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Aletheia
Print version ISSN 1413-0394
Aletheia no.23 Canoas June 2006
ARTIGOS DE ATUALIZAÇÃO
Resiliência e a auto-eficácia percebida: articulação entre conceitos*
Resilience and perceived self-efficacy: articulation between concepts
Diná Dornelles Barreira1; Antonieta Pepe Nakamura2
Universidade Luterana do Brasil, Canoas/RS.
RESUMO
Este artigo se deteve em pesquisar diversos autores e a discutir o tema resiliência, procurando utilizar-se de outros matizes que permitissem uma articulação com o conceito de Auto-Eficácia e as possíveis variáveis envolvidas neste construto. Considerando-se que as mudanças sociais, econômicas e laborais, cada vez mais rápidas, afetam o estilo de vida das pessoas no seu dia-a-dia, convida-se a fazer uma reflexão dos problemas e adversidades, por meio deste estudo.
Palavras-chave: Resiliência, Auto-eficácia, Adversidade.
ABSTRACT
This article stopped in to research several authors and to discuss the theme Resilience, trying to use of other shades which allows an articulation with the solemnity concept-effectiveness and the possible variables involved in this construto. Considering that the changes, more and more fast, they affect the lifestyle of the people, in his/her day by day, been invited to do a reflection front to the problems and adversities , through this study.
Keywords: Resilience, Auto-eficácia, Adversity.
Introdução
Os crescentes desafios e mudanças que acometem o homem nos dias de hoje, desde a sua vida pessoal e familiar até a social e laboral, requerem dele uma postura também de mudança, para o enfrentamento destes desafios. Diversos conceitos têm surgido objetivando subsidiar e/ou alicerçar a condição humana como, por exemplo, os conceitos de resiliência e de auto-eficácia.
A aplicação do termo resiliência (‘resiliens’ no latim - saltar para trás, voltar, ser impelido, recuar, encolher-se, romper e ‘resilient’, no inglês, que remete à idéia de elasticidade e capacidade rápida de recuperação) há muito vem sendo utilizada pela física e engenharia por Thomas Young, 1807, descrevendo experimentos sobre tensão e compressão de barras de ferro e buscando a relação entre a força que era aplicada num corpo e a deformação que essa força produzia (Pinheiro, 2004). Igualmente utilizada por outras ciências como a medicina, a resiliência refere-se à capacidade de a pessoa resistir à doença, à infecção, quer pela sua própria resiliência, quer pela ajuda de uma medicação curativa ou preventiva (Ruegg, 1997); para a psicologia, tem a ver com a qualidade de resistência e de perseverança do ser humano em face das dificuldades da vida (Schmied & Lawler, citado em Tavares, 2001; Rack & Patterson, 1996).
Expressa pela primeira vez por Flach (1991), a resiliência funcionaria como um conjunto de forças psicológicas e biológicas exigidas para atravessar com sucesso as mudanças num processo contínuo de aprendizado, desaprendizado. Para tanto, faz-se necessário que os processos fisiológicos, ativados pelo estresse, funcionem de tal forma, que o indivíduo se torne resiliente por meio da habilidade de reconhecer a dor, de perceber seu sentido e de tolerá-la até resolver os conflitos de forma construtiva.
Pesquisadores como Kim-Cohen, Moffitt, Caspi e Taylor (2004) consideram a resiliência como um processo em construção devido a sua natureza ampla e complexa. Yunes e Szyymanki (2001) referem que a definição não é clara tampouco precisa como na física, pois existem múltiplos fatores e variáveis que devem ser levados em conta no estudo dos fenômenos humanos como situação de risco/estresse/experiências adversas com respostas finais de adaptação/ajustamento do indivíduo.
A capacidade que tem o ser humano de se recuperar psicologicamente quando é submetido às adversidades, violências e catástrofes na vida, de acordo com Pinheiro (2004) e Antunes (2003), corresponde à capacidade de pessoas, grupos e/ou comunidades não só de resistir às adversidades, mas sim de utilizá-las em seus processos de desenvolvimento pessoal e crescimento social. Ou ainda, segundo Moraes e Rabinovich (1996), “uma combinação de fatores que auxiliam os indivíduos a enfrentarem e superarem problemas e adversidades na vida” (p.11).
Tais mecanismos de proteção, não necessariamente, eliminariam os riscos, porém têm um efeito de encorajamento que levam a pessoa ao enfrentamento e engajamento para a superação dos mesmos (Rutter,1987), numa predisposição positiva que, de acordo com Tavares (2001) e Pacheco (2004), agiria como uma forma de tornar o indivíduo sobrevivente e impulsioná-lo a ser o primeiro a participar, a ter senso de humor, bem como desenvolver a criatividade para quebrar a rotina do dia-a-dia.
Ao encontro disso, Conner (1995) considera que para o desenvolvimento da resiliência as pessoas devem possuir atributos básicos, tais como: pessoas positivas, focadas, flexíveis, organizadas e pró-ativas, e, de acordo com Flach (1991), com auto-estima positiva; habilidade de dar e receber nas relações com o outro; disciplina pessoal e sentido de responsabilidade; reconhecimento e desenvolvimento de seus próprios talentos; mente aberta e receptiva à novas idéias; interesse; tolerância ao sofrimento; esperança, criatividade e autonomia.
