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Aletheia
Print version ISSN 1413-0394
Aletheia vol.53 no.1 Canoas Jan./June 2020
ARTIGOS EMPÍRICOS - PROMOÇÃO DA SAÚDE
Análise do rastreamento oportuno da sífilis no pré-natal de baixo risco
Analysis of timely syphilis screening in low-risc prenatal
Luiz Gustavo Fernandes da Rosa1; Franciele Souza Santos2; Cristiane de Mello Vatam3; Maria Renita Burg4; Miria Elisabete Bairros de Camargo5
Universidade Luterana do Brasil-Canoas/RS
RESUMO
Este estudo teve como objetivo analisar a oferta oportuna do rastreamento da sífilis durante a gestação, no primeiro e terceiro trimestre. Trata-se de um estudo de abordagem quantitativa, transversal e descritivo, realizado com base em 41 registros de gestantes acompanhadas no Prénatal de baixo risco da Unidade Básica de Saúde União, entre junho de 2016 e junho de 2017. Observou-se que os enfermeiros solicitaram mais frequentemente o Teste Rápido – TR em 65,9% e o exame de VDRL em 46,3%, no primeiro trimestre, enquanto no terceiro trimestre os médicos solicitaram o TR em 26,8% e VDRL em 63,4%. Os TR apresentaram-se reagentes em 4,88% no primeiro trimestre, enquanto o VDRL apresentou-se regente em 2,44% neste mesmo período e, em 4,88% no terceiro trimestre.Constataram-se fragilidades no acompanhamento gestacional e oferta não oportuna do rastreamento, indicando a necessidade de investimento em estratégias de promoção e educação em saúde para combater o problema.
Palavras-chave: Sífilis; Gravidez; Programa de Rastreamento.
ABSTRACT
This study aimed to analyze the timely deployment of syphilis screening during pregnancy, both in the first and third trimesters. This is a quantitative, cross-sectional and descriptive study based on 41 records of pregnant women monitored in low-risk prenatal care at UBS (Primary Health Care Unit) União, between June 2016 and June 2017. We observed that nurses have requested the Rapid Test – RT more frequently, at 65.9%, and the VDRL test at 46.3%, in the first trimester, while in the third trimester physicians have requested the RT in 26.8% of the cases and VDRL in 63.4%. RTs were 4.88% reagent in the first trimester, while VDRL was 2.44% reagent in the same period and 4.88% in the third trimester. We found a few vulnerabilities concerning pregnancy follow-ups and the untimely deployment of screenings, indicating the need for investments in health promotion and awareness strategies in order to address this issue.
Keywords: Syphilis; Pregnancy; Mass Screening.
Introdução
Ao longo dos anos a sífilis vem impondo desafios à humanidade, silenciosamente, acometendo os mais diversos grupos populacionais em todo o mundo e estabelecendo graves complicações à saúde das pessoas(Vázquez, 2018). Causada pela transmissão do agente etiológico Treponema Pallidum, a condição se caracteriza pela evoluçãoinsidiosa, sinais e sintomas pouco alarmantes e grave acometimento de diversos sistemas e órgãos do corpo humano, quando não diagnosticada e tratadaoportunamente(Shahrook, Mori, Ochirbat& Gomi, 2014).
A sífilis possui uma longa história de resistência às frequentes tentativas da ciência para a sua eliminação (Cardoso, Araújo, Cavalcante, Frota& Melo, 2018) e, ainda hoje, mesmo diante dos grandes avanços obtidos para o seu controle, é possível observar padrões preocupantes de distribuição entre os indivíduos, com atenção especial às gestantes, que estão associadas ao risco de transmissão vertical ao bebê. Evento este, que determina a Sífilis Congênita (SC), sendo a transmissão passível de ocorrer em qualquer fase da gestação, mantendo relação de dependência com o estado de infecção - quanto mais recente, mais grave é o acometimento do concepto (Ministério da Saúde, 2017).
