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Revista Psicopedagogia
Print version ISSN 0103-8486
Rev. psicopedag. vol.39 no.119 São Paulo May/Aug. 2022
https://doi.org/10.51207/2179-4057.20220018
ARTIGO ORIGINAL
Percepção parental sobre aprendizagem escolar de crianças com transtorno fonológico
Parental perception on school learning of children with phonological disorders
Maria Josy Santos de SantanaI; Julia EscaldaII
IPedagoga; Especialista em Psicopedagogia e Fonoaudióloga, Universidade do Estado da Bahia, Salvador, BA, Brasil
IIFonoaudióloga; Doutora em Processos de Desenvolvimento Humano pela Universidade de Brasília (UNB); Docente do curso de Fonoaudiologia da Universidade do Estado da Bahia, Salvador, BA, Brasil
RESUMO
Considerando a relação intrínseca entre aprendizagem escolar e aquisição da linguagem, crianças com transtorno fonológico podem apresentar dificuldades para aprender conteúdos escolares.
OBJETIVO: Analisar as concepções de mães/pais sobre aprendizagem escolar de crianças com transtorno fonológico atendidas em uma Clínica Escola de Fonoaudiologia de Salvador - BA.
MÉTODO: Estudo observacional transversal de abordagem qualitativa, com amostra selecionada por conveniência com oito mães/pais de crianças com transtorno fonológico, atendidas em uma Clínica Escola de Fonoaudiologia, em 2019, na faixa etária de 7 a 10 anos. Foram lidos os prontuários de atendimento a fim de selecionar mães/pais de crianças com desenvolvimento atípico de linguagem. Nos prontuários foram coletados dados referentes a idade, sexo, escola e diagnóstico fonoaudiológico. Em seguida, as mães/pais das crianças foram convidadas a responder uma entrevista.
RESULTADOS: 90% das mães/pais gostam da abordagem pedagógica da escola; quanto ao material pedagógico, 50% consideram adequado e 50% inadequação para faixa etária, 80% informam que receberam queixa sobre dificuldade de aprendizagem escolar e 80% receberam queixa de dificuldade de leitura e escrita. 80% asseguraram que a escola não tem intervenção específica para as crianças com dificuldades de aprendizagem. Todos afirmaram que seus filhos não recebem intervenção específica para melhorar o desempenho escolar.
CONCLUSÃO: Os pais percebem as dificuldades de aprendizagem das crianças com transtorno fonológico, assim como receberam queixas da escola, sendo necessário suporte educacional especializado para prevenir o atraso na escolarização devido ao desenvolvimento atípico de linguagem oral.
Unitermos: Dificuldade de Aprendizagem. Escola. Transtorno Fonológico. Fonoaudiologia. Desenvolvimento Infantil.
SUMMARY
Considering the intrinsic relationship between school learning and language acquisition, children with phonological disorders may have difficulties in learning school content.
OBJECTIVE: To analyze the conceptions of mothers/fathers about school learning of children with phonological disorders attended at a Speech Therapy Clinic in Salvador - BA
METHODS: Cross-sectional observational study with a qualitative approach with a sample selected by convenience with eight mothers/fathers of children with phonological disorder, attended at a Speech Therapy Clinic, in 2019, aged between 7 and 10 years. The medical records in the language area were read in order to select mothers/fathers for children with atypical language development. Data regarding age, sex, school and speech-language diagnosis were collected from the medical records. Then, the patients' parents were invited to respond to an interview.
RESULTS: 90% of parents responded they like the pedagogical approach of the school, regarding the pedagogical material 50% considered it appropriate and 50% inappropriate for the age group, 80% informed that they received a complaint about learning difficulties at school and 80% received a complaint of difficulty in reading and writing. 80% ensure that the school has no specific intervention for children with learning difficulties. All of them claimed that their children do not have any intervention to improve children's school performance.
CONCLUSION: The study showed that parents perceive the learning difficulties of children with phonological disorders, as well as receiving complaints from the school, requiring specialized educational support to prevent delays in schooling due to atypical development of oral language.
Keywords: Learning Disabilities. School. Phonological Disorder. Speech Therapy. Child Development.
Introdução
Dentro da compreensão de que existe relação entre aprendizagem escolar e desenvolvimento da linguagem, é relevante entender as dificuldades das crianças com transtornos de linguagem oral no processo de alfabetização, visto que a expressão e compreensão da linguagem fazem parte da aquisição da leitura e escrita. Nesse sentido, crianças com transtornos de linguagem oral, tais como o transtorno fonológico e transtornos de leitura e escrita, podem ter dificuldades na aprendizagem escolar (Goulart & Chiari, 2014).
