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Revista Brasileira de Psicanálise
Print version ISSN 0486-641X
Rev. bras. psicanál vol.49 no.2 São Paulo Apr./June 2015
OUTRAS PALAVRAS
Em torno do prazer e do gozo1
About pleasure and jouissance
En torno del placer y del goce
Daniel Schoffer KrautI; Tradução Claudia Berliner
IPsicanalista, analista didata da Associação Psicanalítica de Madri (APM)
RESUMO
Neste trabalho, bordejaremos o buraco do real. E o faremos em torno dos conceitos de prazer e de gozo. Como Freud disse, só se aprende nos casos em que a defesa fracassa, porque então há retornos do recalcado e a moção pulsional encontra um modo substitutivo para se descarregar, ainda que seja um substituto mutilado, inibido ou deslocado, que já não é reconhecível como satisfação, que não produz sensação de prazer, mas gozo. Prazer e gozo. Prazer freudiano e gozo lacaniano. Em Além do princípio do prazer, Freud diz que a parte essencial do recalcado não pode ser lembrada e que não se repete a serviço da recuperação de uma vivência prazerosa, mas a serviço de uma vivência que não pôde ser. Para Lacan, em contrapartida, o sexual é o que fica fora do discurso, do lado do gozo, que, enquanto experiência do real, fica fora da palavra. Trata-se, portanto, do gozo do corpo enquanto real, do corpo que fica fora do discurso e do qual só podemos falar através de seus semblantes. Esse gozo se produz quando o sujeito é capturado pela linguagem. É o que fica como um resto que alíngua não pode significar.
Palavras-chave: prazer; gozo; imaginário; simbólico; real; outro; estádio do espelho; pulsão.
ABSTRACT
In this paper, we discuss the hole of the real, taking into consideration the concepts of pleasure and jouissance (joy). As Freud said, we only learn when our defense fails, because, in this way, the repressed returns and the instinctual impulse finds a substitute mode to relieve itself, even if it is a mutilated, inhibited, and displaced substitute, which is no longer able to be recognized as satisfaction, and does not bring pleasure but jouissance (joy). Pleasure and jouissance. Freudian pleasure and Lacanian jouissance. In his work Beyond the pleasure principle, Freud says the essential part of the repressed cannot be remembered, and it does not repeat itself in order to bring back a pleasurable experience, but it does in order to live an experience that could not be lived. On the other hand, Lacan believes it is the sexual that is excluded from the discourse - in the side of jouissance, which remains outside the word, as an experience of the real. Therefore, it is about the jouissance of the body, as a real experience, the body that remains outside the discourse, and about which we can only speak through its looks (facial expressions). This jouissance is brought forth when the subject is captured by language. This is a remainder that lalangue cannot mean.
Keywords: pleasure; jouissance; imaginary; symbolic; real; other; mirror phase/mirror stage; drive/instinct.
RESUMEN
En este trabajo bordearemos el orificio de lo real. Y lo haremos en torno a los conceptos de placer y de goce. Como dice Freud, solo es posible aprender en casos en los que la defensa fracasa porque entonces hay retornos de lo reprimido y la moción pulsional encuentra un modo sustituto para descargar, aunque se trate de un sustituto mutilado, inhibido o desplazado, que ya no se reconoce como satisfacción, que no produce una sensación de placer sino de goce. Placer y goce. Placer freudiano y goce lacaniano. Si Freud, en Más allá del principio del placer dice que lo esencial de lo reprimido no se recuerda y que no se repite al servicio de la recuperación de una vivencia placentera sino de una vivencia que no pudo ser, para Lacan, en cambio, lo sexual es lo que queda fuera del discurso, del lado del goce, que, si bien la experiencia de lo real, queda por fuera de la palabra. Se trata por lo tanto del goce del cuerpo real, del cuerpo que queda fuera del discurso y del que solo podemos hablar a través de sus semblantes. Este goce se produce cuando el sujeto es atrapado por el lenguaje. Es lo que queda como un resto que lalengua no puede significar.
