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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.40 no.122 São Paulo May./Aug. 2023  Epub June 24, 2024

https://doi.org/10.51207/2179-4057.20230017 

ARTIGO ORIGINAL

Estudantes com Transtorno do Espectro Autista em escolas municipais

Students with Autism Spectrum Disorder in municipal schools

Raquel Inês Strieder1 

1Graduação em Pedagogia - Universidade Regional Integrada do Alto Uruguai e das Missões; Graduação em Psicopedagogia - Centro Universitário Leonardo da Vinci (UNIASSELVI), São Paulo das Missões, RS, Brasil.


Resumo

Esta pesquisa é resultado de estudo na literatura a respeito da Educação Inclusiva de indivíduos com diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista (TEA), como também pesquisa de campo para conhecer a realidade da inclusão de alunos com o transtorno nas escolas de ensino municipal pertencentes aos 11 municípios que compõem a microrregião de Cerro Largo/RS. A pesquisa teve como objetivo geral: Mapear os alunos com TEA atendidos pelas redes municipais de ensino da microrregião de Cerro Largo – RS, em seus aspectos escolares. A abordagem metodológica da pesquisa é quantitativa-qualitativa, utilizando-se como instrumentos de pesquisa: pesquisa bibliográfica e entrevista por preenchimento de formulário on-line. A base teórica que sustenta o presente estudo é composta por: classificação da DSM-5 (2014), Araújo (2019), leis nacionais que fundamentam a Educação Inclusiva e o direito dos autistas, Gaiato e Teixeira (2018), Mendes (2010), Saulnier et al. (2011), e Whitman (2015). A coleta de dados realizada junto aos municípios que compõem a microrregião de Cerro Largo revela que há alunos com o diagnóstico de TEA em dez municípios, e todas as redes municipais de ensino enfrentam obstáculos para efetivar a inclusão deste público nas salas de aula de ensino regular. Como conclusão, assinala-se que os sistemas de educação que permeiam o nosso país carecem de estrutura e profissional qualificado para atender de forma adequada a sujeitos que apresentam especificidades como o TEA. Assim, a presente pesquisa é um meio relevante o conhecimento da realidade local quanto à forma como o TEA vem sendo tratado, como também para aprofundamentos teóricos a respeito.

Unitermos Autismo; Inclusão; Educação Especial e Inclusiva

Summary

This research is the result of a study of the literature on Inclusive Education and subjects diagnosed with Autism Spectrum Disorder (ASD), as well as a field survey to learn about the reality of inclusion of students with ASD in municipal education belonging to the 11 municipalities that make up in the micro-region of Cerro Largo/RS. The general objective of the research was to map students with ASD assisted by the municipal education service in the micro-region of Cerro Largo - RS. The methodological approach of the research is quantitative-qualitative and the research instruments used were a bibliographical research and interviews carried out through online forms. The theoretical basis that supports the present study is mainly composed of the DSM-5 classification criteria (2014), Araújo (2019), national laws that underlie Inclusive Education and the rights of autistic people and texts by Gaiato and Teixeira (2018), Mendes (2010), Saulnier et al. (2011), and Whitman (2015). Data collection carried out in the municipalities that make up the Cerro Largo microregion reveals that there are students diagnosed with ASD in 10 municipalities, and all municipal education services face obstacles to effectively include them in the regular education classrooms. As a conclusion, it can be noted that the education systems that permeate our country lack the structure and qualified professionals to adequately care for subjects with disabilities such as ASD. Thus, the present research is an important mean for understanding the local reality regarding the way that ASD is being treated, as well as for theoretical deepening about it.

Keywords Autism; Inclusion; Special and Inclusive Education

Introdução

A realidade atual configurada mundialmente pelo aumento de pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) demanda investigações que envolvem a escolarização inclusiva de alunos com necessidades educacionais especiais (NEE), especificamente dos alunos com TEA.

São escassos estudos voltados à investigação da realidade local no que diz respeito à implementação da Educação Inclusiva, o funcionamento do Atendimento Educacional Especializado (AEE), ou mesmo a prática docente do professor do ensino regular ou do professor especialista. Como também se observa a necessidade aprofundamento das políticas e propostas educacionais, estrutura e funcionamento da Educação Especial inclusiva oferecida nos municípios.

Pesquisas nessa direção, ao apontarem a realidade e as necessidades educacionais identificadas, podem ter importante impacto em mudanças pontuais. Essas mudanças podem ser tanto em políticas municipais de educação, para que visem melhor atender o público-alvo da Educação Especial, quanto na estrutura curricular e nas práticas pedagógicas desenvolvidas em contexto escolar.

Desde o surgimento do movimento pela inclusão escolar, o número de matrículas de sujeitos com necessidades especiais no ensino regular tem aumentado. Concomitantemente com o aumento dos casos de diagnóstico de TEA, as matrículas de pessoas com autismo nas escolas também têm aumentado, e isso demanda novos desafios para as instituições escolares, como reestruturação curricular e reciclagem de conhecimentos dos profissionais da educação.

O conhecimento de dados acerca da inclusão desses alunos em escolas públicas torna possível a avaliação dos impactos e desafios dessa nova realidade tanto para as escolas quanto para os indivíduos e suas famílias.

De tal modo, esta pesquisa tem como campo empírico a microrregião de Cerro Largo, composta pelos municípios de: Cerro Largo, Porto Xavier, Guarani das Missões, Roque Gonzales, São Paulo das Missões, Campina das Missões, Caibaté, São Pedro do Butiá, Salvador das Missões, Sete de Setembro e Mato Queimado e localizada no estado do Rio Grande do Sul – Brasil.

