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Revista Psicopedagogia

Print version ISSN 0103-8486

Rev. psicopedag. vol.40 no.122 São Paulo May./Aug. 2023  Epub June 24, 2024

https://doi.org/10.51207/2179-4057.20230019 

ARTIGO ORIGINAL

Importância da contação de histórias na educação infantil: Visão de professores

The importance of storytelling in early years education: From the teachers’ perspective

Lauriane Ferreira da Silva1 

Marcela Barbosa da Silva2 

Suzielle Kássia Nascimento de Oliveira3 

Angélica Galindo Carneiro Rosal4 

1Pós-Graduação em Saúde da Comunicação Humana, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.

2Curso de Fonoaudiologia, Centro Universitário São Miguel, Recife, PE, Brasil.

3Curso de Fonoaudiologia, Centro Universitário São Miguel, Recife, PE, Brasil.

4Pós-Graduação em Saúde da Comunicação Humana, Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil.


Resumo

Objetivo

Analisar a percepção de professores sobre a contação de histórias na Educação Infantil.

Método

Trata-se de um estudo do tipo descritivo, longitudinal, com abordagem qualitativa. Participaram do estudo duas professoras da Educação Infantil de uma escola privada da Região Metropolitana do Recife e seus respectivos alunos, na faixa etária entre 4:0 a 5:11 anos. A pesquisa ocorreu em duas etapas: Fase I – contação de histórias e estimulação cognitivo-linguística dos pré-escolares e Fase II – entrevista com professores.

Resultados

A análise de conteúdo possibilitou a identificação de três categorias temáticas: 1. Desafios da pandemia na aprendizagem escolar; 2. Contribuição da contação de histórias para o desenvolvimento infantil; 3. Importância da atuação do fonoaudiólogo educacional.

Considerações

Os resultados observados indicam que, na percepção das professoras, a contação de histórias pode contribuir para a aprendizagem escolar na Educação Infantil. Nota-se a necessidade de pesquisas que contribuam para a estimulação de habilidades preditoras da leitura e escrita neste nível de ensino.

Unitermos Linguagem; Educação Infantil; Pré-escolares; Fonoaudiologia Educacional

Summary

Objective

To analyze the perception of teachers about storytelling in Early Childhood Education.

Methods

This is a descriptive, longitudinal study with a qualitative approach. Two early childhood education students from a private school in the Metropolitan region of Recife and their respective children participated in the study, aged between 4:0 and 5:11 years old. The research was carried out in two stages: Phase I – storytelling and cognitive-linguistic stimulation of preschoolers and Phase II – interview with teachers.

Results

In the analysis of the content, it is possible to identify three thematic categories: 1. Challenges of the pandemic in school learning; 2. Contribution of storytelling to child development; 3. Importance of the educational speech-language pathologist’s role.

Considerations

The observed results indicate that, in the teachers’ perception, storytelling can contribute to school learning in Early Childhood Education, enhancing the teaching of predictive skills for and writing. In addition, there is a need for research that contributes to the stimulation of precursor skills of reading and writing in childhood.

Keywords Language; Early Childhood Education; Preschoolers; Educational Speech Therapy

Introdução

A Educação Infantil é considerada como a primeira etapa da educação básica e tem por finalidade o desenvolvimento integral da criança de até cinco anos de idade, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade (Brasil, 2013).

Uma Educação Infantil apropriada repercute de forma positiva no desenvolvimento das crianças, impactando diretamente em seu sucesso escolar, podendo interferir desde as fases educacionais primárias até o ensino mais especializado. Por se tratar de um período passageiro, as mudanças ocorrem de forma curta e rápida, sendo imprescindível que este período seja repleto de estímulos necessários para favorecer o ensino de habilidades preditoras para um bom desempenho escolar (Cruz & Oliveira, 2020).