As alterações no desenvolvimento da linguagem podem interferir na aprendizagem justamente por ser este o sistema simbólico que intermedeia a formação de conceitos nas diversas práticas sociais, entre elas, a escrita. A formação de conceitos "pressupõe diversas funções intelectuais como atenção memória, lógica, abstração, capacidade para comparar e diferenciar" (Vygotsky, 1982, p. 72).
Tais funções constituem os mecanismos de aprendizagem da criança, desenvolvidas nas relações sociais, com seu próprio corpo e o meio. No início da escolarização as atividades são mais livres, voltadas para construção das competências sociocomunicativas e psicomotoras. Nesse período, busca-se desenvolver coordenação motora fina, atenção, discriminação, raciocínio lógico, análise e síntese, consciência fonológica, ritmo, capacidade de argumentação, habilidades estas essenciais para a leitura e escrita (Freitas & Corso, 2016).
As dificuldades relacionadas aos transtornos de sons da fala ficam evidentes quando inicia a produção sistemática das atividades de ler e escrever formalmente. Essas dificuldades podem estar relacionadas à memória fonológica, ao processamento fonológico e ao acesso ao léxico (Nicolielo et al., 2014). Tais elementos são subjacentes ao processo de consciência fonológica para o estabelecimento da relação fonema-grafema, que são primordiais para a aquisição e desenvolvimento da leitura e escrita (Cardoso et al., 2016).
O transtorno fonológico (Bueno et al., 2017) pode interferir em ambas as rotas de leitura, rota lexical e rota fonológica. E pode interferir no desempenho da aprendizagem da leitura e escrita devido ao impacto das alterações fonológicas na conversão fonema-grafema devido à dificuldade de acesso ao léxico mental por meio da rota fonológica. Da mesma forma, autores (Backes, 2014; Silva & Ávila, 2013) associaram os piores indicadores de leitura e escrita e processamento fonológico em criança com transtorno fonológico.
Essas dificuldades presentes no transtorno fonológico têm sido identificadas também como os principais sinais de risco para dislexia, tendo em vista que as habilidades fonológicas devem desenvolver de forma natural e espontânea, durante a aquisição da linguagem oral, mas quando não são adquiridas interferem no aprendizado da leitura e escrita (Silva & Capellini, 2019).
Estudo realizado anteriormente (Andrade et al., 2014) relacionou as dificuldades de leitura e escrita a causas diversas e independentes, sendo necessário avaliação e atenção ao perfil cognitivo e linguístico de escolares identificando as forças e fraquezas para intervenção precoce para não impactar na escolarização.
Nesse contexto, o transtorno de linguagem oral quando não superado ao longo da escolarização compromete o desenvolvimento escolar da criança (Capellini & Conrado, 2009). Goulart e Chiari (2014) concluíram que há relação direta entre repetência escolar e o transtorno de fala, sendo este mais frequente em crianças cursando a 1º ano do Ensino Fundamental, assim como crianças com transtorno de fala têm mais chances de caminhar para a repetência escolar.
Buscando compreender a relação entre dificuldade de aprendizagem e transtorno de linguagem oral, Silva e Capellini (2013) avaliaram as habilidades de leitura e escrita, velocidade de processamento e memória de trabalho fonológica em escolares com e sem problemas de aprendizagem e concluíram que as crianças com desempenho inferior nas habilidades supracitadas também apresentavam dificuldade de aprendizagem, com desempenho linguístico inferior aos escolares sem dificuldade de aprendizagem.
Estudos (Ribeiro et al., 2016; Fernandes & Souto, 2021; Goulart & Chiari, 2014; Monteiro & Santos, 2013) avaliaram relações familiares, aprendizagem e transtorno fonológico, mas deixam lacunas quanto à investigação da percepção dos pais face ao transtorno fonológico de crianças e suas relações com a aprendizagem escolar. A opção pelo estudo dessa temática advém do conhecimento de que os transtornos de linguagem oral, tal como o transtorno fonológico, impactam diversas áreas da vida da criança e podem ter repercussões negativas em sua aprendizagem escolar. Justamente por recebermos na Clínica Escola de Fonoaudiologia crianças em idade escolar com transtorno de linguagem oral persistente, buscamos conhecer quais são as percepções a respeito da aprendizagem escolar de crianças, buscando a compreensão sobre como percebem e relacionam o transtorno fonológico com o desempenho escolar. Esse é o principal problema de pesquisa aqui abordado.
