dialogue avec des auteurs contemporains, qui guident le choix et la construction des cas. Nous mettons en évidence la relation du sujet avec la ville : la dynamique de connexion avec le réseau, avec la famille et avec la communauté indique que la dynamique de l'at collabore avec la reconfiguration des espaces et des significations de la vie. Ainsi, ce dispositif se présente comme une possibilité de composer et d'avoir des stratégies anti-asile.
Mots-clés: accompagnement thérapeutique, psychanalyse, clinique, ville, écriture
Introdução
O projeto em questão envolve o dispositivo do acompanhamento terapêutico (at) e está vinculado às ações de extensão e pesquisa de uma universidade pública. O projeto é desenvolvido desde 2014, e nesse período demarcou-se como mais um ponto da rede de serviços de saúde mental no município onde é realizado. Nesse sentido, agrega um espaço de formação, de pesquisa e de atenção à saúde mental, voltada a casos graves.
Orientado pela ética da psicanálise, o dispositivo AT ganha contornos específicos, que vão desde a direção do tratamento e sua ética norteadora, aos espaços de transmissão da psicanálise na universidade e ao trabalho em rede. A fim de possibilitar um maior aprofundamento na clínica de casos graves, na formação em psicologia, predominantemente os encaminhamentos dos casos são realizados pelo Centro de Atenção Psicossocial (caps ii) do município.
Organiza-se, assim, em duas vertentes. Em uma via, como espaço de reflexão e formação teórica sobre a clínica das psicoses, propiciando espaços coletivos entre estudantes, profissionais e professoras na condução dos casos e nos estudos de fundamentação. Diretamente imbricada a essa via, está a estratégia de extensão, ampliando a oferta de cuidado em saúde mental às situações mais difíceis. Os casos que nos são encaminhados tendem a ser situações de pouca adesão aos serviços, grande vulnerabilidade psicossocial, pela fragilidade das redes de atenção e dos laços familiares.
Ainda assim, nosso trabalho como AT vem na via da soma, não se propõe a ser o único tratamento em vigor a determinada situação. Atuamos sempre em rede, mas tendo como nosso foco a ética do sujeito, a escuta do seu desejo, testemunhando suas dificuldades e invenções, auxiliando a fortalecer laços, articular fragmentos da sua história e dos seus ideais. A clínica do AT diferencia-se da clínica tradicional sobretudo pelo setting, pois nosso trabalho vai ao encontro do real do corpo, propõe-se a circular pela pólis lado a lado, emprestando assim também o seu corpo como suporte ao sujeito ante o olhar dos outros.
Neste texto, buscaremos ampliar a transmissão, compartilhando com o leitor nossas indagações, nossos processos de trabalho e de pensar, visando fortalecer a clínica do AT e sustentar suas contribuições aos sujeitos atendidos, aos estudantes e profissionais que realizam essa prática e à rede de saúde mental. O AT, afinado às políticas de saúde mental coletiva brasileiras, coloca em ato o cuidado em liberdade às situações mais graves, transformando dessa forma também a pólis.
Este artigo divide-se em dois espaços de discussão. O primeiro é composto pela dinâmica da escrita que perpassa as elaborações teóricas e práticas que embasam a articulação dos casos. O segundo trabalha mais detidamente sobre a relação com a cidade e com as mobilizações do corpo político a partir do dispositivo do at. Sustentamos essa elaboração a partir da necessária articulação entre extensão, ensino e pesquisa, e dessa forma visamos estabelecer possibilidades de transmissão que possam dialogar com outras práticas, ampliando o alcance de nossas experiências e ações.
