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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.26 no.79 São Paulo  2009

 

ENTREVISTA

 

Reflexões sobre bakthin e vygotsky

 

 

Entrevistadora: Sílvia Regina DrudiI

Entrevistado: Marcos Cesar PolifemiII

IGraduada e Licenciada em Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestranda em Psicologia - Linha de Pesquisa Desenvolvimento Humano e Processo de Ensino-Aprendizagem da Universidade São Marcos. Voltada aos estudos de Andragogia, Zona de Desenvolvimento Proximal, Linguagem e Aquisição de segunda língua. Função de Professora e Coordenadora Pedagógica
IIGraduação em Língua e Literatura Inglesa (PUC/SP); Mestre em Linguística Aplicada ao Ensino de Línguas (PUC/SP); Doutor em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (PUC/SP). Diretor do Centro de Linguística Aplicada do Yázigi Internexus

Correspondência

 

 

1. Como Bakthin, no seu ponto de vista, pode contribuir para o estudo da dimensão pedagógica e, consequentemente, na atuação docente?

O trabalho de Bakthin está muito relacionado à linguagem e, neste sentido, pode ser diretamente relacionado com a dimensão pedagógica dos professores, com seus processos reflexivos e com a sua aprendizagem continuada, quero dizer, advinda de um pensar organizado sobre sua prática diária.

Se entendermos a linguagem como dialógica e polissêmica, como Bakthin a define, temos aí um grande espaço para a reflexão, para o entendimento de nossas ações, representações e de como atuarmos junto a nossos alunos e junto a nossos colegas de profissão. Que vozes permeiam nossas aulas, nossas interações servem a quem, a que objetivos? Todas essas reflexões são pertinentes para a busca de um melhor entendimento sobre nossos papéis e sobre nossa identidade.

2. Você acha que as práticas docentes ainda ignoram a relação do sujeito com o meio, não rompendo com o antigo paradigma tanto discutido por Bakthin e reforçado por Vygotsky?

Acho extremamente difícil, até mesmo impossível, generalizar uma afirmação como essa. De que práticas docentes estamos falando? Acredito que algumas práticas docentes ignoram essa relação do sujeito com o meio. Outras não. Outras ainda não ignoram, mas também não buscam uma reflexão sobre essa relação.

E essas diferenças estão presentes no dia-a-dia de todos os professores. Acho complicado afirmar que uma determinada prática de um determinado professor releva tudo sempre, ou, por outro lado, ignora tudo sempre. Há diferentes momentos em nossa prática e, esses momentos precisam ser estudados. Por exemplo, por que eu, na aula X, encerrei uma determinada discussão? Se tivesse aberto espaço para a continuidade, talvez, ela pudesse ter rendido bons questionamentos... Esse tipo de questionamento dos professores, coordenadores e dos próprios alunos é fundamental para tomarmos consciência das possibilidades que muitas vezes perdemos.

3. Referindo a sua efetiva atuação no ensino de idiomas, você compartilha a idéia de que a aquisição de uma segunda língua pode ser embasada pela teoria de Bakthin da aquisição da linguagem como processo de formação do processo mental e da autonomia?

Sim, sem dúvida. Uma obra existe e é importante na medida em que se pode interpretá-la e questioná-la. Bakthin não escreveu sobre a aprendizagem de uma língua estrangeira, mas sobre uma forma de se entender a linguagem, seus enunciados, a enunciação. Assim, sua obra é rica em fundamentos que são úteis a todos que estudam uma determinada língua. Para citar um exemplo mais pontual, o conceito bakthiniano de gênero é extremamente útil para se ensinar os adultos a escrever ou a se trabalhar a leitura de textos em língua estrangeira. Se eles consideram aspectos relacionados aos contextos de produção de um determinado texto, terão muito mais elementos e estratégias para se tornarem leitores e escritores competentes.

4. Sob a visão de Bakthin, a língua não é transmitida como um sistema finito e definitivo; ela dura e perdura sob a forma de um processo evolutivo contínuo. A língua, como sistema de normas, não passa de uma abstração e só pode ser demonstrada no plano teórico e prático do ponto de vista do decifrar de uma língua morta e de seu ensino. Como isso pode ser observado no ensino de idiomas?

