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Revista Brasileira de Psicanálise
Print version ISSN 0486-641X
Rev. bras. psicanál vol.47 no.3 São Paulo July/Sept. 2013
ARTIGOS
Como pensar a sinergia entre o grupo e o objeto mediador?
About synergy between group members and the mediating object
¿Cómo pensar la sinergia entre elgrupo y el objeto mediador?
Claudine VacheretI; Guy GimenezII; Cristiane Curi AbudIII
IProfessora emérita da Universidade de Lyon 2, psicanalista e membro da Sociedade Psicanalítica de Paris (SPP)
IIProfessor de psicopatologia clínica Laboratório LPCLS da Universidade de Aix-Marseille
IIIPsicóloga e professora da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), psicanalista membro do Departamento de Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae
RESUMO
Os autores descrevem o método da fotolinguagem na clínica grupal, técnica desenvolvida por psicanalistas da cidade Lyon, e analisam a indicação clínica de dispositivos grupais que utilizam objeto mediador para pacientes cujo comprometimento mental impõe limites e, portanto, requer flexibilidade de três constantes na prática psicanalítica: a associação livre, a transferência e a interpretação. Em seguida distinguem esse dispositivo grupal que utiliza objeto mediador daqueles que não o utilizam, bem como o diferenciam dos dispositivos individuais que utilizam o objeto mediador. Finalmente, abordam a questão da sinergia entre o grupo e o objeto mediador para tentar destacar alguns processos psíquicos inconscientes e verificar suas especificidades, ilustrando-os com uma vinheta clínica de pacientes psicossomáticos.
Palavras-chave: grupo psicoterapêutico; objeto mediador; psicossomática; psicanálise; fotolinguagem.
ABSTRACT
In this article, the authors describe the photolanguage method, a technique used in clinical groups and developed by psychoanalysts in Lyon. They analyse the clinical recommendation of group devices, which use a mediating object, for patients in whom mental impairment imposes limits and therefore requires flexibility of the three constants of psychoanalytical practice: free association, transference and interpretation. The authors then compare the use of this group device, in which photographs are used as the mediating object, with other group methods in which such an object is not used, as well as comparing it to individual methods which use a mediating object. Finally, the authors discuss the synergy between the group and the mediating object to try and highlight some unconscious mental processes and verify their specificities, illustrating these with a clinical vignette of psychosomatic patients.
Keywords: group psychotherapy; mediating object; psychosomatics; psychoanalysis; photolanguage.
RESUMEN
Los autores describen el método defotolenguaje en la clínica grupal, una técnica desarrollada por los psicoanalistas de la ciudad de Lyon, y analizan la indicación clínica de los dispositivos grupales que utilizan el objeto mediador para los pacientes cuyo deterioro mental impone límites y por lo tanto requiere de flexibilidad de las tres constantes en la práctica del psicoanálisis: la asociación libre, la transferencia y la interpretación. A continuación, los autores distinguen el dispositivo grupal con el objeto mediador de aquellos que no lo utilizan, así como lo diferencian de los dispositivos individuales que utilizan el objeto mediador. Por último, abordan la cuestión de la sinergia entre el grupo y el objeto mediador para intentar destacar algunos procesos mentales inconscientes y verificar sus especificidades, ilustrándolas con una viñeta clínica de los pacientes psicosomáticos.
Palabras-clave: grupo psicoterapéutico; objeto mediador; psicosomática; psicoanálisis; fotolenguaje.
Introdução
Dentre os dispositivos grupais conhecidos, destacaremos neste artigo os grupos de mediação. Chamamos grupos de mediação os grupos psicoterapêuticos nos quais introduzimos um objeto mediador, como a música, a máscara, os fantoches, a pintura, a escultura, a modelagem, recorte e colagem, e a fotografia na técnica denominada fotolinguagem (Vacheret et al., 2000, 2002), sobre a qual nos deteremos neste trabalho.
Escolhemos a noção de objeto mediador no dispositivo grupal para diferenciá-lo do objeto transicional sobre o qual discorre D. W. Winnicott (1971), pois este último é um objeto particular, que remete à relação dual entre a mãe e a criança, enquanto o objeto mediador tem por função ser compartilhado entre várias pessoas (Gimenez, 2002).
Iniciaremos o trabalho apresentando as diferenças entre os dispositivos grupais que utilizam objeto mediador e os que não utilizam, bem como distinguindo aqueles dos dispositivos individuais que utilizam o objeto mediador, com o objetivo de fundamentar teórica e clinicamente a indicação para o uso destas diversas técnicas de atendimento psicoterápico. Em seguida, apresentaremos sucintamente o método fotolinguagem como dispositivo grupal, ilustrando-o com uma experiência clínica realizada com pacientes somatizadores, que acreditamos beneficiarem-se do dispositivo por suas características e funcionamento mentais. Finalmente, abordaremos o conceito de sinergia, definida como a ligação dinâmica entre o grupo e o objeto mediador. Conforme exploraremos na sessão clínica relatada, os afetos, fantasias, pulsões, processos psíquicos inconscientes, associações que circulam pelo grupo são mobilizados pelo estímulo sensorial oferecido pelo objeto mediador, de tal forma que grupo e objeto mediador agem simultaneamente e em colaboração, potencializando a realização da tarefa psicoterápica, intensificando os processos de transformação psíquicos.
