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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.28 no.85 São Paulo  2011

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Desenvolvimento de ferramentas pedagógicas para identificação de escolares de risco para a dislexia

 

Developing pedagogical tools for early identification of students at risk for dyslexia

 

 

Olga Valéria Campana dos Anjos AndradeI; Paulo Sérgio Teixeira do PradoII; Simone Aparecida CapelliniIII

IPsicopedagoga. Coordenadora Pedagógica do Colégio Criativo. Mestre em Educação pela Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista - FFC/UNESP, Marília, SP, Brasil
IIPedagogo. Doutor em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo, USP, e Pós-Doutor em Psicologia do Ensino e da Aprendizagem pela Universidade Federal de São Carlos, UFSCAR, São Carlos, SP, Brasil
IIIFonoaudióloga. Doutora e Pós-Doutora em Ciências Médicas pela Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, FCM/UNICAMP, Campinas, SP, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

OBJETIVO: Elaborar e aplicar atividades pedagógicas coletivas, que avaliem as habilidades fonológicas em pré-leitores e leitores iniciantes e que sirvam como potenciais instrumentos de rastreamento para ajudar na identificação de escolares de risco para desenvolver dificuldades na leitura-escrita.
MÉTODO: As tarefas FAE (ferramentas alternativas do educador) basearam-se em tarefas fonológicas clássicas conhecidas como "categorização de sons" e no Protocolo de Habilidades Cognitivo-Linguísticas. As FAE consistiram basicamente no pareamento entre figuras e de figuras com palavras que apresentam similaridades fonológicas no início (aliteração) ou no final (rima) e foram aplicadas em 45 escolares, de ambos os gêneros, com idade média de 7 anos e 4 meses, juntamente com o referido protocolo.
RESULTADOS: O protocolo comprovou sua eficácia confirmando que a consciência fonológica, a memória de trabalho verbal e a nomeação rápida consistem nos principais fatores de risco para a dislexia e com as quais as FAE apresentaram suas mais fortes correlações, além da discriminação fonêmica. As tarefas FAE também foram fortemente correlacionadas com a leitura e a escrita.
CONCLUSÃO: Escolares de risco para dislexia podem ser identificados por meio de ferramentas pedagógicas desenvolvidas, testadas e adaptadas para a realidade educacional brasileira, sendo este um promissor campo de pesquisa com potencial para ajudar a evitar o atual excessivo número de escolares equivocadamente considerados disléxicos e indevidamente encaminhados para os serviços públicos competentes, bem como indicar as abordagens teórico-empíricas mais adequadas para orientar nossa educação.

Unitermos: Avaliação. Leitura. Aprendizagem. Dislexia.


SUMMARY

PURPOSE: The development and application of collective pedagogical activities to assess phonological skills in pre-readers and beginning readers and could serve as potential screening tools to help in the early identification of students at risk for dyslexia.
METHODS: The FAE tasks ("alternative tools for educators") were built on classical phonological tasks known as "sound categorization" and in the Protocol for Cognitive-Linguistic Skills. FAE tasks basically consisted of matching pictures as well as pictures to spoken words according to their phonological similarity in the onset (alliteration) or rhyme and were given to 45 students on the first grade, of both genres and 7.3 years old on average.
RESULTS: The protocol proved to be effective, confirming that phonological awareness, verbal working memory and rapid naming abilities constitute the main risk factors for dyslexia, and to which the FAE tasks were more strongly correlated jointly with the phonemic discrimination. FAE tasks were also strongly correlated with literacy skills.
CONCLUSIONS: Students at risk for dyslexia can be efficiently identified through scientifically developed pedagogical tools, adapted and tested for the Brazilian's educational reality. This is a promising research field with the potential to help in avoiding the currently excessive number of students mistakenly labeled as having learning disabilities and improperly referred to specialized public services, as well as to indicate the more appropriate theoretical-empirical framework to guide our educational policies.

Key words: Evaluation. Reading. Learning. Dyslexia.


 

 

INTRODUÇÃO

No cenário educacional brasileiro dos últimos 20 anos, pode-se verificar um grande e crescente número de escolares que apresentam deficiência de leitura1-3. Inúmeros são os fatores para o fracasso na aquisição dessa habilidade, mas, entre eles, podemos destacar um significativo número de escolares de risco para a dislexia. Outros fatores estão subjacentes ao fracasso no ensino da leitura e escrita, dentre os quais podemos citar fatores socioeconômicos, fatores educacionais ou metodológicos, fatores de ordem emocional-afetiva, bem como fatores individuais dos aprendizes representados pelos transtornos de aprendizagem de origem constitucional, isto é, de origem genético-neurológica, destacando-se a dislexia, o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e o cálculo matemático (discalculia).

