SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.28 issue87Studies on Psychopedagogy, teacher's stress and sleep disordersVisual perception of students with learning disabilities author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

article

Indicators

Share


Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.28 no.87 São Paulo  2011

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Análise da produção escrita de crianças com dislexia do desenvolvimento submetidas a intervenção fônica computadorizada

 

Written production analysis of children with developmental dyslexia submitted to a computerized phonological intervention

 

 

Darlene Godoy de OliveiraI; Karen Kaufmann SacchettoII; Karen UekiIII; Patrícia Botelho da SilvaIV; Elizeu Coutinho de MacedoV

IPsicóloga, mestre e doutoranda em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bolsista FAPESP, São Paulo, SP, Brasil
IIPedagoga, Especialista em Distúrbios de Aprendizagem pelo CRDA, mestranda em Distúrbios do Desenvolvimento pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil
IIIGraduanda em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bolsista CNPq, São Paulo, SP, Brasil
IVGraduanda em Psicologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bolsista Mackpesquisa, São Paulo, SP, Brasil
VPsicólogo, mestre e doutor em Psicologia Experimental pela USP, Professor e coordenador do programa de pós-graduação em Distúrbios do Desenvolvimento da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pesquisador produtividade CNPq, São Paulo, SP, Brasil

Correspondência

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: Déficits de escrita são comuns em crianças disléxicas, especialmente nos domínios de codificação ortográfica e fonológica. Procedimentos de avaliação psicopedagógica devem considerar a semiologia de erros de escrita, para promover o desenvolvimento eficaz destas habilidades. Programas interventivos com foco no processamento fonológico contribuem para melhora nas habilidades de linguagem escrita de disléxicos.
OBJETIVO: Este estudo objetivou verificar mudanças no padrão de escrita de disléxicos submetidos à intervenção com o software Alfabetização Fônica Computadorizada, por meio da análise dos tipos de erros ortográficos.
MÉTODO: Vinte crianças, com idade média de 11,7 anos, com diagnóstico de dislexia foram avaliadas em tarefas de leitura e escrita e divididas em dois grupos pareadas por idade, sexo e escolaridade. O GI (n=10) foi submetido à intervenção em 16 sessões semanais. O GII não recebeu tratamento. Todos os sujeitos foram novamente avaliados após a intervenção.
RESULTADOS: Análises da primeira avaliação indicaram que os grupos tinham o mesmo nível de escrita. Na segunda avaliação, houve aumento significativo da velocidade de escrita no GI. Não houve diferenças significativas para aumento do número de acertos e para diminuição de erros de escrita conforme as categorias analisadas, apesar de haver decréscimo na média de erros por palavra e nas categorias de correspondência biunívoca, omissão de segmento, correspondência regular contextual, correspondência irregular independente de regras e supercorreção. Estes resultados são discutidos considerando o modelo de intervenção psicopedagógico, o número de sessões e as habilidades treinadas.
CONCLUSÃO: A utilização do software Alfabetização Fônica Computadorizada pode auxiliar no desenvolvimento da escrita em crianças disléxicas em conjunto ao treinamento de habilidades ortográficas.

Unitermos: Dislexia. Escrita manual. Avaliação educacional.


SUMMARY

INTRODUCTION: Writing deficits are common in dyslexic children especially in orthographic and phonological coding domains. Procedures of psychopedagogy assessment should consider the semiology of spelling errors to promote the effective development these skills. Interventional programs focused on phonological processing contribute to improvement in written language skills of dyslexics.
PURPOSE: This study aimed to measure changes in the pattern of dyslexic writing submitted to the intervention with the computed phonic literacy software through analysis of types of orthographic errors.
METHODS: Twenty dyslexics children (average age 11.7) were assessed by reading and writing tasks and were divided in two groups paired by age, sex and schooling. The G1 (n=10) was submitted in 16 weekly sessions to intervention. All the subjects were reevaluated after the intervention.
RESULTS: Analysis of the first evaluation indicated that both groups had the same level of writing. In the second evaluation, was significant increase of writing speed in G1. There were no significant differences to increase the number of correct responses and reduction of spelling errors by the categories analyzed, although there is a decrease in average errors per word and in categories of two-way matching, omission of segment, contextual regular correspondence, independent correspondence irregular rules and overcorrection. This data are discussed considering the psychoeducational intervention model, the number of sessions and the skills trained.
CONCLUSION: The use of Phonics Computer Literacy software can improves the development of writing in dyslexic children in conjunction with the spelling skills training.