O estudo contou com o apoio das respectivas secretarias de educação, que transmitiram as informações solicitadas com o intuito de colaborar com o processo de inclusão escolar de alunos com TEA. Desta forma, a presente pesquisa voltou-se ao mapeamento dos serviços oferecidos pelos municípios aos alunos com TEA, com os objetivos gerais e específicos que seguem.

Objetivo geral: Mapear os alunos com TEA atendidos pela rede municipal de ensino da microrregião de Cerro Largo – RS, em seus aspectos escolares.

Objetivos específicos:

  1. Conhecer e analisar dados da realidade dos alunos com autismo fornecidos pelas secretarias de educação pertencentes à microrregião de Cerro Largo;

  2. Investigar a inclusão de estudantes com autismo nas redes municipais de ensino da microrregião de Cerro Largo/RS;

  3. Conhecer as diferentes propostas educacionais e organizações curriculares especializadas presentes nas instituições escolares do território pesquisado.

A base teórica que fundamenta a parte teórica do presente estudo está pautada em estudos, pesquisas e publicações na área do autismo e educação. Inicialmente, estuda-se os pressupostos da classificação da DSM-5 (2014), pressupostos teóricos de Araújo (2019), leis nacionais que fundamentam a Educação Inclusiva e o direito dos autistas, Gaiato e Teixeira (2018), Mendes (2010), Saulnier et al. (2011), e Whitman (2015).

Assim, ao investigar a realidade e as ações que vêm sendo implementadas pelos onze municípios da microrregião de Cerro Largo, almeja-se que os resultados da pesquisa possam contribuir para o aprimoramento de políticas no campo da Educação Especial, com vistas à melhor qualificação do processo de escolarização dos alunos com TEA.

Método

A presente pesquisa é classificada como básica, exploratória, qualitativa e quantitativa (Gil, 2007). Conforme Gil (2007), a pesquisa básica realiza uma análise aprofundada de fenômenos, mas não apresenta soluções para os problemas observados, o objetivo é refletir e compreender as características dos fenômenos observados. A pesquisa exploratória preocupa-se em fornecer informações para compreender um determinado problema, expondo suas características de modo a tornar o conhecimento mais acessível a um maior número de pessoas.

A pesquisa com caráter qualitativo apresenta a subjetividade do pesquisador ao possibilitar uma visão situada em um contexto específico. Dessa forma, a pesquisa qualitativa “consiste em um conjunto de práticas materiais e interpretativas que dão visibilidade ao mundo” (Denzin & Lincoln, 2006, p. 17).

Já a pesquisa quantitativa “considera que tudo pode ser quantificável, o que significa traduzir em números opiniões e informações para classificá-los e analisá-los” (Silva, 2009, p. 49). Assim, a pesquisa quantitativa é “focada na mensuração de fenômenos, envolvendo a coleta e análise de dados numéricos e aplicação de testes estatísticos” (Collis & Hussey, 2005).

O estudo ora apresentado foi conduzido individualmente. Inicialmente, o presente trabalho foi realizado utilizando-se da técnica de pesquisa bibliográfica, que para Gil (2007) é desenvolvida com base em material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. Isso posto, foi realizada uma pesquisa na literatura presente em livros e periódicos que abordam a temática do autismo e da Educação Inclusiva no contexto educacional brasileiro.

De posse de conhecimentos obtidos por meio do estudo da literatura existente, foi possível compreender de forma ampla a importância e a necessidade de as escolas proporcionarem aos educandos um ambiente acolhedor, possibilitador do desenvolvimento de vínculos sociais entre os aprendizes e educadores, sem excluir o aprendiz com caraterísticas diferentes das que são socialmente consideradas como normais.

Após a coleta de dados bibliográficos, passou-se à técnica do levantamento de dados (Silva, 2009, p. 51), realizada por meio da aplicação de um questionário para as secretarias de educação que compreendem os municípios integrantes da microrregião de Cerro Largo/RS, o que caracteriza um total de 11 municípios. O questionário foi disponibilizado por meio do instrumento “GoogleForms”.

O questionário foi respondido após a realização de contato via telefone com as equipes pedagógicas das respectivas secretarias de educação, quando os participantes foram esclarecidos sobre os benefícios da pesquisa e a importância da sua participação.

A pesquisa não passou por tramitação no Comitê de Ética da Universidade, pois a instituição não considerou necessário. No entanto, após a conclusão da pesquisa e subsequente submissão do presente artigo para publicação, entrou-se em contato novamente com as secretarias municipais de educação solicitando-se a assinatura de Termo de Consentimento e Livre Esclarecido, que foi assinado e encaminhado aos pesquisadores em arquivo jpg ou pdf.

Para Silva, o levantamento de dados: “envolve a interrogação direta de pessoas cujo comportamento em relação ao problema estudado se deseja conhecer para, em seguida, mediante análise quantitativa, identificar as conclusões correspondentes aos dados coletados” (Silva, 2009, p. 51).

De posse dos dados coletados por meio dos formulários respondidos por todas as secretarias de educação contatadas, passou-se à análise das informações, para então se criar hipóteses acerca da realidade dos sistemas municipais de educação quanto à inclusão de alunos com diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista nas redes municipais de ensino da microrregião de Cerro Largo.

Os dados levantados por meio dos questionários às secretarias de educação foram organizados em tabelas e gráficos, com as seguintes temáticas: número aproximado de matrículas na rede municipal de ensino, número de alunos matriculados com diagnóstico de TEA, adaptações curriculares, desafios e dificuldades para a inclusão de alunos com TEA em salas de aula regulares. Realizou-se a análise descritiva dos dados para então se desenvolver a compreensão da realidade estudada e a conclusão do presente estudo.