Experiência, escrita e criação no at: a singularidade em questão
Em vias de uma elaboração teórica que tangencia aspectos da singularidade a que acompanhado e acompanhante (at) se propõem percorrer durante o percurso do acompanhamento terapêutico (at), são realizadas aproximações entre a escrita e a criação nos casos. A escrita permite enlaçar elementos conceituais da psicanálise com a experiência que decorre do encontro. Freud (1911/2010) debruçou-se, para realizar algumas teorizações acerca da psicose, sobre os escritos de Schreber, Memórias de um doente dos nervos, e, com sua experiência nessa leitura, escreveu "Observações psicanalíticas sobre um caso de paranoia relatado em autobiografia ('O caso Schreber')". Alguns elementos desse caso serão apresentados visando a uma elaboração quanto à construção dos casos clínicos e da escrita nessa relação, especialmente considerando a experiência constituída no projeto em questão.
O caso Schreber pode ser situado como um caso exemplar que contempla importantes discussões sobre os direcionamentos da escuta nos casos de psicose. Schreber escreve seu livro quando estava em um dos processos de internação pelos quais passou ao longo de sua vida. Trata-se da tentativa de elaboração de um documento comprobatório de que ele poderia trabalhar, apesar de ter passado por episódios delirantes. Schreber teve uma infância marcada por uma relação familiar bastante repressora, na qual diversos comportamentos não eram tolerados. Um de seus irmãos cometeu suicídio. Apesar disso, Schreber formou-se em Direito e, rapidamente, construiu sua carreira. Seus delírios começaram quando ele foi chamado para assumir o cargo de presidente na Corte de Apelação da Saxônia. Um cargo que exigia dele uma posição que não estava psiquicamente pronto para assumir (Freud, 1911/2010).
Quando Freud escreve sobre o caso Schreber, destaca alguns elementos que perpassam as formações delirantes. Em determinado momento, os delírios de Schreber se referem a que ele seria fecundado por raios divinos: Deus queria transformá-lo em uma mulher e criar uma nova raça. Nota-se que o delírio de Schreber começa a se estabilizar quando ele se resigna a esse pedido, o aceita à sua maneira (Freud, 1911/2010).
O paranoico reconstrói o mundo, não mais esplêndido, é certo, mas ao menos de forma a nele poder viver. Ele o constrói mediante o trabalho de seu delírio. O que consideramos produto da doença, a formação delirante, é na realidade tentativa de cura, reconstrução. Após a catástrofe, a reconstrução tem sucesso maior ou menor, nunca total; nas palavras de Schreber, "uma profunda modificação interna" verificou-se no mundo. Mas o sujeito readquiriu uma relação com as pessoas e coisas do mundo, com frequência muito intensa, ainda que possa ser hostil, quando antes era afetuosa. (Freud, 1911/2010, p. 94)
Assim, após o desencadeamento da crise psicótica, a relação do sujeito com o mundo se modifica, demandando um intenso trabalho de reorganização subjetiva. Lacan, ao discorrer sobre o caso Schreber, sublinha que, na psicose, não há uma inscrição do Nome-do-Pai;2 falta um significante ordenador que permite ao sujeito situar-se ante o discurso. Isso pode ser desestabilizador. Uma das direções do tratamento seria fazer uma certa suplência a esse elemento organizador que permitiria uma acomodação de significantes que estariam desarticulados. Endereçar a fala ao Outro, em um processo de análise, pode constituir alguns pontos de amarração: alguns elementos soltos poderiam possuir um sentido mais próximo de algo compartilhado (Lacan, 1988a; 1999; 2007).
É esse o Nome-do-Pai, e, como veem, ele é, no interior do Outro,3 um significante essencial, em torno do qual procurei centrá-los no que acontece na psicose - a saber, que o sujeito tem de suprir a falta desse significante que é o Nome-do-Pai. Tudo o que chamei de reação em cadeia, ou de debandada, que se produz na psicose, ordena-se em torno disso. (Lacan, 1999, p. 153)
A suplência do Nome-do-Pai indica o caminho de reconstrução necessário a partir da singular expressão do sujeito que pode produzir um novo posicionamento ante o que lhe desacomoda e afasta do laço social. Permitir um lugar para a construção metafórica delirante é assumir a consideração freudiana de que o delírio não é produto da doença, mas tentativa de cura. Acompanhar o delírio se relaciona a permitir uma construção mais alinhada com uma tentativa de cura e estabilização.