Palabras clave: placer; goce; imaginario; simbólico; real, otro, estadio del espejo; pulsión.
Em torno do prazer e do gozo, bordejaremos o buraco do real.
Quer dizer que não encontraremos a verdade dos conceitos numa definição fechada, e sim na impossibilidade que as palavras têm de nomear as coisas.
A palavra não se ata à coisa, nem o significante ao significado. Castração. Não há relação sexual. Tudo não é possível (Lacan, 1953/1989b).
Não é possível porque há falta na palavra e também falta na coisa.
Na hiância que se abre entre a palavra e a coisa, o mais real é a própria hiância.
Discordância da qual surge o desejo como insistência para encontrar o que não se pode nem se deve encontrar, e que se mostra nos sintomas e demais formações do inconsciente como um modo de dizer o que não se pode dizer de outra maneira.
Ao decifrar essas formações do inconsciente, Freud descobre que o sintoma irrompe na vida do sujeito como o indício e o substituto de uma satisfação pulsional interceptada pela defesa.
Essa defesa procura impedir a descarga pulsional direta e coibir o devir consciente da representação que era portadora da moção pulsional incompatível com o eu (Freud, 189q/1986a, p. 49).
Só nos ensinam algo os casos em que o recalcamento fracassa, porque, então, há retornos do recalcado e a moção encontra um substituto para sua satisfação, ainda que seja um substituto mutilado, inibido ou deslocado, que já não é reconhecível como satisfação, que não produz sensação de prazer, mas gozo, e que, além disso, adquire o caráter de uma compulsão.
Prazer e gozo. Prazer freudiano e gozo lacaniano.
Freud e o prazer
Num primeiro tempo, Freud afirmava que a atividade psíquica consistia em evitar o desprazer.
O desprazer, tal como o formula Freud no "Projeto de psicologia" (1950[1895]/1986b), é produzido por um aumento de energia, e o prazer, por sua descarga. O desprazer pode ser evitado por meio do desvio da atenção, mas, se essa defesa não puder operar, o prazer é alcançado por meio do "princípio de inércia neuronal", que se ocupa da descarga total da excitação.
Como a descarga total significaria a morte do indivíduo, Freud tem de recorrer ao "princípio de constância" e, deste, passa para o "princípio do prazer" como regulador do aparelho psíquico, na medida em que o aparelho deve conseguir que se conserve uma excitação mínima necessária para a vida.
O primeiro modelo que Freud encontra para explicar o funcionamento do aparelho psíquico é aquele que conhecemos como "a primeira experiência de satisfação".
Como resultado dessa vivência, a imagem mnêmica do alimento fica associada ao traço mnêmico da fome. Quando a necessidade ressurge, reativa o traço da fome, que provoca o aparecimento da imagem do alimento.
O processo primário percorre o caminho regressivo para encontrar o objeto que não deve encontrar, porque a identidade de percepção alcançada geraria a realização alucinatória do desejo e a correspondente produção de desprazer.
Esse impulso ou movimento que carrega psiquicamente a imagem mnêmica do alimento é o que Freud denomina "desejo".
O desejo, que é a única coisa que põe o aparelho psíquico em movimento, vai da representação do objeto ausente à recarga desse objeto.
Nesse modelo, nem tudo é quantitativo, porque o meio de que o eu se vale para inibir a produção da quantidade é a palavra, que, ao introduzir os signos de qualidade, permite a postergação da descarga.
O mínimo de excitação que deve perdurar sem ser descarregado é aquele necessário para que haja estabilidade do aparelho psíquico.
Desse modo, o desprazer deve ser entendido em relação ao princípio de constância, porque a produção de prazer para além do limiar de constância é princípio de nirvana, que é "além do princípio do prazer" porque não é compatível com a vida (Freud, 1920/1984).