Nos primeiros anos de vida a criança utiliza a linguagem verbal e não verbal para poder se comunicar. Com o passar do tempo, começa a compreender o meio em que está inserida e fazer uso de outros modos de expressão, como a música, desenhos, histórias, dança, arte, entre outros. É por meio destes estímulos e interações que se verifica a aquisição e expansão do vocabulário expressivo das crianças (Santos Oliveira & Dias, 2020).

Assim, quanto mais alinhado for o desenvolvimento cognitivo-linguístico nas crianças, mais eficientes serão suas habilidades de comunicação, interação, organização de pensamentos e compreensão, sendo estas habilidades consideradas de grande importância para um bom desempenho escolar e, consequentemente, para a aquisição e desenvolvimento da leitura e escrita (Zauche et al., 2016).

Nesse sentido, torna-se imprescindível que sejam realizados investimentos nessa etapa escolar, uma vez que é possível observar que estimular habilidades cognitivo-linguísticas que são consideradas como preditoras para a leitura e escrita, tais como a consciência fonológica e o vocabulário expressivo, torna as crianças mais preparadas para a alfabetização e, posteriormente, para outras fases educacionais (Sargiani & Maluf, 2018).

Uma das formas de trabalhar o desenvolvimento cognitivo-linguístico na Educação Infantil é utilizando a contação de histórias. Através dela são estimulados aspectos relacionados ao senso crítico, léxico, morfossintaxe, imaginação, criatividade, oralidade, desenvolvendo assim sua autonomia, proporcionando vivências e diversas emoções como medo e angústias, fazendo com que a criança aprenda a lidar com seus conflitos emocionais. Além disso, contribui para obtenção de um maior conjunto de vocábulos, sendo sua prática de grande importância para o desenvolvimento cognitivo e social das crianças, uma vez que transmite conhecimento, cultura e preceitos (Masquita, 2021).

O contador de histórias é responsável por instigar a curiosidade, trazer à tona sentimentos como medos, tristezas e felicidades, assim como ressaltar sonhos. Para que aconteça o aprendizado durante o processo de contar histórias, é importante que os professores estejam preparados para contá-las. Isso ocorre por meio do clima e envolvimento em que são construídas formas de integração do aluno na história (Santos et al., 2022).

O mundo enfrentou um momento de pandemia de COVID-19 que ocasionou uma série de impactos sociais e educacionais. Uma das medidas adotadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para reduzir a proliferação do coronavírus foi o isolamento social, que resultou na suspensão das atividades presenciais em muitas escolas. Mediante a isso, milhares de crianças pararam de frequentar suas turmas de pré-escola (Gonçalves & Moura Britto, 2020).

As mudanças sociais trouxeram impactos, especialmente no desenvolvimento linguístico das crianças pré-escolares, que necessitam da mediação do outro para seu desenvolvimento. As crianças deixaram de ter acesso a espaços organizados e experiências planejadas para seu desenvolvimento de forma integral.

Dessa forma, a família passou a exercer um papel fundamental na estimulação dessas crianças em casa. Além de ser o primeiro contato da criança com o universo da aprendizagem, antes de ingressarem na pré-escola, sendo responsável pelos primeiros estímulos.

Além disso, cabe salientar a importância da inserção do fonoaudiólogo educacional nas esferas educacionais diante do contexto atual, pois além de atuar como profissional de fonoaudiologia, também promove educação em todos os níveis e modalidades de ensino. O fonoaudiólogo, como parte integrante da equipe pedagógica, agrega conhecimentos sobre a comunicação humana, que são de sua competência, assim como discute estratégias educacionais que possam favorecer o processo de ensino e aprendizagem (Jucá & Nascimento, 2021).

Diante disso, o objetivo do presente estudo foi analisar a percepção de professores acerca da contação de histórias na Educação Infantil.

Método

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Pernambuco, sob o parecer número 068935/2021 do Conselho Nacional de Saúde.