Diante do exposto, o objetivo do estudo foi analisar as percepções de mães e pais sobre aprendizagem escolar de crianças com transtorno fonológico atendidas em uma Clínica Escola de Fonoaudiologia.
Método
Realizou-se pesquisa transversal, qualitativa de caráter descritivo com amostragem por conveniência determinada pelo acesso aos participantes que foram selecionados por apresentarem diagnóstico fonoaudiológico conhecido de distúrbio de linguagem oral concomitante com queixas de dificuldades de aprendizagem escolar. A pesquisa foi realizada uma Clínica Escola de Fonoaudiologia. O trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição proponente, sob o registro C.A.A.E. 09533719.4.0000.0057. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, autorizando a utilização dos dados para a pesquisa.
Os critérios de inclusão do estudo foram as crianças estarem em atendimento na clínica escola em 2019 com diagnóstico fonoaudiológico de transtorno fonológico, transtorno de leitura e escrita e transtorno específico de linguagem, na faixa etária de 7 a 10 anos.
Para selecionar a amostra, foi realizada a leitura de prontuários disponibilizados pela Clínica Escola e foram encontrados nove prontuários de crianças com transtorno fonológico com queixas de dificuldades de aprendizagem escolar dentro da faixa etária estabelecida. Os nove pais/mães foram selecionados para participarem da pesquisa por terem filhos com os critérios de inclusão descritos. Destes, oito aceitaram participar do estudo.
A coleta de dados foi realizada no período de abril a setembro de 2019. Enquanto os pais e mães aguardavam na sala de espera pelos atendimentos das crianças, eles foram convidados para a entrevista em uma sala da Clínica Escola de Fonoaudiologia.
A entrevista seguiu um roteiro estruturado, organizado em três partes: a primeira buscou identificar o sujeito quanto idade, sexo e formação acadêmica/escolar. A segunda parte visou identificar a relação das mães e pais com a escola, conhecimento sobre a abordagem pedagógica, a participação em reuniões, o conteúdo das reuniões de pais e mestres e a adequação do material pedagógico para a criança.
Na terceira parte, objetivou-se saber a história do desenvolvimento escolar da criança quanto ao relato de queixa de dificuldade de aprendizagem ou de leitura e escrita e ao diagnóstico fonoaudiológico. Também, se já havia sido avaliado por profissional especializado, ou tido acompanhamento específico voltado para o desempenho escolar.
Ademais, questionou-se sobre a participação das mães e pais nas tarefas escolares em casa, como e com quem estas são realizadas, e como as mães e pais percebem o desenvolvimento da leitura e escrita das crianças e seu desempenho na escola.
As respostas das participantes foram transcritas no momento da entrevista pela pesquisadora, transcritas e digitadas em sua integralidade e analisadas posteriormente.
A partir dos dados obtidos, a análise de todas as respostas foi feita de forma descritiva, de acordo com seu conteúdo temático, como proposto por Bardin (2008). As respostas discursivas foram categorizadas com vistas à descoberta de núcleos de sentidos, a fim de promover descrições objetivas, sistemáticas e qualitativas do conteúdo da comunicação.
Para aprofundar a análise da percepção parental sobre aprendizagem da criança com transtorno de linguagem, foi realizada a análise do conteúdo a partir das questões objetivas e discursivas dos oito questionários aplicados. O conteúdo das questões discursivas foi extraído em frases que deram origem às unidades temáticas. Nos resultados foram descritas as unidades temáticas mais frequentes: relação da família com o corpo docente, relações da criança com transtorno fonológico, conteúdo das reuniões de pais e mestres, material didático para faixa etária, tarefas escolares em casa, queixa de dificuldade de aprendizagem, desempenho de leitura e escrita.
Resultados
Responderam a entrevista oito participantes que acompanhavam a terapia fonoaudiológica de seus filhos, dentre estes, são sete mães e um pai, na faixa etária de 29 a 40 anos. Quanto à escolaridade, quatro participantes têm o Ensino Médio completo, um incompleto, um Fundamental II completo e dois têm o Ensino Fundamental I completo.
90% das mães relataram conhecer e gostar da abordagem pedagógica da escola. No entanto, 80% afirmaram que a escola não tem intervenção específica para as crianças com dificuldade de aprendizagem.