Indicação clínica: dispositivos individuais ou grupais, objetos mediadores
Um dos instrumentos grupais utilizados por psicoterapeutas nas instituições de saúde mental e em vários campos de atuação clínica é o que denominamos de grupos de palavra. Estes grupos são utilizados quando se busca elaborar experiências de difícil metabolização psíquica. Trata-se, por exemplo, das equipes que trabalham com pacientes psicóticos, com casos crônicos nos hospitais psiquiátricos, ou de profissionais de saúde mental que intervêm nas instituições para adolescentes violentos, ou nos asilos para idosos, ou ainda nos grandes hospitais com pacientes psicossomáticos, nos serviços de oncologia para adultos e crianças, nas unidades de tratamentos para pacientes anoréxicos ou com problemas de bulimia etc.
Nos grupos mediados por palavras, os terapeutas encontram várias dificuldades e limites, uma vez que o funcionamento grupal dependerá da capacidade dos pacientes de associar livremente. Ora, sabemos que a experiência e as vivências traumáticas dos pacientes acima citados deterioraram sua capacidade associativa, por aquilo que poderíamos chamar de um esmagamento do espaço do pré-consciente, conforme a teoria de Janin (1996) em termos de collapsus tópico, quer dizer, um esmagamento da tópica interna, quando fantasia e realidade confundem-se e chocam-se, como nos casos em que a fantasia incestuosa é atuada. Nesses casos, é a instância do pré-consciente que sofre.
Outra dificuldade encontrada nos grupos de palavra consiste no tipo específico de transferência estabelecido por pacientes psicóticos, psicossomáticos, borderline etc. Eles não conseguem realizar o que chamamos de transferência metafórica, que utiliza o "como se". Quando um paciente pensa "É como se o senhor fosse meu pai ou minha mãe", tratar-se-ia de um reconhecimento consciente ou pré-consciente do processo transferencial. Esses pacientes, porém, apresentam outra forma de transferência, trabalhada e conceituada enfaticamente pela equipe do Laboratório de Pesquisa na Universidade Lumière-Lyon 2. Roussillon (1991) discorreu sobre a transferência par retournement, ou inversão, quer dizer, o paciente vivencia e suporta experiências traumáticas de forma passiva, como a experiência de abandono, e na relação transferencial projeta a carga pulsional ligada à experiência traumática no terapeuta, que dessa forma vive o abandono, vive o que o paciente não pôde viver. Duez (2002) conceituou a transfert topique, ou transferência tópica, para mostrar que estes pacientes projetam uma realidade psíquica interna angustiante no território psíquico do analista, como uma exportação. O espaço tópico psíquico do terapeuta é invadido pela carga afetiva do paciente que, por sua vez, fica livre da dor.
Vacheret (2001) teorizou sobre a transferência par dépôt, ou por depósito, para mostrar que o terapeuta, sem saber, é depositário de uma parte indizível e irrepresentável da história da experiência precoce do sujeito. O paciente deposita no terapeuta essas experiências de maneira que este transforme o depósito em representações e em afetos ligados entre si, pelas palavras e pela fala oriundas da simbolização.
A transferência par retournement insiste na dimensão econômica; a transfert topique, na dimensão tópica; e a transferência par dépôt, na dinâmica, de modo que cada autor enfatizou um dos componentes metapsicológicos deste tipo de transferência.
A terceira dificuldade encontrada na clínica com os pacientes acima descritos diz respeito à questão da interpretação. Com pacientes mais desestruturados ou desorganizados do ponto de vista narcísico é impossível, ou muito difícil e ineficaz, recorrer a uma interpretação, uma vez que os traumatismos precoces vivenciados pelos pacientes não produzem recalques, mas formas de clivagem que tornam opacas, obscuras, incertas e mesmo desconhecidas as situações que estão na origem das experiências de desespero infantil. O trabalho de interpretação fracassa pela falta de recordações e lembranças recalcadas, e o trabalho necessário exige uma construção conforme Sigmund Freud demonstrou no seu conhecido texto "Construção em análise" (1937/1976).
Notamos, assim, que sem possibilidade associativa diante de um modo de transferência específico e sem possibilidade de formular uma interpretação, principais componentes do processo e do trabalho analítico que permitem apreender o inconsciente, o fracasso é inevitável. Os grupos de palavra com pacientes de difícil acesso (Joseph, 1990) chocam-se com estes três processos que neutralizam o trabalho de elaboração psíquica. É diante destes tipos de configuração específica que recorremos à técnica que utiliza o dispositivo grupal com objeto mediador.
