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Aletheia

Print version ISSN 1413-0394

Aletheia  no.35-36 Canoas Dec. 2011

 

ARTIGOS DE PESQUISA

 

Bem-estar, lócus de controle e crença no mundo justo de trabalhadores da saúde

 

Well being, locus of control, and belief in a just world of health workers

 

 

Juliana Xavier SantosI; Ana Raquel Rosas TorresII; Daniela Sacramento ZaniniIII

I Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (Crer)
II Universidade Federal da Paraíba
III Pontifícia Universidade Católica de Goiás

Endereço para contato

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi analisar o bem-estar dos trabalhadores da saúde de um centro de reabilitação e readaptação, relacionando-o com a crença no mundo justo e com o lócus de controle. Participaram 146 profissionais que responderam a um questionário formado por perguntas sobre dados sócio-demográficos, o bem-estar físico e psicológico, lócus de controle e a crença no mundo justo. Os resultados mostram uma relação positiva entre lócus de controle externo e bem-estar, e uma relação negativa entre lócus de controle interno e bem-estar. Não houve relação significativa na relação entre crença no mundo justo e bem-estar. Estes resultados são discutidos ressaltando que as diferenças com a literatura devem-se ao nível de análise dos instrumentos utilizados e não a inconsistências teóricas.

Palavras-chave: Bem-estar, Lócus de controle, Crença no mundo justo em profissionais da saúde.


ABSTRACT

The aim of this study was to assess the well being of health workers of a Rehabilitation Centre, relating it to a belief in a just world and the locus of control. Participants were 146 professionals who answered an instrument consisted of questions about socio-demographic characteristics, about physical and psychological well-being, locus of control and belief in a just world. The results showed a positive relationship between external locus of control and wellbeing, and a negative relationship between internal locus of control and well-being. There were no significant associations in the relationship between belief in a just world and well-being. The results are discussed emphasizing that the differences between the literatures and the findings are due to questionnaire's level of analysis rather than due to theoretical inconsistency.

Keywords: Well-being, Locus of control, Belief in a just world of health workers.


 

 

Introdução

A saúde do trabalhador tem despertado grande interesse de pesquisadores das mais diversas áreas como, por exemplo, a medicina, a fisioterapia e a psicologia. A busca realizada em 18 de maio de 2012 no site de pesquisa bibliográfica scielo (www. scielo.br), tendo como palavra-chave saúde do trabalhador, resultou em 385 artigos publicados, dos quais, 120 nos últimos dez anos. A maioria desses estudos trata da relação entre características sociodemográficas ou do ambiente laboral e o adoecer no e pelo trabalho. Além disso, muitos deles abordam aspectos ligados à prevenção de acidentes no trabalho.

Este trabalho insere-se nessa área, mas com uma perspectiva diferente. Pretende-se analisar as relações entre a adesão a um conjunto de crenças, a percepção de eficácia laboral e o bem-estar subjetivo do trabalhador. Especificamente, o objetivo desta investigação consiste em analisar as relações entre o bem-estar de trabalhadores de um centro de reabilitação e readaptação da região Centro-Oeste, o lócus de controle e a adesão à crença no mundo justo.

A decisão de investigar o bem-estar desses trabalhadores justifica-se pelo perfil do paciente atendido nessa instituição. Os profissionais lidam diariamente com situações concretas de grande dificuldade no âmbito de sua atuação, uma vez que, embora haja melhoras significativas nos pacientes atendidos, dependendo da deficiência apresentada, eles não podem ser curados. No entanto, eles podem desenvolver habilidades que lhes permitirão tornarem-se mais independentes. A escolha do lócus de controle e da crença no mundo justo como instrumentos heurísticos para a análise do bem-estar desses profissionais justifica-se pelo fato de que ambos tratam de diferentes, mas complementares, maneiras do indivíduo se posicionar frente às vicissitudes da vida. O lócus de controle nos fala da percepção que o individuo tem do controle dos acontecimentos da sua vida. Já a crença no mundo justo nos remete às explicações causais que são dadas para esses acontecimentos. A seguir, detalharemos a fundamentação teórica que guiou a elaboração deste trabalho.