Sete participantes relataram que seus filhos estudam em escola púbica e um em escola privada. Sobre o comportamento da criança em sala de aula e nas relações sociais na escola, na opinião dos pais, a maioria referiu que seus filhos fazem amigos, gostam de ir à escola e têm boa relação com os professores.
Quanto à história de desenvolvimento escolar da criança, 80% dos pais e mães afirmaram que receberam queixa sobre dificuldade de aprendizagem escolar e apresentaram queixa de dificuldade de leitura e escrita. Além disso, todos os pais afirmaram que seus filhos nunca fizeram avaliação específica voltada para dificuldade de aprendizagem e 80% não têm acompanhamento específico para melhorar o desempenho escolar, embora todos afirmaram que os filhos fazem acompanhamento terapêutico com fonoaudiólogo (Tabela 1).
A relação do corpo docente com criança e a família dentro da percepção de algumas mães parece ser amistosa e sem dificuldades, conforme as transcrições abaixo:
P1: "Boa a relação da escola com os pais. Tem reuniões por unidade. Sempre que preciso falar tenho acesso a diretora e coordenadora. Temos o diário que podemos falar também".
P2: "A relação dos professores com a família é boa. Procura saber sempre sobre o aluno, manda recado quando o aluno não está bem. Puxa bem pelo ensino. Ensina bem".
P3: "Os professores e direção são muito presentes, apesar de ser pública. São atenciosos, quando o aluno falta liga pra saber o motivo, sempre participativo. Chama pra conversar sempre sobre a dificuldade do aluno".
P4: "A relação dos professores com o aluno é boa. A professora é carinhosa, calma. A diretora não vejo muito com as crianças, a vice fica mais presente".
P5: "Agora são bons professores. Quando muda de professor chama os pais para conversar sobre a criança, são atenciosos comigo e fala da dificuldade de N.
P6: A relação é boa, participativa. Levam o conselho tutelar para orientar os pais sobre as crianças que faltam ou que estão indo para o caminho errado".
P7: "A escola é comunicativa, chama para conversar quando algo diferente acontece com o aluno ou tem projeto na escola".
No entanto, alguns pais/mães expressaram insatisfação ou demonstraram distanciamento com a escola, segundo falas nos relatos que seguem:
P4: "não gosto muito da escola, mas é a única que tem no bairro. Acho que L. já deveria ler porque ele tem 8 anos, mas ainda não sabe".
P8: "Não tenho nenhuma relação com o pessoal da escola. Vou lá na hora de pagar".
Neste contexto da relação escolar foi demonstrado na fala das mães que seus filhos sofreram bullying pelos colegas:
P4: "Agora ele gosta de ir pra escola, mas mudou de turno porque os colegas não queriam brincar com ele, chamavam de gaguinho. Ele chorava pra não ir pra escola".
P5: "Eu pedi para mudar de escola. Na outra escola tinha muita brincadeira com a fala dela. Conversei com as mães das crianças pra não ficarem abusando* ela".
P6: "Os colegas é que brincam com a fala dele. Abusa* dizendo que ele não fala direito".
Na percepção das mães, as temáticas abordadas nas reuniões de pais e mestres são relacionadas a nota, comportamento e atividades pedagógicas. O desempenho escolar é predominante entre todos os assuntos:
P1: "Nas reuniões falam sobre comportamento, nota e se a gente tem alguma reclamação".
P4: "As reuniões são sobre comportamento, se o aluno é obediente, se faz o dever, se a farda está completa, fala sobre higiene, que o aluno tem que ir para a escola limpo e chegar no horário."
P5: "Tem reuniões que falam sobre situação das crianças e individualmente com o professor para falar sobre o aluno, nota e comportamento".
P3: "Discutem sobre comportamento do aluno, modelo pedagógico, sobre o que eles vão ensinar às crianças, pedem opinião sobre as atividades que serão realizadas fora da escola".
P6: "Nas reuniões falam sobre a rotina da escola, para os pais acompanharem as atividades das crianças em casa, explicam como eles trabalham com as crianças".
Na avaliação do material didático, 50% das mães/pais consideram adequado para a faixa etária e 50% considera inadequado. Conformes trechos abaixo:
P1: "É adequado, porque tem todas as matérias, é bem avançado e puxado".
P2:" Sim, tem as atividades que ele precisa na aula".
P3: "Sim, nos livros têm leituras infantis, assuntos que ele consegue entender".
P6: "É adequado porque tem leitura, atividade de recortar, de montar e quebra cabeça".
P4: "Os 4 livros que têm quase não usam e são muitos livros para a criança levar todo dia para aula".