Apesar de todos os esforços empregados pelo professor alfabetizador, nota-se que alguns escolares apresentam dificuldades relativamente seletivas em operar com o sistema de regras que relacionam as unidades de som da língua (categorias fonêmicas) com os símbolos gráficos (letras ou grafemas) que as representam, apesar de uma inteligência normal, oportunidades educacionais e motivação adequadas e aparente ausência de déficits sensoriais ou dano neurológico4-6. A dislexia do desenvolvimento não é ambiental, mas sim uma desordem neurológica de origem genética que afeta, em países desenvolvidos, 5 a 17% dos escolares. No Brasil, ainda não temos dados conclusivos sobre a prevalência, a qual varia de acordo com a regularidade da ortografia da língua em questão, pois esta desordem não faz parte das categorias oficiais do sistema educacional de nosso país; porém alguns estudos estimam de 2 a 8%7.

Prejuízos no processamento fonológico, incluindo a consciência fonológica (refletir sobre os sons das palavras, tais como rimas, aliterações e fonemas), a memória verbal de curto-prazo e a nomeação rápida dificultam as conversões letra-som e representam os principais fatores de risco para a dislexia8-10.

No Brasil, grande parte dos alunos encaminhados a atendimento especializado não apresenta distúrbios de aprendizagem, mas sim dificuldades geradas por causas externas, com origem em fatores ambientais ou metodológicos6, fato que sobrecarrega o sistema público, um fenômeno alcunhado de "síndrome do encaminhamento". Este problema é causado principalmente porque nossa política educacional ainda não reconhece a dislexia como uma categoria de transtorno de aprendizagem e as concepções pedagógicas predominantes no sistema educacional brasileiro não enfatizam, e até mesmo desencorajam veementemente, as relações grafo-fonológicas na alfabetização11. Este quadro se reflete na formação acadêmica dos educadores e sua pouca familiaridade, de um modo geral, com o conhecimento científico sobre os processos cognitivos e neurofuncionais relacionados à linguagem escrita e sobre a sintomatologia da dislexia e sua base genético-neurológica. Juntos, esses problemas na educação brasileira fazem com que se confundam, frequentemente, transtornos de aprendizagem, isto é, problemas de aprendizagem de origem constitucional e intrínsecos ao escolar, com dificuldades de aprendizagem, que são problemas de origem ambiental ou extrínsecos ao escolar, dentre as quais se incluem a metodologia de alfabetização inadequada, problemas emocionais-afetivos na família e/ou na escola, etc6. Finalmente, a conjunção desses fatores culmina numa quase ausência de critérios bem definidos e instrumentos pedagógicos de rastreamento dos fatores de risco para as dificuldades de leitura que orientem a adoção adequada dos encaminhamentos.

Do ponto de vista da prática educacional, as contribuições no sentido de se desenvolverem formas objetivas e práticas de análise e avaliação das habilidades subjacentes às aquisições da leitura e escrita pelo educador são extremamente importantes e ainda escassas6,12. O que temos, em sua maioria, são testes clínicos, não voltados às necessidades dos educadores. Nesse sentido é fundamental o desenvolvimento de instrumentos pedagógicos pré-diagnósticos, aplicáveis em sala de aula (coletivos), que ajudem o professor tanto na tarefa de rastreamento de escolares de risco para a dislexia, como, consequentemente, na intervenção precoce, independentemente de diagnóstico definitivo, em uma atitude conhecida como responsividade6,12.

Conforme a literatura da área, em um escolar com inteligência geral normal, sem danos sensórios ou neurológicos aparentes e motivação e oportunidades educacionais adequadas, os principais pré-requisitos para aquisição da linguagem escrita são as habilidades relacionadas ao processamento fonológico, tais como consciência fonológica (ataque e rima, segmentação fonêmica) memória de trabalho fonológica (repetição de sequências de palavras) e nomeação rápida (cores, figuras, dígitos, etc.). Complementarmente, as pesquisas apontam que prejuízos nestas habilidades de processamento fonológico consistem na principal característica ou sintomatologia dos escolares de risco para a dislexia5,8-10.

Uma vez que a principal causa da dislexia está nos déficits de processamento fonológico, torna-se fundamental a identificação precoce destes déficits em crianças no início da aquisição da leitura, o que é possível através de "testes de rastreamento" específico das habilidades fonológicas (screening tests). Tal procedimento não só evitará o problema da síndrome do encaminhamento, isto é, o encaminhamento indevido aos serviços públicos de um excessivo número de crianças equivocamente rotuladas como disléxicas, mas também terá importantes implicações tanto psicopedagógicas quanto socioafetivas17.