Mas o próprio Freud se corrige e diz que pensar que o princípio do prazer rege os processos anímicos é incorreto, como demonstra o fato de que nem todos os processos anímicos têm uma tendência ao prazer.
O princípio do prazer deve ser inibido porque trabalha segundo os processos primários que buscam a descarga pela identidade de percepção e pela alucinação, desconsiderando a realidade.
Segundo o princípio do prazer-desprazer, o sujeito não procura o alimento na realidade, procura descarregar a excitação. Há desprazer por fome, mas, se o desejo for descarregado e se esgotar na alucinação, há uma produção de desprazer que faz desaparecer a excitação da fome e o sujeito morre.
É pulsão de morte porque, para satisfazer a fome, não busca a presença do objeto, busca recuperar o que anteriormente existiu, busca a percepção idêntica à "primeira experiência de satisfação".
Ou seja, enquanto se tratar de quantidades não ligadas, tanto o desprazer (aumento de quantidade) quanto o prazer (produção de quantidade) se transformam em "além do princípio do prazer" se a ação não estiver articulada com o "princípio de realidade". Por isso, Freud diz que há uma função mais importante que a do princípio do prazer, que é a de ligar a energia.
Outro ponto que deve ser assinalado na "primeira experiência de satisfação" é o tema do Outro (geralmente a mãe), porque é a intervenção do Outro que transforma o corpo biológico em corpo erógeno, determinando o advento sexuado e cultural do bebê.
Essa experiência que vai e vem entre o desamparo inicial do ser humano e a presença-ausência do Outro é, para Freud, "a fonte primordial de todos os motivos morais", na medida em que essa presença-ausência da mãe estatui no bebê a condicionalidade do Outro enquanto sujeito submetido a seus próprios objetos de desejo.
Há um discurso, um código e uma lei que preexistem ao bebê no psiquismo da mãe e, no modo como a mãe decifra o choro de seu filho e no modo como satisfaz sua necessidade, a mãe cifra o filho introduzindo significantes com os quais ela mesma está cifrada.
Ou seja, a partir da primeira experiência de satisfação, produz-se uma submissão do infans à determinação cultural de que o Outro é suporte.
Desse modo, e por intermédio do desejo da mãe, o pai é introduzido enquanto Outro do outro.
A partir daí, o conceito de objeto perdido já não está relacionado com a sua presença ou ausência na realidade, mas com o objeto como impossível porque proibido. Freud introduz, entre o corpo biológico e o corpo erógeno, a questão da licitude da descarga como requisito do prazer (Schoffer, 2008).
O falo, a castração e o ideal do eu entram em cena como elementos cruciais da encruzilhada edípica enquanto complexo nuclear que determina a estrutura do psiquismo.
Como se nota, em relação ao prazer, Freud passa da defesa inibitória a uma defesa - o recalque - que vai operar em função do simbólico, que determina se o objeto que se deseja é lícito ou ilícito em relação à lei fundamental da proibição do incesto.
Quando Freud aborda o tema do "além do princípio do prazer", diz que repetimos algo não para obter um excedente de prazer, mas que repetimos o desprazeroso como desprazeroso mesmo, como fonte independente do princípio do prazer. Trata-se de algo alheio à autoconservação e também aos interesses narcisistas.
Diz ainda que o essencial do recalcado não é recordado e que, no "além do princípio do prazer", não se repete a serviço da recuperação de uma vivência prazerosa, mas que se repete a frustração do que não pôde ser, tal como comprovamos nos fenômenos transferenciais, nos quais o analisante não busca o prazer por via da satisfação pulsional, mas busca o gozo na repetição da cena de rejeição ou de exclusão.
Então, Freud termina afirmando que a compulsão à repetição não está do lado do eu, mas do lado da pulsão, e que esta repetição é mais originária que o princípio do prazer-desprazer.
É o mais original da pulsão porque não está ligada à experiência subjetiva de prazer-desprazer.