P5: "Ela não consegue ler, é muito avançado pra ela".
P7: "Tem muitos livros, não sei se eles conseguem dar conta de 13 livros, é muito dever".
P8:" Tem algumas partes do livro que é muito complicado pra ele".
Sobre as tarefas escolares para casa, as mães/pais informaram que as crianças realizam com elas, com irmãos, sozinho e no reforço escolar.
P1: "Faz as atividades escolares comigo (mãe) pela manhã ou no final da tarde depois da aula".
P3: "As atividades são realizadas diariamente das 14 às 17 horas comigo (a mãe) e quando acaba ele vai jogar bola".
P5: "As tarefas da escola faz comigo (mãe), quando tem coisa que não entendo porque estudei pouco, o irmão mais velho ensina melhor, mas é raro dever para casa".
P7: "Faz as atividades da escola sozinho e quando sente dificuldade me chama (mãe)."
P4: "Faz as atividades com a irmã de 15 anos. Ela lê as palavras para ele, fala as letras ou a conta".
P2: "Faz as atividades escolares na banca**".
P6: "Faz as atividades na banca e quando eu (mãe) chego em casa olho o que ele fez, porque eu estudo também não tenho tempo de fazer com ele".
P8: "A mãe trabalha então faz as atividades da escola na banca".
Quanto ao desempenho de leitura e escrita, 50% das mães/pais percebem atraso nos dois aspectos, já que são relacionados. Os demais percebem a dificuldade apenas na escrita ou não percebem dificuldade.
P1: "Vejo que ele está atrasado para a idade dele, mas ele sente dificuldade com tudo, até com as tarefas que não são da escola. Até pra comer sozinho".
P2: "Vejo o desenvolvimento de leitura e escrita dele fraco. Ele tem dificuldade de aprender as coisas, precisa colocar mais reforço".
P4: "O desenvolvimento de leitura e escrita está lento porque ele tem 8 anos, já era para estar lendo".
P5: "Ela escreve, mas não lê. Ela copia tudo do quadro, a escrita está boa para a idade".
P6: "A leitura dele está caminhando, na escrita ele tem mais dificuldade porque agora começou a letra cursiva".
P8: "Vejo que a leitura está bem, mas a escrita tem mais dificuldade, a letra é meio garrancho".
P3: "Vejo que ele lê bem, mas às vezes não consegue fazer a interpretação corretamente, mas acho normal na alfabetização".
P7: "Não vejo dificuldade".
Discussão
O estudo investigou a percepção parental sobre aprendizagem de crianças com transtorno de linguagem oral e queixas de dificuldades de aprendizagem escolar. Os resultados obtidos neste estudo estão em consonância com as pesquisas atuais que revelam os impactos do transtorno de linguagem oral na aprendizagem escolar e na vida social das crianças (Fernandes & Souto, 2021; Simoni et al., 2019). Foram observadas relações entre as dificuldades de aprendizagem e o desempenho insatisfatório em leitura e escrita para a idade escolar na percepção das mães e pais, assim como a procura tardia para acompanhamento fonoaudiológico.
Pode-se ainda observar que 90% dos responsáveis por acompanhar as crianças no tratamento fonoaudiológico foram as mães. Bernardi (2017) discute que embora os avanços sociais que a mulher já conquistou em todas as profissões e cadeia produtiva, bem como as mudanças no contexto familiar, ainda permanece a função de cuidar dos filhos como atribuição feminina. Esses conceitos antigos da sociedade patriarcal persistem em nossa cultura, permanecendo como identidade feminina a mais qualificada para o cuidado.
Considerando este estudo, a escolarização materna surge como índice relevante, 50% dos pais/mães entrevistados não têm o Ensino Médio completo. É possível discutir que embora a escola historicamente tenha tornado mais acessível do ponto de vista da oferta de vagas, ainda não se tornou efetiva na transformação social pela escolarização (Senkevics & Carvalho, 2020).
Nas duas últimas décadas houve avanço na superação da escolarização materna, no entanto, estudo (Longo & Vieira, 2017) aponta para maior atenção pública no fato de uma parcela significativa da população brasileira, 4,5 milhões, não concluir o Ensino Fundamental na idade esperada, dificultando o acesso ao Ensino Médio e, consequentemente, ao Ensino Superior.
A análise dos dados da categoria realização das tarefas escolares em casa revela uma possível relação de escolaridade, sendo a baixa escolaridade um fator dificultador para compreensão das atividades dos filhos.