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que 1,36 a 2,0 milhões de gestantes são afetadas anualmente, o que colabora para que a SC sejamaiscomum que a infecção perinatal pelo Vírus da Imunodeficiência Humana(Arnesen, Serruya& Duran, 2015). As crianças provenientes de gestações acometidas pela doença podem apresentar a Sífilis Congênita Precoce (SCP), em que o início dos sinais e sintomas ocorre logo após o nascimento ou até os 24 meses de vida, com possibilidade de associação à prematuridade e baixo peso ao nascer, além de outras manifestações orgânicas. Ademais, nos casos em que a infecção do feto for branda ou, a infecção materna for de longa data, a criança pode desenvolver a Sífilis Congênita Tardia (SCT), manifestando-se a partir dos 24 meses de vida, com tíbia em "lâmina de sabre", alterações na estrutura do crânio, face, arcada dentária e dentição, problemas auditivos e de aprendizagem (Ministério da Saúde, 2017).
As condutas diagnósticas, os sinais e sintomas e, o tratamento da doença em gestantes não diferem dos demais grupos acometidos; fator que revela a simplicidade do manejo dos casos e prevenção da SC(Damasceno et al., 2014). No entanto, em consulta aos dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde no mais recente Boletim Epidemiológico da Sífilis, o Brasil apresentou uma taxa de incidência de SC de 8,6/1.000 nascidos vivos no ano de 2017 e, o Estado do Rio Grande do Sul apresentou 14,2/1.000 nascidos vivos, sendo o terceiro estado com maior incidência da condição, ficando atrás apenas do Rio de Janeiro e Pernambuco (Ministério da Saúde, 2018). Estes elevados índices de SC sugerem o comprometimento da qualidade do acompanhamento Pré-natal na Estratégia Saúde da Família (ESF), já que mesmo frente ao aumento observado em sua cobertura, os números continuam alarmantes(Soares et al., 2017).
O acompanhamento Pré-Natal, por sua vez, constitui ferramenta valiosa para o desenvolvimento de uma gestação saudável e livre de complicações, neste contexto, as ações de rastreamento, prevenção e tratamento de Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST), incluindo a sífilis, devem ser oportunas e resolutivas, principalmente na Atenção Primária à Saúde –APS(Figueiredo et al., 2015). Durante o Pré-Natal de baixo rico, o Ministério da Saúde estabelece que o rastreamento da sífilis deva ser ofertado à mulher no primeiro e no último trimestre de gestação de forma oportuna, por meio do uso do Teste Rápido (TR) para Sífilis e do VDRL como exame confirmatório, ficando sob a responsabilidade da equipe o acompanhamento dos casos diagnosticados, não havendo a necessidade de aguardar o resultado do VDRL para o início do tratamento quando o TR for reagente; compreendendo também,emimportantes instrumentos de avaliação da qualidade dos serviços ofertados à saúde materno-infantil (Ministério da Saúde, 2016).
No município de Canoas, estado do Rio Grande do Sul (Canoas/RS), entre os anos de 2016 e 2017 foram diagnosticados 423 casos de sífilis em gestantes e 302 casos de sífilis congênita (Ministério da Saúde, 2018), demonstrando ser este um problema que exige a atenção do serviço público de saúde. Frente a esta realidade, é evidente a necessidade do aprofundamento técnico-científico sobre os serviços de saúde e as ações profissionais em relação à prevenção e rastreamento da sífilis durante o Pré-Natal, que devem subsidiar o tratamento e controle efetivo dos casos, sendo tão importante quanto à investigação sobre os aspectos mais biomédicos e positivistas relacionados à doença.
Compreendendo a complexidade deste assunto, a pesquisa teve como questão: as equipes de saúde da família estão oferecendo o rastreamento da sífilis às gestantes no primeiro e terceiro trimestre de forma oportuna? Com base neste questionamento, o estudo objetivou analisar a oferta oportuna do rastreamento da sífilis durante a gestação, no primeiro e terceiro trimestre.
Método
Trata-se de um estudo de abordagem quantitativa, transversal e descritiva, que foi realizado no município de Canoas/RS, entre os meses de junho e julho de 2018, no qual foram analisados os registros do acompanhamento de usuárias gestantes no serviço de Pré-natal de baixo risco ofertado pelas Equipes de Saúde da Família (eSF) da Unidade de Saúde União (US União), do bairro Mathias Velho.