Não há deslocamento porque se trata do gozo pulsional em si mesmo, e é o que permite explicar a reação terapêutica negativa, a repetição do destino trágico e o sofrimento ante o êxito.
Essa compulsão à repetição que Freud atribui à pulsão de morte é o verdadeiro amo do aparelho psíquico e o que dá realmente conta da pulsionalidade. Caracteriza-se por operar em silêncio, é muda e não está interessada em descarregar a pul-são mantendo a homeostase, mas insiste e procura descarregar para além da constância necessária à autoconservação.
Lacan e o gozo
Para Lacan, o gozo afeta o corpo e, por isso, apresenta-se como o mais real da experiência psicanalítica.
Enquanto real, é o que não pode ser nomeado e produz como efeito uma desarmonia no sujeito da palavra/fala.
Aqui, é importante não nos confundirmos, porque o fato de o real afetar produzindo efeitos de gozo no sujeito não quer dizer que o real seja a causa primeira, já que, por sua vez, é efeito da palavra.
Se o inconsciente se constitui pelo recal-camento primário produzido pelo acesso ao simbólico da linguagem e se a linguagem separa radicalmente o sujeito do universo da coisa, isso se deve ao fato de que a coisa de que a psicanálise fala é a coisa perdida, o Ding (Schoffer, 1993).
A "algo tem de faltar para que se queira dizer algo" devemos agregar que algo falta porque é dito.
Por isso, a falta-a-ser que constitui o sujeito como falante se espelha no sujeito falante que cria a falta-a-ser.
É a questão da coisa como perda fundamental e constituinte do inconsciente.
Coisa elidida do discurso, que, ao não poder ser dita, funda a possibilidade do dizer com uma palavra que busca a evocação e a nomeação no reencontro com o que nunca foi nem se teve.
Pois bem: o que é que fica fora do discurso? Lacan diz que é a sexualidade. Não há relação-proporção sexual, o que situa o sexual do lado do gozo, que, enquanto experiência do real, fica fora da palavra/fala. É por isso que Lacan diz que o sexual "não cessa de não se escrever".
E aqui estamos nós, falando do gozo, tentando vesti-lo de significantes. Mas, como o gozo é o real que não pode ser atado pelo simbólico, tudo o que pudermos dizer sobre o gozo é da ordem do imaginário.
O que quero dizer é que tanto os objetos de que falamos quanto a própria fala se transformam em semblantes da coisa, do real.
Então, como entender o conceito de gozo em Lacan?
Trata-se do gozo no corpo enquanto real. Do corpo que fica fora do discurso. Do corpo de que só podemos falar através de seus semblantes.
Já em "O estádio do espelho", Lacan (1949/1989a) afirma que, num primeiro tempo, a criança capta algo que se produz como movimento no espelho, surpreende-se ante a imagem e responde com "uma inspiradora mímica".
É um primeiro tempo de tipo instantâneo, seguido de um segundo tempo de intensa atividade em que há uma maravilhosa concordância entre os movimentos da criança e os que se refletem no espelho.
Essa experiência culmina num terceiro tempo decisivo, porque a criança tenta se erguer e procura, apesar de sua "impotência motora", adotar uma posição rígida, como de estátua.
Essa experiência "manifesta, numa situação exemplar, a matriz simbólica em que o eu [je] se precipita numa forma primordial" e isso, antes de o infans "se objetivar na dialética da identificação com o outro e antes que a linguagem lhe restitua, no universal, sua função de sujeito" (Lacan, 1949/1989a, p. 87).*
O que quero ressaltar é que essa experiência precoce está relacionada, por um lado, com certa eficácia que a imagem possui de produzir efeitos sobre o corpo, e, por outro, com a transformação que se produz no infans pelo fato de assumir uma imagem.
Lacan diz que o que se produziu foi um fenômeno libidinal por efeito da identificação com uma imagem. E que esse fenômeno libidinal produz um efeito de unificação corporal.