Key words: Dyslexia. Handwriting. Educational measurement.


 

 

INTRODUÇÃO

Dificuldades persistentes e sistemáticas na aquisição da leitura, presentes tanto no domínio da decodificação como na compreensão da leitura, são características da dislexia do desenvolvimento. Por definição, a dislexia do desenvolvimento é um distúrbio específico de aprendizagem de origem neurobiológica, caracterizado por dificuldades na correta e/ou fluente leitura de palavras e por pobres habilidades de soletração e decodificação1. Essas dificuldades tipicamente resultam de um déficit no componente fonológico da linguagem que é inesperado em relação às outras habilidades cognitivas e à instrução adequada de ensino em sala de aula. Como consequências secundárias costumam estar presentes problemas na compreensão de textos e, consequentemente, reduzido desenvolvimento de vocabulário e de conhecimentos gerais.

Considerando os processamentos cognitivos necessários para a leitura de palavras e as estratégias utilizadas, a Dislexia do Desenvolvimento pode ser classificada em dois subtipos2, tendo como base o modelo de dupla rota de leitura3. Na dislexia de subtipo fonológica, sublexical ou disfonética, ocorrem falhas na conversão de grafemas em fonemas. Logo, a leitura se dá pela estratégia logográfica por memorização de palavras frequentes. Já na dislexia de subtipo lexical, morfêmica ou de superfície, ocorrem prejuízos no uso da estratégia ortográfica que impedem a leitura de palavras irregulares e a aquisição de fluência.

Assim como ocorre na leitura, a aquisição competente da escrita depende do desenvolvimento adequado de componentes distintos da linguagem oral, tais como a capacidade de nomeação, o vocabulário, a consciência fonológica, o raciocínio verbal e a fluência narrativa4,5. Sendo assim, é comum que disléxicos apresentem também dificuldades de escrita, que tendem a ser negligenciados tanto nos estudos de avaliação e intervenção, como na prática clínica.

A fim de verificar a existência de estágios de aquisição da escrita, estudos longitudinais com amostras representativas foram conduzidos6. Os autores elencaram três habilidades distintas, mas inter-relacionadas, no desenvolvimento típico da escrita: a caligrafia, a composição e a codificação gráfica. A caligrafia engloba o desenvolvimento de habilidades motoras finas e de integração visuo-motora. A composição considera a elaboração de textos e narrativas, nos quais são essenciais habilidades de linguagem oral e das funções executivas, uma vez que é necessário o planejamento adequado da expressão do raciocínio, o engajamento para execução com alocação de recursos atencionais, a alternância em um conjunto de respostas envolvendo codificação fonológica e ortográfica e, por fim, o automonitoramento, a fim de manter ou modificar as estratégias de escrita5.

O componente da codificação gráfica envolve os domínios fonológicos e ortográficos. As habilidades de discriminação e manipulação fonológica, presentes no domínio fonológico, são relevantes para a decodificação, mas não são suficientes para promover fluência e compreensão ampla da leitura. São as habilidades ortográficas, decorrentes de processamento fonológico preservado e do armazenamento de padrões gráficos de palavras (morfêmicos) em nível lexical, que tornam possível a leitura de quaisquer representações da língua escrita.

