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Aletheia
Print version ISSN 1413-0394
Aletheia vol.54 no.1 Canoas Jan./June 2021
https://doi.org/DOI10.29327/226091.54.1-14
DOI 10.29327/226091.54.1-14
ARTIGOS DE REVISÃO
A Psicologia na rede de atendimento à mulher em situação de violência conjugal: Uma revisão sistemática na América Latina
Psychology in the service network for women in situation of conjugal violence: A systematic review in Latin America
Thamires Pereira Barbosa 1; Patrícia Lucion Roso 2; Priscila Flores Prates 3; Adaiane Amélia Baccin 4; Leila Mara Piasentin Claro 5; Silvio José Lemos Vasconcellos 6
Universidade Federal de Santa Maria - UFSM
RESUMO
A violência contra a mulher é considerada mundialmente como um problema de saúde pública e a América Latina tem sido apontada como a região de maior incidência deste tipo de violação. Esta revisão sistemática objetivou investigar a produção científica latino-americana sobre serviços de atendimento à mulher vítima de violência que incluam psicólogos em suas equipes. Foram realizadas buscas nas bases de dados Scielo, Lilacs, e Portal Capes, com os descritores "violência contra a mulher", "violência doméstica contra a mulher", "psicologia", "psicología", "violencia contra las mujeres", "violencia doméstica contra la mujer". Considerou-se apenas artigos publicados na América Latina, nos idiomas português e espanhol, durante os últimos 5 anos. No total, 10 estudos foram analisados na íntegra. Esta revisão permitiu constatar que ainda há lacunas na rede de atendimento, que dizem respeito não apenas à atuação do psicólogo, mas também às diferentes áreas que compõem as redes de acolhimento à mulher.
Palavras-chave: violência contra a mulher; psicologia; rede de atendimento.
ABSTRACT
Violence against women is considered worldwide as a public health problem and Latin America has been identified as the region with the highest incidence of this type of violation. This systematic review aims to investigate the Latin American scientific production on care services that include Psychology professionals in their teams for women who have been victims of violence. Searches were carried out in the databases of Scielo, Lilacs and Portal Capes, with the descriptions "violence against women", "domestic violence against women", "psychology", "psicología", "violencia contra las mujeres", "violencia doméstica contra la mujer". Only articles published in Latin America, in Portuguese and Spanish, in the last 5 years, have been considered. In total, 10 studies were analyzed in their entirety. This review showed that there are still gaps in the care network of these cases, which concern not only the role of the psychologist, but also the different areas that make up the networks for the support of women.
Keywords: violence against women; psychology; service network.
Introdução
A violência contra a mulher perpetuada pelo parceiro íntimo possui índices altos de ocorrência em diferentes países, culturas e etnias. Devido ao grande número de registros, este tipo de violência passou a ser considerada, atualmente, como um problema de saúde pública (World Health Organization, 2014). Dados recentes levantados pela Organização Mundial da saúde revelaram que 30% das mulheres já sofreram violência física ou sexual por seu companheiro ao longo da vida, e os responsáveis por 38% de assassinatos de mulheres são os seus parceiros ou ex-parceiros íntimos (World Health Organization [WHO], 2014). De acordo com a Lei 11.340, conhecida no Brasil como "Lei Maria da Penha", esse tipo de violência pode ser definido como "qualquer tipo de ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial" (Lei Nº 11.340, 2006).
As políticas nacionais de proteção às mulheres implementadas na região da América Latina e do Caribe aumentaram de 24, em 2013 (74% do total), para 31, em 2016 (94%) (Organização Das Nações Unidas [ONU], 2017). Porém, estas regiões continuam sendo consideradas como as mais violentas do mundo para as mulheres. De acordo com os dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), dois em cada cinco feminicídios são decorrentes da violência doméstica, e estima-se que cerca de 30 % das mulheres já foram vítimas de violência por parte de parceiros, e 10,7% sofreram violência sexual fora do casamento (ONU, 2017). Esses dados mostram a gravidade do problema e evidenciam que as políticas de proteção precisam de maior articulação, pois não estão sendo eficazes nesse sentido (ONU, 2017).
É importante destacar que as mulheres que passam por tal situação têm a sua saúde afetada de diferentes formas, podendo desenvolver transtornos psiquiátricos, perda da autoestima, estresse pós-traumático, depressão, e até mesmo ideação suicida (Adeodato, Carvalho, Siqueira & Souza, 2005). Além desses sintomas, por conta da dependência emocional do parceiro, muitas vezes as mulheres não conseguem romper com a violência, pois se sentem culpadas pela situação e acabam não indo atrás de ajuda (Fonseca, Ribeiro & Leal, 2012; Tello, 2015).