Conforme Lacan, "a continuidade de tudo o que um sujeito viveu desde o seu nascimento nunca tende a surgir, e isso não nos interessa em absoluto. O que nos interessa são os pontos decisivos da articulação simbólica, da história" (1988a, p. 131). Escutar o sujeito significa sustentar e acolher a diferença, permitir novos enlaces. Estes demandam que os demais sujeitos que convivem com o acompanhado se reorganizem e reposicionem suas formas de relação. "As formações do inconsciente podem ser pensadas como contendo esse caráter do 'coletivo', na medida em que produzem um não senso, uma perda do saber tanto do lado do sujeito, quanto do lado do código compartilhado" (Costa, 1998, p. 29).
Há a construção de novos possíveis: podemos assinalar que o que causa sofrimento, independentemente da estrutura clínica, se refere a não conseguir estabelecer laço a partir da linguagem. Marcados pela singularidade e pelo enigma, há algo de estrangeiro que habita a cada um, porém na psicose essa conotação é ainda mais radical. O AT busca escutar o sujeito de forma que sua fala seja acolhida e que as articulações com a linguagem tenham espaço.
O sujeito se torna, de certa forma, legível ao Outro à medida que suas questões são acompanhadas. Consoante as considerações lacanianas, "criamos uma língua na medida em que a todo instante damos um sentido, uma mãozinha, sem isso a língua não seria viva. Ela é viva porque a criamos a cada instante" (Lacan, 2007, p. 129). Essa aposta na criação, na língua viva, se atualiza e reconfigura em cada caso.
A aproximação entre inconsciente e escrita é realizada por Freud desde o início de suas construções teóricas, à medida que trabalha sobre a inscrição dos traços mnêmicos no psiquismo. No decorrer das teorizações, a escrita se enlaça ao universo onírico. As formações do inconsciente situam a proximidade entre palavras e imagens e a abertura a diferentes significações (Costa, 2012).
A inscrição da metáfora delirante se trata de um processo inventivo (Calligaris, 1989). O AT testemunha essa escrita singular e cria, junto com o acompanhado, formas de relação com o Outro, ao auxiliar numa escrita da língua de cada sujeito que se estabelece no encontro.
Reiteramos que o caso Schreber foi escrito a partir da autobiografia do presidente, e conta com especificidades devido a isso. Contamos com teorizações de Freud e de Lacan para uma aproximação com a clínica das psicoses para que possamos perceber, a partir da escrita, uma possibilidade singular de articulação e de transmissão, já que há enlaces, a partir da escrita, que podem ampliar a leitura dos casos. Destaca-se que a escrita dos casos clínicos em psicanálise é inerentemente ficcional: a criação permite reconstituir e tramar experiências, assim como transmiti-las. No encontro com as narrativas do sujeito, seja no setting tradicional ou no contexto da cidade, da casa, das instituições, cabe acompanhar a construção do sujeito, entendendo que algo relatado pode ou não ter se passado no cotidiano ou em sua história - mas que o importante é a dimensão da verdade inconsciente que ele articula a partir da fala. Trata-se de uma ficção. Pensar a escrita na dimensão do registro permite, metaforicamente, aproximar a dinâmica do transitar pela cidade como um registro que se institui.
Caso a caso, a teoria se modifica e opera de acordo com o que se apresenta e convida a uma outra elaboração, implicada com os princípios éticos que fundamentam a clínica. De acordo com Rivera, "Em parte, e de alguma maneira: é a cada vez uma versão própria que se constrói, sempre ficcionalmente, na literatura e na teoria, como na vida" (2005, p. 59). A escrita marca um estilo e pode promover uma transmissão. Na materialidade das linhas são tecidas novas configurações que relançam questões.