Ainda não é claro se as dificuldades de escrita podem ser explicadas pela existência de déficits de processamento visual ou se são exclusivamente decorrentes de problemas no nível fonológico7. Considerando o papel da memória para aquisição da escrita, verifica-se a progressão da codificação grafêmica nos níveis de escrita global da palavra, seguida da codificação individual de letras e, posteriormente, de unidades de letras, denominadas clusters. Os clusters referem-se a morfemas presentes em palavras diversas, tais como dígrafos e estruturas silábicas irregulares. A exposição à leitura e o exercício constante de escrita tornam a criança mais eficiente na codificação e as irregularidades da linguagem escrita são automatizadas.

Affonso et al.8 analisaram os tipos de erros ortográficos cometidos por crianças disléxicas, controles pareados por idade cronológica e controles pareados por nível de leitura em uma tarefa computadorizada de nomeação de figuras por escrita. Os resultados indicaram que disléxicos e controles por nível de leitura não diferiram quanto ao número de acertos, mas ambos acertaram menos que os controles por idade. Em relação aos tipos de erros, os disléxicos apresentaram maior número de erros nas correspondências unívocas grafema-fonema, omissão de segmentos e correspondência fonema-grafema independente de regras, o que indica a existência de falhas do processamento fonológico e do processamento lexical necessários para a codificação.

De acordo com Ygual-Fernandez et al.9, para analisar os erros ortográficos na codificação escrita é essencial compreender a relação que o indivíduo faz entre linguagem oral e escrita para o desempenho na conversão fonema/grafema. Crianças com déficits de escrita costumam apresentar escrita incorreta que foge às regras ortográficas com erros por substituições, omissões, inversões de grafemas e alteração na segmentação de palavras. Sendo assim, diferentes sistemas de classificação de erros ortográficos foram compilados2, que propõem critérios distintos de avaliação qualitativa de erros de escrita, tal como apresentado na Tabela 1.

Considerando que as crianças com dificuldade de leitura e escrita possuem déficits de automatização das habilidades de decodificação grafema-fonema, consequentemente não dispõem de recursos atencionais necessários para memorizar as exceções ortográficas e aprender as irregularidades linguísticas9. A partir disso, procedimentos de intervenção com foco no ensino da escrita devem ser sequenciais e sistemáticos, a fim de promover a automatização das habilidades treinadas. Além disso, devem ser adequados aos tipos de erros ortográficos presentes, sendo os erros relacionados ao princípio alfabético considerados de ortografia natural e erros nas convenções ortográficas, como de ortografia arbitrária.

Fukuda e Capellini10 estudaram a eficácia do programa de treinamento fonológico e correspondência grafema-fonema em crianças de risco para dislexia da 1ª série do ensino fundamental. O fornecimento de instrução formal do princípio alfabético associado ao ensino de consciência fonológica possibilitou às crianças submetidas ao treinamento o desenvolvimento de habilidades cognitivo-linguísticas importantes para a aprendizagem do sistema de escrita do português brasileiro. Barbosa et al.11 investigaram a relação entre habilidades de memória visual e desempenho ortográfico na escrita de crianças da 2ª e 3ª séries do ensino fundamental. Foram aplicadas provas de ditado e leitura de palavras, bem como a tarefa da Figura Complexa de Rey. Os resultados apontaram que as crianças que cometem mais erros ortográficos nos ditados têm pior desempenho na Figura Complexa de Rey. Logo, conclui-se que boas habilidades de memória visual acompanham melhor aquisição das regras ortográficas e estas devem fazer parte de programas interventivos de leitura e escrita.

Capellini et al.12 verificaram a eficácia de um programa de remediação fonológica em crianças disléxicas em um estudo com 4 grupos. O primeiro grupo (GI) foi composto de 20 disléxicos agrupados em dois subgrupos: experimental (GIe) e controle (GIc). Os mesmos procedimentos foram feitos com o segundo grupo (GII), formado por crianças sem dislexia. Todos os sujeitos foram avaliados com testes linguísticos e os sujeitos do GI foram submetidos ao programa. Os resultados demonstraram que as crianças submetidas à remediação obtiveram melhor desempenho na avaliação pós-intervenção, principalmente nas tarefas de leitura e compreensão de texto. Os autores apontam para a importância de amplificar os efeitos deste tipo de programa para crianças com e sem dislexia no ambiente escolar, de modo a favorecer a leitura dos escolares.