Dentre os fatores psicopedagógicos destacamos a identificação precoce, isto é, quanto mais cedo for reconhecida a criança em situação de risco, menor será a lacuna escolar (de conteúdo) que ambos, a escola e o escolar, terão de compensar. Também há o fator psicológico-cognitivo, que consiste no fato de que avaliar um escolar de 5 ou 6 anos resulta em um perfil "mais puro", isto é, sem grandes influências de experiências pedagógicas prévias juntamente com suas consequências emocional-afetivas (dificuldades e baixa autoestima, etc.), sendo mais fácil interpretar o resultado obtido. Finalmente, a identificação precoce permite o estabelecimento de uma rede de comunicação e apoio, dentro da qual as necessidades do escolar podem ser satisfeitas com mais facilidade e precisão e manejadas com sensibilidade. Este manejo é principalmente facilitado pela plasticidade cerebral maior das crianças mais novas e sua suscetibilidade à reorganização neural para as habilidades que estão sendo estimuladas4,17,25.

Quanto aos fatores socioafetivos beneficiados pela identificação correta e precoce dos escolares de risco, destacamos o fato da identificação precoce possibilitar também uma "intervenção precoce", a qual, como assinalamos no parágrafo acima, se beneficia da maior plasticidade cerebral das crianças mais novas e facilita o sucesso da intervenção, e minimiza os sentimentos de fracasso, frustração e desânimo das crianças em dificuldades de aprendizagem.

Com base no exposto acima, este estudo tem por objetivo elaborar e aplicar atividades pedagógicas coletivas, que avaliem as habilidades fonológicas em pré-leitores e leitores iniciantes e que sirvam como potenciais instrumentos de rastreamento para ajudar na identificação de escolares de risco para desenvolver dificuldades na leitura-escrita.

 

MÉTODO

Este estudo foi realizado após a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia e Ciências - CEP/FFC/UNESP, Marília, SP, sob o protocolo nº 0630/2009.

Participaram deste estudo 45 escolares do segundo ano do ensino fundamental (antiga 1ª série), com idade média de 88 meses (82 a 95 meses), sendo 29 do gênero masculino e 16 do gênero feminino, provenientes de quatro salas de aula de uma escola da rede particular de ensino da cidade de Marília - SP, cujo método de alfabetização na Educação Infantil tem por base a abordagem construtivista com ênfase no significado. Foram utilizados como critérios de inclusão: assinatura pelos pais do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido; escolares com acuidade visual, auditiva e desempenho cognitivo dentro dos padrões de normalidade; e nenhum histórico de danos neurológicos descrito no prontuário escolar. Como critérios de exclusão, foram utilizados: ausência da assinatura do Termo Livre e Esclarecido; escolares que apresentassem acuidade visual, auditiva e desempenhos cognitivos abaixo dos padrões de normalidade, descritos no prontuário escolar; outras síndromes genéticas ou neurológicas.

O procedimento adotado neste estudo consistiu na aplicação de dois instrumentos de avaliação.

A) O Protocolo de Habilidades Cognitivo-Linguísticas, proposto por Capellini e Smythe15, doravante referido como C&S, é uma adaptação para o português brasileiro do International Dyslexia Test (IDT), proposto por Smythe e Everatt27, composto de duas versões: a coletiva e a individual. A versão coletiva compreende cinco subtestes:

1) Conhecimento do alfabeto (letras do alfabeto que o escolar conhece e pode escrever; escore máximo: 26);

2) Cópia de formas (copiar um círculo, quadrado e losango e uma forma complexa combinando elementos destas figuras simples; escore máximo de acordo com escala padronizada: 7);

3) Aritmética (operações simples de adição e subtração compatível com a faixa etária; escore máximo: 4);

4) Escrita sob ditado (30 palavras reais e 10 pseudopalavras ditadas pelo examinador; escore máximo: 40);

5) Memória de curta duração (escrever 14 sequências de dígitos, ditados pelo examinador, contendo de 2 a 8 dígitos; escore máximo: 14).

A versão individual, por sua vez, consiste de cinco testes que avaliam:

1) Leitura de palavras e pseudopalavras (fluência e acurácia);

2) Consciência fonológica, incluindo rima (de três palavras ouvidas dizer quais as duas que rimam), aliteração (de três palavras ouvidas dizer quais as que começam com o mesmo som) e segmentação silábica (bater uma palma para cada sílaba de uma palavra ouvida);

3) Processamento auditivo, incluindo a memória verbal de trabalho (repetição de sequências de palavras e dígitos, e repetição de pseudopalavras isoladas), ritmo (reproduzir ritmos ouvidos produzidos pelo examinador batendo com o lápis/caneta na carteira) e, finalmente, discriminação de sons (dizer se duas palavras ouvidas, diferindo em somente um fonema, são iguais ou diferentes);

4) Processamento visual, incluindo memória visual para formas (reproduzir, na mesma ordem mostrada pelo examinador, sequências de 2 a 5 figuras com detalhes) e rotação espacial (número de erros de rotação cometidos na tarefa de memória visual);

5) Velocidade de processamento, incluindo a nomeação rápida de figuras e dígitos.