Examinaremos a seguir outro tipo de dispositivo, que utiliza a mediação, mas num trabalho individual e não grupal. O teste Rorscharch, por exemplo, como qualquer teste projetivo, é um bom meio de iniciar um processo terapêutico, mas este tipo de mediação serve principalmente para explorar o estado interno do paciente e os aspectos dominantes de sua personalidade. O terapeuta e o paciente sustentam uma relação terapêutica dual, na qual a ligação e as trocas intersubjetivas, mediadas pelo teste, desempenham um papel de transformação. Entretanto, uma das limitações deste trabalho provém da dificuldade que o terapeuta encontra quando confrontado com a violência ou a crueza da fala ou das atuações do paciente, que projeta sobre uma só pessoa toda a carga pulsional que o sobrecarrega. Em uma análise individual, o terapeuta tem mais dificuldade de lidar com um paciente violento - por exemplo, quando deve tratar um perverso sexual institucionalizado em um presídio; o terapeuta recebe sozinho todas as projeções violentas e destrutivas do detento, o que torna o trabalho muitas vezes intolerável. Neste caso, caberia ao grupo conter tal violência - a violência proveniente de um aparelho psíquico despedaçado -, que poderá ser mediada pelo objeto mediador. Assim, se os grupos de palavra, em que só a palavra é convocada, fracassam, por razões que já examinamos, e se os dispositivos individuais com uma mediação também encontram obstáculos e são limitados diante dos pacientes violentos, qual técnica poderíamos propor?
A técnica de fotolinguagem: dispositivo grupal de mediação
Há vinte e cinco anos psicólogos e psicanalistas que trabalham na região e na cidade de Lyon utilizam técnicas mediáticas, principalmente o método da fotolinguagem, que Claudine Vacheret adotou e desenvolveu na área de saúde mental. Esta técnica tem muitos pontos em comum com outros grupos de mediação praticados em países como Argentina, Brasil e Itália (Vacheret et al., 2002). Isto mostra que as técnicas mediáticas estão presentes em diversos lugares, mas a fotolinguagem que hoje é também utilizada na Argentina, no Brasil e na Itália partiu da cidade de Lyon e foi tema de várias publicações. Há uma edição especial dedicada a este método na revista eletrônica Funzione Gamma, da Universidade La Sapienza, em Roma.
Em poucas palavras, apresentaremos, a seguir, o método fotolinguagem para que assim se possa melhor compreender sobre que tipo de experiência clínica nos apoiamos. Este método foi criado em 1965 por um grupo de psicólogos e sociopsicólogos de Lyon que, no trabalho com adolescentes com dificuldades, lhes propuseram, de maneira intuitiva, a utilização de fotos para servir de apoio à palavra. Isto liberou a fala dos que encontravam dificuldades para se exprimir ou falar em grupo sobre suas experiências pessoais diversas e às vezes dolorosas.
Principais aspectos do dispositivo
O dispositivo pode ser utilizado em grupos psicoterapêuticos ou em grupos de formação profissional. Em formação de adultos - quer dizer, em formação contínua -, trabalha-se com um grupo restrito, de doze a quinze participantes, e a sessão dura duas horas. No campo da saúde mental, o número de participantes varia entre cinco e oito pacientes que formam um grupo semanal de uma hora ou de uma hora e quinze. Na terapia com os pacientes, o analista deve certificar-se de que os mesmos profissionais acompanharão o grupo, o que garante a continuidade do trabalho do grupo.
A diversidade das patologias e sua indicação para o grupo é uma preocupação partilhada por todos os terapeutas. Os próprios médicos e psiquiatras contribuem fazendo da participação no grupo de fotolinguagem uma prescrição no projeto terapêutico elaborado para um paciente. Compreende-se facilmente o interesse que há para o grupo de contar com a presença de pacientes com maior facilidade e espontaneidade para se exprimir do que pacientes graves e crônicos. Em algumas instituições, podemos considerar reunir os pacientes que sofrem da mesma patologia - caso dos alcoolistas ou dos toxicômanos.
Os grupos semanais devem ocorrer sempre no mesmo lugar da instituição e na mesma hora, o que propicia ao grupo sua dimensão terapêutica. Igualmente, interrupções, como férias, devem ocorrer apenas uma ou duas vezes por ano. Este acompanhamento do grupo semana após semana permite aos terapeutas preparar a sessão seguinte conforme a evolução do grupo, dos pacientes e da instituição. Este preparo consiste em observar e analisar a linha de associações e pensamentos do grupo para definir uma pergunta que será colocada a ele na sessão seguinte e que será respondida por cada participante com uma foto.
Toda sessão começa com essa pergunta cuidadosamente elaborada pelo terapeuta e que, uma vez colocada para o grupo, provoca a escolha das fotos. Construir a pergunta faz parte do dispositivo. Com o passar do tempo, a experiência vai se refinando para as diferentes equipes que preparam com cuidado a escolha das palavras, a elaboração da pergunta, o grau de envolvimento que ela suscita. Toda semana o terapeuta concebe uma pergunta inédita.
A experiência nos ensinou que este é o ponto mais delicado do dispositivo, o que exige dos coordenadores o maior cuidado e a maior criatividade. De fato, as perguntas feitas no início da sessão não devem ser nem muito diretas nem muito longas ou complexas. Adiante, um exemplo clínico ilustrará isso.
O método fotolinguagem é formado por um conjunto bem preciso de regras e também por certo número de dossiês, com quarenta e oito fotos em preto e branco, cada. Estas fotos são agrupadas por temas: "Corpo e comunicação", "Das escolhas pessoais às escolhas profissionais", "Saúde e prevenção", "Adolescência", "Amor", "Sexualidade" são os dossiês mais recentemente elaborados.