Não obstante, essas condições humanas não devem alimentar, no ser humano, a fantasia da resistência absoluta ao estresse, da invulnerabilidade para resistir ao sofrimento, porque, de acordo com Rutter (1985,1993), um dos pioneiros no estudo da resiliência no campo da Psicologia, a resistência ao estresse é relativa e suas bases são tanto constitucionais quanto ambientais, sem uma base fixa e que variam de acordo com as circunstâncias.
Nesta mesma linha, Zimmerman e Arunkumar (1994) referem que resiliência e invulnerabilidade não são termos equivalentes e que a resiliência refere-se a uma “habilidade de superar adversidades, o que não significa sair ileso, como implica o termo invulnerabilidade” (p.4).
Auto-eficácia
Todo ser humano tem uma elevada necessidade de sucesso e, à medida que este sucesso não é alcançado, a tendência ao desânimo pode tornar-se uma ameaça que o impossibilite de levar adiante seus objetivos de vida. Não obstante, há de se conhecer as reais possibilidades e os limites e assim buscar o desenvolvimento de novas habilidades que, conseqüentemente, conduzam às conquistas as quais se almeja.
Estudos sobre a auto-eficácia tentam dar conta desta questão, enfatizando que uma percepção de auto-eficácia forte nos indivíduos os conduz a planejar metas mais ambiciosas e a comprometer-se para alcançar essas metas (Cherniss, 1993). Assim, sujeitos com maior autoconfiança se avaliarão mais positivamente em relação a sua atividade laboral e se perceberão mais eficazes em suas funções.
Para Albert Bandura, pessoas com uma forte percepção de auto-eficácia experimentam menos estresse em situações que demandam mais esforço pessoal, obtêm a motivação e a persistência para alcançar um determinado objetivo, através de dois processos: os motivacionais, projetados pelo esforço e perseverança, manifestados na conduta, e pelos mecanismos atribucionais de enfrentamento, no manejo da ansiedade e do stress perante situações diversas (Bandura, 1987, 1989, 1992; Blostein, 1989).
Assim também as expectativas de resultados e as expectativas de eficácia são conceitualmente distintas por Bandura (1977), uma vez que expectativa de resultados refere-se à crença de que um determinado comportamento conduzirá a determinados resultados, enquanto que a expectativa de eficácia refere-se à crença de ser realmente capaz de executar e de obter êxito em determinados resultados, enquanto que a auto-eficácia percebida “são as crenças que as pessoas têm sobre suas capacidades e/ou o exercício de controle que têm sobre os eventos que afetam a sua vida” (Bandura, 1989, p. 1175).
Não obstante, para Turnage (1990), algumas pessoas incutem esforços e desenvolvem novas estratégias para desempenhar com êxito suas tarefas enquanto outros podem afligir-se ao ver que seus resultados não são bons e abandonar seus esforços. Para Mummendey (1990), os sentimentos de falha profissional na reavaliação cognitiva da situação de estresse, podem gerar frustração desencadeando baixos sentimentos de autoconfiança e, assim sendo, menos envolvimento no trabalho.
Naylor, Pritchard, e Ilgen (1980) enfatizam a teoria cognitiva geral de conduta, em que as percepções dos indivíduos têm conseqüências reais sobre as situações e seus comportamentos. Gellerman (1976) coloca que sujeitos com baixos sentimentos de autoconfiança deverão perceber mais estresse laboral, pois exageram as dificuldades em seu meio, enquanto que os sujeitos com altos sentimentos de auto-confiança empregarão com maior freqüência estratégias de enfrentamento de controle. Dessa forma, indivíduos com elevados níveis de percepção de auto-eficácia, segundo Bandura e Cervone (1983), Lee e Bobko (1994), poderão constituir um fator relevante para o mecanismo motivacional à medida que tenderão a estabelecer para si objetivos mais desafiantes e exigentes.
Resiliência e motivação
Buscando encontrar outras teorias que sustentem e fortaleçam a resiliência, encontramos na motivação elementos que vêm ao encontro desta força interior, que dá conta da capacidade do sujeito de transpor obstáculos no seu cotidiano, em nível interno e externo, ou seja, homens do conhecimento, produtivos, que tocam e fazem o futuro, apaixonados pelo que aprendem, pelo que sonham, pelo que criam e realizam (Gurgel, 2004).
Já em 1954, Maslow apregoava a importância da motivação como mola propulsora para o bem-estar das pessoas, não só para o atendimento de suas necessidades fisiológicas como também para a promoção de sua auto-realização. Segundo Muchinsky (1994), a pessoa intrinsecamente motivada está mais satisfeita e adquire maior comprometimento para com a tarefa realizada, busca utilizar suas habilidades e desafios pessoais no trabalho, considerando, como assegura Monduate (1984), que a característica peculiar do comportamento humano é a de que ele é orientado para uma meta.