Bem-estar subjetivo

Pode-se dizer que o objeto de estudo das investigações sobre o bem-estar subjetivo está relacionado à avaliação que uma pessoa faz de sua própria vida. Trata-se um termo guarda-chuva, pois inclui um grande número de conceitos que se relacionam à maneira como as pessoas pensam ao agirem em suas vidas (Diener, Scollon & Lucas, 2003). Foi somente a partir dos anos 1970, que as pesquisas sobre esse tema começaram a se intensificar (Gonçalves & Leite, 2009; Rosa & Hutz, 2008). Antes, segundo Paludo e Koller (2007), e durante boa parte do século XX, o interesse da psicologia estava voltado para o estudo dos aspectos disfuncionais e anormais do comportamento humano, talvez por causa dos traumas causados pela Segunda Guerra Mundial.

Do ponto de vista conceitual, Ryan e Deci (2001) defendem que o bem-estar não seria a mera ausência de doença mental. Para eles, seria um estado de satisfação consigo mesmo e com o meio ambiente que está a sua volta. Campbell (1976) e Diener (1984) categorizam o bem-estar subjetivo em três partes: a) qualidades desejáveis, em que se define o que é desejável; b) avaliação individual, que relaciona à satisfação de vida do indivíduo com critérios mais subjetivos; c) emoções prazerosas, que ressaltam a prevalência de afetos positivos sobre afetos negativos. Resumindo, o bem-estar subjetivo é dividido em três dimensões – satisfação geral com a vida, humor positivo e humor negativo. Um mesmo indivíduo pode vivenciar, por exemplo, em maior ou menor grau, momentos de alegria e satisfação com a vida e, ainda, momentos de tristeza. É importante ressaltar que, mesmo com essas nuances, as pessoas apresentam certo padrão de equilíbrio, ou seja, o bem-estar subjetivo apresenta um equilíbrio dinâmico, que somente é afetado quando os fatos que envolvem a história do indivíduo fogem desse padrão (Albuquerque & Tróccoli, 2004; Headey & Wearing, 1991).

Quanto ao funcionamento psicológico positivo, o estudo de Graham e Shier (2010) aponta que a diversidade na atuação profissional pode favorecer o aumento dos níveis de bem-estar subjetivo. Segundo esses autores, profissionais que atuam na área de assistência social e que realizam atividades paralelas, como por exemplo, docência, pesquisa, atuação em áreas públicas e privadas, desenvolvem uma maior satisfação com suas vidas. Por outro lado, Gouveia, Barbosa e Massud (2007) ressaltam que um dia o salário já foi o bastante para garantir a satisfação do trabalhador. Para eles, outros fatores devem ser tomados em conta pelas organizações, como por exemplo, o reconhecimento do trabalho e a percepção da autoeficácia profissional. Em outras palavras, para esses autores, a satisfação do trabalhador relaciona-se tanto com o reconhecimento de seu trabalho como também com se sentir capaz de cumprir suas funções.

Os participantes deste estudo atuam com limitações impostas por algo externo a eles – a cura do paciente não depende apenas de sua atuação profissional. Em virtude desse perfil torna-se necessário buscar luz nas teorias do lócus de controle e da crença no mundo justo para responder às seguintes questões: como esses trabalhadores se percebem diante de uma limitação de atuação? Quais são as crenças internalizadas por eles? Como esses fatores influenciam a manutenção de seu estado de bem-estar?

Lócus de controle

Diversas nomenclaturas são utilizadas para expressar lócus de controle: percepção de controle, causa pessoal, eficácia, competência pessoal e atribuições causais. No entanto, independentemente de nomenclaturas, percebe-se que as definições muitas vezes se sobrepõem, havendo muitas semelhanças entre os diferentes construtos da expressão lócus de controle (Lefcourt, 1991).

Para Rotter (1966), lócus de controle não pode ser considerado um construto unidimensional, pois apresenta uma bipolaridade: interna e externa. A interna relaciona-se à capacidade de o indivíduo acreditar ser responsável pelos seus esforços e competências; e a externa, quando ele acredita serem os outros, ou algo externo a ele, os responsáveis por suas ações.