Sendo assim, o objetivo deste estudo foi verificar mudanças no padrão de escrita de disléxicos submetidos à intervenção com o software Alfabetização Fônica Computadorizada por meio da análise dos tipos de erros ortográficos cometidos.

 

MÉTODO

Participantes

Vinte crianças com diagnóstico de dislexia do desenvolvimento, com idade média de 11,7 anos, foram alocadas em dois grupos, sendo o primeiro (GI) formado por disléxicos submetidos à Intervenção (Grupo Intervenção) e o segundo (GII) por disléxicos que não se submeteram ao programa de intervenção (Grupo sem Intervenção).

O GI foi formado por 10 crianças (7 meninos), com idade média de 11 ± 2,44 anos e 4,6 anos de escolaridade. Já o GII foi formado por 10 crianças (7 meninos), com idade média de 10,8 ± 1,75 anos e 4,9 anos de escolaridade. Os critérios de pareamento para a formação dos grupos foram idade, sexo e série escolar. A divisão dos participantes nos grupos se deu por critério de conveniência, sendo os 10 primeiros participantes selecionados na pesquisa alocados no grupo de intervenção.

Todos os participantes foram diagnosticados e encaminhados para a participação na pesquisa pelo Núcleo de Atendimento Neuropsicológico Infantil Interdisciplinar (NANI-UNIFESP) ou por consultórios particulares de atendimento fonoaudiológico.

Os participantes foram avaliados por meio de uma bateria computadorizada de leitura, de escrita e de consciência fonológica, a fim de satisfazer os critérios de inclusão e exclusão. Os critérios de exclusão adotados no estudo foram: 1) QI Total no WISC III abaixo da média, com percentil geral abaixo de 25; 2) suspeita de deficiências visuais e/ou auditivas sem correção; 3) presença de lesões cerebrais, histórico de doenças clínicas neurológicas ou psiquiátricas; 4) atraso no desenvolvimento de linguagem oral ou atraso neuropsicomotor; 5) presença de comorbidade com o Transtorno Déficit de Atenção e Hiperatividade.

Instrumentos

A fim de verificar o padrão de escrita dos participantes antes e após a intervenção foi utilizado o TNF1.1-Escrita13, que avalia o desenvolvimento da competência de escrita em português do nome de figuras, ou seja, da competência de produção de escrita livre para nomear figuras que representem objetos e animais conhecidos. Trata-se de um teste de competência de produção de escrita de palavras isoladas que avalia a habilidade do examinando de escrever livremente palavras que correspondem a figuras, sem cometer erros ortográficos ou semânticos13. O teste contém 36 itens, sendo que cada item é composto de uma figura situada acima de uma caixa de texto. O examinando produz a resposta digitando na caixa de texto o nome da figura apresentada. Em um teste de nomeação, diferentes palavras podem corresponder às figuras apresentadas, por exemplo, para a figura de um rato seriam consideradas corretas as respostas: rato, rata, camundongo e ratazana. As possibilidades de nomeação corretas foram estabelecidas durante o processo de padronização do teste. Assim sendo, a correção é feita de maneira automatizada pelo programa e são consideradas incorretas quaisquer respostas que não correspondam às pré-estabelecidas pelo programa e quaisquer tipos de erros ortográficos, incluindo ausência de resposta, respostas do tipo "não sei" e respostas semanticamente incorretas.