O mais importante, de acordo com Bergamini (1997), é obter respaldo no contexto social para que as pessoas não percam a sua sinergia motivacional ao encontro do que postulam Nadler e Lawler (1977) sobre o desenvolvimento de um sistema que permita ao sujeito sentir-se recompensado, motivado efetivamente, proporcionando distintos resultados para distintas pessoas.
Desta maneira, a criação e manutenção de programas de treinamento e desenvolvimento, que possibilite o reconhecimento e eqüidade envolvendo valores e atitudes (Teixeira, 2002; Barreira & Nogueira, 2004) seja mais um elemento motivacional importante e facilitador da resiliência.
Resiliência e apoio social
Para Brito e Koller (1999) e Tavares (2001), é a percepção do suporte social que protege os indivíduos contra a desestabilização. Assim, o apoio social pode ser considerado de suma importância para o enfrentamento das adversidades e embates da vida. Boog e Boog (2002) afirmam que o vínculo entre as pessoas e o sentimento de pertencer e de ser respeitado em suas potencialidades, limites e necessidades levam as pessoas a reencontrar a essência de sua condição de vida.
A relação existente entre apoio social e resiliência são referidas por Celia (2001) como provindas de cada pessoa, de cada ambiente e que dependerá, na maioria das vezes, da ação humana e que a cultura da resiliência é alcançada quando se tem a possibilidade da vivência dentro de uma ‘transparência psicossocial’.
Considerações finais
Os achados na literatura apontam para os pontos chaves da resiliência: pensamento e ação, enquanto que a auto-eficácia residiria na percepção, na decisão. Considerando, entretanto, que a própria resiliência permite o recuo, percebe-se que uma complementa a outra para que os custos emocionais associados à perspectiva de uma mudança ou de um enfrentamento de adversidade conduzam à motivação e à persistência no sentido de alcançar um determinado objetivo condutual.
A resiliência e a auto-eficácia percebida atuam como forma do sujeito obter uma melhor qualidade de vida na superação da adversidade, envolvendo o contexto, a cultura e a responsabilidade coletiva, sendo capaz de responder de diferentes formas ante um fracasso; onde alguns incutem esforços e desenvolvem novas estratégias, enquanto que outros, diante de um mesmo evento, abandonam seus esforços.
Quando nos tornamos flexíveis para poder avaliar nossas possibilidades, nossas limitações, quer como profissionais, quer como seres sociais, fazendo emergir e pondo em prática atributos inatos e desenvolvidos, é possível observar que muitas interações podem ser criadas, mantidas, ressignificadas. Capacidade estas que vêm ao encontro das estratégias de coping, preconizadas por Folkman e Lazarus (1985) como sendo esforços cognitivos e comportamentais utilizados pelos sujeitos para lidar com as situações indutoras do estresse e que encontram um prognóstico muito mais favorável quando se trata de indivíduos resilientes.
Neste contexto, é inegável a contribuição que o apoio social presta, como um dos determinantes da saúde mental (Eckenrode & Gorre, 1996) e como fator de proteção e suporte social, segundo os autores Brito e Koller (1999) e Tavares (2001), proporcionando a estabilidade e valorizando as significações internas do sujeito ademais do meio sócio-ambiental.
Diante da globalização, em que as mudanças são rápidas e a criatividade implica também não só em gerar novas idéias, mas escapar das velhas, considerar-se capaz de mudar e, principalmente, declarar-se protagonista da situação em que se está envolvido, possibilita ao homem saber agir nos momentos difíceis e proceder à escolhas aumentando a sua capacidade de resiliência. Pessoas que expressam segurança e convicção frente aos desafios e oportunidades têm muito claro o seu objetivo, lidam melhor com as incertezas, em situações de ambigüidades, e são abertas às mudanças (Flach, 1991).
Finalizando, outros trabalhos são recomendados, uma vez que não nos propusemos a verificar padrões complexos nem a esgotá-los, mas sim a trazer à tona outros matizes embasados numa revisão teórica, que nos permitisse afirmar que o elenco de atributos citados por Flach (1991), nem sempre se encontram todos reunidos no mesmo sujeito e que o grau de atributos da resiliência pode ser relativo, assim como a auto-eficácia percebida de que nos falam Bandura e Cervone (1983) também vai depender das crenças sobre si mesmo que o sujeito desenvolver.
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Endereço para correspondência
E-mail: dinabarreira2002@yahoo.com.br , antonieta@ulbra.br
Recebido em junho de 2005
Aceito em março de 2006
Autores: 1 Diná Dornelles Barrreira – Pedagoga Empresarial, Orientanda do Curso Pós Graduação Especialização Gestão e Desenvolvimento Humano, Universidade Luterana do Brasil, Canoas/RS.
2 Antonieta Pepe Nakamura – Psicóloga, Pedagoga, Orientadora do Curso Pós Graduação Especialização Gestão e Desenvolvimento Humano, Especialista em Metodologia do Ensino Superior, Doutora em Psicologia Social pela Universidade de Santiago de Compostela – Espanha e professora do curso de Psicologia da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA, Canoas/RS.
* Artigo elaborado a partir da monografia de conclusão do Curso de Especialização em Gestão e Desenvolvimento Humano da ULBRA.