A amostra do estudo foi composta por registros do acompanhamento Pré-Natal de baixo risco de 41 gestantes, que foram selecionados de acordo com os critérios de inclusão e exclusão. Assim, considerou-se para este estudo os registros do acompanhamento Prénatal de baixo risco realizado pelas ESFs entre os meses de junho de 2016 a junho de 2017, de gestantes que iniciaram e terminaram o acompanhamento neste período, que iniciaram o acompanhamento Pré-natal no primeiro trimestre, que não tiveram aborto e não tiveram mudança de endereço da área adstrita pela USF União. Foram excluídos do estudo aqueles registros de acompanhamento Pré-natal de baixo risco que foram ofertados paralelamente às consultas realizadas em consultórios e clínicas particulares.
A coleta dos dados foi realizada pelo pesquisador principal e colaboradores, sendo procedida uma primeira avaliação dos Indicadores de Acompanhamento Gestacional (IAG) – instrumento de vigilância do Pré-Natal de baixo risco, utilizado por cada ESF da unidade, as quais são em número de sete. A partir destes registros foram selecionados os casos acompanhados no Pré-natal de baixo risco para o estudo, conforme os critérios de inclusão e exclusão previamente traçados. Com base neste primeiro levantamento, obtiveram-se os prontuários dos casos selecionados para a investigação,a qual ocorreu em conjunto com os registros dos IAG e da lista de registros do serviço de testes rápidos da unidade, conforme um instrumento de coletas de dados elaborado pelo pesquisador, com base nas variáveis do estudo - dados sócios demográficos das usuárias acompanhadas, história de DST e investigação da sífilis no acompanhamento Pré-Natal de forma oportuna (testes rápidos e VDRL) e, efetividade dos registros dos acompanhamentos.
Com o preenchimento dos instrumentos de coleta de dados, foi procedida uma análise inicial do material, para averiguação de possíveis erros na coleta dos dados,seguida da realização de dupla digitação destes em planilhas do Software Microsoft Office Excel 2016, a fim de evitar o viés de digitação. Após este primeiro processo, de posse dos dados extraídos dos registros, um banco de dados foi elaborado e submetido à análise estatísticautilizando o Software StatisticalPackage for the Social Sciences (SPSS), sendo as variáveis descritas através de porcentagens.
A pesquisa foi desenvolvida por Residentes em Saúde Comunitária, que atuaram na US União, sob orientação de Mestres da Residência Multiprofissional em Saúde Comunitária. Todos os dados coletados e estudados foram utilizados apenas para a finalidade de pesquisa, assegurando o direito de anonimato das informações de identidade presentes nos documentos selecionados. Este estudo faz parte de um projeto mais abrangente, intitulado "Avaliação da qualidade de assistência prestada à mulher nas Unidades de Saúde da Família da US União e US Fátima do município de Canoas"e,foi apreciado e aprovado pelo Núcleo Municipal de Educação em Saúde Coletiva do município de Canoas/RS e pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Luterana do Brasil - Canoas, nº do CAAE 73771717.3.0000.5349, sob o parecer de nº 2254561, respeitando às diretrizes e normas da Resolução CNS nº 466/12.
Resultados
No estudo, foram analisados os registros de 41 gestantes acompanhadas no Pré-natal de baixo risco pelas ESF, em sua maioria com faixa etária entre 21 e 30 anos (56%), sendo 23 casadas (56,10%) e 21 com ensino médio incompleto (29,2%). Ainda, em relação à raça, foi possível observar que 15 gestantes eram brancas (36,6%), 12 negras (29,3%) - pretos e partos conforme critério do Instituo Brasileiro de Geografia a Estatística (IBGE), em 14 casos a raça/cor não foi identificada ou foi ignorada.
Quanto à ocupação, 4 usuárias eram do lar e 3 eram vendedoras, havendo também a ocorrência de registros de atendente de padaria, auxiliar de limpeza, cobradora de ônibus, fotógrafa, manicure e operadora de máquinas; porém, em 28 casos, a informação foi ignorada.