Além da correção computadorizada considerando o número de acertos no TNF1.1-Escrita, a produção dos participantes foi analisada qualitativamente, a fim de identificar os tipos de erros cometidos nas respostas. Os erros ortográficos foram categorizados e analisados a partir de parâmetros utilizados por estudiosos compilados por Moojen2: Correspondência Biunívoca (CB); Erros por falha fonema-grafema: Omissão de Segmento (OS); Adição de Segmento (AS); Inversão de Segmento (IS); Juntura ou Segmentação Intervocabular (JS); Correspondência Regular Contextual (CC); Correspondência Irregular Independente de Regras (CR); Supercorreção (SC); Falha Semântica (FS) e Substituição Aleatória (SA).

O instrumento de intervenção foi o software Alfabetização Fônica Computadorizada14, cujas atividades estimulam ludicamente as habilidades de manipulação de grafemas e fonemas. O objetivo destas atividades é promover a aquisição da leitura alfabética, que se dá por meio da decodificação grafema-fonema. O software é dividido em dois módulos de atividades: consciência fonológica e alfabeto. O módulo consciência fonológica contém atividades de reconhecimento de palavras, rima, aliteração, sílabas e fonemas, sendo os estímulos apresentados em desenhos ou em formas geométricas. Na atividade palavras, o participante deve identificar palavras dentro de uma frase e inserir palavras em frases incompletas por meio de combinação semântica. Nas atividades rima, aliteração, sílabas e fonemas, os itens são apresentados inicialmente por meio de figuras que devem ser combinadas de acordo com o princípio fonético do nome e, em seguida, as unidades sonoras são apresentadas em formatos geométricos, para a realização de operações de adição, subtração ou inversão das unidades sonoras.

Já o módulo alfabeto é subdividido nas seções vogais e consoantes. Para cada grafema é apresentado o fonema correspondente, que é ouvido pela criança quando ela faz o contorno da letra com o mouse. Em seguida, são apresentadas listas de palavras para leitura e exercícios de discriminação fonológica para identificação de sons que completam as palavras.

Procedimentos

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética da Universidade Presbiteriana Mackenzie, sob protocolo número 1087/08. Os responsáveis por todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e estes foram avaliados no Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

De acordo com os princípios éticos, após a análise dos resultados do estudo, os participantes do grupo sem intervenção também foram submetidos aos procedimentos, uma vez que estes trouxeram benefícios nas habilidades de leitura e escrita.

Após a primeira avaliação, realizada com todos os participantes, o GI foi submetido à intervenção com sessões semanais e individuais de aproximadamente 60 minutos de duração. A ordem de execução das atividades utilizada foi a prevista pelo manual do software, que intercala atividades dos módulos consciência fonológica e alfabeto, com aumento crescente de dificuldade das atividades. O número de sessões variou conforme a realização do protocolo do software, e cada participante executou duas vezes todas as atividades propostas, o que totalizou um número médio de 16 sessões de intervenção. Após o término das sessões, os participantes dos dois grupos foram submetidos novamente à avaliação com os mesmos instrumentos utilizados na primeira avaliação.

 

RESULTADOS

Foram conduzidas ANOVAS, a fim de comparar os desempenhos dos grupos na avaliação pré-teste, tanto para o número de acertos, quanto para o tempo de execução do teste. A Tabela 2 sumaria o desempenho dos participantes dos grupos no TNF1.1-Escrita. Resultados indicam que os dois grupos apresentaram desempenho similar para número de acertos e tempo de execução, uma vez que não foram encontradas diferenças estatísticas significativas.

A análise quantitativa dos efeitos da intervenção fônica na escrita dos disléxicos foi analisada em função do número de itens corretos, bem como do tempo para a realização do teste. Desta forma, foi feito o cálculo da diferença entre as medidas antes e após a intervenção. A Tabela 3 apresenta as médias das diferenças de pontuação e de tempo de execução entre a segunda e a primeira avaliação dos grupos. Resultados demonstram que os disléxicos que participaram da intervenção passaram a escrever corretamente, em média, duas palavras a mais após o treino com o software. Embora esta diferença não apresente significância estatística, este dado possui relevância no contexto educacional e pedagógico, ainda mais quando analisado em função da diminuição no tempo para a realização do teste. De fato, quando se analisa o tempo para a realização do teste, observa-se que houve diferença significativa entre os dois grupos no tempo para realização da escrita das palavras, sendo que os participantes que fizeram a intervenção tornaram-se mais rápidos, levando em média 5 segundos a menos para escrever cada uma das palavras. Tais dados parecem indicar que a intervenção produziu efeitos na capacidade de codificação.