Obteve-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) de todos os participantes da pesquisa, assim como dos pais e/ou responsáveis pelas crianças. Além disso, todas as crianças foram instruídas a partir do Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE).

Trata-se de um estudo longitudinal com abordagem qualitativa. Este trabalho foi realizado em uma escola privada de ensino da Região Metropolitana do Recife, no período de setembro a dezembro de 2021.

Participaram deste estudo professores e escolares de uma escola privada da Região Metropolitana do Recife. Foram selecionadas duas professoras, sendo classificadas e divididas em dois grupos da seguinte forma: P4 (professora do Grupo IV) e P5 (professora do Grupo V). Abaixo, estão descritas as informações referentes a idade, formação e tempo de atuação das professoras, como demonstrado no Quadro 1.

Quadro 1 : Distribuição das participantes quanto a idade, formação e tempo de atuação na Educação Infantil 

Participantes Idade Formação Tempo de Atuação
P4 30 anos Formação em Pedagogia 4 anos
P5 32 anos Formação em licenciatura em Ciências Biológicas, com Pós-graduação em Educação Especial e Inclusiva 2 anos

Os pré-escolares foram divididos de acordo com a idade, sendo: Grupo IV (4:0 a 4:11 anos) e GV (5:0 a 5:11 anos). Devido à pandemia, houve uma diminuição no número total de alunos que frequentavam a escola, sendo a amostra composta por 18 escolares, com faixa etária entre 4:0 e 5:11 anos, matriculados na Educação Infantil, sendo: GIV (n=9) e GV (n=9).

Foram incluídos na amostra todos os escolares que cursavam a Educação Infantil, na faixa etária estabelecida, que apresentam o português brasileiro como primeira língua materna, e seus respectivos professores regentes da sala de aula. Foram excluídos os escolares que apresentaram indício ou queixa de disfunção neurológica, déficit intelectual e alterações estruturais nos órgãos fonoarticulatórios que pudessem originar alterações de fala.

A pesquisa ocorreu em duas fases interligadas: Fase I - contação de histórias e estimulação cognitivo-linguística dos pré-escolares e Fase II – entrevista com as professoras.

Fase I

Nesta fase foi realizada a contação de histórias utilizando o conjunto de livros (Cerqueira César et al., 2019) “Pacote histórias para o desenvolvimento de rima e aliteração”. A coleção contém histórias para o desenvolvimento de rima e aliteração, apresentando oito livros destinados a promover habilidades metafonológicas de rima e de aliteração e de expansão de vocabulário. Cada livro se baseia nas aventuras de um personagem principal, contendo cinco histórias e atividades para expansão de vocabulário.

Nesta pesquisa foram utilizados os livros “Fred Fofinho” e “Gata Gabi” (Cerqueira César et al., 2019), sendo trabalhadas as quatro histórias de cada livro, com cada turma, e as atividades que são propostas no final de cada obra.

A contação de história foi realizada no período de aula, com frequência de uma vez por semana, e duração média de uma hora. As professoras colaboraram intermediando as atividades junto as pesquisadoras. Os encontros foram fotografados, filmados e registrados em diário de campo.

Fase II

Nesta etapa foram coletados dados pessoais das professoras e realizada entrevista por meio de um questionário semiestruturado individual, após o término dos quatro encontros, usando como base as seguintes perguntas norteadoras: 1. Quais as dificuldades enfrentadas durante a pandemia?; 2. Qual sua opinião sobre a contação de história?; 3. O que você achou da contação de história realizada nesta pesquisa?; 4. Qual sua percepção sobre a atuação do fonoaudiólogo educacional?.

As entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas na íntegra. Após isso, foram avaliadas por meio da análise de conteúdo na modalidade temática proposta por Bardin (Bardin, 2011). Esta consiste em um conjunto de técnica de análise qualitativa de comunicações, visando obter, por meio de procedimentos sistemáticos de descrição do conteúdo das mensagens, de modo a permitir a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/recepção das mensagens, agrupando-as em categorias temáticas.