Vai chamar esse primeiro investimento libidinal do corpo de narcisismo primário, vinculado à constituição do eu ideal.
Esse narcisismo primário, esse fenômeno de unificação corporal, ressignifica retroativamente o corpo prévio à experiência do espelho. Um corpo que até aquele momento era feito de pedaços não integrados, com que gozava de modo um tanto desordenado.
A partir dessa experiência do espelho, o infans vai poder se defender, por meio do narcisismo, da angústia de fragmentação corporal que se produz com a irrupção de suas pulsões parciais.
No entanto, Lacan diz que para que essa imagem unificada se consolide é necessária a intervenção do Outro, que, por meio de seu olhar desejante e de seus significantes, lhe confirma que ele é isso.
Essa imagem de unificação corporal produz no bebê um efeito de júbilo que poderá ser implementado para se defender do gozo produzido pelas perturbações do corpo provenientes da força pulsional.
Além disso, porém, pode agora pedir ao Outro que, com seu olhar, com sua presença e com seu desejo, esteja ali para apaziguar os gozos do corpo.
Contudo, nem tudo é tão simples, porque a imagem especular não consegue capturar a totalidade dos gozos parciais do corpo.
Ou seja, há uma parte dos gozos do corpo que serão capturados pela imagem e se transformarão em modos de desfrute sob o princípio do prazer-desprazer e há outros gozos que ficam fora do olhar aplacador do Outro e que, como restos não integrados na unidade do eu, continuarão perturbando o corpo do infans.
Esses outros gozos, que não se con-formam com a imagem de completude do eu, são o que Freud denominou de "pulsões sexuais".
Pulsões sexuais que, como já vimos com Freud, não se interessam pela satisfação acorde com o princípio de realidade, mas buscam um gozo não simbolizável.
O aplacamento do gozo vai depender do funcionamento do princípio do prazer em relação com o princípio de realidade, que inscreve o sujeito nessa experiência cultural que Freud definiu como complexo de Édipo.
A partir daí, é preciso entender os modos como a pulsão é civilizada pelos ideais do eu por meio da irrupção da demanda do Outro, que barra o sujeito e constitui seu corpo pulsional.
Demanda que se faz presente no discurso materno, que, ao introduzir seus significantes na criança, resgata-a de seu gozo autoerótico ao mesmo tempo que ordena simbolicamente suas zonas erógenas.
Nos termos de Lacan, a mãe ordena os buracos de seu corpo.
Como vimos anteriormente, ela estabelece que, se o bebê está chorando, é por fome, bem como o objeto que irá lhe proporcionar. Transforma desse modo a boca em zona erógena, buraco em torno do qual se organiza a satisfação.
Os gozos deixam de estar dispersos e começam a ser nomeados, ou seja, cifrados, organizados em torno dos orifícios do corpo.
Essa simbolização do corpo do bebê depende de o que o bebê representa para o desejo da mãe, isto é, para seus gozos neuróticos, perversos ou psicóticos.
O gozo do que não tinha sido pego e aplacado pela imagem é pego pelo significante e, desse modo, algo da ordem da perturbação corporal se transforma em representante pulsional, que é uma das maneiras de dizer que a pulsão foi atravessada pela lei e que foi cifrada no inconsciente pelos significantes maternos.
É assim que parte do gozo do real se transforma em realidade sexual do inconsciente, em gozo humanizado, em gozo pulsional, em gozo atravessado pela lei; um gozo que, de signo, se transforma em significante, o que possibilita que as pulsões possam se combinar e se substituir entre si.
A linguagem, enquanto sistema incompleto e inconsistente, antecede o nascimento do sujeito.
E o gozo é o efeito que se produz quando o sujeito é pego pela linguagem, é o que fica como um resto que alíngua não pode significar.
Na alíngua podemos encontrar diversos tipos de signos que se articulam no inconsciente e que amarram diversos tipos de gozo.