A maioria das usuárias acompanhadas no período estudado estava na terceira ou quarta gestação (41,46%), com história de até dois partos vaginais (85,36%), prevalecendo a não realização de cesárias prévias, ou realização de apenas uma (85,36%), sendo 75,61% dos casos sem aborto prévio. Ademais, no acompanhamento pré-natal foi possível observar que em 41,46% dos casos foram realizadas entre 6 e 9 consultas e, em 46,34% foram realizadas mais de 10 consultas. Entretanto, ao analisar os dados referentes às consultas, segregando as ofertadas por médicos daquelas ofertadas pelos enfermeiros, constatou-se que estes últimos realizaram com mais frequência até 2 consultas, enquanto os médicos realizaram com mais frequência 8 a 9 consultas ao longo de todo o acompanhamento pré-natal de baixo risco.
Em relação à requisição do rastreamento, no primeiro trimestre os enfermeiros solicitaram mais frequentemente o TR (65,9%) e o exame de VDRL (46,3%), enquanto no terceiro trimestre os médicos realizaram mais frequentemente a solicitação de TR em 26,8% dos casos e VDRL em 63,4%. Os TR apresentaram-se reagentes em 4,88% no primeiro trimestre, sem evidências de TR reagentes no terceiro trimestre gestacional, já os exames VDRL apresentaram-se regentes em 2,44% no primeiro trimestre e, 4,88% reagentes no terceiro trimestre.
Com maior atenção à história de infecções sexualmente transmissíveis (IST), evidenciou-se um caso de HPV e outro de Sífilis. Ao observar a associação dos resultados referente à investigação da Sífilis no acompanhamento Pré-Natal com a história de IST, foi possível a constatação de que entre as duas gestantes acometidas, um caso foi reagente no TR e não reagente ao VDRL no primeiro trimestre, demonstrando ser este um caso de cicatriz sorológica, enquanto em relação ao outro não foram encontrados registros mais aprofundados da investigação e condutas para sífilis. Além disso, entre as gestantes sem história de IST, 2,6% dos casos apresentaram TR e VDRL reagentes no primeiro trimestre e 5,3% dos casos foram VDRL reagentes no terceiro trimestre, caracterizando elevado risco para sífilis congênita.
Os registros das informações referentes às solicitações dos exames de rastreamento e os seus resultados, apresentaram-se completos em 36 (87,8%) prontuários e em 37 (90,2%) instrumentos do IAG, enquanto apenas 14 (34,1%) casos apresentavam registro completo de informações na lista de registros do serviço de testes rápidos da unidade.
Discussão
O perfil das gestantes acompanhadas no Pré-natal de baixo risco, no recorte de tempo realizado, chama atenção para o fato de que a faixa etária, baixos níveis de escolaridade e as características étnicas e raciais encontradas na amostra têm sido fatores considerados preocupantes em estudos que versam sobre o tema, estando relacionados à maior incidência de infecção gestacional pela sífilis e comprometimento dos trabalhos de prevenção da SC(Barbosa, Almeida, Silva, Araújo& Santos, 2017; Cavalcante, Pereira& Castro, 2017). Outro importante aspecto a ser considerado constitui a situação conjugal, que pode impor desafios ao adequado acompanhamento das gestantes com sífilis, já que a condição só é considerada efetivamente tratada quando o parceirofor contemplado pelas condutas de rastreamento etratamento(Lafetá, Martelli, Silveira& Paranaíba, 2016).
Tal contexto exige a qualificação do profissional de saúde para o enfrentamento dos estigmas sociais que cercam as IST e que, por vezes, dificultam o adequado manejoe resolução do problema junto ao parceiro(Figueiredo et al., 2015); visto que a sua abordagem pode desencadear consequências negativas como a violência doméstica(Shahrook et al., 2014). A aproximação com os homens, ao longo do acompanhamento gestacional enfrenta diversas barreiras de cunho relacional entre os gêneros, ainda muito presentes na sociedade. Ambiente este em que a masculinidade hegemônica prevalece como ordenadora de desigualdades e estereótipos ligados aos serviços de APS como espaços femininos que, quando associados à barreiras organizacionais dos serviços, contribuem consistentemente para o afastamento do autocuidado em saúde(Rocha, Santos, Freire& Pizzinato, 2018).