Pesquisa (Alvarenga et al., 2020) aponta de forma consistente que o conhecimento formal constitui um suporte relevante para que mães possam se beneficiar de informações sobre o desenvolvimento infantil com práticas educativas eficazes. Sendo assim, a formação escolar dos pais e mães em questão pode não oferecer suporte teórico para compreender de forma suficiente as relações pedagógicas e suas implicações com a aprendizagem das crianças, podendo ser um fator limitante.
Da mesma forma, estudos (Baggio, 2010; Ribeiro et al., 2016; Monteiro & Santos, 2013) com crianças apontam que realizar afazeres escolares com a família e contato com brinquedos pedagógicos mostrou relação positiva com a aprendizagem. Soistak (2021) acrescenta que crianças com maior interação familiar, incentivo de pais leitores e acesso a jogos que trabalham alfabetização apresentam maior facilidade para ler e escrever. Assim como, o incentivo dos pais, e a percepção da criança que é auxiliada, que os pais interagem e incentivam favorece no desempenho de leitura (Costa et al., 2016).
Na categoria relação da família com o corpo docente é possível perceber nas falas dos participantes uma relação amistosa, porém com distanciamento com o trabalho pedagógico. Acrescenta-se a isso crenças sobre a escola pública e relação mercadológica com a educação. Destaca-se para fala de uma mãe ao enfatizar que "a escola é boa apesar de ser pública" e um pai que vai à escola do filho na hora de pagar.
Melo e Rodrigues (2021) discutem que a transformação social da educação em mercadoria reproduz o contexto social ao qual a escola está inserida. A narrativa mercadológica em torno da escola privada como alternativa de educação de qualidade fortalece a essência ultraconservadora de grupos dominantes em detrimento da valorização e luta da educação como direito social.
No entanto, a participação da família no trabalho pedagógico da escola permite maior compreensão dos objetivos a serem alcançados com os escolares. Além disso, estudo de revisão (Santos et al., 2022) aponta que a mediação de comunicação entre família e escola, a participação da família nas atividades pedagógicas pode despertar o sentimento de autoconfiança na criança, podendo replicar um comportamento mais cooperativo e espontâneo, resultando em maior disposição para aprender.
Silva et al. (2022) revelam em estudo que a relação positiva com a escola, realização de lazer com a família e posse de livros em casa melhora o desempenho escolar de adolescentes. Nesse sentido, podemos enfatizar que a educação da criança é alicerçada a partir da parceria entre família e escola como instituições indispensáveis para alcançar o mesmo objetivo.
Na categoria sobre material pedagógico e sua adequação à faixa etária, nota-se conflito na percepção dos pais e mães quanto à complexidade do material. Mães acreditam que o livro didático complexo colabora para o desempenho da aprendizagem da criança, as demais pensam que a dificuldade de conteúdo presente no livro é incompatível com o desenvolvimento da criança, sendo esta incapaz de resolver as atividades presentes no livro, dentre estas as leituras dos textos.
Nesse sentido, o material pedagógico para criança precisa ser lúdico, motivador e estabelecer a interface com saberes ainda desconhecidos pelas crianças, assim como possibilitar o desenvolvimento de novas habilidades comunicativas.
O material didático tem a função de intermediação do conhecimento a partir da comunicação visual, criativa, organizada e assim estimule o interesse, compreensão de maneira prazerosa dos conteúdos escolares (Freitas & Rodrigues, 2008). Dentro desta perspectiva, a escola pode ainda orientar a melhor forma de uso do livro didático como apoio para a própria família realizar leituras e atividades com as crianças, e estabelecer parceria com a criança em sua aprendizagem.
Na temática conteúdo das reuniões de pais e mestres, os assuntos mais discutidos estão relacionados ao desempenho escolar e comportamento em sala de aula. É possível que os encontros com os pais sejam mais orientadores do trabalho pedagógico, discutido a importância do acompanhamento das atividades em casa, e saia do padrão de notas alcançadas e comportamento dos escolares.
Na categoria que investigou a queixa de dificuldade de aprendizagem, 80% das mães relataram que receberam queixa de dificuldade de aprendizagem e de leitura e escrita, e percebem tal dificuldade em seus filhos. No entanto, estas desconhecem serviços na própria escola que auxiliem as crianças a superar as dificuldades de aprendizagem.