O Transtorno do Espectro Autista (TEA)

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) faz parte do grupo dos transtornos do neurodesenvolvimento, com causas neurobiológicas, definido por critérios clínicos. O Transtorno do Espectro Autista (TEA) (F84.0), segundo o DSM-5 — Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais — (DSM-5, 2014), é considerado um transtorno do neurodesenvolvimento caracterizado por dificuldades de interação social, comunicação e comportamentos repetitivos e restritos. O transtorno possui características associadas tais como:

Prejuízo persistente na comunicação social recíproca e na interação social (Critério A) e padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades (Critério B). Esses sintomas estão presentes desde o início da infância e limitam ou prejudicam o funcionamento diário (Critérios C e D). (DSM-5, 2014, p. 53)

Dessa forma, segundo Bosa (2006), o TEA trata-se de um transtorno não degenerativo, com sintomas comportamentais atípicos presentes no indivíduo desde idades muito precoces. Tipicamente, os sintomas podem ser percebidos antes dos três anos de idade, caracterizando-se por dificuldades que permanecem ao longo de toda a vida do indivíduo, principalmente no que tange às habilidades sociais e comunicativas e aos comportamentos repetitivos e interesses limitados.

O TEA, segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, DSM-5 (2014, p. 52), pode apresentar três “níveis de gravidade”. Sendo eles: Nível 1, também chamado de “autismo leve”, neste grau, o indivíduo “exige apoio”. O nível 1 caracteriza o grau mais moderado de autismo, em que o sujeito pode demonstrar interesse reduzido por interações sociais, apresentando “dificuldade para iniciar interações sociais” (2014, p. 52) e apresentando falhas na conversação, apresenta dificuldades em trocar de atividades e na organização e planejamento.

Já os próximos níveis apresentam comportamentos mais acentuados. No nível 2, chamado de “autismo moderado”, os sujeitos necessitam “apoio substancial”, pois apresentam “déficits graves nas habilidades de comunicação social verbal e não-verbal” (DSM-5, 2014, p. 52). Percebe-se ainda dificuldades de mudar o foco ou as ações que executa, logo, a inflexibilidade de seu comportamento restritivo ou repetitivo interfere no funcionamento de uma variedade de contextos.

O nível 3, ou “autismo severo”, segundo o DSM-5 (2014, p. 52), é caracterizado pelo sujeito que exige “apoio muito substancial”, pois apresenta déficits graves nas “habilidades de comunicação social verbal e não verbal causam prejuízos graves de funcionamento, grande limitação em dar início a interações sociais e resposta mínima a aberturas sociais que partem de outros” (DSM-5, 2014, p. 52). Dessa forma, os comportamentos restritivos e/ou repetitivos “interferem acentuadamente no funcionamento em todas as esferas” (DSM-5, 2014, p. 52).

Como já destacado anteriormente, no que se refere às relações interpessoais as dificuldades observadas nos sujeitos com TEA podem se manifestar no decorrer de toda vida do indivíduo, e estão presentes desde muito cedo. Assim, é possível identificar precocemente traços de autismo por meio da observação de alguns comportamentos considerados atípicos para a faixa etária que a criança/jovem se encontra.

Foi evidenciado que crianças autistas demostraram, entre 1 e 3 anos de idade, déficits na postura antecipatória, na intensidade de contato visual, em comportamentos de atenção compartilhada, em comportamentos afetivos e em respostas à fala; [...] com 2-3 anos de idade tendem a meios não convencionais para se comunicar, como pedir alguma coisa manipulando a mão de uma pessoa, mais do que usando o olhar; crianças com TEA que não possuem meios verbais ou não verbais de expressão podem, na verdade, apresentar comportamentos pouco adaptativos (como, por exemplo, autoagressão, heteroagressão e gritos aparentemente imotivados). (Saulnier et al., 2011, p. 165)

O desenvolvimento das habilidades sociais acima destacadas começam a aparecer nos primeiros anos de vida. Se tratando de TEA “é importante entender que existe um atraso significativo no desenvolvimento dessas habilidades” (Gaiato & Teixeira, 2018, p. 13). Isso significa que a criança não atingirá de forma típica os “marcos evolutivos esperados para a sua idade” (Gaiato & Teixeira, 2018, p, p. 13), o que torna possível a identificação precoce de traços de TEA.

Segundo as investigações apontadas pelos autores acima destacados, percebe-se que a detecção precoce e intervenções subsequentes podem ser determinantes para o desenvolvimento integral do indivíduo. Isso é possível, pois com estimulação precoce a linguagem pode ser adquirida com maior rapidez, o desenvolvimento das interações com pessoas melhora e o sujeito adquire com maior facilidade o funcionamento adaptativo.

A detecção e as intervenções precoces podem ainda auxiliar na implementação de inclusão da criança nos processos de escolarização. Assim, o início precoce das intervenções é um fator importante para a melhoria do quadro clínico e do desenvolvimento integral da criança. Como explica Whitman:

Uma vez que o autismo é um transtorno do desenvolvimento, os atrasos associados com ele se acumulam ao longo do tempo. Por essa razão, os programas de intervenção precisam começar tão cedo quanto possível, para que possam alterar a trajetória do desenvolvimento de crianças autistas, de crescentes atrasos para o aumento no comportamento bem ajustado. (Whitman, 2015, np).