Uma sessão de fotolinguagem acontece em dois momentos, sendo o primeiro o da escolha das fotos, e o segundo, o das trocas em grupo.
No primeiro momento, após ter enunciado a questão que inicia a sessão do grupo e que origina a escolha de uma ou de várias fotos, o terapeuta dispõe cuidadosamente as fotos sobre as mesas, de maneira bem alinhada e com suficiente espaço para que todas as pessoas do grupo possam circular na sala, passar de mesa em mesa, olhar livremente as fotos, sem uma ordem preestabelecida. O terapeuta toma o cuidado de deixar claro que a escolha é feita silenciosamente a fim de respeitar a reflexão e a escolha dos outros - a escolha é feita pelo olhar e, assim, todas as fotos ficam à disposição de todos os participantes, pois cada um tem seu ritmo para escolher. É aconselhável o paciente mostrar ao terapeuta que a escolha foi feita, colocando-se em outro lugar da sala, um pouco afastado, para que o terapeuta possa saber quando todos já escolheram sua foto; e é importante não mudar sua escolha se outra pessoa optar pela mesma foto, pegando-a quando o terapeuta pedir que o façam.
É proposto ao grupo deixar-se interpelar pelas fotos, que as olhe com toda atenção a fim de perceber a que mais atrai cada um. O terapeuta diz explicitamente ao grupo, ao enunciar todas as regras, que ele mesmo também escolheu uma foto e que participa das trocas com o grupo, da mesma forma que os demais. Esta regra é importante por vários motivos. É verdade que o fato de o terapeuta participar do jogo é uma das especificidades do método. No que diz respeito ao tratamento, esta disposição tem uma influência capital na maneira como o trabalho é percebido pelos pacientes. Há alguns anos levantamos a hipótese de que os grupos de fotolinguagem deslanchavam tão rapidamente pelo fato de os terapeutas se envolverem e, assim, os participantes imediatamente perceberem que a atividade não devia ser tão perigosa. Além disso, este envolvimento favorece muito a possibilidade de os pacientes se identificarem com os terapeutas, de se identificarem com o prazer que os terapeutas têm de jogar, quer dizer, de se associar, de estabelecer ligações através do pensamento. É fácil imaginar o efeito produzido sobre um paciente quando este percebe que escolheu a mesma foto que um dos terapeutas, e que, da mesma foto, cada qual pode exprimir pontos de vista similares e diferentes. A seguir, surge o segundo momento da sessão.
No segundo tempo, o das trocas em grupo, o terapeuta convida os participantes a partilhar grupalmente a escolha da foto. Cada um apresenta sua foto quando assim o desejar. Escutamos atentamente aquele ou aquela que apresenta sua foto e não fazemos interpretação alguma no sentido psicanalítico do termo, mas somos convidados, após a apresentação, a dizer o que vemos de parecido ou de diferente daquilo que o paciente viu nesta foto.
Esta regra é importante, pois determina o espaço de uma discriminação, de uma separação entre o que o paciente vê na foto e o que os outros veem. O tempo da apresentação por aquele que fala de sua foto permite ao sujeito apropriar-se de sua escolha, ouvir-se formular o que faz sua visão da realidade ser pessoal e irredutível.
Ilustração clínica
Trata-se do Programa de Assistência e Estudos de Somatização (PAES), ligado à Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), que assiste a pacientes somatizadores (Bombana, 2000). Os pacientes assistidos caracterizam-se por se queixarem intensamente de dores e desconfortos físicos sem que se encontrem substratos orgânicos que justifiquem essas queixas. Em função disso, utilizam os recursos oferecidos pela organização hospitalar - consultas médicas, exames laboratoriais, cirurgias - com uma frequência muito alta. Do ponto de vista do funcionamento psíquico, consideramos a técnica de fotolinguagem adequada e terapêutica para esses pacientes, uma vez que eles apresentam dificuldade de associar livremente devido a uma falha do funcionamento do pré-consciente, de modo que seu discurso é concreto, sem condição de metaforização e duplos sentidos, caracterizando-os como sujeitos mal mentalizados, segundo os critérios de Marty (1998). Nas relações de objeto que estabelecem, notamos uma transferência maciça, que tende a paralisar o pensamento do terapeuta (Dejours, 1989), o qual, não raramente, é tomado por um malestar físico. Desta forma, exige-se do psiquismo do analista um trabalho de construção de sentido, para que esse mal-estar produzido na relação com o paciente conquiste uma representação psíquica ainda não constituída. Isso nos remete à questão da interpretação, que se realizada nos moldes psicanalíticos tradicionais - como uma análise da síntese psíquica e, portanto, uma desconstrução -, é percebida e sentida pelos pacientes somatizadores como extremamente violenta ou, no melhor dos casos, não faz sentido para eles. Assim, os pacientes somatizadores requerem um trabalho terapêutico que ofereça recursos que facilitem sua produção e elaboração psíquica, recursos que ajudem a nomear seu mal-estar físico, traduzindo-o em mal-estar psíquico e em representações psíquicas. Essa descrição é bastante compatível com os critérios observados neste artigo quanto à indicação clínica para um processo psicoterápico que utiliza o dispositivo grupal de mediação, o que nos levou a propor este tipo de trabalho a alguns pacientes do ambulatório. O grupo e a foto, como objeto mediador, cumprem a função de construção de representações psíquicas para afetos que se encontram desligados da cadeia associativa, conforme ilustra o fragmento de sessão clínica a seguir.