Pasquali, Alves e Pereira (1998) assinalam que a maior dificuldade encontrada no estudo sobre lócus de controle refere-se à conceituação e, ainda, à denominação do fator internalidade. Alguns o nomeiam internalidade instrumental, outros, controle pessoal, ou então controle interno e, ainda, eficácia pessoal. Essas questões dificultam a elaboração conceitual do termo, causando imprecisão e confusão no seu uso. Os autores ainda afirmam que lócus de controle não deve ser definido como traço de personalidade, mas sim como um estado disposicional do indivíduo, que pode se modificar de acordo com a situação vivenciada. Consideram-no uma variável multidimensional composta por três dimensões – pessoal, social e impessoal – assim como o faz Levenson (1973; 1974; 1981). Apesar das diferentes dimensões do lócus de controle descritas pelos estudos, em geral, o lócus de controle interno parece estar relacionado a traços de personalidade mais estáveis emocionalmente (Spector & O'Connell, 1994), a formas mais diretas de enfrentamento de problemas e a menores índices de psicopatologia (Lazarus & Folkman, 1984). Esta relação, contudo, foi discutida em estudos posteriores sobre psicopatologia, que tendem a demonstrar uma relação positiva entre lócus de controle interno e maior pontuação em escalas de avaliação psicopatológica, sobretudo nas dimensões de problemas internalizantes, tais como depressão e ansiedade (Achenbach, 1995). Essa mesma correlação foi encontrada em população espanhola, em que se verifica uma relação positiva entre lócus de controle interno e manifestações psicopatológicas do tipo humor depressivo (Zanini & Forns, 2005). Segundo esses estudos perceber que os problemas acontecem por sua causa pode ser importante para que o indivíduo tente enfrentá-los de forma direta. Por outro lado, também pode ser um fator de risco quando o indivíduo não consegue lidar com os problemas de forma efetiva, o que pode levar a manifestações psicopatológicas dos tipos humor depressivo e ansiedade.

Além disso, as mulheres apresentam maiores pontuações em lócus de controle interno quando comparadas com os homens (Boekaerts, 1996). Mais uma vez corroboram-se os achados em psicopatologia, que evidenciam uma relação entre lócus de controle interno e depressão e ansiedade e uma maior prevalência de depressão nas mulheres que nos homens.

Em relação à influência do lócus de controle no ambiente de trabalho, Spector e O'Connell (1994) desenvolveram uma pesquisa longitudinal para avaliar a relação entre variáveis ligadas à personalidade (afetividade negativa, lócus de controle e personalidade tipo A) e aquelas encontradas no ambiente de trabalho (autonomia, ambiguidade de papel, conflito de papel, carga de trabalho, constrangimento organizacional, conflito interpessoal, satisfação no cargo, ansiedade, frustração e sintomas somáticos). Os autores encontraram correlações significativas entre a variável lócus de controle e autonomia, ambiguidade de papel, conflito de papel, conflito interpessoal, satisfação no cargo e ansiedade. Os participantes com elevado nível de lócus de controle interno evidenciaram baixos níveis de estresse no trabalho, estavam mais satisfeitos com o cargo ocupado e apresentaram baixo nível de ansiedade, ao passo que os participantes com elevado nível de lócus de controle externo, ou que estavam insatisfeitos com o cargo que ocupavam, mostraram elevado nível de ansiedade.

Tomados em conjunto, os resultados desses estudos apontam que a relação entre lócus de controle e bem-estar subjetivo depende mais das situações concretas que o indivíduo vivencia do que de traços de personalidade. Assim, em razão das características do público atendido pelo centro de reabilitação, neste trabalho espera-se uma correlação positiva entre o lócus de controle externo e o bem-estar subjetivo e uma correlação negativa entre lócus de controle interno e o bem-estar subjetivo.

Crença no mundo justo

Com base nos estudos de Lerner (1980), a psicologia social começou a investigar as consequências, nos indivíduos, da crença em um mundo justo. O fundamento dessas investigações é que as pessoas são motivadas a acreditar que vivem em um mundo no qual todos recebem o que merecem. Em algumas pessoas, esse sentimento é tão forte que faz que elas passem a buscar mecanismos para defender suas crenças e, ainda, justificar ou corrigir as injustiças ocorridas, para, assim, restabelecer a justiça no mundo.

A teoria da crença no mundo justo tem em sua base o fenômeno de vitimização secundária. Em linhas gerais, vitimização secundária pode ser explicada pelo fato de uma pessoa inocente confrontar-se com o fenômeno que a vitimizou (vitimização primária) e, também, com as pessoas que convivem com ela, em seu próprio meio. Esse tipo de vitimização pode assumir várias formas: minimização do sofrimento da vítima, evitação da vítima, desvalorização da vítima e culpabilização da vítima. Com base nesse aspecto, para analisar o nível de crença de uma pessoa, deve-se levar em consideração o grau de crença do observador, a percepção da inocência da vítima e da persistência do seu sofrimento (Correia & Vala, 2003).