A aplicação deste protocolo teve como finalidade a obtenção de dados que servissem de parâmetros para a aferição da sensibilidade do instrumento pedagógico proposto: a Ferramenta Alternativa do Educador (FAE).

A versão coletiva do protocolo foi aplicada nas respectivas salas de aula dos alunos, para o que bastou o tempo correspondente ao de uma aula de aproximadamente 50 minutos. Os subtestes do protocolo foram aplicados pela primeira autora. Os alunos receberam instruções orais relativas a aspectos de organização, como: não se levantarem do lugar durante o teste, não perguntarem durante a realização da prova e seguirem em frente, mesmo diante de dúvidas ou erros. Cada subteste foi precedido de amplas explicações e treino para garantir o entendimento de todos. Já na aplicação da versão individual do protocolo, cada aluno foi recebido individualmente em uma sala bem iluminada e com um mínimo de ruído possível, considerando o ambiente escolar, com uma mesa e cadeiras para o aplicador e o aluno; cada sessão teve duração de aproximadamente 40 a 60 minutos. Todas as provas foram precedidas de explicação e treino, conforme consta no próprio protocolo.

B) Ferramenta Alternativa do Educador: tarefas FAE

A Ferramenta Alternativa do Educador (FAE) constitui-se de um conjunto de seis atividades coletivas elaboradas por Andrade17, de modo a serem facilmente aplicáveis em sala de aula pelo professor.

Os estímulos linguísticos utilizados nas tarefas FAE foram baseados principalmente nas tarefas de processamento fonológico do Protocolo C&S, bem como de outros protocolos especialmente desenvolvidos e/ou adaptados para o português brasileiro, todos reconhecidamente eficazes na detecção de dificuldades típicas dos transtornos de leitura e de escrita15,16. Desta forma, as tarefas FAE envolvem as principais habilidades associadas com a dislexia: consciência fonológica, nomeação rápida e memória de trabalho verbal, sendo que o procedimento compreende atividades de:

• Comparação entre figuras e figuras com palavras faladas: figuras cujos nomes devem ser recuperados e comparados para julgamento de rima, aliteração e comutação;

• Pareamento de figuras e palavras escritas: julgar a correspondência entre as figuras e palavras escritas com base na ortografia e na fonologia.

As FAE 1 e 6 foram elaboradas a partir de subteste 3 e as FAE 2 e 5, a partir de subteste 4 da versão individual do protocolo C&S. A FAE 4, que envolve a detecção de uma inconsistência ortográfica ou semântica de uma palavra escrita que nomeia uma figura, foi elaborada a partir do teste TeCoLeSi - Teste de Competência de Leitura de Palavras e Pseudopalavras16. Finalmente, a FAE 3, que envolve principalmente a habilidade de comutação e memória de trabalho verbal, foi baseada no Teste de Discriminação Fonológica16. As habilidades envolvidas em cada atividade e suas respectivas medidas são apresentadas na Quadro 1.

As tarefas FAE foram aplicadas pela primeira autora na própria sala de aula, com a observação da professora, uma a cada dia, compreendendo seis dias seguidos de aplicação em cada sala, com tempo médio de 30 a 50 minutos de duração para cada uma delas. Os alunos receberam instruções orais relativas a aspectos de organização, como: não se levantarem do lugar e nem fazerem perguntas durante a atividade e seguirem em frente, mesmo diante de dúvidas ou erros. Cada subtestes foi precedido de amplas explicações para garantir o entendimento de todos. A aplicação só iniciou após treinos feitos na lousa, utilizando exemplos diferentes aos da atividade e após os devidos esclarecimentos das dúvidas.

A análise estatística foi realizada pela análise de correlação entre os desempenhos dos subtestes do protocolo C&S, bem como entre estes subtestes com as tarefas FAE. Para verificar as relações entre os pares de variáveis, utilizamos a Análise de Correlação de Spearman, para amostras não-paramétricas. Adotamos o nível de significância de 5% (0,05), destacado com asterisco (*). Para análise dos dados, foi utilizado o programa "Graphpad Prism". A força das correlações foi analisada com base na classificação de força ou magnitude do relacionamento entre variáveis por Dancey e Reidy18, e consideramos as correlações moderadas a altas (r > 0,60), correlações moderadas (0,40 a 0,59), e as correlações fracas a moderadas (0,30 a 0,39).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Na Tabela 1, encontramos a pontuação média e o desvio padrão para cada tarefa do Protocolo C&S utilizado neste estudo.