Sessão
O grupo de psicoterapia que utiliza a fotolinguagem no paes é composto por cinco pacientes, todos do sexo feminino, e acontece semanalmente desde março de 2011. Participam também do grupo dois estagiários de psicologia. Vale notar que, nesse tempo - quase dois anos de trabalho psicoterápico -, observamos uma mudança das condições psíquicas das pacientes no sentido de se descolarem da mera descrição das imagens contidas nas fotos, para paulatinamente atribuir-lhes significados afetivos. A proposição da mediação pelo uso da fotolinguagem tem sido parte regular do enquadre deste grupo. No entanto, nas últimas sessões, devido às mudanças observadas, a cadeia associativa formada por representações de palavra do grupo vem ganhando espaço e temos podido, aos poucos, dispensar o uso das fotos, a ponto de questionarmos a sua continuidade no grupo ou a continuidade das pacientes neste tipo de atendimento. A sessão a ser narrada aconteceu em agosto de 2012 e notaremos a presença de recursos psíquicos anteriormente ausentes, tais como humor e metáforas (compreendendo as metáforas como possibilidade de nomear afetos e deslocá-los de uma imagem para outra, conferindo-lhes um sentido não usual).
Na sessão estavam presentes todos os pacientes, o que raramente acontece, uma vez que, como descrito acima, eles frequentemente têm alguma consulta médica agendada. A psicanalista que coordena o grupo recebeu os pacientes, fechou a porta da sala e, antes que se sentasse, todos os pacientes se levantaram para parabenizá-la pelo Dia do Psicólogo, ocorrido na segunda-feira anterior, abraçando-a.
Em seguida, os pacientes começaram a anunciar que faltariam nas semanas seguintes, cada qual por um motivo médico diferente: problema nos rins, nódulo no seio, colonoscopia. Finda a romaria somática, outra paciente contou que havia sido demitida do emprego e que já conseguira arrumar outro. Em função dos horários do novo emprego, não conseguiria mais vir ao grupo.
A coordenadora afirmou, em tom de brincadeira, ter chamado a sua atenção o fato de todas as pacientes estarem presentes, abraçarem-na pelo Dia do Psicólogo, para, em seguida, comunicarem tantas ausências. O grupo todo riu muito, reconhecendo o "ataque".
A paciente que perdeu o emprego explicou o motivo de sua demissão: ela trabalhava como cozinheira num hotel e, certo dia, acusaram-na de deixar o gengibre cristalizado em cima da geladeira, o que o teria estragado.
Neste momento, a terapeuta interrompeu sua fala e, comentando os anúncios de ausência, quer temporária, quer definitiva, propôs a pergunta: "O que é permanecer para vocês? Respondam com uma foto" O grupo, como de costume, riu diante da proposição da tarefa, já entrando num clima de jogo, de brincadeira.
Escolheram as fotos e começaram a comentar sobre elas, sendo que as duas primeiras fotos apresentavam, descritivamente falando, uma pessoa sozinha: " Um homem viciado em álcool, se permanecer assim, não conseguirá tocar a vida"; "Como esse aqui da minha foto, cansado, precisando se encostar, permanecer parado"
A analista foi acompanhando as falas e nomeou os afetos que foram circulando pelo grupo a partir da pergunta "O que é permanecer?": cansaço, solidão, tristeza, abandono, e concluiu que parecia bem difícil permanecer. Falou, depois, sobre a foto que escolheu: um casal aparentando fazer um grande esforço para permanecer junto. Seguiram-se os comentários: "Estão carregando um armário imaginário muito pesado"; "A foto transparece muita intensidade, muita emoção pela aproximação entre os dois, como se estivesse muito difícil para eles estar juntos".
Outra paciente assumiu o lugar da fala e revelou sua foto ao grupo (descritivamente, um rebanho de ovelhas):
Escolhi essa foto em homenagem a nossa amiga que vai sair do grupo. O rebanho tem ovelhas e uma delas desgarrou. Ela vai fazer falta no grupo. O pastor tem que contar as ovelhas todo dia e não deixar nenhuma desgarrar.
Em seguida, a paciente que deixaria o grupo se prontificou a falar de sua foto (quatro pessoas caminhando na neve com uma montanha ao fundo), e antes que ela falasse alguma coisa, outra paciente afirmou: "Ela colocou todo mundo na geladeira, como fez com o gengibre. Olha nós quatro lá" O grupo novamente riu muito. A paciente então comentou sua foto dizendo: "Elas estão em grupo, permanecem em grupo, mesmo nessa situação difícil, neve, frio. Quero ser forte como essa rocha e no próximo emprego, se Deus quiser, tudo vai dar certo"
A analista questionou sua fala, dizendo que a vantagem das pessoas da foto sobre a rocha é que elas podiam caminhar e se movimentar. E a paciente respondeu: "Vou ver no novo emprego como são as folgas e tentar folgar de quinta-feira para vir ao grupo"
Finalmente a estagiária apresentou sua foto - um grupo de maratonistas correndo: "Escolhi essa foto porque ela registra um momento e o que permanece são os momentos, os sentimentos".