A escuta pode tornar-se mais abrangente, promovendo deslocamentos e novos pontos de enlace, a partir da discussão de casos clínicos. Afinal, "a 'construção do caso clínico' em psicanálise é o rearranjo dos elementos do discurso do sujeito que 'caem', se depositam com base em nossa inclinação para colhê-los ... ao pé da letra" (Figueiredo, 2004, p. 79). Diferentes leituras podem despertar um fazer que, assim como pede a dinâmica do AT, abre-se à diferença e permite reposicionamentos.
Destaca-se que a escuta, em psicanálise, trata-se de uma leitura (Lacan, 2009). Nesse sentido, os significantes comunicam algo da posição do sujeito que aparece na articulação deles (Elia, 2010). O AT testemunha um processo de fala/escrita do sujeito. A partir do que é compartilhado, este realiza um certo suporte às narrativas que o acompanhado articula.
Nos casos mais graves (neuroses graves, psicoses) que se beneficiam com o dispositivo do AT, o acompanhante busca caminhos com o acompanhado na construção de um discurso que permite um enlace com o contexto. Isso difere de muitos casos de neurose, nos quais a direção do tratamento busca brechas no discurso, intervenções que suscitam uma certa ruptura no sentido em vias de uma abertura a outras significações.
Podemos elencar algumas dimensões da escrita que se destacam a partir da experiência, todas marcadas pela singularidade inerente a cada caso: escrita do sujeito, que se concretiza nos atendimentos de AT a partir do encontro - nela está em questão a possibilidade de inscrição da metáfora delirante; escrita que se dá no corpo da cidade, que sublinha a dinâmica de circulação e de enlace, ensejando na cidade uma abertura à questão do cuidado em liberdade; escrita que se dá nas supervisões dos casos - nesta, há uma abertura a diferentes formas de olhar para os casos e escutá-los, uma oportunidade que o AT tem de refletir sobre sua prática, deslocando sentidos e possibilidades. Soma-se a essas escritas metafóricas a transmissão pela escrita que tramamos neste e em outros textos, de forma a ampliar o alcance do diálogo que propomos. Afinal, como situa Lacan, "de que se trata é menos lembrar do que reescrever a história" (2009, p. 24).
A escrita e a criação possibilitam operar sobre a linguagem e ressignificar caminhos - sejam os caminhos da cidade ou do sujeito. Vislumbrando enlaces do sujeito com a cidade, iremos nos deter sobre algumas outras aproximações.
Dimensões clínico-políticas do AT
O dispositivo do AT revela uma indissociável relação entre clínica e pólis, tensionando os limites do dentro-fora, próprios às lógicas que determinam o que é público e privado, individual e social.
A banda de Moebius, figura topológica obtida pela colagem de duas extremidades de uma fita, foi utilizada por Lacan (2005) para visibilizar a dimensão espacial de alguns aspectos de seu ensino, como a relação eu-sujeito, íntimo-externo etc.
Uma formiga que caminhe por ela passa de uma das faces aparentes para a outra sem ter necessidade de passar pela borda. Em outras palavras, a banda de Moebius é uma superfície de uma única face, e uma superfície de uma única face não pode ser virada. Se vocês a virarem sobre si mesma, ela será sempre idêntica a si mesma. (Lacan, 2005, p. 109)
Essa figura permite a reflexão acerca das intervenções do AT em uma dimensão clínica, independentemente de seu locus de atuação: casa do acompanhado, instituições, rua. O AT, guiando-se pela atenção flutuante, pelo manejo da transferência e pela ética do sujeito, segue o acompanhado nos espaços privados e públicos em continuidade, como em uma superfície de única face. Nesse contexto, evidencia-se que a escuta psicanalítica é política no consultório e é clínica na rua, pois em ambas se entremeiam discursos da pólis com a práxis clínica.