Desta forma, aqueles que não alcançam o sucesso escolar caminham com a queixa da incapacidade do sujeito, sendo que a estrutura da escola ainda não é inclusiva e preparada para dar suporte às crianças com algum tipo de dificuldade, para que estas avancem de forma equânime. Corso e Meggiato (2019) relatam que o perfil de estudantes pré-adolescentes e adolescentes que enfrentam dificuldade de aprendizagem e passaram por dificuldades desde o início da escolarização.
Mascaro (2013) enfatiza que a inclusão escolar é um assunto em pauta e merece discutir todas as suas formas, quer seja por questões orgânicas, social, racial, e de gênero tornando-se relevante o diálogo sobre política de Estado que viabilize o avanço social pela educação.
Embora a escola não seja a única responsável pela aprendizagem da criança, ainda é um espaço privilegiado para acesso ao conhecimento historicamente organizado, cabendo aos sujeitos da instituição escolar discutir, orientar e criar condições de melhoria da aprendizagem das crianças que apresentem dificuldades, bem como buscar parcerias com instituições que realizem trabalho especializado para este público.
Nesse sentido, a falta de criação de espaço na própria escola para intervenção das dificuldades de aprendizagem a que surgem pode ser entendida como orientação seletiva (Ribeiro et al., 2017). E mantenha desigualdades intelectuais por não desenvolver ações preventivas ao fracasso escolar, uma vez que o acesso, permanência e avanço escolar não dependem unicamente do sujeito, mas de condições oferecidas a ele.
E assim dificulte condições de acesso aos saberes produzidos e permita uma parcela da população possa transpor dificuldades educacionais desde a infância, por meio da naturalização do não aprender (Pinheiro et al., 2020). Torna-se cada vez maior a distância entre as classes sociais e acesso a melhores condições de vida por meio da educação da população historicamente desfavorecida (Senkevics & Carvalho, 2020).
Isso implica olhar sobre a gestão escolar, visto que superar as desigualdades sociais mediante trabalho pedagógico exige objetivos de ensino e procedimentos a eles inerentes oportunizando a todos os conhecimentos produzidos historicamente, pensando em perspectivas futuras na transformação de vidas a partir da escolarização (Masson & Van Acker, 2018).
A omissão perante uma constatação de dificuldade de aprendizagem reproduz as desigualdades sociais. Assim, como pontua Bourdieu (1996), é preciso superar a ideologia dos talentosos. Superar ainda o discurso da meritocracia e a culpabilização do sujeito pelas suas dificuldades escolares, pois vivemos em uma sociedade plural e não se concebe mais espaços homogêneos que geram fatalismo social.
Na categoria que buscou compreender as relações sociais da criança com transtorno fonológico, identificaram-se relatos de mães que precisaram trocar de turno ou conversar com mães de colegas de seu filho por conta do bullying sofrido, devido à fala desviante do padrão fonológico, assim como crianças que rejeitavam ir à escola por conta do sofrimento do assédio sofrido.
Nesse contexto, as diversas formas de uso da língua, quando o falante não segue os padrões convencionais, encontra-se exposto a julgamentos, rotulações e preconceitos, sendo o sujeito totalmente submetido aos padrões gramaticais dominantes e, no extremo, submetido a retraimento social. Simoni et al. (2019) abordam que crianças com transtorno fonológico podem apresentar dificuldade de aprendizagem, baixa autoestima e consequentemente isolamento social.
Contrapondo aos padrões dominantes do uso da língua, Bakhtin (2003) postula que a utilização da língua se concretiza em enunciados sejam orais ou escritos e reflete condições específicas das diversas esferas da vida humana. Portanto, a língua não pode ser compreendida unicamente por regras formais rígidas.
E a escola como espaço privilegiado para as relações dialógicas de grupos heterogêneos deve suscitar ao corpo discente o respeito e o acolhimento das diferenças, e trabalhar no sentido de colaboração para a desenvolvimento de cada estudante em suas necessidades. Na prática social do uso da língua ao aceitar a fala do outro aceita-se também as diferenças que o constitui.
Na temática que analisou a percepção dos pais sobre o desempenho de leitura e escrita, mães usaram termos para descrever o processo de ler e escrever de seus filhos como "atrasado", "lento", "fraco", "escreve, mas não lê", "letra ilegível", e "lê e não interpreta corretamente". Estas falas revelam que as mães percebem que para faixa etária a criança poderia estar mais independente em seu processo de aquisição de leitura e escrita, mesmo algumas mães demonstrando suas limitações e dificuldades devido a sua escolarização.