Da forma com que foi colocado, pode-se ter a impressão de que as normas de uma determinada língua não são importantes. Não creio que podemos afirmar isso. Há uma analogia bem útil nesse sentido que é a do jogo de xadrez. Um jogador precisa saber as regras do jogo para jogá-lo, no entanto, poderá variar suas estratégias para ganhar o jogo e se dar bem.

Um processo de comunicação também é organizado e parametrizado por algumas regras. No entanto, há pessoas que utilizarão essas regras de uma forma; outras, de forma diferente. Assim, há um conjunto de normas e referências que são compartilhados e servem de base para que a linguagem se constitua dialogicamente.

Para aqueles que têm como objetivo decifrar um sistema ou descrevê-lo, na minha opinião, ao fazê-lo, terão como resultado uma descrição subjetiva, como uma foto. Uma fotografia minha, por exemplo, é um registro de algo que quando alguém vir, daqui uma semana, já não será a mesma coisa. No entanto, não deixa de ter um valor.

5. Você considera importante que o professor de idiomas atue como mediador na zona de desenvolvimento proximal durante a prática docente?

A mediação do professor na zona de desenvolvimento proximal do aluno extrapola minha opinião. Ela é constitutiva da atuação pedagógica, à medida que o professor é quem modela ou dá parâmetros e referências para os alunos. É por meio da mediação que o professor trabalhará com o aluno para que ele consiga alcançar seus objetivos. É por meio da mediação que o professor poderá problematizar a sala de aula, colocando para os alunos questões a serem pensadas e solucionadas (problem-solving).

Da mesma forma, por meio da mediação do professor que os alunos podem aprender a procurar não só ao professor, mas também seus colegas alunos, ou ainda outras fontes de informação para resolução de seus problemas. Concluindo, é a mediação do professor um dos fatores principais para se determinar a qualidade da interação e da aprendizagem, por isso coloco tanta importância na reflexão do professor sobre sua atuação. A reflexão é uma ferramenta importante para que o professor possa ter maior consciência sobre sua mediação e possa trabalhar no sentido de melhorá-la sempre.

6. Um aluno com o desenvolvimento real abaixo dos seus colegas de sala pode ser mal interpretado como um aluno com dificuldades?

De forma conceitual sim, sem estar trabalhando com esse aluno hipotético, se o aluno está com dificuldades, provavelmente, ele ainda estaria precisando de alguma ajuda para realizar a tarefa e, portanto, não estaria assim na sua zona real de desenvolvimento. Porém, quero reforçar que os conhecimentos desses conceitos de zona de desenvolvimento real e zona de desenvolvimento proximal são importantes para que o professor possa ir modulando a sua mediação junto aos alunos e não para ficar classificando qual o aluno e se determinado aluno está na zona real ou proximal de desenvolvimento. Esses conceitos são construtos que, na minha opinião, servem para nos dar parâmetros de mediação e não para categorizar os alunos.

7. Como o professor pode visualizar o desenvolvimento potencial do aluno de idiomas?

Acredito que o professor deva olhar para o potencial do aluno considerando esse aluno em relação a ele mesmo, em relação ao grupo no qual está, em relação aos contextos nos quais está envolvido e em relação aos objetivos a que se propõe. Precisamos parar de ter como referência o falante nativo como ponto de chegada, como objetivo final. Essa referência nos deixa já em dívida, pois nunca seremos falantes nativos de uma língua que é estrangeira.

Em outras palavras, na minha opinião, o professor tem como papel trabalhar para que seus alunos consigam atuar e se comunicar em uma língua estrangeira nas situações em que normalmente o faz na sua língua materna. Concluindo, esse desenvolvimento potencial dos alunos deve ser relativizado.

8. Qual é o maior desafio hoje, na sua visão, do professor relacionado ao ensino de idiomas levando-se em consideração o papel de mediador?

Não só no ensino de idiomas, mas na educação de uma forma geral, o desafio dos professores tem sido encarar uma época muito complexa de mudanças ao mesmo tempo em que vivencia essas mudanças. Isso demanda conhecimento, preparo, abertura para inovar e aprender com as situações, desprendimento do poder que há séculos o professor tem e reflexão. O nosso principal desafio é conseguir trazer a educação para a pós-modernidade, com tudo que isso traz de decorrência para o nosso dia-a-dia, para o dia-a-dia do educador.

 

 

Correspondência:
Sílvia Regina Drudi
Rua Serra de Jurea 465, casa 4 - Tatuapé
São Paulo, SP - CEP 03322-020
E-mail: silvia_drudi@hotmail.com

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