No AT não há primazia do lugar, mas do acontecimento (Porto, 2013). O espaço dá um contorno ao processo, mas não o define. É no encontro entre acompanhante e acompanhado que os desdobramentos do tratamento ocorrem. No espaço circunscrito de um consultório, há um a priori do local, ou seja, um ponto geográfico e um arranjo do espaço privado ofertado pelo analista. Na dinâmica do encontro, preponderante no AT, o lugar está no a posteriori e se pluraliza, pois se trata de lugares contingenciais. Os acontecimentos são direcionados pelos laços transferenciais, pelas resistências dos envolvidos no processo - no qual a família e distintas instituições costumam estar inclusas -, assim como pelos espaços os quais acompanhante e acompanhado autorizam-se a percorrer.
Nos caminhos traçados, o AT atua como testemunha do percurso, evidenciando a prática clínico-política do testemunho.
A prática do testemunho emerge ao longo do século XX como uma noção-limite que tenciona as fronteiras entre o individual e o coletivo, o jurídico e o literário, a verdade e a ficção. Essa noção-limite do testemunho abre-nos um limiar ético para pensar como se articulam diferentes narrativas testemunhais, no seio das quais os próprios sentidos da experiência do excesso, da exceção e do reconhecimento parecem estar em constante construção. (Indursky & Conte, 2017, pp. 154-155)
O AT observa e reconstrói uma história com o acompanhado. Há um trabalho de memória, narração e invenção mobilizadoras, que possibilitam compartilhamentos e transmissão de experiências. O corpo e a escuta do AT, nesse sentido, podem servir como uma barreira ao excesso do acontecimento - o encontro, muitas vezes turbulento, com o espaço urbano -, àquilo que poderia provocar traumas, dificultar a mobilidade ou, mesmo, impelir o sujeito à reclusão.
No AT, a cidade desdobra-se como extensão do setting e, do mesmo modo, apresenta-se como um agente estrangeiro que interpela e desacomoda (Porto, 2013). Em situações de fragilidade psíquica, o caráter estrangeiro da cidade pode se tornar um obstáculo instransponível, gerando situações não integráveis ao registro simbólico. Desse modo, a função do testemunho visa auxiliar na incorporação dessas experiências à linguagem, pois a dupla do AT pode ir tecendo sentidos que dão contornos à experiência, ficcionalizando o que poderia emergir como excesso (de imagens, ruídos) ou exceção (o que não poderia ser assimilado pela linguagem).
Porto (2013) ressalta que no AT é todo corpo que flutua na atenção com o acompanhado. Nessa atenção corpo-flutuante, a fala e os percursos traçados na cidade - as ruas percorridas, os encontros, as esquivas e escolhas - constituem elementos da associação livre, tocando o AT, qualificando sua escuta-testemunho, ampliando os significantes e sentidos. Na caminhada, a relação transferencial abre brechas para apostas na autonomia do acompanhado.
Podemos exemplificar esses aspectos a partir da seguinte situação discutida na supervisão coletiva do projeto: a AT, estudante da graduação e estagiária do projeto, estava com seu acompanhado em uma praça pública. De repente, um homem começou a gritar ofensas contra aqueles que são originários do Estado do qual o acompanhado também era. O acompanhado fala que vai perguntar ao homem se aquelas ofensas são dirigidas a ele. A acompanhante consente. Na supervisão, intrigados pela aposta da AT, considerando que aquela situação poderia culminar em algum tipo de agressão, questionamos sobre as razões que a fizeram consentir, ao que ela responde que o percurso, já de alguns meses com o acompanhado, permitiu-lhe apostar em sua autonomia e controle emocional. Aposta que se mostrou apropriada, visto que o acompanhado e o homem tiveram um diálogo duradouro e amistoso.