Conforme demonstra a Tabela 2, os subtestes fonológicos, metafonológicos e de velocidade de processamento apresentaram correlações de moderadas a altas com as habilidades de leitura e escrita, confirmando relação de reciprocidade entre essas competências e a aquisição de leitura e escrita, ao passo que nenhuma tarefa de processamento visual apresentou correlação significante com a leitura e escrita. Ao observarmos as correlações moderadas e moderadas a altas da Tabela 2, notamos que as tarefas de aliteração, rima, discriminação fonêmica, memória de trabalho verbal e, finalmente, as tarefas de nomeação rápida de figuras e dígitos, são as que formaram pares de variáveis com as maiores forças de correlação com as tarefas de leitura e escrita.

A Tabela 2 demonstra que, se nos focarmos somente nas correlações moderadas a altas (r > 0,60), notamos que a nomeação rápida de figuras (RANF), a tarefa metafonológica de aliteração (AL) e a tarefa fonológica de memória de trabalho verbal (MTV) foram os três subtestes que, nesta ordem, se correlacionaram mais fortemente com a fluência na leitura, que inclui a leitura de palavras por minuto e o tempo total de leitura da lista de 70 palavras. Estes três subtestes também foram os mais fortemente correlacionados com a acurácia de leitura (total de palavras lidas corretamente), desta vez com a aliteração apresentando a correlação mais alta, seguida pela nomeação de figuras e pela memória verbal de trabalho, respectivamente. Outras habilidades como: segmentação silábica (SS), rima (RM), discriminação fonêmica (DF) e repetição de pseudopalavras (RPS) e a tarefa de nomeação de dígitos (ND), também se correlacionaram com a fluência e a acurácia de leitura. Mais especificamente os subtestes SS e RM apresentaram correlações fracas e moderadas, respectivamente com a leitura de palavras por minuto e com a acurácia, sendo que no tempo total de leitura somente a rima apresentou uma correlação mais forte, isto é, moderada.

Esses resultados são altamente consistentes com a literatura4-10 em dois aspectos importantes. Primeiro, estão de acordo com o consenso de que as habilidades fonológicas consistem no principal fator subjacente à aquisição de leitura e escrita, cujos déficits constituem a principal causa da dislexia, e segundo, os déficits na consciência fonológica (particularmente em tarefas envolvendo segmentação fonêmica, rima e aliteração), memória verbal de trabalho e nomeação rápida, correspondem aos três principais sintomas comportamentais subjacentes à dislexia.

A Tabela 2 também mostra que as tarefas de discriminação fonêmica (DF) e repetição de pseudopalavras (RPS) se correlacionaram, nesta ordem, com a fluência, tanto na leitura de palavras por minuto quanto no tempo total de leitura. Finalmente, a nomeação de dígitos também se correlacionou com a fluência, tanto na leitura de palavras por minuto quanto no tempo total e com a acurácia.

O fato de a segmentação silábica ter sido a tarefa mais fracamente correlacionada com as habilidades de leitura e escrita já era esperado e consistente com a literatura17,19. De fato, as sílabas correspondem às maiores e mais óbvias unidades de segmentação fonológica e sua consciência já está presente nas crianças entre 4 e 5 anos de idade, consistindo no primeiro estágio da consciência fonológica. O desenvolvimento da consciência fonológica é, conforme o modelo proposto por Stanovich19, visto como ocorrendo ao longo de um continuum que vai das unidades maiores para as menores, iniciando-se com a consciência das palavras, seguida pela consciência das sílabas, passando pelas unidades intra-silábicas como o ataque (onset) e a rima (rime) e, finalmente, chegando aos fonemas, as menores unidades menores. Concernente às unidades sublexicais, Ziegler e Goswami20 notam que a consciência silábica é o primeiro nível a surgir na progressão do desenvolvimento da consciência lingüística, por volta de 3 a 4 anos de idade, seguida da consciência do ataque e rima entre 4 e 5 anos. A consciência fonêmica somente se desenvolve plenamente com o treinamento formal e/ou a aquisição do código alfabético, independente da idade em que se aprende a ler e escrever, de modo que, nas crianças com escolaridade normal, ela surge por volta dos 6 a 7 anos, ao passo que os adultos analfabetos tendem a não apresentar consciência fonêmica14,19. Com base nessa progressão de desenvolvimento da consciência fonológica, uma fraca consciência silábica necessariamente implicará numa fraca consciência fonêmica, ao passo que uma fraca consciência fonêmica pode ocorrer na presença de uma boa consciência silábica, e isto explica as fracas correlações entre segmentação silábica e habilidades de leitura e escrita19. É exatamente isto que observamos há mais de vinte anos em nossa prática diária com a alfabetização.