Isso posto, a seguir será dissertado a respeito das imbricações entre a Educação Inclusiva e o autismo, buscando a compreensão de como a escola pública tem tratado da escolarização dos alunos com TEA, identificando principais desafios e conquistas citadas pela literatura, para, mais tarde, confrontar com aos dados obtidos na pesquisa feita com os municípios da microrregião de Cerro Largo, no Rio Grande do Sul.

Educação Inclusiva e autismo

A perspectiva da Educação Inclusiva é um paradigma que passa a vigorar no Brasil principalmente a partir da implementação da “Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva”, elaborada pelo Ministério da Educação (MEC), que tem por objetivo: “O acesso, a participação e a aprendizagem dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares, orientando os sistemas de ensino para promover respostas às necessidades educacionais” (Brasil, 2008). Assim:

A inclusão causa uma mudança de perspectiva educacional, pois não se limita a ajudar somente os alunos que apresentam dificuldades na escola, mas apoia a todos: professores, alunos, pessoal administrativo, para que obtenham sucesso na corrente educativa geral. (Mantoan, 1997, p. 145)

A perspectiva da Educação Inclusiva pretende superar o antigo paradigma de apenas introduzir alunos que tenham alguma deficiência ou necessidade especial nas escolas. A perspectiva da Educação Inclusiva pretende a criação de um ambiente que estimule todas as possibilidades de desenvolvimento dos aprendentes, assegurando-lhes, nos termos de Mantoan (1997), igualdade de oportunidades, acolhimento das diferenças individuais e estímulos adequados para o desenvolvimento de suas habilidades.

Em síntese, pode-se afirmar que a abordagem da Educação Inclusiva tem como principal objetivo aprimorar as estratégias educacionais fornecidas a todos os alunos, independentemente de suas características individuais, contexto social ou origem cultural.

Nessa perspectiva, entende-se que as escolas devem estar preparadas para acolher todos os indivíduos, respeitando e valorizando as suas diferenças. Essa proposição exige das escolas uma série de adequações como a estrutura física, adaptação curricular, disponibilização de meios para que todos tenham a oportunidade de se desenvolverem, reformulação de propostas pedagógicas e disponibilização de recursos de Tecnologia Assistiva para os sujeitos que necessitarem.

No que diz respeito às pessoas diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista, estas apresentam acentuadas diferenças individuais dentro do próprio espectro, tanto que os:

Indivíduos com tal diagnóstico vão desde aquele com todos (ou a maioria) dos sintomas listados nos critérios do DSM para o Transtorno do Espectro Autista até aqueles que apresentam apenas os sintomas mínimos exigidos. Esta faixa inclui indivíduos que operam em alto nível do desenvolvimento, além daqueles que estão muito abaixo em seu nível de funcionamento. (Whitman, 2015, np)

Como visto nos tópicos anteriores do presente estudo, o Transtorno do Espectro Autista pode “se apresentar de diversas formas, compreendendo um universo de possibilidades sintomatológicas, cada caso apresentando particularidades individuais que merecem cuidados e intervenções individualizadas” (Gaiato & Teixeira, 2018, p. 13). Mesmo havendo a classificação em níveis, as pessoas com TEA são diferentes umas das outras, não sendo possível criar padrões de classificação ou definição.

No contexto escolar isso significa que as propostas pedagógicas devem ser pensadas de forma individualizada, visando o atendimento das especificidades de cada aprendente em particular. Os profissionais da educação destinados a atender o sujeito com TEA devem o conhecer bem, para saber como reforçar os comportamentos adequados, prevenir e eliminar os comportamentos não desejados, promovendo um processo educativo significativo ao aprendente. Para isso, entende-se que podem ocorrer alguns desafios no processo educativo, pois:

Na escola, as crianças com autismo frequentemente apresentam comportamentos desadaptativos, tais como autoagressões e comportamentos estereotipados. Esses comportamentos são ainda mais problemáticos em contextos de grupo, quando perturbam o programa de aprendizagem e colocam a criança em maior risco de exclusão social, tornando muito difícil o seu progresso e seu acesso ao planejamento educacional convencional. (Gaiato & Teixeira, 2018, p. 103)

Com vista a auxiliar na superação de dificuldades, complementar ou suplementar os estudos, como também proporcionar aos educandos um desenvolvimento adequado, na perspectiva da Educação Inclusiva, a Educação Especial possui papel fundamental. A reestruturação da educação proporcionada pela Educação Inclusiva pressupõe “a articulação entre a educação especial e o ensino comum, sendo esta a função primordial do AEE, considerando a elaboração, a disponibilização e a avaliação de estratégias pedagógicas, de serviços e recursos de acessibilidade” (Monteiro, 2018, p. 62), assim promovendo efetivamente o direito de todos à educação de qualidade.

O Atendimento Educacional Especializado (AEE) ao aluno deve ser realizado no contraturno (ou turno inverso) ao ensino regular e de preferência em sala de recursos multifuncionais da própria escola, não substituindo, assim, as classes comuns. Essa questão leva a profundas reflexões a respeito das perspectivas educacionais da escola e, como aponta o documento “Adaptações Curriculares”, o currículo da escola deve realizar uma:

Planificação pedagógica e nas ações docentes fundamentadas em critérios que definem: o que o aluno deve aprender, como e quando aprender; que formas de organização do ensino são mais eficientes para o processo de aprendizagem e; como e quando avaliar o aluno. O conjunto de modificações que se realizam nos objetivos, conteúdos critérios e procedimentos de avaliação, atividades e metodologias para atender às diferenças individuais dos alunos (Brasil, 2001, p. 33).