Neste estudo, tambémestá evidente o elevado número de casos em que o registro da ocupação foi ignorado no acompanhamento Pré-natal, demonstrando a reduzida atenção que vem sendo conferida a esta dimensão da vida das gestantes pelos profissionais. Tal desinteresse vai de encontro ao estabelecido no Protocolo de Saúde da Mulher do Ministério da Saúde, que aponta para a relevância da investigação da ocupação no âmbito da assistência Pré-natal, já que pode determinar uma variedade de riscos ao bom desenvolvimento da gestação, como esforço físico excessivo, carga horária extensa, alta rotatividade de horários, estresse, exposição a agentes químicos, físicos e, principalmente, biológicos (Ministério da Saúde, 2016).
Em associação ao supracitado constata-se, ainda, um elevado número de gestações prévias entre as mulheres acompanhadas pelas equipes e, mesmo estando relacionadas a um reduzido número de cesárias e abortos, este cenário traduz a existência de fragilidades nas atividades de educação em saúde sexual e reprodutiva junto à população adstrita. Este achado concorda com um estudo realizado nos serviços de APS do estado de São Paulo, o qual demonstrou que as unidades de saúde estudadas alcançaram um desempenho de apenas 56,8% na dimensão Saúde Sexual e Reprodutiva com base na Avaliação da Qualidade da Atenção Básica nos municípios (QualiAB), indicando uma atuação incipiente neste nível de atenção(Nasser, Nemes, Andrade, Prado& Castanheira, 2017). Diante disso, é interessante salientar a importância do planejamento reprodutivo, o qual se baseia na garantia do direito às mulheres e homens de usufruir de uma vida sexual saudável e segura, com total autonomia para decidir sobre a reprodução, condição que se sustenta em ações de promoção e educação em saúde de qualidade (Ministério da Saúde, 2016).
Sobretudo, as ações de educação em saúde e prevenção do adoecimento ocupam espaço de destaque entre as atividades de combate à sífilis e demais IST, entretanto é perceptível a vigência de desconfortos na atuação dos profissionais no que concerne ao trabalho sobre asexualidade(Rodrigues et al., 2016).Promover saúde neste sentido, requer o reconhecimento da necessidade de aprimoramento da capacidade de aproximação do território e participação social, abordando as distintas especificidades que definem a complexidade da saúde sexual e reprodutiva, enfatizando não apenas a vulnerabilidade, mas também os direitos e as relações de gênero (Nasser et al., 2017);sem esquecer dedesenvolver mecanismos de inclusão dos homens no Pré-natal, desmistificando a sua participação nos cuidados gestacionais (Rocha et al., 2018). O enfermeiro, enquanto profissional integrante da eSF, possui competência técnica para o desenvolvimento de ações educativas e, neste sentido, vem demonstrando-se essencial no trabalho sobre as IST, com atenção à sífilis ao nível individual e coletivo, colaborando de forma eficiente na prevenção da doença(Rodrigues et al., 2016).
No entanto, conforme os dados analisados, mesmo que as equipes tenham ofertado o número mínimo de seis consultas para a maioria dos casos, conforme recomendação do Ministério da Saúde para o acompanhamento Pré-natal de baixo risco (Ministério da Saúde, 2016), é evidente que o enfermeiro não se encontra devidamente inserido em atividades que lhe permitam colaborar na resolução dos problemas que envolvem a sífilis gestacional e congênita de forma efetiva, já que suas consultas se restringem a apenas duas ao longo de todo o acompanhamento. Para Périco (2017), a assistência à gestante deve garantir a atenção integral sustentada pelo trabalho interdisciplinar em consultas intercaladas entre enfermeiro e médico ao longo de todo o acompanhamento. As consultas conduzidas pelo Enfermeiro discorrem sobre aspectos clínicos e educativos apoiados no processo de enfermagem, estabelecendo cuidados direcionados às necessidades das mulheres no Pré-natal de baixo risco.