Certeau (1998) afirma que no transitar pela cidade enunciações pedestres são constituídas. O ato de caminhar como apropriação do território é definido por triagens e seleções, usos devidos e indevidos do espaço. Estabelecendo uma analogia entre a cidade e a língua, o caminhar e as enunciações proferidas se aproximam. Nelas, há escolhas conscientes e inconscientes que engendram associações, percursos contingenciais e falhas. Ao explorar a malha urbana, deparamo-nos com seus signos (nomes de ruas, praças, estátuas e seus significados), percorremos seus significantes e somos percorridos por eles. Referindo o aforismo de Lacan: "o significante é aquilo que representa o sujeito para outro significante" (1960/1998, p. 833), sublinhamos que no deslocamento entre os significantes da cidade, materializados nas falas e percursos, o sujeito do desejo pode advir.
Certeau negrita que a cidade é metafórica e poética, comporta elementos invisíveis e temporalidades heterogêneas. O autor afirma, ainda, que a utopia racional dos espaços urbanos busca recalcar as poluições físicas, mentais e políticas que as comprometeriam. Nesse sentido, o AT, ao incluir nesses espaços sujeitos historicamente apartados, institui um campo utópico que, acompanhando Jacoby (2005), chamaremos de utopia iconoclasta. Tal utopia se guia por uma imagem imperfeita, aposta nas incertezas dos encontros e na plasticidade dos ideais. Na contramão das utopias totalizantes, repressoras dos elementos perturbadores de seus ideais, a utopia iconoclasta busca dar voz e imagem ao recalcado, abrindo brechas nos discursos e ícones hegemônicos. Nesse sentido, Palombini (2009) comenta que no AT o encontro do diferente com a cidade provoca uma crise na racionalidade urbana, bem como nos modos tradicionais de condução clínica. O AT desacomoda a clínica, mobilizando-a a repensar suas práticas no encontro com o inusitado e, do mesmo modo, mobiliza o espaço urbano, interrogando seus dogmas.
Nesse movimento, o AT gera diferentes formas de resistência. Em sua prática, resiste aos ideais excludentes, promovendo visibilidades aos que permaneceriam nas margens. Fomenta também resistências à sua realização, pois permite circular agentes políticos perturbadores, reconfigurando o tecido urbano com personagens indesejáveis por alguns (Palombini, 2009). Politicamente, o projeto AT reforça os princípios da luta antimanicomial e os direitos de proteção e cuidado das pessoas acometidas por transtornos mentais, propiciando o cuidado em liberdade, a ampliação da autonomia e o fortalecimento de vínculos. Efetuando-se no espaço público, ele faz coro ao direito à cidade, estimulando o reconhecimento do louco como sujeito do direito e do desejo (Santos, Klein, Marsillac e Kuhnen, 2019).
Ao usarmos a expressão "louco" não estamos nos referindo a uma categoria médica, nem reduzindo todos os sujeitos acompanhados à estrutura psicótica. Na esteira das discussões de Foucault (1973/2019a, 1979/2019b), concebemos o louco como aquele assim classificado a partir da razão hegemônica instituída na modernidade. O louco é um constructo social e histórico, moldado nas malhas discursivas que buscam legitimar uma ciência pautada na razão universal, fruto de um período de forte adesão das ciências às esferas do poder governamental e do crescimento das grandes cidades, onde o controle da população - quem poderia e quem não poderia circular no espaço público ou, ainda, de que forma poderia - torna-se uma pauta prioritária às práticas biopolíticas.
Quem pode e quem não pode estar na cidade? Essa questão implica não só uma análise do que está instituído por lei, mas sobretudo uma reflexão acerca do que se configura de maneira tácita nas microesferas do poder. Assim, tratar o louco como "sujeito de direitos e do desejo" (Santos, Klein, Marsillac e Kuhnen, 2019, p. 218) demanda, para além do reconhecimento de seu estatuto jurídico, suscitar estratégias micropolíticas que permitam inseri-lo no espaço público de maneira autônoma e segura.