Discussão
Nem os dispositivos grupais que utilizam apenas a palavra, nem os dispositivos individuais que utilizam apenas a mediação respondem às nossas expectativas; então, o que esperar dos dispositivos grupais que utilizam o objeto mediador? Podemos localizar a sinergia que se estabelece entre o grupo, por um lado, e o objeto mediador, por outro, quando tanto um como o outro são convocados em um dispositivo terapêutico? Partimos da ideia de que há uma sinergia, quer dizer, uma conjunção dinâmica e criativa entre estes dois elementos que formam o dispositivo. Como pensar esta sinergia? De que é feita? Quais os processos que podem ser destacados?
Em primeiro lugar, devemos levar em consideração duas funções essenciais do grupo que foram trabalhadas por Anzieu (1975) e por Kaës (1993): a função de continente e da função de contentor do grupo.
Segundo Kaës (1993), função continente significa a função de limite entre o dentro e o fora - o grupo se pensa dentro de uma capa protetora que o contém, como uma pele comum que mantém o conjunto dos membros em uma mesma entidade, uma unidade. Esta função, que se funda no imaginário comum dos membros do grupo e nas fantasias que partilham, permite também instaurar no grupo uma confiança suficiente para que ele possa ser um espaço de depósito das pulsões, desejos, angústias e projeções. No exemplo citado, as pacientes apresentam, no início da sessão, uma ameaça de fragmentação por meio desses exames e consultas que tornariam sua presença impossível no grupo. Os "problemas nos rins", "nódulo no seio", "colonoscopia" indicam corpos fragmentados e demandantes de trabalho ao psiquismo. Entretanto, num movimento pulsional destrutivo, de desligamento, optam por ausentar-se do grupo, resistindo ao trabalho de ligação psíquica, o que coloca em risco a manutenção da integridade do grupo. Este movimento tende a romper a capa protetora do grupo, a pele que mantém sua integridade, despedaçando-o em partes do corpo desintegradas a serem tratadas separadamente em consultas médicas.
Nesta linha de pensamento, vale lembrar que a própria instituição corrobora essa fragmentação, dividindo-se em subespecialidades cada vez menores, revelando ela própria não oferecer continência para este tipo de trabalho, o trabalho grupal (Winnicott, 1966).
A função continente testemunha a capacidade do grupo de resistir a estes ataques, riscos e ameaças que comportam todos os movimentos pulsionais que lá se manifestam. Se há sinergia, uma ligação dinâmica entre o grupo e o objeto mediador, qual a função de continente que podemos encontrar no próprio objeto mediador?
Em primeiro lugar, há que se lembrar de que o dispositivo grupal favorece que se produza o que Kaës chamou de um espaço psíquico comum e compartilhado que estimula o trabalho do pré-consciente. Quando o pré-consciente é falho, as excitações de origem interna ou externa não podem ser elaboradas e ligadas a representações e imagens. Segue-se disso uma livre circulação de materiais arcaicos no espaço psíquico, fonte de angústia e de dor, de sobrecarga econômica, de ataque ao para-excitações. O funcionamento do pré-consciente depende, para Kaës (2004), do material que nos é oferecido pela cultura e pelos outros, de tal forma que imagens, falas, cenas servem como matéria-prima para a atividade representacional. Assim, consideramos os objetos mediadores como objetos culturais e sensoriais que, quando utilizados em um contexto grupal, visam à restauração da capacidade associativa do pré-consciente. O objeto mediador, como apoio da pulsão, favorece a capacidade de figurar a experiência vivida, auxiliando o trabalho do pré-consciente na atividade de representação, no trabalho do sonho (Castanho, 2012).
A foto, por exemplo, é o suporte das projeções, sendo estas associadas às percepções de cada um. O sujeito singular fala da foto que escolheu - como a foto apresentada pela paciente que a descreve como quatro pessoas caminhando na neve com uma montanha ao fundo: a paciente identifica-se com a montanha, dizendo querer ser "forte como essa rocha" para manter-se em grupo. Esta visão é uma percepção da imagem, mas é também, ao mesmo tempo, a projeção de uma angústia de morte. É preciso petrificar-se para permanecer em contato com os outros, revelando uma intensa angústia de morte e abandono. O sujeito vê a rocha e as pessoas na neve e, como consequência, o grupo também o vê. Os demais membros do grupo são convidados a dizer o que veem na foto, a exprimirem o próprio imaginário, e, na pluralidade de visões, uma paciente identifica-se com uma das pessoas caminhando na neve e demonstra sentir-se colocada "na geladeira" pela companheira. Esta outra percepção traduz a projeção sobre a foto, colocando em xeque a premissa de que ser uma "rocha" possa resultar em comunhão com os outros. Pelo contrário, essa outra percepção, partilhada pelo grupo todo, inclusive pela "autora" da foto, que também ri, revela como "ser uma rocha" pode exprimir uma frieza afetiva e resultar em sentimentos de abandono e de paralisação. Se retomarmos o fio associativo da sessão narrada, partimos, resumidamente, de uma criança abandonada para um adulto que se abandona, seguidos de um casal que se esforça para permanecer junto, um rebanho de ovelhas que deve ser conduzido por um pastor, um grupo de pessoas caminhando na neve e, finalmente, jovens maratonistas; da criança solitária para o adulto desesperado, o casal que carrega um peso imaginário, o rebanho contido e protegido, o grupo de pessoas em uma situação adversa, fria e paralisante, e o grupo de jovens correndo. O movimento inicial do grupo que propunha rompimento, ausências e abandono é contido e projetado nas fotos, que, na condição de apoio, oferecem para esses afetos uma figuração, uma imagem de ligação. Assim, os afetos que circulavam no grupo catexizam imagens, conquistando uma representação psíquica (Freud, 1900/1974).