No processo de vitimização, o indivíduo pode buscar diversas alternativas para minimizar o conflito da realidade com sua crença. Uma delas é a possibilidade de considerar aquela vítima como não integrante de seu mundo. No caso de uma pessoa que se depara com um deficiente físico, auditivo ou visual, pode surgir a necessidade de ajudá-lo, e com a mesma intensidade, a necessidade de afastar-se dele. A pessoa considera que eles vivem em mundos diferentes, que o dela é justo, e o outro, não (Lerner, 1980).

Estabelecendo uma correlação com o público estudado nesta pesquisa, pode-se verificar que não é tão simples para os profissionais estudados negligenciarem os pacientes e acreditarem que vivem em mundos diferentes, pois eles lidam diariamente com as limitações dos pacientes. Assim, de um lado, há o profissional que não consegue curar o paciente e, de outro, o paciente que busca se adaptar à sua limitação física e/ou à nova condição biopsicossocial.

De acordo com Dalbert (2001), a teoria da crença no mundo justo possui três importantes funções: a) as pessoas acreditam que serão bem tratadas por outras pessoas; b) há uma estrutura conceitual que permite às pessoas interpretarem os eventos pessoais de suas vidas de maneira significativa; c) o bom comportamento torna-se uma obrigação pessoal. Assim, a crença pode ser considerada um importante recurso que possibilita às pessoas lidarem exitosamente com os desafios a elas impostos cotidianamente.

A teoria de crença no mundo justo pode ser dividida em pessoal e social. A crença pessoal relaciona-se ao próprio bem-estar subjetivo, ao afeto positivo, à satisfação com a vida e a baixos níveis de tensão, ou seja, a critérios internos do indivíduo e que se relacionam aos eventos de sua vida. A crença social refere-se ao desejo de responder às ameaças provocadas por outros indivíduos e que envolvem a diminuição da sua crença em um mundo justo mais amplo, que se situa no nível abstrato da sociedade. Assim, os indivíduos que apresentam alta crença social acreditam que, em geral, o mundo é um lugar justo.

As relações formadas pelas crenças pessoais e sociais emergem, independentemente de respostas socialmente aceitas, autoestima e do lócus de controle, pois são ingredientes que produzem a mudança nessas relações (Lipkus, Dalbert & Siegler, 1996; Sutton & Douglas, 2005). Sutton e Douglas (2005) afirmam, ainda, que os indivíduos tendem a fortalecer mais a crença pessoal em detrimento da social, em virtude de a primeira predizer a saúde mental.

Hafer (2000) realizou dois estudos com estudantes universitários buscando avaliar até que ponto vítimas inocentes podem ameaçar a crença que um determinado grupo social possui acerca do mundo justo. No segundo estudo, foram avaliadas também questões relacionadas à culpabilização da vítima e à negação da possibilidade da cena mostrada acontecer com o participante do estudo, que constitui uma das características do fenômeno da culpabilização secundária. Para que os resultados não tivessem interferência de normas sociais, ou seja, para que não fossem influenciados pela ideia de que as pessoas devem ser condolentes com vítimas inocentes, ambos os estudos foram construídos baseando-se em teorias cognitivas da psicopatologia. Os resultados evidenciaram que vítimas inocentes podem ameaçar a crença que o grupo social a que pertencem possui a respeito do mundo justo (estudo 1); e que, segundo os participantes, como o fato relatado aconteceu por culpa da vítima, eles estariam livres de situação semelhante no futuro (estudo 2). O autor discute esses resultados à luz da hipótese exposta anteriormente, a de que a injustiça observada estava relacionada à perda de controle do indivíduo envolvido na situação e não à baixa crença em um mundo justo, e que, se o causador do sofrimento fosse punido, a percepção do controle do indivíduo sobre sua própria vida se restabeleceria.