Por outro lado, o fato de nenhuma das tarefas de processamento visual ter apresentado correlação estatisticamente significante com as habilidades de leitura e escrita é consistente com o sólido corpo de evidências segundo o qual as principais habilidades requeridas na aquisição normal da leitura e escrita são de natureza fonológica e que os déficits fonológicos consistem na principal causa subjacente à dislexia do desenvolvimento4-10, sendo que a dislexia decorrente exclusivamente de déficits no processamento visual corresponde a uma minoria de indivíduos disléxicos9.

De uma forma geral, esses dados confirmam a literatura internacional4,5,8,9,14,19,20 e nacional6,7,10,21,22, segundo a qual o domínio do código escrito alfabético depende crucialmente de habilidades de processamento fonológico, um conceito que inclui principalmente a consciência fonológica, a memória de trabalho verbal e a nomeação rápida, cujos prejuízos são a causa fundamental subjacente ao transtorno da leitura e escrita conhecido como dislexia. Em outras palavras, estes dados sugerem que qualquer método de alfabetização para ser eficiente deve estimular as habilidades de processamento fonológico ainda na fase pré-escolar e nos anos iniciais da alfabetização, bem como enfatizar as relações grafema-fonema, independentemente da utilização de textos e de uma abordagem significativa.

Outro aspecto importante de nosso estudo é o fato de termos trabalhado com uma amostragem de crianças provenientes de uma escola de classe média-alta, as quais tinham condições socioeconômicas, afetivas e pedagógicas altamente favoráveis. Alguns desses escolares, apesar de satisfazerem os requisitos de inclusão na amostragem, isto é, possuírem acuidade visual, auditiva e desempenho cognitivo dentro dos padrões de normalidade, bem como nenhum histórico de danos neurológicos, ainda assim apresentaram dificuldades significativas na aquisição da linguagem escrita. Estes escolares foram exatamente aqueles que demonstraram clara discrepância em seus escores mais baixos nas habilidades de processamento fonológico em relação aos escolares com aquisição normal da leitura e escrita, apesar de terem um desempenho normal nas tarefas de processamento visual. Juntos, estes aspectos e os resultados de nosso estudo reforçam a antiga conclusão de que uma das principais causas das dificuldades de aquisição da linguagem escrita não é de natureza socioeconômica, mas sim linguística1,20,23. Finalmente, este estudo fornece suporte adicional para a efetividade do protocolo em detectar escolares de risco para a dislexia.

Na Tabela 3, encontramos a pontuação mínima, máxima, a média, a mediana e o desvio padrão para cada uma das seis tarefas FAE.

 

 

Conforme demonstrado na Tabela 4, somente as FAE 1, 2 e 5 se correlacionaram com as tarefas de aliteração e rima. Entretanto, as FAE 2 e 5, além de correlacionarem com as tarefas metafonológicas de aliteração e rima, foram as únicas que também se correlacionaram com as tarefas de discriminação fonêmica (DF), memória de trabalho verbal ou fonológica (MTV), repetição de pseudopalavras (RPS) e de nomeação rápida de figuras.

Ainda na Tabela 4, vemos que as FAE 2 e 5 apresentaram as correlações mais fortes e significantes com a aliteração, a qual, por sua vez, foi a tarefa mais forte e significantemente correlacionada com as habilidades de leitura e escrita, sendo que tarefa FAE 2 foi a que mais fortemente se correlacionou com ambas as tarefas de aliteração e rima.

A Tabela 4 também demonstra que a FAE 1 (aliteração com estímulos somente visuais) também se correlacionou com as tarefas de aliteração e de rima (r = 0,39, p < 0,01) e foi a única das tarefas FAE a se correlacionar com a segmentação silábica (SS). A FAE 1 juntamente com a FAE 6 (aliteração com estímulos auditivos) foram as únicas que se correlacionaram com o processamento visual, mais especificamente com a memória visual. Isto parece ser consistente com o fato de que nas tarefas de aliteração do protocolo os escolares declararam terem recorrido frequentemente à memória visual da ortografia das palavras (léxico ortográfico) ouvidas para encontrarem a primeira letra e, assim, julgar as palavras com o mesmo som inicial, embora essa explicação seja de natureza especulativa. É possível que nas FAE de aliteração (1 e 6), baseadas principalmente em figuras, a estratégia visual seja mais facilmente usada que nas outras. Finalmente, a FAE 6 se correlacionou, além da memória visual, com as tarefas de nomeação rápida de figuras e de dígitos.