Outrossim, constatou-se que na realidade estudada, os enfermeiros procederam com maior frequência à requisição do rastreamento da sífilis quando comparado aos médicos, principalmente o TR, disponível na unidade para a oferta oportuna no momento da consulta,mesmocomumreduzido número de encontros com as gestantes.Estes momentos podem estar relacionados à consulta inicial do Pré-natal, em que o enfermeiro utiliza ferramentas assistenciais para avaliar cada caso e os possíveis riscos gestacionais, procedendoaocadastramento no Pré-natal, ofertada carteira da gestante e solicitação de exames que melhor orientem as ações e os cuidados gestacionais, entre eles, o rastreamento das IST, teste rápido para sífilis e VDRL (Périco, 2017).
Um estudo realizado por Bagatini (2014) em municípios vizinhos, também demonstrou uma maior concentração da responsabilidade pela realização dos testes rápidos nos enfermeiros, como parte de suas consultas. Reconhecendo que estes profissionais se encontram, com mais frequência, capacitados para a oferta do rastreamento da sífilis, considera-se a sua atuação primordial no acompanhamento da gestante, colaborando ativamente para a efetividade das estratégias de combate da sífilis ao longo do período gestacional(Lopes et al., 2016)
Mesmo com isso, os dados demonstram que nem todas as mulheres receberam o rastreamento de forma homogênea, sendo que entre os exames solicitados, foi possível observar que não houve TR reagentes no terceiro trimestre, enquanto o VDRL apresentouse reagente em 4,88% neste mesmo período gestacional.Realidade que torna plausível a constatação de um comprometimento do adequado rastreamento da sífilis no Pré-natal, aumentando o risco para SC, especialmente, quando se observa uma maior concentração de consultas médicasacompanhadas de baixos níveis de requisições de TR pelos médicos.Afirmação que sefundamenta no fato de que o VDRL compreende um exame nãotreponêmico, o qual apresenta limites que dificultam a sua atuação como primeira opção para o rastreamento, já que exige aparato laboratorial e um período maior de tempo para a obtenção de resultados(Shahrook et al., 2014), por vezes, determinando que uma grande parcela das mulheres não receba os resultados até ofinal da gestação(Cardoso et al., 2018), sendo possível o diagnóstico apenas no momento do parto ou curetagem. Diferentemente dos testes treponêmicos (testes rápidos), que podem ser ofertados de forma oportuna, facilitando o rastreamento e a abordagem efetiva dos casos positivos(Shahrook et al., 2014).
Além disso, quando relacionados os dados de história clínica de IST e o rastreamento da sífilis observa-se a existência de um caso de cicatriz sorológica, que é confirmada pelo exame de VDRL ao apresentar baixa titulação de anticorpos, mesmo que o testerápido tenha sido reagente(Cardoso et al., 2018). Por outro lado, entre as gestantes sem história de IST houve um aumento dos casos em que o exame VDRL foi reagente entre o primeiro e o terceiro trimestre, compreendendo um aumento do risco para a SC. Estes dados reforçam fragilidades das equipes para a oferta oportuna do rastreamento, pois assim como no estudo conduzido por Cavalcanteetal. (2017), parece haver um aumento do diagnóstico tardio dos casos de sífilis, trazendo preocupações com relação à efetividade dos cuidados ofertados no acompanhamento Pré-natal.
As dificuldades para conter a sífilis e sua transmissão vertical residem na persistênciadeentraves no processo de rastreamento e diagnóstico precoce (Lafetá et al., 2016), o que pode estar relacionado, em certa medida, com a procura tardia do Pré-natal por algumas gestantes e a baixa resolutividade das equipes no trabalho sobre a condição(Cavalcante et al., 2017). É neste sentido, que as ações promotoras da saúde e de prevenção do adoecimento direcionadas à população devem ser valorizadas, com vistas a sensibilizar as pessoas para o empoderamento necessário ao autocuidado em saúde(Rodrigues et al., 2016). O trabalho sustentado por um conceito positivo de saúde, na promoção da saúde, ainda compreende um objetivo a ser alcançado pelas equipes, buscando uma transformação do olhar voltado essencialmente para a doença, lançando olhares direcionados à saúde. Utilizando, para isso, de ações estratégicas planejadas com base nas necessidades e demandas da população e do território em que está inserida(Pallarés, Alves, Aerts, Câmara& Tovo, 2016).