A análise qualitativa do efeito da intervenção no padrão de escrita a partir da semiologia de erros apresentados pelos grupos foi realizada a partir do cálculo da diferença do número de palavras grafadas incorretamente antes e após a intervenção. Desta maneira, resultados positivos indicam que o número de palavras grafadas incorretamente diminuiu na segunda avaliação. Por outro lado, resultados negativos indicam que o número de palavras grafadas incorretamente aumentou após a intervenção. A fim de verificar o efeito da intervenção para cada uma das categorias de erros ortográficos, foram conduzidos testes t para amostras independentes, comparando-se o desempenho dos dois grupos. A Tabela 4 apresenta os valores médios das diferenças entre as duas avaliações, bem como o desvio padrão de cada média. Além disso, são apresentados os valores de significância para cada um dos tipos de erros analisados.

A análise descritiva dos resultados indica que houve diminuição do número de erros de escrita pelos disléxicos que participaram da intervenção em 4 categorias analisadas. Na categoria de Correspondência Biunívoca (CB), os disléxicos cometeram, em média, aproximadamente 3 erros a menos na segunda avaliação e este resultado indica que a aprendizagem dos fonemas referentes aos grafemas está diminuindo a ocorrência de erros por confusão de letras foneticamente similares. Por outro lado, os disléxicos sem intervenção continuaram cometendo a mesma quantidade de erros nesta categoria. Na categoria de Omissão de Segmentos (OS), houve diminuição média de 6 erros na segunda avaliação pelo grupo de disléxicos que participaram da intervenção. Foi observado aumento médio de 1 erro nesta categoria pelo grupo sem intervenção. Logo, o ensino explícito do princípio alfabético da leitura e das habilidades de consciência fonológica promoveu efeitos na escrita por meio do acréscimo de letras que possuem representação sonora.

Além disso, foram observadas mudanças nas médias do número de Palavras Erradas (PE) e de Erros por Palavra (EP). Os disléxicos que realizaram o treino com o software diminuíram na segunda avaliação, em média, 1,6 palavras escritas com erros. A relevância desta diferença adquire maior significado quando se leva em consideração a diminuição média de 8 erros por palavra nestes mesmos sujeitos. Palavras grafadas incorretamente podem possuir mais de um erro e erros com diferentes semiologias. Logo, os disléxicos que participaram da intervenção escrevem palavras com menor número de erros, enquanto os disléxicos sem intervenção não apresentam diferenças para diminuição da ocorrência de erros.

 

DISCUSSÃO

Este estudo objetivou verificar mudanças no padrão de escrita de disléxicos submetidos à intervenção com o software Alfabetização Fônica Computadorizada, por meio da análise dos tipos de erros ortográficos cometidos. Análises quantitativas verificaram diminuição significativa no tempo de execução na escrita pelo grupo de disléxicos que realizaram a intervenção. Tal resultado é similar ao de trabalho conduzido pelos autores deste estudo15, no qual se verificou que a melhora na capacidade de decodificação promove aumento na velocidade de leitura e também facilita o processo de codificação gráfica. A aquisição e o treino de habilidades de consciência fonológica por parte do GI parece explicar a redução média de 8 erros do tipo Omissão de Segmento em palavras, indicando o desenvolvimento do princípio alfabético e a aplicação deste no domínio da escrita.