Utilizando os mesmos questionários aplicados no estudo de Hafer (2000), Correia, Vala e Aguiar (2007) realizaram uma pesquisa em que se buscava identificar o grau de ameaça que uma vítima inocente pode provocar na manutenção da crença em um mundo justo. Também procuraram saber se a categorização intergrupal "nós" e "eles" ameaçaria a manutenção da crença em um mundo justo. Especificamente, esses autores investigaram se quando os participantes eram integrantes do mesmo grupo e a vítima fosse considerada inocente, ameaçaria mais a manutenção da crença em um mundo justo, do que se a vítima fosse considerada não inocente e fosse de grupos diferentes (estudo 2). Os resultados mostraram que uma vítima inocente provoca uma maior ameaça à manutenção da crença no mundo justo, do que quando a vítima não é considerada inocente (estudo 1). No segundo estudo, observou-se que os participantes estão mais preocupados com a justiça quando confrontados com vítimas pertencentes ao seu grupo do que quando elas não fazem parte de seu grupo.

Com base no exposto, o objetivo deste trabalho consiste em analisar as relações entre o bem-estar de trabalhadores de um centro de reabilitação e readaptação da região Centro-Oeste, o lócus de controle e a adesão à crença no mundo justo.

 

Métodos

Trata-se de um estudo de caso de corte transversal e caráter descritivo.

Todos os trabalhadores ligados a um centro de reabilitação de referência da Região Centro-Oeste foram convidados a participar do estudo. O número de questionários válidos foi 146, o que corresponde a 81,1% dos trabalhadores da instituição.

Dos participantes deste estudo, 26,7% eram homens e, 73,3%, mulheres, com idades entre 21 e 50 anos (idade média= 33,21; DP= 6 anos). As mulheres eram significativamente mais velhas que os homens (Mmulheres=34,13 anos, DPmulheres= 6,21, Mhomens=30,69 anos, DPhomens= 4,73, t(143)=-3,14, p.<0,002).

No que se refere às características profissionais dos participantes, a tabela 1 mostra que 70,8% tinham curso superior. A categoria com o maior número de pessoas com curso superior foi a fisioterapia (25,7%) e, o menor número de participantes era formado em arteterapia e musicoterapia (0,7%). A única categoria profissional de nível médio foi a de técnico em enfermagem (29,2%). Os participantes tinham, em média, 9,03 anos de formados (D.P.= 4,42), trabalhavam na profissão há 8,69 anos (D.P.= 8,69) e 4,19 no centro de reabilitação (D.P.= 2,04). As mulheres trabalhavam havia mais tempo no Centro de Reabilitação que os homens (Mmulheres=4,52 anos, DPmulheres= 1,85, Mhomens= 3,25 anos, DPhomens=2,25, t(143)=-3,47, p.<0,001).

 

 

O instrumento utilizado compõe-se de quatro seções: A primeira apresenta perguntas sobre as características sociodemográficos: sexo, idade, curso de formação, tempo de formado, tempo de atuação na profissão, tempo de atuação no centro de reabilitação estudado;

Na segunda seção, apresenta-se a escala de bem-estar físico e psicológico composta por 32 itens, a serem respondidos em uma escala de formato Likert (1970), variando de 1 (nunca percebe essa situação) a 7 (sempre percebe essa situação). Esta escala foi desenvolvida para o Centro Nacional de Estatística sobre Saúde, nos Estados Unidos da América, por Fazio (1977). Como exemplo de seus itens, temos: você tem estado nervoso?; você tem se sentido triste, desencorajado(a), desesperançado(a) ou tido muitos problemas que lhe trazem preocupação? No Brasil, esta escala tem sido utilizada nos estudos de Ferreira e Torres (2001), Lima Paula e Torres (2001) e Rabelo e Torres (2005). Em todos eles, as análises fatoriais mostraram que, da mesma forma como aconteceu no trabalho de Fazio (1977), a melhor organização dos itens é em único fator. Assim, neste trabalho, os itens dessa escala também foram submetidos a análise fatorial pelo método dos componentes principais (Maroco, 2003), cujo resultado produziu um único fator que explica 27% da variância e cujo coeficiente de fidedignidade (alfa de Cronbach) é igual a 0,89. Os itens dessa escala foram aglutinados em uma única variável denominada de "índice de bem-estar", utilizando-se para tanto sua média aritmética.