Entre as ações que permitem o melhor conhecimento das demandas da população e da realidade do território, estão os registros das ações de rastreamento que, mesmo tendoseapresentado efetivos nos prontuários das gestantes e nos IAG,demonstraram-se fragilizados no instrumento de registros dos serviços de testes rápidos da unidade. Esta realidade também foi percebidana investigação conduzida porKanyangarara, Walker & Boerma (2018) quando afirma que a eliminação da transmissão vertical da sífilis ainda é uma realidade distante, visto existir um trabalho pouco efetivo de vigilância, que se consolida nos mais diversos contexto populacionais. De forma direta, tal omissão dificulta uma interpretação mais aprofundada da realidade estudada,semelhante ao observado em outras pesquisas que discorremsobre o tema,em que a baixa qualidade das informações registradas pode serevidenciada(Cardoso et al., 2018; Cavalcante et al., 2017; Soares et al., 2017).
Os esforços empregados com vistas ao controle da doença e seus danos à gestaçãonecessitam de um maior comprometimento dos serviços, que promova assistência de qualidade às mulheres e seus parceiros, com disponibilidade de recursos de rastreamento e tratamento oportunos(Lafetá et al., 2016). A atenção primária está frequentemente mais próxima da população e, por isso, desenvolve trabalhos primordiais no enfrentamento da sífilis congênita, sendo responsável pela transformação do quadro epidemiológico local; logo, para o exercício do cuidado neste espaço, os profissionais devem estar preparados e envolvidos com atividades que sejam resolutivas e proporcionem à população a segurança necessária para enfrentamento da sífilis, com a oferta de atenção oportuna e educação em saúde(Cavalcante et al., 2017). Acima de tudo, este movimento deve estar pautado na conscientização e contribuição mútua entre os todos os envolvidos com os cuidados gestacionaisreconhecendo o potencial da atenção primária para os processos de vigilância e cuidado às gestantes no território(Lafetá et al., 2016).
Conclusão
Este estudo alcançou o seu objetivo de analisar a oferta oportuna do rastreamento da sífilis durante a gestação, com atenção ao primeiro e terceiro trimestre, conforme as recomendações do Ministério da Saúde.Sendoencontradas, ao longo da investigação, algumas fragilidades e lacunas no acompanhamento Pré-natal de baixo risco que comprometem a qualidade dos cuidados gestacionais. Tais achados chamam a atenção, poisasgestantes acompanhadas apresentam um perfil de maior risco ao adoecimento e, se encontram inseridas em uma realidade epidemiológica distinta, com elevadas taxas de sífilis gestacional e congênita no município.
Nesteinterim, emergem preocupações em relação à efetividade dos serviços ofertados pelas equipes, pois na medida que se realiza a aproximação com a prática dos profissionais, fica clara uma reduzida atenção a aspectos determinantes do processo gestacional saudável como a investigação da ocupaçãodas mulheres e, o trabalho sobre saúde sexual, reprodutiva e relações de gênero; e mesmo com a oferta de um número adequado de consultas de acompanhamento gestacional, o trabalho do enfermeiro apresentou-se restrito, dificultando a suacolaboração na promoção da saúde. Elementos estes, que exigem o aprimoramentodas práticas, reconhecendo a educação em saúde como chave na luta contra a sífilis no período gestacional e, o trabalho do enfermeiro como relevante instrumento de qualificação das ações e estratégias, na educação e promoção da saúde, rastreamento oportuno e cuidados aos possíveis casos diagnosticados, já que ficou evidente que este profissional se encontramais engajado na prevenção àdoença, solicitando o TR com mais frequência em suas consultas.
Ademais, é possível a constatação de que a oferta do rastreamento não foi realizada de forma oportuna pelos profissionais, pois mesmo que na maioria dos casos o rastreamento tenha sidoprocedido, os registros indicam a existência de um descompasso entre as atuações do enfermeiro e do médico, que culmina coma elevação dos casos de sífilis diagnosticados apenas no terceiro trimestre, aumentando o risco para sífilis congênita. Constatação plausível quando se observa uma menor oferta de TR no terceiro trimestre em relação ao VDRL, dificultando o rastreamento oportuno e cuidados resolutivos aos casos reagentes.