Assim como citado15, o delineamento da intervenção aplicada neste estudo consistiu em sessões semanais individuais de 60 minutos, com média de 16 sessões. Este modelo de intervenção psicopedagógica com duração breve promoveu efeitos menos significativos do que aqueles observados em estudos com disléxicos submetidos à intervenção que contemplam maior número de sessões e com intervalos menores de tempo entre elas. Estudos com intervenções mais intensas e aplicadas em contexto escolar têm demonstrado melhora de desempenho mais significativa e, frequentemente mantida ao longo do tempo. Em outro estudo16, foram realizadas duas sessões diárias de 50 minutos em 5 dias por semana, durante 8 semanas. Outra possibilidade de estruturação temporal para intervenção, que promoveu efeitos significativos para mudança no padrão de escrita17, é a realização de 4 sessões semanais de 90 minutos em grupos de 6 sujeitos.

Para além das considerações sobre a estruturação temporal das sessões, outro aspecto relevante a ser discutido é a restrição do treino ao ensino de habilidades de consciência fonológica e de decodificação grafo-fonêmica. Ainda que estes processos façam parte das habilidades preditoras do sucesso em leitura18,19, para a aquisição da escrita eficaz, outras habilidades devem ser treinadas.

Considerando os componentes envolvidos na produção da escrita6, enquanto que a fonologia tem relação direta com a leitura oral, o desenvolvimento de habilidades de ortografia tem impacto maior na produção escrita. Os resultados obtidos por estes autores apontam que a fonologia apresenta uma relação indireta para o aprendizado da leitura e que, portanto, torna-se necessária a investigação e estimulação da consciência ortográfica no início da aquisição das habilidades de escrita. Neste sentido, a intervenção psicopedagógica deve voltar-se para promoção de habilidades de caligrafia e treinamento de habilidades de codificação ortográfica, além de voltar-se para diferenças individuais encontradas nas habilidades necessárias para a aquisição da escrita.

Diante dos resultados encontrados neste estudo, sugere-se a realização de outras pesquisas com aplicação de procedimentos interventivos em leitura e escrita que contemplem menores intervalos entre as sessões, número maior de sessões e atividades que favoreçam o ensino de habilidades ortográficas, a fim de verificar resultados mais robustos e permanentes em crianças disléxicas.

 

CONCLUSÃO

Conclui-se que a utilização do software Alfabetização Fônica Computadorizada promoveu melhora significativa no aumento da velocidade de escrita de palavras. Não foram encontrados efeitos estatisticamente significativos da intervenção na análise qualitativa de erros ortográficos cometidos pelos disléxicos submetidos à intervenção. Estes resultados indicam a necessidade de implementação de atividades que favoreçam o desenvolvimento de habilidades ortográficas, a fim de maximizar a aprendizagem da leitura e da escrita destas crianças.

 

AGRADECIMENTOS

Às agências de fomento à pesquisa FAPESP, CNPq e MackPesquisa.

 

REFERÊNCIAS

1. Lyon GR. Defining dyslexia, comorbidity, teachers. knowledge of language and reading. Ann Dyslexia. 2003;53:1-14.         [ Links ]

2. Moojen SM. A escrita ortográfica na escola e na clínica: teoria, avaliação e tratamento. São Paulo:Casa do Psicólogo;2009.         [ Links ]

3. Coltheart M, Rastle K, Perry C, Langdon R, Ziegler J. DRC: a dual route cascaded model of visual word recognition and reading aloud. Psychol. 2001;108(1):204-56.         [ Links ]

4. Berninger VW, Nielsen KH, Abbott RD, Wijsman E, Raskind W. Writing problems in developmental dyslexia: Under-recognized and under-treated. J School Psychol. 2008;46:1-21.         [ Links ]

5. Fletcher JM, Lyons GR, Fuchs LS, Barnes MA. Transtornos de aprendizagem: da identificação à intervenção. Porto Alegre:ArtMed;2009.         [ Links ]

6. Abbott RD, Berninger VW. Structural equation modeling of relationships among developmental skills and writing skills in primary- and intermediate-grade writers. J Educ Psychol. 1993;85(3):478-508.         [ Links ]