Por um lado, há significantes que se caracterizam pelo fato de, ao se combinarem e substituírem, produzirem efeitos de significação.
Mas, por outro lado, há signos que Lacan chamou de "letras". Esses signos são inscrições no corpo do falante; inscrições isoladas, carentes de significação, traços sem sentido que não podem ser significados e que estão condenados a se repetir sempre da mesma maneira.
Há uma discordância, um encontro traumático entre o sujeito e a língua que trata de inscrever seu corpo sexuado num mundo de cultura.
Por efeito da significação do discurso, o corpo fica perdido enquanto real e só entrará na economia do desejo de forma fragmentada e a partir do gozo próprio das pulsões parciais, de um gozo que deve ser situado no além do princípio do prazer, na pulsão de morte, na inscrição de um gozo do corpo que se supõe perdido a partir do momento em que o sujeito ingressa no campo do significante.
O inconsciente é o que fica como resto do que não pode ser pego no mundo das significações, é aquilo que, ficando fora do sentido, se faz letra, marca sobre o corpo e que emerge como o gozo do sintoma.
Lacan denomina esses restos de "a", causa do gozo; gozo vinculado às pulsões parciais e a partes do corpo, que denomina de "objeto mais-de-gozar" (Lacan, 2006).
E esse é o campo em que toda a psicanálise se dá, o campo em que se dá o mais de gozo como um resto que não pode ser pego na rede do significante.
Como dizem Jorge Alemán e Sergio Larriera (2001): "Em Lacan, o contraste entre prazer e gozo é bastante forte e chamativo. O gozo não só não é o prazer como constitui seu além. Um além de difícil representação, já que confina com a dor e o sofrimento". E agregam que "o prazer, por seu caráter homeostático e regulador, é um dique para o gozo".
Para terminar, Lacan faz uso do nó borromeano para localizar topologicamente os diversos pontos de gozo em três buracos que rodeiam o buraco de "a", que, enquanto causa de desejo, é impossível de alcançar:
1. O gozo do sentido: o sujeito que fala goza da produção de sentido. Desfruta de si mesmo falando. Que, como diz Colette Soler (2011), põe em jogo o imaginário do corpo e das representações que a ele se juntam;
2. O gozo fálico J): é um gozo de órgão. Prazer de órgão. Subordina as pulsões à ordem fálica. Gozo parcial, que posiciona o sujeito em relação a objetos pulsionais na fantasia. Nesse gozo, sustentado pelo significante fálico (e garantido pela castração), trata-se de um gozo parcial que não consegue atravessar o limite imaginário, ou seja, não consegue ir além da superfície da imagem corporal que fascina;
3. O gozo do Outro (JA): o sujeito goza do corpo, mas não enquanto imagem, não enquanto superfície, mas do corpo enquanto interior. É um gozo que não está localizado em nenhum órgão que cumpra a função de sustentação do falo. Trata-se da dimensão material do corpo. Está fora do simbólico.
Notas
1 Trabalho apresentado na vii Jornada de Lacan na IPA, sobre a angústia, realizada na SBPSP em 9 e 10 de maio de 2014.
* N.T.: Lacan, J. (1998). Escritos (V. Ribeiro, Trad.). Rio de Janeiro: Zahar, p. 97.
Referências
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Lacan, J. (2006). Seminario 10: la angustia (1962-1963) (E. Berenguer, Trad.). Buenos Aires: Paidós. [ Links ]
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Schoffer, D. (2008). La función paterna en la clínica freudiana. Buenos Aires: Lugar Editorial. [ Links ]
Soler, C. (2011). Los afectos lacanianos. Buenos Aires: Letra Viva. [ Links ]
Correspondência:
Daniel Schoffer Kraut
Príncipe de Vergara, 205, esc. 3, 6.ª B
28002 Madrid, España
danielschoffer@yahoo.es
Recebido em 2.6.2015
Aceito em 16.06.2015