As adaptações curriculares supracitadas visam a eliminação de barreiras para a plena participação dos alunos nas atividades escolares, bem como, promover o desenvolvimento integral dos sujeitos do processo educativo. Os alunos com diagnóstico de TEA fazem parte do público com necessidades especiais e possuem todos os direitos aqui abordados e descritos, no entanto, segundo a literatura, as instituições escolares brasileiras, além de possuírem um índice crescente de alunos com TEA, têm encontrado barreiras para a efetiva inclusão dos alunos em classes regulares.

A fim compreender a realidade local no que tange à inclusão de alunos com diagnóstico de TEA, a seguir é apresentado um estudo realizado na microrregião de Cerro Largo/RS. São apresentados os dados gerados sobre a prevalência de estudantes diagnosticados com TEA nos sistemas municipais de ensino e os principais desafios e dificuldades identificados no processo de inclusão escolar destes.

Realidade e definição da microrregião de Cerro Largo (RS) Caracterizando a microrregião de Cerro Largo

O estado do Rio Grande do Sul possui uma extensão territorial de 281.748 km2, dessa forma, está geograficamente dividido em sete regiões, que por sua vez estão divididas em microrregiões. O presente estudo possui abrangência na microrregião de Cerro Largo, localizada na Região Noroeste riograndense e composta por 11 municípios: Cerro Largo, Porto Xavier, Guarani das Missões, Roque Gonzales, São Paulo das Missões, Campina das Missões, Caibaté, São Pedro do Butiá, Salvador das Missões, Sete de Setembro e Mato Queimado.

Segundo estatísticas de “Cidades-Brasil”, a microrregião de Cerro Largo (RS) possui aproximadamente 64.171 habitantes, divididos em uma área de 2.251 km2 e tendo uma densidade demográfica de 28,5 hab./km2. A seguir serão tratados os dados coletados por meio das respostas aos questionários aplicados aos 11 municípios da região a fim de constituir um mapeamento da realidade das escolas municipais quanto à inclusão de alunos com diagnóstico do Transtorno do Espectro Autista.

Prevalência de casos com diagnósticos de TEA em escolas municipais na microrregião de Cerro Largo

A coleta dos dados a seguir expostos foi realizada por meio do preenchimento de formulário disponível na plataforma do GoogleForms e respondida pela equipe das secretarias de educação dos municípios pesquisados. Os dados revelados dizem respeito à realidade das escolas pertencentes à rede municipal de ensino e objetivam compilar dados para a compreensão da realidade que os municípios vivenciam com respeito ao acolhimento, inclusão e educação de alunos com diagnóstico de TEA.

Os municípios da microrregião de Cerro Largo/RS apresentam realidades heterogêneas, com o número total de alunos matriculados nas escolas municipais variando entre 140 e 1.222, de estudantes que frequentam desde a modalidade creche até as séries finais do Ensino Fundamental, conforme pode-se acompanhar no registro da Tabela 1:

Tabela 1 Número aproximado de matrículas regulares na rede municipal de ensino 

Município Número de escolas municipais Número aproximado de alunos matriculados no sistema municipal
Caibaté 1 EMEI 3EMEF 410
Campina das Missões 3 EMEI 4 EMEF 600
Cerro Largo 3 EMEI 4 EMEF 1.222
Guarani das Missões 2 EMEI 5 EMEF 785
Mato Queimado 1EMEI 2 EMEF 324
Porto Xavier 2 EMEI 5 EMEF 873
Roque Gonzales 2 EMEI 4 EMEF 664
Salvador das Missões 1 EMEI 1 EMEF 250
São Paulo das Missões 2EMEI 3 EMEF 715
São Pedro do Butiá 1 EMEI 1 EMEF 227
Sete de Setembro 1 EMEI 2EMEF 140

Fonte: Elaboração própria

EMEI: Escola Municipal de Educação Infantil; EMEF: Escola Municipal de Ensino Fundamental

A questão seguinte apresentada no formulário de pesquisa foi a respeito do número de matrículas no sistema municipal de ensino de alunos com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista. Os resultados obtidos revelam que a incidência de alunos diagnosticados com TEA nas escolas municipais varia de zero a 27 casos, conforme as respostas abaixo relacionadas (Tabela 2):

Tabela 2 : Matrículas de alunos com diagnóstico de TEA na rede municipal 

Município Matrículas de alunos com diagnóstico de TEA
Caibaté 3
Campina das Missões 4
Cerro Largo* 27
Guarani das Missões 10
Mato Queimado 03
Porto Xavier 12
Roque Gonzales 04
Salvador das Missões 01
São Paulo das Missões 07
São Pedro do Butiá 02
Sete de Setembro 0

Fonte: Elaboração própria

*incluiu casos sem laudos, não apresentando os dados separadamente. TEA: Transtorno do Espectro Autista

No Gráfico 1 está destacada a forma como os alunos com TEA estão incluídos nos sistemas municipais de ensino. 45,5% frequentam o ensino regular, 90,0% possuem atendimento em sala de recursos ou AEE na escola, 63,6% frequentam o ensino regular com acompanhamento de monitor ou profissional de apoio escolar, 9,1% possuem aulas de reforço, 9,1% possuem acompanhamento no AME (Atendimento Multiprofissional Especializado), 9,1% frequentam a APAE e 9,1% frequentam a APAE uma vez por semana para receber acompanhamento especializado.

TEA: Transtorno do Espectro Autista

Fonte: Elaboração própria

Gráfico 1 : Forma de atendimento dos alunos com TEA 

Conforme o Gráfico 1, é possível identificar que a maioria dos municípios da microrregião de Cerro Largo oferece suporte para os alunos com TEA principalmente em salas de recursos ou salas de Atendimento Educacional Especializado, presentes nas escolas e geridas por profissional especializado em Educação Especial.