As FAE 3 e 4 não apresentaram nenhuma correlação significante com as habilidades fonológicas testadas pelo protocolo.

O fato de as tarefas FAE 1 (aliteração), FAE 2 (rima) e FAE 5 (rima) terem sido sensíveis aos subtestes fonológicos e de nomeação rápida do protocolo nos permite concluir que estas tarefas estão envolvendo os mesmos mecanismos subjacentes ao processamento fonológico e, portanto, podem servir de base para um estudo mais amplo da viabilidade de aplicação de ferramentas pedagógicas coletivas que avaliem as habilidades fonológicas em sala de aula.

Para verificar em que extensão as FAE podem ser usadas não somente como instrumentos de avaliação das habilidades fonológicas mais importantes para a aquisição da leitura e escrita, mas também como um indicador direto dessas habilidades, nós obtivemos as correlações de todas as tarefas FAE com cada uma das habilidades de leitura e escrita do protocolo. As tarefas FAE 1, 2, 4 e 5 foram as que apresentaram correlações estatisticamente significantes com as habilidades de leitura e escrita, conforme mostram os destaques na Tabela 5. Realmente constatamos que consistentemente com o fato de terem sido as mais fortemente correlacionadas com as habilidades fonológicas, as tarefas FAE 2 e 5 também apresentaram correlações moderadas a altas e extremamente significantes com todas as habilidades de leitura e escrita.

 

 

É interessante notar que embora a FAE 6 tenha se correlacionado com os subtestes de nomeação rápida (figuras e dígitos), conforme apresentado na Tabela 4, esta não apresentou nenhuma correlação significante com quaisquer habilidades de leitura e escrita e, por isso, não consta na Tabela 5. Inversamente a tarefa FAE 4, apesar de não se correlacionar com nenhuma das habilidades fonológicas e de nomeação rápida, ainda assim apresentou correlações significantes, embora de fracas a moderadas, com habilidades de leitura e com a escrita de pseudopalavras (Tabela 5).

Uma particularidade da FAE 4 é que ela foi a tarefa FAE mais fortemente correlacionada com o alfabeto (r = 0,39, p<0,009), embora as correlações do alfabeto não constem na Tabela 4. Assim como a FAE 4, o alfabeto também não se correlacionou com nenhuma tarefa auditiva do protocolo, excetuando-se a memória de trabalho verbal, mas sim com subtestes envolvendo processamento visual, tais como rotação visuo-espacial (r = -0,32, p<0,03) e nomeação rápida de figuras (r = -0,36, p<0,01), conforme apresentado na Tabela 2. Juntos, estes dados sugerem que a correlação da tarefa FAE 4 com as habilidades de leitura e escrita (Tabela 5) se devem, principalmente, ao conhecimento do alfabeto e do princípio alfabético que, juntamente com as habilidades de processamento visual requeridas na formação e no processamento do léxico ortográfico permitem um desempenho razoável na comparação de uma palavra escrita e a figura que a acompanha, característica fundamental desta tarefa.

No seu conjunto, estes resultados sugerem que a tarefa FAE 4 permite a aplicação do conhecimento do léxico ortográfico, isto é, da estratégia logográfica de leitura por meio do uso da rota lexical24, independentemente da decodificação grafofonológica, para realizar a tarefa com sucesso. De fato, uma análise mais detalhada no nível individual nos mostrou que praticamente todos os escolares que possuíam um bom conhecimento do alfabeto, incluindo alguns com fracas habilidades fonológicas e claras dificuldades de leitura e escrita, apresentaram desempenho normal nesta tarefa. Estes dados são consistentes com a observação de que esta tarefa é particularmente sensível ao uso de estratégias logográficas ou lexicais, especialmente empregadas por alunos com déficits fonológicos e dificuldades de leitura e escrita16.

Uma implicação importante do padrão de resultados e correlações da tarefa FAE 4, para o debate das abordagens de alfabetização, é que ela revela o fato de os escolares com claras dificuldades de leitura e escrita normalmente utilizarem estratégias logográficas na leitura, um fato consistente com a literatura internacional25 e a nacional16. Em primeiro lugar, isto mostra que a abordagem logográfica não é suficiente para um bom desempenho de leitura. Além disso, é importante salientar que todos os escolares de nosso estudo, incluindo aqueles com baixo desempenho de leitura e escrita, estão no estágio alfabético de acordo com o desenvolvimento da leitura e escrita na proposta descrita na literatura26.