Soma-se a isto, ainda, a inadequada realização dos registros de rastreamento, afirmando uma omissãoem parte significativa do trabalho das equipes para com o público assistido, já que esta atividade é decisiva para a vigilância do processo saúde doença da população e seus diferentes segmentos, reconhecendo as necessidades dos indivíduos e a dinâmica da sífilis no território adscrito.As informações disponibilizadas por esta conduta, devem nortearqualquer ação ou estratégia da equipe, respondendo à realidade a que está inserida de forma eficiente e resolutiva.
Assim, cabe aqui salientar que a condução desta pesquisa encontrou algumas dificuldades, como a existência de falhas nos registros da unidade que prejudicaram a melhor interpretação da realidade estudada, além de não proceder a investigação da oferta do rastreamento ao parceiro e a frequência de sua participação nas consultas. Embora isto, estes aspectos não interferiram na constatação de que o controle da sífilis no período gestacional e as suas consequências para o feto compreende um importante objetivo a ser alcançado pelas equipes de saúde da família, requerendo a tomada de decisão pela realização de ações estratégicas direcionadas à doença; considerando a participação e envolvimento não apenas do serviço, mas também da população adstrita, em um sentido de responsabilização por um problema que é coletivo. Uma proposta de intervenção na realidade em questão seria a oferta de momentos de educação permanente e continuada aos profissionais da equipe, assim como encontros, palestras e atividades de educação em saúde na sala de espera direcionados à população assistida, com o desenvolvimento de material informativo a ser distribuído na comunidade, alertando para a doença, seus riscos, oferta do rastreamento oportuno e cuidados terapêuticos disponíveis na unidade.
Diante disto, os achados do estudo respaldam a afirmação de que é necessário o desenvolvimento de competênciasna equipe multiprofissional em saúde da família, para discussões de casos, avaliação da dinâmica da doença na população ecomprometimentocom a resolução do problema, por meio de uma olhar mais amplo, que leve em conta determinantes sociais de saúde e organizacionais dos serviços capazes de transformar o quadro epidemiológico local. Este movimentoreivindica uma união dos profissionais, gestores e da população assistida pela Atenção Primária à Saúde, somando esforços para a condução de estratégias de eliminação da transmissão econsequente garantia de gestações mais saudáveis, livres do acometimento fetal pela sífilis.
Referências
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Endereço para correspondência
E-mail:enfermeiro.luizgustavofr@outlook.com
Recebido em: janeiro de 2020
Aceito em: maio de 2020
1 Luiz Gustavo Fernandes da Rosa: Enfermeiro. Especialista em Saúde Comunitária. Universidade Luterana do Brasil - Canoas/RS. Endereço: Av. Darcy Feijó, 709 – Capão da Canoa/RS CEP: 95555-000. Contato: (51) 99654-8786.
2 Franciele Souza Santos: Farmacêutica. Especialista em Saúde Comunitária. Universidade Luterana do Brasil - Canoas/RS. Endereço: Rua Senador A. Machado, 610 - Santo Antônio da Patrulha/RS CEP: 95500-000. Contato: (51) 99717-1985.
3 Cristiane de Mello Vatam: Enfermeira. Especialista em Saúde Comunitária. Universidade Luterana do Brasil - Canoas/RS. Endereço: Vicente Celestino n 251 - Porto Alegre/RS CEP: 91180-130. Contato: (51) 99769-0785.
4 Maria Renita Burg: Enfermeira. Mestre em Saúde Coletiva e Coordenadora da Residência Multiprofissional em Saúde Comunitária da Universidade Luterana do Brasil - Canoas/RS. Endereço: Travessa Nossa Senhora de Lurdes, 230 - Porto Alegre/RS CEP: 91920-040. Contato: (51) 99956-9434.
5 Miria Elisabete Bairros de Camargo: Enfermeira. Mestre em Educação e Coordenadora da Residência Multiprofissional em Saúde da Universidade Luterana do Brasil - Canoas/RS. Endereço: Rua Marques do Herval 467-Canoas/RS CEP: 92020400. Contato: (51) 99603-0962.