Articulado a uma rede de assistência, cuidado e promoção da saúde mental, o AT fomenta uma dinâmica micropolítica de inserção de corpos tacitamente excluídos do espaço público, engendrando visibilidades, estranhamentos e, aqui dialogando com a discussão proposta por Safatle (2018), ampliando o circuito de palavras e afetos que compõem um corpo político.
Se não é possível pensar a instauração política sem apelar às metáforas corporais é porque, na verdade, constituir vínculos políticos é indissociável da capacidade de ser afetado, de ser sensivelmente afetado, de entrar em um regime sensível de aisthesis. As metáforas do corpo político não descrevem apenas uma procura de coesão social orgânica. Elas também indicam a natureza do regime de afecção que sustenta adesões sociais. (Safatle, 2018, p. 19)
Importante ressaltar que ao falar em corpo político Safatle busca distinguir duas concepções do termo. Uma, guiada pela busca de uma coesão social, se aproximaria da discutida por Freud (1921/2020b) em "Psicologia das massas e análise do eu", na qual o grupo identificado ao líder procuraria sustentar sua totalidade como um organismo autossuficiente, processo que geraria a exclusão dos inadequados a sua estrutura e funcionamento. A outra concepção indica uma possibilidade de afecção em circuito a partir da nossa condição de desamparo. Constituímo-nos como sujeitos do desejo a partir do Outro. Sem o Outro, a continuidade da vida e a assunção do desejo seriam impossíveis. Em vez de desaparecer, essa condição apenas se reafirma nos encontros que ocorrem no vasto campo da cultura, sublinhando nossa premente interdependência (Lacan, 1985). Desse modo, um corpo político propulsionado pela assunção do desamparo não buscaria uma totalidade erigida a partir de um eu ideal (caso das massas discutidas por Freud), visto que tal processo culminaria em dicotomias (normal e louco, cidadão e estrangeiro etc.) e exclusões. O corpo político aberto às contingências e à heterogeneidade dos corpos, ao contrário, ensejaria um circuito de palavras e afetos em contínua renovação.
Em outro caso relatado sob supervisão, duas acompanhantes relatam o episódio em que o acompanhado decidiu bater em todas as portas das casas da rua. A cada um que abria a porta, ele sorria e fazia um gesto de indicação da presença das acompanhantes. Não havia fala, apenas indicação de afeto e desejo de ligar essas pessoas entre si. O ato das acompanhantes ante essa comunicação muda, um tanto indiferente à diversidade dos vizinhos, foi o de colocar perguntas e resgatar significantes que envolviam aquelas pessoas. Quem é essa? Como se chama? Como vocês costumam se relacionar? Essa demarcação possibilitou pontos de parada, estabelecimento de uma rede afetiva e de trocas que se materializava sob o testemunho das acompanhantes. Nesse recorte, vemos como o AT convoca corpos inseridos no ambiente privado a um encontro público. Moebianamente, rompendo o binarismo dentro-fora, o processo permitiu ao acompanhado instalar-se em um "entre", engendrando relações e afecções.
Experiência clínica, escrita e cuidado em liberdade: transmissões possíveis
O AT promove um agenciamento político contrário à lógica hierárquica e asilar de exclusão de corpos e encarceramento da loucura, dinâmica que podemos observar não apenas em situações explícitas de segregação como as praticadas em instituições manicomiais, cujo exemplo mais emblemático no Brasil foi o do Hospital Colônia de Barbacena,4 mas também em decisões políticas de cortar recursos financeiros para instituições públicas como caps, residências terapêuticas, oficinas de geração de renda, universidades ou em discursos de deslegitimação desses pontos da rede, de seus princípios éticos e científicos.