A escala de lócus de controle especialmente desenvolvida para este trabalho, apresenta-se na terceira seção e baseia-se no instrumento proposto por Rotter (1966) e aprimorado por Levenson (1973; 1974; 1981), compõe-se de dezesseis itens em formato Likert (1970), variando de 1 (concordo plenamente) a 7 (discordo plenamente). Esta escala foi testada anteriormente em um estudo piloto realizado com estudantes universitários da área da saúde com perfil semelhante ao da população estudada neste trabalho. Segundo análise fatorial utilizando o método dos componentes principais (Maroco, 2003), a melhor solução para esses itens foi a de dois fatores, com KMO = 0,25 e teste de esfericidade de Bartlett = 309,30, p. <0,001. O fator 1 explicou 16,35% da variância dos itens, e o fator 2 foi responsável por 14,28%, perfazendo um total de 30,63%. O primeiro fator aglutinou nove itens referentes ao lócus de controle interno e obteve o alfa de Cronbach igual a 0,56. O fator 2 era formado por sete itens relacionados ao lócus de controle externo e seu alfa foi igual a 0,60. Os itens de cada fator foram aglutinados em duas variáveis, denominadas "lócus de controle interno" e "lócus de controle externo" respectivamente.

A quarta seção apresenta a escala de crença no mundo justo, especialmente desenvolvida para este trabalho, com base no instrumento desenvolvido por Lemes (2004) e utilizado por Torres e Faria (2008), compõe-se de dezoito itens em formato Likert (1970), variando de 1 (concordo plenamente) a 7 (discordo plenamente). Assim como a escala de lócus de controle, a de crença no mundo justo foi testada anteriormente em um estudo piloto com estudantes universitários da área da saúde, com perfil semelhante ao da população estudada neste trabalho. Os dados resultantes da análise fatorial, utilizando o método dos componentes principais (Maroco, 2003), indicou que a melhor solução para esses itens era a de dois fatores, com KMO=0,61 e teste de esfericidade de Bartlett = 351,400, p.<0,01. O fator 1 explicou 14,31% da variância dos itens, e o fator 2 12,33%, perfazendo o total de 26,64% da variância explicada dos itens. O fator 1 aglutinou oito itens de alta crença no mundo justo e obteve o alfa de Cronbach de 0,57. Para o fator 2, formado por sete itens de baixa crença, o alfa foi igual a 0,48. Três itens foram eliminados porque não alcançaram o ponto de corte das cargas fatoriais, fixado em 0,30 (Maroco, 2003). Os itens dos dois fatores foram aglutinados em duas variáveis, denominadas "alta crença no mundo justo" e "baixa crença no mundo justo" respectivamente.

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa local, protocolo n. 014/09, e os participantes do estudo, após os esclarecimentos iniciais, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Participaram do estudo todos os trabalhadores do Centro pesquisado que assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e lhes foi assegurado o sigilo dos dados e a possibilidade de retirada do consentimento a qualquer momento do processo.

Os questionários foram respondidos, individualmente, em aplicações coletivas, em uma sala ampla e com luminosidade suficiente, no local e horário de trabalho dos participantes, seguindo uma instrução comum a toda a aplicação. Os profissionais levaram, em média, vinte minutos para respondê-los.

Para a análise descritiva dos resultados foram calculados as médias e desvio padrão das variáveis sócio demográficas, e foram calculados testes T para uma amostra (Maroco, 2003) tendo como valor de teste o ponto médio de cada escala utilizada neste estudo (4,0). Considerou-se significativo o intervalo de confiança de p ≤ 0,05.

Para avaliar as relações entre as variáveis crença no mundo justo e lócus de controle procedeu-se o cálculo da correlação produto momento por meio da técnica estatística r de Pearson entre cada par dessas variáveis. A luz do estudo de correlação realizado procedeu-se a realização de uma regressão múltipla pelo método stepwise (Maroco, 2003) para avaliar o poder preditivo dos diferentes níveis de adesão à crença no mundo justo e os diferentes tipos de lócus de controle sobre o índice de bem-estar relatado pelos trabalhadores.

 

Resultados

Inicialmente foram calculados testes T para uma amostra (Maroco, 2003) tendo como valor de teste o ponto médio de cada escala utilizada neste estudo (4,0) e todas as variáveis demonstraram-se fortemente significativas (p≤ 0,000). Como se pode observar, o índice de bem-estar dos participantes (5,50) foi significativamente mais elevado que o ponto médio da escala. O nível de adesão à alta crença no mundo justo (6,18) foi significativamente mais elevado que o ponto médio da escala. Em relação ao índice de baixa crença no mundo justo (4,89), embora estivesse apenas um pouco acima do ponto médio da escala, sua diferença foi significativa. O lócus de controle externo (4,90) também estava significativamente acima do ponto médio da escala e o lócus de controle interno foi o que apresentou menor adesão com média igual a 3,23, significativamente abaixo do ponto médio da escala.