A Política Nacional de Alfabetização (Brasil, 2019) preconiza que a alfabetização da criança seja consolidada até o segundo ano do Ensino Fundamental, ou seja, na faixa etária de 8 anos. É fundamental que seja garantida a aquisição de leitura e escrita nesse período para que a criança tenha mais autonomia em sua aprendizagem sobre conteúdos inerentes aos períodos subsequentes de sua escolarização e não interfira em seu desempenho escolar.
O baixo rendimento escolar pode ter consequência não só social como emocional e impactar na superação da dificuldade. Muitas crianças com baixo desempenho escolar acreditam que o problema está em si mesma e a angústia de não aprender leva a crença de menor valor em relação aos colegas, assim como vergonha, raiva e desespero são sentimentos presentes (Moreira-Malagolli et al., 2017). Essas crenças impactam na qualidade de vida e na condição de saúde dessas crianças (Rezende et al., 2017).
Nesta mesma categoria, os participantes também referiram que seus filhos nunca fizeram avaliação específica com profissional especializado voltada para aprendizagem, e que 80% não tem acompanhamento para melhorar o desempenho escolar, embora todos estejam em terapia fonoaudiológica.
Ressalta-se que tal fato pode estar relacionado tanto ao desconhecimento sobre atuação fonoaudiológica nas questões que envolvem a escolarização. Como também é possível que no atendimento clínico fonoaudiológico tal queixa não tenha sido acolhida e a terapia fonoaudiológica esteja voltada para os transtornos de linguagem oral das crianças e não às suas dificuldades escolares que estejam dentro do âmbito de atuação do fonoaudiólogo.
Nesse sentido, o fonoterapia é relevante nas diversas fases do ciclo escolar, visto que a comunicação humana como campo de conhecimento da fonoaudiologia está diretamente relacionada com a aprendizagem. O fonoaudiólogo pode promover estratégias para o desenvolvimento das habilidades auditiva, de linguagem, e de leitura e escrita, desenvolvimento cognitivo, estabelecendo uma interface com a educação e promovendo condições adequadas para a aprendizagem de crianças (Silva & Queiroga, 2020).
Na prática clínica, cabe aos fonoaudiólogos refletir sobre o acolhimento da queixa, orientar e integrar a terapia fonoaudiológica às demandas educacionais pertinentes às necessidades da criança e dialogar claramente com as famílias sobre a função da fonoterapia na vida social do sujeito e suas implicações na aprendizagem.
Considerações
A análise dos resultados mostrou relação intrínseca entre a linguagem e aprendizagem de crianças e suas repercussões negativas quando ocorre um transtorno de linguagem. A linguagem como função simbólica estrutura e organiza as relações cognitivas do sujeito com o mundo em suas diversas práticas sociais, sendo a aprendizagem escolar face da aquisição de saberes por ela intermediada.
A percepção dos pais e as queixas da escola sobre as dificuldades de aprendizagem, especialmente na leitura e na escrita, são decorrências do desenvolvimento atípico de linguagem das crianças, já que na alfabetização elas precisam se movimentar por vários discursos orais e escritos. Isso demanda habilidades em níveis linguísticos nos quais as crianças com transtorno de linguagem oral podem ter dificuldades.
Ademais, nesta fase escolar as crianças se apoiam na oralidade para escrever, o que sofre interferência direta do transtorno fonológico. Sendo assim, a terapia para criança com transtorno de linguagem é fundamental para oferecer ferramentas para a superação das dificuldades e desenvolvimento das habilidades necessárias para expressão da linguagem nas relações dialógicas e apropriação do aspecto operacional da língua em suas diversas modalidades.
A pesquisa tem limitações tendo em vista o número de participantes e a utilização de questionário como único instrumento para coleta de dados. São necessários estudos com mais participantes para maior relevância estatística, assim como pesquisas em âmbito escolar para compreender as limitações e atuação das instituições de ensino sobre as queixas de aprendizagem escolar de crianças com transtorno de linguagem.
Referências
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Endereço para correspondência:
Maria Josy Santos de Santana
Universidade do Estado da Bahia - Campus I
Departamento de Ciências da Vida - Colegiado de Fonoaudiologia
Rua Silveira Martins, 2555 - Cabula
Salvador, BA, Brasil - CEP 41195-001
E-mail: fga.mariajosy@gmail.com
Artigo recebido: 22/11/2021
Aprovado: 2/6/2022
Trabalho realizado na Universidade do Estado da Bahia, Salvador, BA, Brasil.
Conflito de interesses: As autoras declaram não haver.
* Abusar no dialeto baiano significar zombar, fazer chacota.
** Reforço Escolar