Recentemente, as políticas de saúde mental foram afetadas por tentativas de revogação de portarias que foram criadas com o objetivo de reforçar princípios antimanicomiais (Collucci, 2020). O caps seria afetado por essa revogação, que reduziria a amplitude de suas ações. Há ameaça de acabar com os serviços voltados ao retorno de sujeitos ao convívio social após internação em instituição asilar, assim como os direcionados ao acompanhamento de pessoas que habitam as ruas, aos usuários de álcool e outras drogas, dentre outras restrições à política de saúde mental (Collucci, 2020). Salientamos a importância de estarmos atentos a esses movimentos. Embora muitas conquistas tenham sido feitas no sentido da ampliação de rede de cuidado, os direitos conquistados necessitam de investimentos para que sejam mantidos e ampliados.
A dinâmica do AT objetiva o fortalecimento da rede de cuidado e proteção: contrária à lógica manicomial, possui papel central na ampliação das possibilidades de circulação. Acompanhado e cidade compõem laços que se afetam e reconfiguram. O AT visa ao vínculo do acompanhado ao entorno, relacionando-se com o fortalecimento de condições de saúde e de ampliação do cuidado em liberdade.
Nesse caminho, há uma sutileza que se refere ao acompanhante a quem cabe recolher fragmentos deixados pelo acompanhado, de forma que estes adquiram uma disposição favorável ao laço que o sujeito realiza. Secretariar o psicótico, ou o sujeito com alguma outra condição de agravamento em sua saúde mental, insere-se na perspectiva de criar condições para que a fala singular seja ouvida, permita inscrições diversas.
A articulação do delírio pode se constituir como um agenciador de rupturas a uma lógica normativa: acompanhar o psicótico em suas produções e perceber os efeitos de uma outra posição ante o Outro reinscreve possibilidades de pensar a dinâmica social de uma forma mais ampla. Há uma visibilidade das contradições, ajustes e desajustes que reposicionam modos de ser estereotipados. Criam-se vias - no corpo do sujeito e na cidade - à sensibilidade que pode ser desenvolvida no acolhimento da diferença.
Referências
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Recebido em em: 23/3/2021
Aceito em: 15/9/2021
1 O trabalho é derivado das experiências e discussões realizadas no projeto de extensão "Acompanhamento terapêutico (at): clínica e criação na cidade", vinculado ao Departamento de Psicologia e à Pró-Reitoria de Extensão da Universidade Federal de Santa Catarina (proex-ufsc). O projeto se caracteriza como parte da Rede de Atenção à Saúde Mental de Florianópolis e região e articula-se a outros projetos universitários nacionais, que se debruçam sobre o dispositivo do at. Sob coordenação da Dr. Ana Lúcia Mandelli de Marsillac, o projeto é aprovado pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP).
2 Nomenclatura que em francês possui um duplo sentido devido à homofonia das palavras non (não) e nom (nome). Le Non-du-Père ou le Nom-du-Père significam, respectivamente, o Nome-do-Pai e o Não-do-Pai, denotando tanto o significante primordial que insere o sujeito no simbólico (a linguagem, o discurso), quanto a função interditora que demarca para o infans a lei de proibição da mãe. O Nome-do-Pai é: "o significante que dá esteio a lei, que promulga a lei" (Lacan, 1999, p. 152).
3 Concepção que pode designar tanto os cuidadores primordiais como mãe, pai, comunidade, como os agentes da cultura, que com suas instituições e discursos, inserem o sujeito no universo da linguagem, legitimando ou deslegitimando suas posições na cultura (Freud, 1927/2020a; Lacan, 1985).
4 Manicômio fundado em 1902, recebeu durante várias décadas pessoas acometidas por doenças mentais, grupos considerados desajustados socialmente como prostitutas, mendigos, alcoólatras, homossexuais, epilépticos, dentre outros. Submetidos a maus-tratos, experimentos invasivos e condições insalubres, muitos internos morreram nas dependências do hospital (Arbex, 2019).