No que se refere ao currículo escolar, os municípios mostraram-se divididos quanto à organização de um currículo especializado, com propostas educacionais voltadas para atender às especificidades educacionais dos alunos com TEA. 45,5% dos municípios afirmaram possuírem currículo especializado para alunos com TEA, versus 54,5% que afirmam não haver currículo especializado para os alunos com o transtorno (Gráfico 2).

TEA: Transtorno do Espectro Autista

Fonte: Elaboração própria

Gráfico 2 : Currículo especializado para alunos com TEA 

Os municípios que responderam haver um currículo especializado relataram que as adaptações curriculares em suas escolas municipais ocorrem de diversas formas, entre elas: planejamento diferenciado, adaptação curricular por parte do professor e/ou profissional do AEE tanto para o aluno se adaptar ao ensino regular quanto para obter maior desenvolvimento de suas habilidades, plano de ensino individualizado, adaptações de material didático pedagógico, apoio de instituição como APAE e professor da sala de recursos.

Apesar das diversas formas de adaptações curriculares apresentadas pelos municípios, houve o relato das mesmas não serem suficientes, apontando a necessidade da busca de maiores informações a respeito da forma como a pessoa com TEA aprende e como aplicar isso em sala de aula regular.

Por fim, os municípios apontaram como principais dificuldades para a efetivação da inclusão de pessoas com TEA nas escolas municipais questões como:

• Saber como adaptar o currículo e desenvolver atividades estruturadas para o aluno autista e, concomitantemente, atender os demais alunos da turma da sala regular;

• Aceitação e acompanhamento dos pais das crianças com TEA;

• Formação adequada para os profissionais que atendem esses alunos;

• Incluir esses alunos nas aulas regulares;

• Educadores despreparados;

• Medo e insegurança;

• Dificuldade de atenção e concentração dos outros alunos da turma;

• Dificuldades na realização do diagnóstico, pois há muitos alunos com traços de TEA aguardando bastante tempo pelas avaliações;

• Resistência da família em aceitar o diagnóstico;

• Planejamento do professor e composição de equipe multidisciplinar.

(Fonte: Elaboração própria)

No âmbito da realidade das instituições educativas da pesquisa acima destacada, percebe-se que, apesar das diversas tentativas de inclusão de alunos com diagnóstico de TEA, adaptações curriculares realizadas e apoio de diferentes setores de educação especializada, os municípios da microrregião de Cerro Largo/RS enfrentam grandes desafios para a efetiva inclusão de alunos com TEA em salas de aula regulares.

A situação apresentada pelos municípios demanda maior estudo por parte de pesquisadores e secretarias de educação a fim de proporcionar aos sujeitos com TEA ambientes que estimulem o seu desenvolvimento integral, com todos os direitos sanados.

Na literatura, há quem já tenha alertado para as diversas dificuldades acima apresentadas serem recorrentes em instituições de todo o país, como defende Pletsch:

A falta de formação inicial e continuada de professores é um problema reiterado desde os anos noventa pela maioria dos estudos sobre inclusão escolar (Pletsch, 2009; 2011; Caiado, Jesus, Batista, 2011, entre outros). [...]. Os cursos de formação inicial, em sua maioria, oferecem apenas uma disciplina na área de Educação Especial (ou educação inclusiva), o que é insuficiente para formar adequadamente professores sobre o desenvolvimento e as especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais. Do mesmo modo, tais cursos, em sua maioria, não ensinam estratégias e técnicas específicas necessárias para a educação de muitos desses sujeitos como, por exemplo, LIBRAS, Braille e comunicação alternativa. Além disso, como sinalizado por Bueno (1999), Pletsch (2009, 2010) e Mendes (2011), os cursos de formação inicial focam em grande medida nas dificuldades específicas das deficiências dos alunos. Dessa forma, resultando em docentes especializadas em déficits com pouco conhecimento sobre as demandas de atuação do professor do ensino básico. (Pletsch, 2012, pp. 156-157)

Para finalizar o presente capítulo, destaca-se que mesmo o nosso país tendo uma demarcação bem definida na legislação a respeito da Perspectiva da Educação Inclusiva, sistemas de ensino ainda carecem de iniciativas e diretrizes oficiais que garantam a inclusão de pessoas com deficiência nas salas de aula do ensino regular.

Discussão

Neste capítulo são apresentados os dados coletados em pesquisa realizada no ano de 2022 com as respectivas análises. O estudo buscou investigar a realidade da microrregião de Cerro Largo/RS, composta pelos municípios de Cerro Largo, Porto Xavier, Guarani das Missões, Roque Gonzales, São Paulo das Missões, Campina das Missões, Caibaté, São Pedro do Butiá, Salvador das Missões, Sete de Setembro e Mato Queimado, no que diz respeito à inclusão de alunos diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista em salas de aula regulares, pertencentes aos sistemas municipais de ensino.

A inclusão de alunos com TEA em ambiente escolar possui um vasto aparato legal que ampara e torna obrigatórias a aceitação e adequação escolar curricular de alunos com necessidades educacionais especiais. No entanto, segundo a literatura pesquisada, ainda há obstáculos a serem transpostos para que se efetive uma educação de fato inclusiva nos sistemas de ensino básico brasileiro.