A foto é apenas uma foto, uma imagem; não é a realidade. Ela é uma neorrealidade e disso decorre que ela oferece um espaço de jogo. A foto contém a pulsão e contém a violência, pois o objeto mediador é apenas um objeto intermediário, receptáculo de diferentes imaginários; ele os recebe, os tolera, os leva e os sustenta a fim de favorecer sua transformação.
A sinergia entre o grupo e sua função de continente, de um lado, e o objeto mediador e sua função de continente, de outro, garantem a solidez e a resistência do espaço e seus limites. O terapeuta pode apoiar-se no grupo e no objeto mediador. Nem o grupo, nem o objeto, nem o terapeuta, nem nenhum participante do grupo corre o risco de ser destruído pela violência depositada em um objeto, que representa o terceiro dentro dessa situação. Tudo pode ser dito sobre uma foto - a violência não está endereçada ao outro; ela é depositada sobre o objeto, o que poupa o grupo, quer dizer, o conjunto e cada um, cada participante do grupo igualmente. O terapeuta que garante o espaço e seus limites pode contar com a capacidade do enquadre que é formado, conjuntamente, pela função continente do grupo e a do objeto mediador.
O objeto mediador não inclui uma dimensão inexistente no processo analítico grupal, mas intensifica uma dimensão já existente. A dimensão de ruptura presente na sessão descrita pôde ser intensificada quando posta em sinergia, em ação conjunta com o objeto mediador - no caso, as fotos. A analista que, num primeiro momento, foi alvo direto da agressão do grupo, ainda que amparada por abraços e parabéns pelo Dia do Psicólogo, pôde deslocar os afetos destrutivos para as fotos através da pergunta sobre o que é permanecer. Neste sentido, o objeto mediador libera a analista na medida em que atrai para si os afetos circulantes no grupo - de tal modo, que a capacidade de pensar da analista é restaurada, seu pré-consciente retoma sua capacidade associativa, diminuindo o custo psíquico inerente a processos analíticos de pacientes com essas características.
Do ponto de vista pulsional, o grupo de mediação aciona vias sensoriais, permitindo sua tradução intrapsíquica em representações; do ponto de vista das relações de objeto, o grupo de mediação favorece uma troca intersubjetiva que permite que o sujeito realize a dimensão narcísica de sua percepção e repense seu olhar, sua posição subjetiva diante do grupo - de tal forma que a "rocha" fria, forte e inabalável permita-se reintegrar afetos amorosos e flexibilize sua atitude disruptiva, considerando sua permanência no grupo com o rearranjo das folgas no trabalho. Restaura-se assim, no grupo, um espaço de fala no lugar da ação - fazer exames, consultas médicas etc. A essas formações e processos psíquicos de ligação, de passagem de um elemento a outro no espaço intrapsíquico (pensamento de ligação, metáfora...) e intersubjetivo (mediadores, representantes, porta-vozes...), Kaës (1997) chamou de formações e processos intermediários.
Para além da função de continência, o grupo de mediação cumpre a função con-tentora descrita por Kaës (1993, 1997). Esta função se caracteriza pela capacidade transformadora do grupo. Como Bion (1962/1979) claramente mostrou, o grupo, assim como a mãe, pode transformar os elementos beta em elementos colocados em palavras, em representações e em afetos, o que ele denomina elementos alfa. O grupo exerce uma função de intérprete, quer dizer, de tradução, de transformação dos atos ou dos sinais mensageiros de um sofrimento que não pode ser enunciado e que necessita de uma metabolização. Kaës (1993) propõe a equação grupo = mãe = enquadre. O grupo cumpre a função materna, uma vez que contém e acolhe as imagens, as ideias, as angústias, as pulsões, as fantasias e os desejos de transformação pelo grupo e no grupo. Da mesma forma que a mãe coloca sua capacidade de sonhar e fantasiar a serviço da criança, o grupo também coloca a diversidade de imaginários a serviço de cada uma das pessoas, a fim de transformar o que o paciente deposita e transfere para o grupo, para o terapeuta e para cada um dos participantes, em uma pluralidade de lugares transferenciais, por meio de um processo chamado difração da transferência (Kaës, 1997).