A análise de conteúdo (Bardin, 2011) é organizada em três fases: 1) pré-análise: compreende a leitura inicial do material elaborado a partir da transcrição das falas dos informantes e sistematização das ideias iniciais; 2) exploração de materiais: consiste na análise, classificação e agregação das informações em categorias temáticas; e 3) tratamento dos resultados, inferência e interpretação: etapa de captar os conteúdos manifestos em todo o material coletado, sendo realizada a justaposição das diversas categorias, ressaltando os aspectos considerados semelhantes e os que foram concebidos como diferentes.

Resultados

Os resultados serão apresentados em duas etapas, de acordo com as fases da pesquisa.

Fase I

A contação de histórias ocorreu em quatro encontros, todos realizados na própria sala de aula. As professoras foram informadas sobre os dias e horários de cada atividade, conhecendo os materiais utilizados previamente. Serão apresentadas no Quadro 2 as atividades realizadas com os escolares em cada encontro:

Quadro 2 : Descrição das atividades realizadas em cada encontro 

Encontros GIV GV
- Livro “Gata Gabi”: História: Gabi gosta de passear. - Atividade da roda da rima. - Livro “Fred Fofinho”: História: Fred gosta de passear. - Atividade da roda da rima.
- Livro “Gata Gabi”: História: Gabi, a gata ocupada. - Atividade do jogo da memória da rima. - Livro “Fred Fofinho”: História: Fred vai para escola. - Atividade do jogo da memória da rima.
- Livro “Gata Gabi”: História: Gabi faz novos amigos. - Atividade da roda da rima e pintura. - Livro “Fred Fofinho”: História: Meu cachorro Fred. - Atividade da roda da rima e pintura.
- Livro “Gata Gabi”: História: Gabi e seus amigos. - Atividade do jogo da memória da rima e pintura. - Livro “Fred Fofinho”: História: O que Fred não gosta. - Atividade do jogo da memória da rima e pintura.

GIV: Grupo IV; GV: Grupo V

Durante as intervenções, foram realizadas as leituras das histórias dos livros” Fred Fofinho” e “Gata Gabi”. As histórias eram lidas coletivamente, buscando dar ênfase e entonação às falas dos personagens para despertar o interesse das crianças. Outra estratégia era a utilização de perguntas sobre o texto, a fim de despertar a atenção e concentração, e dessa forma poder trabalhar as habilidades de vocabulário e consciência fonológica.

Em cada encontro, após a leitura das histórias, foram feitas atividades indicadas pelos livros. Dentre as atividades, destacam-se: a roda da rima (roleta com palavras que rimam), jogo da memória (cartões com imagens da história) e desenhos para colorir. Para auxiliar na compreensão, as pesquisadoras pediam para que os escolares, individualmente, se dirigissem para a frente da turma, de modo que todos participavam. Para facilitar a percepção sonora das sílabas, era proposto que cada criança identificasse a imagem do texto, em seguida batesse os pés como apoio para a separação de sílabas oralmente.

Na realização das atividades observou-se boa compreensão, interesse e motivação dos escolares. As professoras regentes que acompanhavam as atividades também demonstraram interesse, auxiliando com os alunos em alguns momentos.

Fase II

A análise de conteúdo das falas das professoras, ao final dos encontros, possibilitou a identificação de três categorias temáticas: 1. Desafios da pandemia na aprendizagem escolar; 2. Contribuição da contação de histórias para o desenvolvimento infantil; 3. Importância da atuação do fonoaudiólogo educacional. A seguir, serão apresentados alguns recortes de fala que ilustram tais categorias.

Desafios da pandemia na aprendizagem escolar

Na categoria temática 1, é possível observar os desafios enfrentados pelas professoras quanto ao uso da tecnologia:

P5 – (...) meu maior desafio foi ter que me adaptar ao novo normal, com o uso repentino de aparelhos eletrônicos para alcançar os alunos e desta forma ter que traçar novas estratégias de ensino bem como precisar adotar a metodologias diferenciadas, dentre elas, estão a gravação de vídeo aula e o uso de aulas remotas.