A literatura pesquisada defende que a perspectiva da Educação Inclusiva traz o aporte teórico que fundamenta a inclusão de todos os alunos na educação, independentemente de suas especificidades individuais. Essa proposição exige das escolas uma série de adequações como a estrutura física, adaptação curricular, disponibilização de meios para que todos tenham a oportunidade de se desenvolverem, reformulação de propostas pedagógicas e disponibilização de recursos de Tecnologia Assistiva para os sujeitos que necessitarem.

A pesquisa realizada com os 11 municípios que compõem a microrregião de Cerro Largo/RS revela aspectos acerca da realidade dos processos de inclusão de alunos com diagnóstico de TEA nos sistemas de ensino municipal dos respectivos municípios, mostrando aspectos parciais e importantes para a compreensão da realidade local.

Os dados coletados apontam que os 11 municípios da microrregião de Cerro Largo/RS apresentam realidades heterogêneas, com o número total de alunos matriculados nas escolas municipais variando entre 140 e 1.222, de estudantes que frequentam desde a modalidade creche até as séries finais do Ensino Fundamental, totalizando 6.210 alunos matriculados nos sistemas municipais da microrregião.

Escolas estaduais e particulares não fizeram parte da pesquisa, portanto, esta revela apenas a realidade das escolas que fazem parte do sistema municipal de ensino, não representando com fidelidade a realidade de todos os estudantes com TEA que residem e estudam na microrregião de Cerro Largo, sendo essa uma questão a ser aprofundada em estudos posteriores.

No que se refere aos alunos com diagnóstico de TEA nos sistemas municipais de ensino da microrregião de Cerro Largo, a soma totalizou 73 alunos. Realizando-se a equação das 6.210 matrículas regulares nas escolas e dos 73 alunos com TEA, revela-se que na região em questão 1,19% dos alunos municipais possuem diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista.

Os estudos também mostraram que os alunos com diagnóstico de TEA recebem algum tipo de acompanhamento especializado, cada município oferecendo o suporte conforme a sua realidade, não apresentando uma padronização no atendimento educacional especializado. As formas de atendimento mais citadas foram atendimento em sala de recursos ou AEE na escola, ensino regular (sala de aula) com acompanhamento de monitor ou profissional de apoio escolar, aulas de reforço, acompanhamento no AME (Atendimento Multiprofissional Especializado) e atendimento em APAE.

Na pesquisa foram identificadas diversas dificuldades que os municípios enfrentam com relação à inclusão de alunos com TEA nas salas regulares de ensino. No que se refere ao currículo escolar, os municípios mostraram-se divididos quanto à organização de um currículo especializado, com propostas educacionais voltadas para atender as especificidades educacionais dos alunos com TEA. Assim, 45,5% dos municípios afirmaram possuir currículo especializado para alunos com TEA, e 54,5% afirmam não haver currículo especializado para os alunos com o transtorno.

As adaptações curriculares citadas pelos municípios referem-se a planejamento diferenciado, adaptação curricular por parte do professor e/ou profissional do AEE tanto para o aluno se adaptar ao ensino regular quanto para obter maior desenvolvimento de suas habilidades, plano de ensino individualizado, adaptações de material didático pedagógico, apoio de instituição como APAE e professor da sala de recursos.

Apesar das diversas tentativas realizadas para a efetivação da inclusão de alunos com TEA, o estudo aponta a necessidade da busca de maiores informações a respeito da forma como a pessoa com TEA aprende e como aplicar isso em sala de aula regular, pois, apesar das diversas formas de adaptações curriculares apresentadas pelos municípios, houve o relato das mesmas não serem o suficiente.

Por fim, os municípios apontaram como principais dificuldades para a efetivação da inclusão de pessoas com TEA nas escolas municipais adaptação curricular, desenvolvimento de atividades estruturadas, resistência, aceitação e acompanhamento dos responsáveis legais pelas crianças com TEA, falta de formação profissional, metodologias de inclusão, medo e insegurança, dificuldade de atenção e concentração dos outros alunos da turma, dificuldades de diagnóstico e composição de equipe multidisciplinar.

No âmbito da realidade das instituições educativas da pesquisa acima destacada, percebe-se que, apesar das tentativas de inclusão de alunos com diagnóstico de TEA, adaptações curriculares realizadas e apoio de diferentes setores de educação especializada, os municípios da microrregião de Cerro Largo/RS ainda enfrentam grandes desafios para efetivar a inclusão destes alunos em salas de aula regulares.

Situações como as acima relatadas demandam maior estudo por parte de pesquisadores e secretarias de educação a fim de proporcionar aos sujeitos com TEA ambientes que estimulem o seu desenvolvimento integral, com todos os direitos sanados.

As teorias presentes na literatura orientam as práticas educativas. Logo, se há lacunas ou atualizações a serem feitas em aportes teóricos, os reflexos atingirão de alguma forma as práticas que nele se amparam. Assim, a terminologia utilizada no DSM-5 “níveis de gravidade” (2014, p. 52) não se enquadra mais com as atuais abordagens sobre o autismo.

A avaliação do Transtorno do Espectro Autista, baseada no conceito de “níveis de gravidade”, concentra-se na classificação do TEA com base na intensidade dos sintomas, incluindo dificuldades na comunicação social, comportamentos repetitivos e interesses restritos. A classificação será feita então em três níveis: leve, moderado e grave.