Investigando as relações entre crença no mundo justo e lócus de controle, calculou-se o r de Pearson entre cada par dessas variáveis, mas os resultados não foram significativos, o que significa que são construtos independentes (Tabela 2). Contudo, o estudo correlacional demonstrou associação significativa entre o lócus de controle externo, alta e baixa crença no mundo justo e bem-estar. Esses dados indicam que embora crença no mundo justo e lócus de controle se configurem como construtos independentes, ambos relacionam-se significativa e diretamente com a percepção de bem-estar dos trabalhadores.

 

 

O próximo passo na análise dos resultados encontrados foi investigar, por meio de uma regressão múltipla (Tabela 3), pelo método stepwise (Maroco, 2003), as relações existentes entre o índice de bem-estar, os diferentes níveis de adesão à crença no mundo justo e os diferentes tipos de lócus de controle.

 

 

Como se pode observar na Tabela 3, a crença no mundo justo não exerceu nenhuma influência no bem-estar dos trabalhadores da área da saúde do centro de reabilitação estudado. No que se refere ao lócus de controle interno, a relação foi negativa: quanto maior a percepção do trabalhador de que o resultado do seu trabalho dependerá do seu próprio empenho, menor o seu bem-estar. Com o lócus de controle externo, a relação foi inversa: quanto maior a percepção dos participantes de que o resultado do seu trabalho dependerá de outros fatores, além do próprio esforço, maior o seu bem-estar.

 

Discussão

A proposta deste trabalho foi a de analisar o bem-estar dos trabalhadores da saúde vinculados a um centro de reabilitação e readaptação, relacionando-o com o lócus de controle e com a adesão à crença no mundo justo. De uma maneira geral, os participantes deste estudo apresentaram alto nível de bem-estar, baixo lócus de controle interno, alto lócus de controle externo e alta crença no mundo justo.

Um resultado que chama atenção é a relação positiva entre lócus de controle externo e bem-estar, e a relação negativa entre lócus de controle interno e bem-estar (Tabela 3). Os estudos que relacionam lócus de controle e bem-estar falam da percepção do indivíduo acerca do controle/responsabilidade por sua saúde ou por problemas que esteja vivenciando (Lazarus & Folkman, 1984). No caso estudado, a percepção refere-se a eficácia profissional do entrevistado, ou seja, se ele se percebe responsável pela melhora de seu paciente. Como o paciente atendido no centro estudado tem uma condição, até certo ponto, limitada em termos de ganhos funcionais, torna-se difícil para o profissional assumir, isoladamente, a responsabilidade pela sua melhora. Por isso, o compartilhamento de responsabilidades acaba sendo a saída mais saudável para ele. Esse achado corrobora os estudos de psicopatologia descritos anteriormente, segundo os quais o lócus de controle interno na percepção dos problemas correlaciona-se com maiores índices de depressão e ansiedade (Achenbach, 1991; Zanini & Forns, 2005). Assim, sentir-se responsável pela melhora do paciente com comprometimentos funcionais importantes, cujos ganhos podem ser precários em virtude de sua própria lesão, pode realmente ser ameaçador ao bem-estar do profissional envolvido com o tratamento.

Esse resultado sem dúvida é o melhor tendo como foco a manutenção da saúde dos participantes, uma vez que retira do trabalhador a percepção de controle ou de responsabilidade pela melhora do estado de saúde do paciente e se relaciona com melhores índices de bem-estar e saúde mental conforme apontado em estudos anteriores. Cabe ressaltar, porém, que, com base na perspectiva organizacional o resultado pode ser discutido por outro âmbito, considerando o estudo realizado por Maciel e Camargo (2010). Este estudo, realizado em empresas de pequeno porte com atuação na área de varejo de vestuário de Curitiba, buscou indentificar a relação entre comportamento empreendedor, lócus de controle e desempenho organizacional. A pesquisa apontou que empreendedores que apresentavam lócus de controle externo tinham desempenho inferior em relação a média de desempenho da amostra. Os empreendedores com lócus de controle interno estavam mais atentos às oportunidades do mercado que poderiam fazer aumentar a possibilidade de atingir seus objetivos dispendendo, assim, maiores esforços para alcançar tais propósitos.