P4 – (...) em relação às aulas nas nossas práticas pedagógicas tivemos que fazer uma mudança significativa, porque, se antes tínhamos quatro horas dentro da sala de aula para poder ensinar o conteúdo fazer atividade, agora tínhamos que manter no máximo em 20/30 minutos para passar o conteúdo para eles e mostrar as atividades.

Além disso, as professoras apontaram outras questões da dinâmica escolar que precisaram ser adaptadas durante a pandemia:

P5 – (...) com a pandemia, tivemos que mudar toda uma rotina e os hábitos atrelados a ela, desde os horários de aula até a sua elaboração.

P4 – (...) a forma de avaliá-los não tínhamos como ter aquela avaliação 100% real porque como eu falei anteriormente não tínhamos 100% de contato com todos os alunos para podermos acompanhar o desenvolvimento, então tivemos que mudar totalmente a maneira de avaliá-lo.

Nesta mesma categoria a professora P4 ainda apontou a importância participação da família no processo de aprendizagem:

P4 – (...) então os principais desafios foram de se comunicar com os pais para saber como eles estavam, nem todos respondiam e também para entrarem na aula pelo Google Meet para vermos realmente, também não tinham uma frequência assídua. Então estava bem complicado acompanhá-los para ver se eles realmente estavam conseguindo absorver os conteúdos.

Contribuição da contação de histórias para o desenvolvimento infantil

Esta segunda categoria revelou que, na perspectiva das professoras, a intervenção contribuiu de forma positiva para o aprendizado dos escolares.

P4 – (...) para as crianças percebemos mudanças positivas, principalmente daqueles que tinham mais dificuldade, observamos quando tinham alguma historinha que vocês traziam para observar melhor algumas questões da fala, alguns exercícios que vocês faziam, eles reproduziam isso durante as aulas, era bastante interessante. Então foi algo que realmente os marcou e fez com que eles realmente aprendessem e com certeza acrescentou demais na vida deles (...).

P5 – (...) foi muito importante para o desenvolvimento dos alunos. Eles gostavam das brincadeiras e até os mais tímidos conseguiam participar sem resistência.

Além das professoras apontarem suas observações sobre o comportamento das crianças, elas também puderam observar outras questões relacionadas ao desenvolvimento da linguagem e o desenvolvimento da consciência fonológica:

P5 – (...) achei enriquecedora, tanto para as crianças, que passavam um tempo com profissionais da área, como para mim enquanto docente, que pude ter um olhar específico para determinados alunos que apresentavam dificuldades na fala, como por exemplo a troca da letra R pela letra L (...).

P5 – (...) pude observar que alguns alunos estavam conseguindo perceber as rimas após as leituras, eles ficaram bem animados, percebendo os sons das palavras.

P4- (...) também notei que algumas crianças ficaram mais atentas aos sons, eles olhavam mais para a boca e tentavam imitar os sons e prestavam atenção nas rimas(...).

Importância da atuação do fonoaudiólogo educacional

Esta categoria temática revelou o conhecimento das professoras sobre o papel da Fonoaudiologia Educacional, entendendo a importância da inserção do profissional no ambiente escolar:

P5 – (...) é um profissional muito importante na escola que ajuda os alunos com a leitura, linguagem oral, entre outros. Pode auxiliar o professor em sala de aula com orientações necessárias.

P4 – (...) consigo imaginar que deve ser um profissional que está nos ambientes educacionais e nas escolas, trazendo esse olhar em relação à fonoaudiologia, trazendo esse olhar e cooperando durante o ano e durante todos os processos da escola, para esse lado, ajudando nos planejamentos, fazendo atividades, projetos e intervenções que venham somar na vida das crianças, nessa área então acho que eles estão nas escolas, nesses ambientes para trazer intervenções e atividades que venham fazer diferença na vida dessas crianças e ajudá-las dentro da escola (...).