Compreendemos que os sujeitos que estabelecem um tipo de transferência que pode ser chamada de tópica, por depósito ou por inversão encontram no grupo um espaço mais apropriado aos seus movimentos transferenciais do que encontrariam em um dispositivo individual. Depositam em cada membro do grupo os fragmentos de sua psique em sofrimento. À sua revelia, os participantes do grupo são os depositários. É o que Kaes (1988) denomina de difração dos grupos internos. Objetos internos que constituem uma grupalidade psíquica em sofrimento encontram no grupo uma multiplicidade de destinatários. O sujeito pode então apropriar-se novamente da parte de si mesmo, que volta para ele, e assim engajar-se em um trabalho de conscientização e de simbolização, sendo a simbolização o resultado da transformação elaboradora. Tudo isso se torna possível graças ao fato de que os diferentes imaginários depositados em uma mesma foto e que são submetidos a trocas intersubjetivas no grupo permitem ao imaginário do sujeito que escolheu esta foto escutar e apropriar-se de outras visões, outras representações e outros imaginários sobre a foto. Sob nossos olhos, a imagem se transforma no grupo e, assim, uma foto em que uma criança é vista como morte na areia do deserto se transforma em uma criança que faz a sesta na areia quente de uma praia.
As trocas de fantasias sobre o objeto mediador modificam a percepção visual da foto. Ela muda, evolui, transforma-se no grupo conforme as associações que são evocadas na cadeia associativa grupal.
Graças a Anzieu (1975), sabemos que o grupo é gerador e portador do imaginário, um imaginário grupal específico, lugar de emergência de diferentes imaginários, como testemunham os participantes do grupo. O objeto mediador é também o desencadeador do imaginário, segundo Kaës (2000). A foto privilegia a imagem visual, mas podemos dizer como Freud (1923/1970) que pensamentos podem surgir também através de imagens auditivas, tácteis, olfativas ou, mesmo, gustativas. Todas as imagens sensoriais estão ligadas, entremeadas, associadas entre si. Basta solicitar uma delas para que as demais surjam como se puxássemos um fio. As imagens sensoriais estão inscritas sobre o corpo, como uma pele, uma folha de papel, tendo o corpo uma memória destes traços impressos desde as primeiras experiências vividas na ligação primária com a mãe. Estes traços mnêmicos podem acessar a consciência através do trabalho de psicoterapia.
Os sujeitos vítimas de traumatismos precoces não têm meios de fazer retornar à consciência estas marcas deixadas pelas primeiras experiências com a mãe. Dispositivos que mobilizam o pensamento em imagens sensoriais, de que o corpo é depositário, podem favorecer o surgimento de estados afetivos e de emoções que indicam até que ponto estas primeiras vivências são importantes e fortes para aquele que as sofre sem saber de onde provêm.
O grupo amplia as oportunidades de fazer retornar uma multiplicidade de experiências, de imagens, de estados afetivos. O objeto mediador oferece a oportunidade de depositar, projetar, recolher, acolher e transformar as percepções sensoriais, os afetos e o pensamento. As imagens sensoriais, cujas marcas estão guardadas no corpo, emergem do pré-consciente a partir da escolha do objeto mediador - uma imagem, uma foto, uma máscara, uma pintura, uma marionete, uma escultura -, que surpreende a pessoa que escolhe, vê e fala de seu objeto, da maneira como o percebe. Mas eis que o grupo entra no jogo, pois seus participantes também investem neste objeto, para depositar nele seus próprios imaginários.
As partes diferentes, comuns e partilhadas, conforme salienta Kaës (1993), surgem, e é na partilha de imagens e de estados afetivos, na cadeia associativa grupal e na difração da transferência que o sujeito recupera a parte da grupalidade psíquica que lhe pertence, em concordância com os grupos internos que o constituem.
Conclusão
Desta dupla polaridade, grupo e objeto mediador mostram-se dispositivos privilegiados, principalmente com pacientes graves, como descritos alhures. Tentamos demonstrar que destes dois elementos constitutivos do dispositivo nasce uma sinergia, quer dizer, uma ligação criativa, uma conjunção que serve de motor ao trabalho psíquico engajado. Separados, estes dispositivos são totalmente diferentes e não produzem os mesmos resultados; podemos dizer que não se beneficiam da mesma eficácia.
Queremos salientar que estes dispositivos grupais com objeto mediador não são modismos, invencionices, artifícios ou terapia para pessoas de baixa renda. São verdadeiros espaços de transformação da realidade psíquica inconsciente, que se apoiam ao mesmo tempo em todas as funções do grupo. Tratamos apenas de três delas: a função de continente, a função de contentor e a função de produção imaginária - três funções que parecem comuns ao grupo e ao objeto mediador. É preciso sublinhar que a conjunção dos dois não produz um efeito terapêutico automaticamente; para que isso ocorra, faz-se necessário que o terapeuta possa garantir o enquadre, que possa exercer sua capacidade de devaneio transformadora. Para tanto, o analista conta com a sinergia criadora entre as competências do grupo e a potencialidade criadora de um objeto que exerce uma função de transicionalidade. O analista deve unir estes dois componentes do dispositivo e cuidar para fazê-los evoluir conjuntamente e em sinergia.
Referências
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Correspondência:
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[Recebido em 19.3.2012
Aceito em 3.5.2013]