Autores influentes dissertam sobre essa diferença, como Catherine Lord, coautora do DSM-5, que defende a substituição do conceito de “níveis de gravidade” por “níveis de suporte”, por ser uma abordagem mais precisa e individualizada:

The support levels represent an effort to provide a more individualized assessment of the support needs of each person with Autism Spectrum Disorder (ASD), including the support needs in communication, behavior, and adaptation, in addition to the support needs in social and communication skills. (Lord et al., 2012)

Pode-se traduzir o extrato acima da seguinte forma: Os níveis de suporte representam um esforço para fornecer uma avaliação mais individualizada das necessidades de suporte de cada pessoa com TEA, incluindo as necessidades de suporte em comunicação, comportamento e adaptação, além das necessidades de suporte em habilidades sociais e de comunicação (Lord et al., 2012).

A abordagem de “níveis de suporte”, baseada na avaliação das necessidades individuais da pessoa com autismo irá determinar a quantidade suporte que a pessoa necessita. Essa avaliação de suporte, por sua vez, está dividida em três categorias: suporte necessário, suporte substancial e suporte muito substancial. Os suportes incluem desde a ajuda de pais e professores às ajudas profissionais como, por exemplo, terapia comportamental e treinamento das habilidades sociais e de comunicação.

Nos textos da Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, também se percebe a necessidade de atualização. No período que está descrito que se deve garantir: “O acesso, a participação e a aprendizagem dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação nas escolas regulares” (Brasil, 2008), notam-se dois problemas em sua constituição.

Primeiramente, o acesso e a permanência dos indivíduos nas escolas regulares não garante a sua efetiva inclusão, pois o que se pretende nos dias atuais é a garantia da participação e da aprendizagem significativa de todos os estudantes, independentemente de suas habilidades, necessidades ou condições. Além disso, o termo “transtornos globais do desenvolvimento” é considerado em desuso, pois foi substituído na literatura, como no próprio DSM 5 (2014, p. 32), por “transtornos do neurodesenvolvimento”, considerado mais abrangente.

Para que as instituições escolares e os sistemas que as gerenciam consigam promover em seus espaços educativos uma educação inclusiva, superando desafios como os apontados em parágrafos anteriores deste estudo, a literatura que a ampara também deve fornecer teorias sólidas e coerentes. A teoria é a fonte de ideias e conceitos que ajudam a orientar a prática e a dar significado às ações realizadas, assim, ela deve fornecer uma base sólida para que os profissionais possam tomar decisões fundamentadas e estratégias eficazes em suas áreas de atuação.

Considerações

Este trabalho foi resultado dos primeiros estudos a respeito da incidência de alunos com diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista na microrregião de Cerro Largo/RS. Teve início com análise da literatura existente a respeito do TEA e sobre os pressupostos da Educação Inclusiva. Paralelamente, foram levantadas informações sobre os alunos com Transtorno do Espectro Autista atendidos pelas redes municipais de ensino pertencentes à microrregião de Cerro Largo, em seus aspectos escolares. A pesquisa foi realizada entre julho e setembro de 2022 e teve as seguintes conclusões:

Os resultados preliminares obtidos no decorrer da pesquisa revelam que sistemas de educação que permeiam o nosso país carecem de estrutura e profissional qualificado para atender de forma adequada a sujeitos que apresentam determinadas especificidades como o Transtorno do Espectro Autista.

Outrossim, o currículo da escola, para ser inclusivo, deve considerar aspectos como: buscar a aprendizagem significativa de todos os alunos, adaptar o currículo conforme necessidades individuais, considerar as individualidades dos alunos, deixar de lado concepções reducionistas, excludentes e limitantes sobre os sujeitos, considerar o contexto social em que a escola está inserida, proporcionando interações sociais saudáveis entre todos.

Os dados coletados por meio da observação da realidade local apontam a existência de alunos com diagnóstico de TEA em 10 dos 11 municípios pesquisados, revelando ser uma preocupação em todos os municípios da microrregião de Cerro Largo.

As dificuldades com a realização dos diagnósticos e a longa espera destes apresenta ser um obstáculo nos sistemas de ensino. Outro obstáculo identificado trata-se do despreparo das instituições e profissionais de educação para acolher e promover a aprendizagem, socialização e inclusão dos sujeitos com TEA nas salas de aula regulares.

Percebe-se que é importante a obtenção de dados acerca da escolarização de estudantes com autismo nas diversas regiões do Brasil, assim como, é necessária a coleta de dados mais específicos a respeito dos estudantes com TEA na microrregião de Cerro Largo/RS, pois para compreender a realidade nacional primeiramente deve-se conhecer a realidade local. O conhecimento da realidade local promove subsídios para a criação de Políticas Públicas que atendam com maior eficiência esse público que, segundo estatísticas mundiais, vem crescendo a cada ano.

Assim, a presente pesquisa possibilita o questionamento e a sua continuidade em estudos futuros que visem a obtenção de dados mais detalhados sobre a escolarização dos estudantes com autismo. Dados esses que se referem à observação do nível de ensino básico que frequentam, idade, identificação de defasagem escolar e formação dos professores que atendem ao público com necessidades educacionais especiais. A coleta de dados mais específicos torna possível o estabelecimento de um panorama geral acerca da inclusão de estudantes com autismo na região, produzindo informações mais específicas e confiáveis.

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Trabalho realizado no Centro Universitário Leonardo da Vinci (UNIASSELVI), São Paulo das Missões, RS, Brasil.

Recebido: 11 de Dezembro de 2022; Aceito: 14 de Junho de 2023

Correspondência: Raquel Inês Strieder Centro Universitário Leonardo da Vinci (UNIASSELVI) Polo de São Paulo das Missões, Rua São José, 768 – São Paulo das Missões, RS, Brasil – CEP 97980-000 E-mail: raquel.ines.strieder@gmail.com

Conflito de interesses: A autora declara não haver.

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