P5 – (...) Nossa, eu amei a intervenção, inclusive se quiserem voltar, podem voltar. Foi muito interessante, muito necessário, aprendemos muito, as crianças aprenderam muito e os professores também. Às vezes, conseguimos desenvolver algumas questões, mas quando temos um especialista na área, alguém que está estudando, que tem propriedade para falar daquilo, é totalmente diferente, então muitas dúvidas que a gente tinha pudemos tirar com vocês.

Discussão

O desenvolvimento da linguagem é considerado como um fator preditivo para o desempenho acadêmico de escolares, mostrando-se diretamente relacionado à aquisição de habilidades específicas, tais como as de leitura e escrita (Landim & Flores, 2018).

Assim, crianças que demonstram boas habilidades verbais, como vocabulário expressivo e receptivo, bem como habilidades metalinguísticas, apresentam mais rápida aquisição de leitura e escrita e, consequentemente, melhor desempenho escolar (Santos et al., 2021).

Entre as habilidades supracitadas, destaca-se a consciência fonológica, que é a habilidade de reconhecer e manipular, conscientemente, os sons que compõem a fala. Esta habilidade é resultado da interação entre fatores maturacionais, linguísticos e cognitivos de aprendizagem do código escrito e de interação com o meio ambiente, sendo imprescindível para o processo de alfabetização (Rosal et al., 2020).

Pesquisas sobre a consciência fonológica demonstram que há uma relação entre o desempenho em leitura e escrita e a capacidade de proceder uma reflexão fonológica da palavra. No entanto, a maioria das pesquisas são voltadas para a estimulação dessas habilidades em escolares no Ensino Fundamental (Rosal et al., 2020; Silva et al., 2022; Alvarenga et al., 2022).

Ao ingressar na Educação Infantil, a criança aprende muitas habilidades linguísticas e cognitivas que são pilares necessários para se obter sucesso escolar. É neste período que se estabelece uma rede de conexões neurais que se formam a partir das experiências, relacionamentos e ambiente que as cercam, sendo de grande importância a realização de intervenções educativas que visem maximizar o ensino destas habilidades e, consequentemente, fazer com que estas crianças se mostrem mais preparadas para o início da alfabetização (Sargiani & Maluf, 2018).

Portanto, são necessários programas de intervenção com escolares desde a Educação Infantil. Neste estudo, a estratégia educativa utilizada foi a contação de histórias, sendo considerada de fácil aplicação e motivacional, proporcionando melhora nas habilidades de consciência fonológica, bem com expansão do vocabulário expressivo e receptivo. De acordo com a literatura (Loureiro et al., 2021), a contação de histórias promove o aumento do vocabulário, desenvolvimento da linguagem e pensamento, favorece a atenção e memória das crianças.

Em consonância, um estudo (Dantas, 2019) teve como objetivo analisar a contação de histórias em uma instituição de Educação Infantil no munícipio de Florânia-RN. Foi uma pesquisa exploratória e qualitativa, que buscou investigar as percepções de quatro professores através de um questionário semiestruturado. Os resultados demonstraram a importância do contato com histórias e livros desde cedo nas instituições de ensino. Estratégias envolvendo a contação de histórias podem contribuir para a prática no cotidiano pedagógico e formação de leitores na Educação Infantil.

Além disso, vale destacar que o presente estudo foi realizado na pandemia, e nesse período as instituições de ensino passaram por muitas mudanças, enfrentando barreiras que dificultaram o processo de aprendizagem. Dentre as medidas adotadas, destacam-se a suspensão das aulas presenciais, adoção de aulas remotas, uso das tecnologias pelo professor, participação ativa das famílias no ensino de atividades, dentre outros (Brasil, 2020; Dias, 2021; Unesco, 2021).