Estabelecendo um paralelo com a realidade vivenciada nesse estudo, empresas que possuem em seu quadro de pessoal profissionais com elevado lócus de controle externo podem apresentar dificuldades como elevada culpabilização de terceiros (estrutura física, seu gestor ou ainda colegas de trabalho) no desenvolvimento de seu trabalho, responsabilizando-os pelos seus insucessos. De maneira mais ampla, o não interesse dos profissionais em buscar meios de auxiliar a empresa em sua autosustentabilidade (situação almejada pela alta direção da instituição em tela nesse estudo).

Contudo, no presente estudo ressalta-se a importância dos dados obtidos, uma vez que a avaliação errônea da situação estressante vivenciada poderia levar os indivíduos a um enfrentamente equivocado e, também, comprometedor de sua saúde. Nesse sentido, a percepção do lócus de controle externo dos participantes parece ser a apreciação mais acertada, pois a intervenção que realizam efetivamente tem alcance limitado. Assim, cabe discutir também o perfil específico da empresa analisada e, da mesma forma, o trabalho realizado pelos profissionais estudados, pois a atribuição ao profissional da responsabilidade pelo problema do paciente, assim como pela sua melhora pode, em muitos casos, não ser verdadeira. Esse dado aponta para a necessidade de análise dos processos de saúde e doença relacionados aos ambientes de trabalho a luz das características específicas deste ambiente, da função desempenhada e da personalidade do trabalhador.

No tocante à falta de resultados significativos na relação entre crença no mundo justo e bem-estar, há duas hipóteses explicativas. A primeira refere-se a problemas na mensuração do construto, haja vista que os índices de fidedignidade, medidos pelo alfa de Cronbach, foram muito baixos.

A segunda, de cunho mais teórico, relaciona-se à própria conceituação de crença no mundo justo. Nos estudos revisados, esse construto é mensurado em relação à organização da sociedade/mundo. Como se pode observar na definição de Lerner (1980), pessoas que têm internalizada a crença no mundo justo são aquelas que acreditam que se recebe aquilo que ocorre por mérito e, também, que se são castigadas, o foram por merecimento.

No entanto, neste estudo, a crença no mundo justo foi mensurada em um nível mais individual, com pacientes concretos, com os quais os participantes lidam diariamente e, portanto, eles são passíveis de envolvimento emocional. Nos estudos revisados, fala-se de situações genéricas, abstratas e hipotéticas.

Por outro lado, pode-se estabelecer um paralelo entre os resultados do presente trabalho e os encontrados por Tomaka e Blascovich (1994), em estudo no qual os participantes que apresentaram elevada crença no mundo justo avaliaram situações estressantes diárias como algo desafiador. Talvez os participantes deste estudo percebessem as situações estressantes, com as quais lidam diariamente, como desafios e não apenas como dificuldades profissionais. Essa possibilidade poderá ser investigada em estudos posteriores que analisem os problemas específicos enfrentados pelos trabalhadores de uma unidade de saúde, com as características como as do centro estudado, e as implicações que a vivencia destes problemas tem para a saúde dos trabalhadores, a luz da percepção de controle do problema e crença de que cada um vivencia o problema que merece (conforme postulado pela teoria da crença no mundo justo).

Embora o presente estudo auxilie no entendimento das variáveis envolvidas no adoecimento dos profissionais de saúde e, mais especificamente, em como crenças individuais (de lócus de controle e do mundo justo) podem estar envolvidas com o autorrelato de bem-estar em trabalhadores da saúde, existe a limitação do corte metodológico utilizado. Trata-se de um estudo transversal em que a coleta de dados foi realizada em um único momento. Assim, os dados apresentados devem ser analisados com cautela tendo em vista a possibilidade de colinearidade das variáveis. Estudos futuros sobre o tema poderiam utilizar metodologia longitudinal a fim de controlar tais influencias.

 

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Endereço para contato
E-mail: deazanini@yahoo.com

Recebido em 15/12/2010
Aceito em 10/09/2012

 

 

Juliana Xavier Santos: Psicóloga. Mestre em Psicologia. Psicóloga do Centro de Reabilitação e Readaptação Dr. Henrique Santillo (Crer).
Ana Raquel Rosas Torres: Psicóloga. Doutora em Psicologia. Professora Adjunta da Universidade Federal da Paraíba.
Daniela Sacramento Zanini: Psicóloga. Doutora em Psicologia. Professora Adjunta da Pontifícia Universidade Católica de Goiás.