7. Romani C, Olson A, Di Betta AM. Spelling disorders. In: Snowling MJ, Hulme C, eds. The science of reading: a handbook. Oxford: Blackwell;2005.         [ Links ]

8. Affonso MJCO, Piza CMJT, Barbosa ACC, Macedo EC. Avaliação de escrita na dislexia do desenvolvimento: tipos de erros ortográficos em prova de nomeação de figuras por escrita. Rev CEFAC. 2010;13(4):628-35.         [ Links ]

9. Ygual-Fernandez A, Mérida JFC, Cunha VLO, Batista AO, Capellini SA. Avaliação e intervenção da disortografia baseada na semiologia dos erros: revisão da literatura. Rev CEFAC. 2010;12(3):499-504.         [ Links ]

10. Fukuda MTM, Capellini SA. Treinamento de habilidades fonológicas e correspondência grafema-fonema em crianças de risco para dislexia. Rev CEFAC. 2010;13(2):227-33.         [ Links ]

11. Barbosa PMF, Bernardes NGB, Misorelli MI, Chiappetta ALML. Relação da memória visual com o desempenho ortográfico de crianças de 2ª e 3ª séries do ensino fundamental. Rev CEFAC. 2010;12(4):598-607.         [ Links ]

12. Capellini SA, Sampaio MN, Kawata KHS, Niura Padula AMR, Santos LCA, Lorencetti MD, et al. Eficácia terapêutica do programa de remediação fonológica em escolares com dislexia do desenvolvimento. Rev CEFAC. 2010;12(1):27-39.         [ Links ]

13. Macedo EC, Capovilla FC, Nikaedo CC, Orsati FT, Lukasova K, Capovilla AGS, et al. Teleavaliação da habilidade de leitura no Ensino Infantil e Fundamental. Psicologia Escolar e Educacional. 2005;9(1):47-55.         [ Links ]

14. Capovilla AGS, Capovilla FC, Macedo E, Diana CA. Alfabetização fônica computadorizada: CD-ROM. São Paulo:Memnom;2005.         [ Links ]

15. Oliveira DG, Lukasova K, Macedo E. Avaliação de um programa computadorizado para intervenção fônica na dislexia do desenvolvimento. Psico-USF. 2010;15(3):277-86.         [ Links ]

16. Rashotte CA, Macphee K, Torgesen JK. The effectiveness of a group reading instruction program with poor readers in multiple grades. Learning Disability Quarterly. 2001; 24(2):119-34.         [ Links ]

17. Odegard TN, Ring J, Smith S, Biggan J, Black J. Differentiating the neural response to intervention in children with developmental dyslexia. Ann Dyslexia. 2008;58(1):1-14.         [ Links ]

18. Capovilla AGS, Dias NM, Trevisan BT, Capovilla FC, Rezende MCA, Andery MA, et al. Avaliação de leitura em crianças disléxicas: teste de competência de leitura de palavras e pseudopalavras. In: Capovilla AGS, Capovilla FC, eds. Teoria e pesquisa em avaliação neuropsicológica. São Paulo:Memnon;2007. p.36-44.         [ Links ]

19. Deuschle V, Cechella C. O déficit em consciência fonológica e sua relação com a dislexia: diagnóstico e intervenção. Rev CEFAC. 2009;11(Supl2):194-200.         [ Links ]

 

 

Correspondência:
Darlene Godoy de Oliveira
Rua Piauí, 181 - 10º andar
São Paulo, SP, Brasil - CEP 01241-000
E-mail: darlenegodoy@gmail.com

Artigo recebido: 8/8/2011
Aprovado: 5/10/2011
Apoio: CNPq, FAPESP e MackPesquisa.

 

 

Trabalho realizado na Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, SP, Brasil.

Creative Commons License All the contents of this journal, except where otherwise noted, is licensed under a Creative Commons Attribution License