Portanto, estes dados implicam, em segundo lugar, que o fato de o escolar possuir a hipótese de que cada fonema é escrito por uma letra (princípio alfabético), o que corresponde à hipótese alfabética conforme o desenvolvimento da linguagem escrita26, estes conhecimentos não são suficientes para um desenvolvimento normal da leitura e da escrita, o qual também exige um ensino que enfatize sistematicamente as relações letra-som e estimule a percepção consciente e eficiente dos sons linguísticos no nível fonêmico (a consciência fonêmica). Essa breve discussão também encontra total respaldo em estudos realizados com leitores iniciantes falantes do inglês25.

Um aspecto importante de nossos achados é que, da mesma forma que as correlações de moderada-a-altas entre as tarefas de processamento fonológico e as tarefas de linguagem escrita do protocolo15 confirmam o amplo corpo de evidência produzido nos últimos 40 anos e geram implicações importantes com respeito às concepções de alfabetização que não priorizam a relação grafema-fonema, algumas tarefas FAE apresentaram correlações moderadas e de moderadas a altas com o processamento fonológico (Tabela 4) e com as habilidades de leitura e escrita (Tabela 5). As tarefas FAE 1, FAE 2, FAE 4 (leitura silenciosa) e FAE 5 se correlacionaram consistentemente com habilidades de leitura e escrita, e particularmente a FAE 2 (Rima) apresentou uma forte correlação com a aquisição da linguagem escrita (Tabela 5).

O fato de que as tarefas FAE 1, 2 e 5 se correlacionaram com ambas as habilidades de processamento fonológico (Tabela 4) e de leitura e escrita (Tabela 5) reflete a natureza dessas tarefas. As tarefas FAE 1, FAE 2 e FAE 5 como mostra a Tabela 1, foram elaboradas de modo a demandarem a consciência fonológica no nível da aliteração (FAE 1) e da rima (FAE 2 e 5), entretanto, todas elas requerem a nomeação das figuras antes de realizar as comparações no nível fonológico envolvendo ao mesmo tempo a recuperação léxico-fonológica da memória de longo-prazo, bem como requerem a memória fonológica de curto prazo na manutenção on-line dessas representações fonológicas recuperadas para a realização da comparação. Portanto, estas tarefas possuem uma natureza especial de representarem altas demandas de processamento fonológico e, por isso, demonstraram correlações significantes com as tarefas relacionadas de processamento fonológico do protocolo15.

 

CONCLUSÃO

Nossos resultados são consistentes com o grande corpo de evidências que apóia a noção de que a consciência fonológica, a memória de trabalho verbal e a nomeação rápida correspondem aos mecanismos fonológicos centrais à aquisição da leitura e escrita, independentemente dos fatores socioculturais, e cujos prejuízos consistem a principal característica ou sintomatologia dos escolares de risco para a dislexia. Particularmente, nossos resultados revelam a eficiência do Protocolo de Habilidades Cognitivo-Linguísticas em identificar risco para a dislexia também em escolares de classe média-alta.

Com relação às atividades pedagógicas coletivas, particularmente as tarefas FAE 1, FAE 2 e FAE 5, elaboradas de modo a demandarem a consciência fonológica no nível da aliteração (FAE 1) e da rima (FAE 2 e 5), estas foram de fato significantemente relacionadas à consciência fonológica (aliteração e rima), à memória de trabalho verbal e à nomeação rápida (Tabela 4), bem como às tarefas de leitura e escrita do protocolo, indicando que de fato estas tarefas estão envolvendo os mesmos mecanismos subjacentes à aquisição da leitura e escrita. Portanto, estes resultados demonstram que é possível desenvolver atividades pedagógicas coletivas adaptadas à realidade da sala de aula que funcionem como ferramentas de identificação de escolares de risco para a dislexia.

Este estudo está somente na sua primeira fase, e ainda há um grande caminho a se percorrer para a obtenção de um protocolo efetivo de ferramentas psicopedagógicas para o professor em sala de aula. Porém, acreditamos que o primeiro passo está sendo dado ao mostrar evidências científicas de tarefas pedagógicas altamente promissoras para a educação.

 

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Correspondência:
Olga Valéria Campana dos Anjos Andrade
Rua Sperêndio Cabrini, 231 - Bairro Maria Isabel II
Marília, SP, Brasil - CEP: 17516-300
E-mail: olgavandrade@hotmail.com

Artigo recebido: 15/12/2010
Aprovado: 8/2/2011

 

 

Trabalho realizado no Colégio Criativo, Marília, SP, Brasil.

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