Neste estudo, os professores destacaram os desafios no uso da tecnologia, precisando modificar suas metodologias de ensino, se adaptarem ao tempo de aula estabelecido e ao modo de avaliação dos alunos. Estes dados corroboram com pesquisa (Instituto Península, 2020) que verificou que 88% dos professores nunca tinham dado aula de forma remota e 83,4% não se sentem preparados. O ensino remoto demonstrou que o uso das tecnologias digitais modifica o domínio sobre o fazer docente, pois são outros tempos e espaços que exigem maiores domínios dos professores (Souza, 2020).

Em consonância, um estudo (Sá et al., 2020) teve como objetivo verificar e explicitar os principais desafios enfrentados pelos professores na implementação e manutenção do ensino remoto em meio à situação de pandemia. Foi aplicado um questionário on-line com 16 professores que lecionam nas cidades de Minas Gerais e do Rio de Janeiro. Os resultados evidenciaram que a maioria dos professores tiveram dificuldades para a utilização de equipamentos tecnológicos, não se sentiam preparados para dar aulas à distância, afirmando também os prejuízos na interação professor e aluno

Para ajudar os professores e toda equipe pedagógica no processo de aprendizagem, nota-se a importância da inserção de equipes multidisciplinares nas escolas, especialmente, a atuação do fonoaudiólogo educacional. O fonoaudiólogo educacional pode atuar na construção do conhecimento docente acerca do desenvolvimento da linguagem oral e escrita, instrumentalizando e capacitando o professor para atuação no desenvolvimento infantil (Melo et al., 2021).

As participantes do estudo demonstraram compreender a importância do fonoaudiólogo educacional, exaltando a importância da parceria com a equipe pedagógica. Isso corrobora com o estudo de Seno e Capellini (2019), que verificou que os professores reconhecem a importância da atuação do fonoaudiólogo no contexto escolar, principalmente no que se refere ao suporte ao atendimento educacional especializado. Entretanto, sua figura ainda foi fortemente associada à reabilitação.

De modo geral, as pesquisas (Nascimento et al., 2018; Melo et al., 2021) mostram o desconhecimento dos professores sobre a atuação do fonoaudiólogo educacional, associando o seu fazer a práticas clínicas, envolvendo reabilitação e terapias. Neste sentido, o fonoaudiólogo precisa definir e ocupar seu lugar como um profissional pertencente à escola, que compreende as possibilidades de intervenção no processo de ensino, para que os demais profissionais deste âmbito compreendam seu papel.

Considerações

Conclui-se que na percepção das professoras a contação de histórias pode contribuir para a aprendizagem escolar na Educação Infantil. Assim como, também pode favorecer a identificação de problemas de comportamento e de linguagem oral dos pré-escolares.

Intervenções educativas que envolvam a contação de histórias na Educação Infantil devem ser priorizadas, uma vez que contribuem para o desenvolvimento de habilidades que são pré-requisitos para o sucesso na aprendizagem escolar.

Além disso, estratégias que promovam a estimulação de habilidades cognitivas e linguísticas em pré-escolares permitem um olhar integrado da equipe educacional, favorecendo o reconhecimento da importância da atuação do fonoaudiólogo educacional.

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Trabalho realizado na Universidade Federal de Pernambuco – Departamento de Fonoaudiologia, Recife, PE, Brasil.

Fonte de auxílio: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

Recebido: 06 de Outubro de 2022; Aceito: 11 de Julho de 2023

Correspondência: Angélica Galindo Carneiro Rosal Universidade Federal de Pernambuco – Departamento de Fonoaudiologia Av. Professor Artur de Sá, s/n – Cidade Universitária – Recife, PE, Brasil – CEP: 50670-420 E-mail: angelicagalindo_ufpe@hotmail.com

Conflito de interesses: As autoras declaram não haver.

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