Portanto, é indispensável uma rede de atendimento que ajude as vítimas a enfrentar tal situação e a reconhecer a violência que está vivenciando (Organización Panamericana De La Salud, 2013; Vieira, Persona & Santos, 2011; Mendonça & Ludermir, 2017). A articulação de serviços de proteção à mulher, que pode envolver o campo da saúde, o judiciário e a educação, podem auxiliar as mulheres na identificação e no rompimento da relação abusiva. (Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2011). Porém, os estudos indicam que ainda há uma dificuldade dos profissionais em identificar tais situações para executar a notificação, bem como uma resistência das mulheres em denunciar seus agressores, devido ao medo das consequências, o que acaba impossibilitando uma real visibilidade do problema (Kind et al., 2013; Barufaldi et al., 2017).
É importante que os serviços ofereçam um atendimento acolhedor e esclarecedor sobre os direitos da mulher, de forma que ela se sinta segura para revelar a situação vivenciada. Uma revisão sistemática realizada no período de 2006 a 2009, sobre a humanização do atendimento a mulheres vítimas de violência no Sistema Único de Saúde – SUS, revelou que a maior parte dos profissionais não receberam orientações para oferecer um atendimento integral, o que pode acarretar em uma revitimização das mulheres por parte das instituições (Lopes, 2016). No diz respeito à revitimização, o estudo de Barros et al. (2015) identificou que 11 mulheres que sofreram estupro e que foram atendidas em um serviço de referência para casos de violência, ao serem entrevistadas relataram se sentirem expostas à violência institucional propagada pelos funcionários da instituição.
Nesse sentido, foi definida no Brasil, em 2011, a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as mulheres, que tem como objetivo definir princípios e diretrizes que embasem ações de prevenção e de intervenção neste contexto (Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2011). Esse plano assegura o direito das mulheres que passam por tal situação a terem acesso a diferentes serviços de proteção e de atendimento, entre eles o Centro de Referência Especializado em Assistência Social, a Casa Abrigo e a Delegacia da Mulher. Esses serviços são organizados por diferentes profissionais, entre os quais o psicólogo está incluso. Nesse sentido, o Conselho Federal de Psicologia elaborou referências técnicas para os psicólogos que atuam em programas de atendimento à mulher em situação de violência (Conselho Federal de Psicologia, 2013). As diretrizes do Conselho destacam a importância de o profissional compreender a violência contra a mulher como uma questão de violência gênero, superando em sua atuação padrões rígidos de interpretação destes casos e compreendendo este problema social de forma mais ampla (Conselho Federal de Psicologia, 2013).
Considerando o exposto, percebe-se que a literatura revela a importância do serviço de Psicologia para as mulheres vítimas de violência. Porém, destaca-se que este tipo de serviço frequentemente ocorre de forma isolada nas políticas de saúde mental (Porto, 2006). Alguns estudos demonstram a importância do psicólogo no atendimento de mulheres que passam por tal sofrimento a fim de auxiliar na redução dos danos ocasionados pelos atos violentos sofridos e na prevenção de maiores danos a sua saúde (Porto, 2006; Reis 2010). Porém, Porto (2006) ressalta a importância da não "psicologização" para um problema social, e destaca em seu estudo que muitos psicólogos não conseguem compreender o seu papel no enfrentamento à violência contra a mulher por conta das dificuldades ou escassez de orientação para atuar neste contexto. Apesar do quão enfática se revela tal afirmação, ainda é possível observar, no que se refere às publicações científicas nos últimos anos, uma quantificação sobre a inserção da Psicologia.
Alguns desafios da realidade brasileira também podem ser identificados a nível internacional. Albuja (2015), por exemplo, almejou contribuir com o debate a respeito da atuação psicológica em situações de violência de gênero em Quito, na Espanha. Em sua pesquisa, foram encontradas evidências de uma visão simplista e dicotômica e l do problema. Um dos maiores desafios é a realizar novas práticas e implementar discursos que emancipem e transformem tanto usuários dos serviços quanto os profissionais. Em consonância a este achado, a pesquisa de Farinha e Souza (2016), realizada no Brasil, apresenta um relato de experiência sobre um projeto de extensão realizado em uma Delegacia Especializada de Atendimento às Mulheres (DEAMs) do interior de Goiás. Este estudo verificou como ocorre o trabalho da psicologia neste contexto, e evidenciou um número significativo de atendimentos a mulheres e também a alta incidência de crianças vítimas de violência. Sendo assim, pode-se concluir que ações deste tipo são importantes para assegurarem os direitos sociais dessa população, e precisam ser melhor compreendidas e estimuladas.
A prática do psicólogo em serviços de atendimento à mulher é realizada através de diferentes práticas e em diversos setores, muitas vezes com predomínio do atendimento clínico, em detrimento às demais intervenções (Hanada, D’oliveira & Schraiber, 2010). Essa limitação pode gerar prejuízos na integração de toda a rede de proteção às mulheres. Diante do exposto, considera-se necessário investigar quais os diferentes tipos de intervenção possíveis neste contexto, além de formas efetivas de realizá-las. O objetivo desta pesquisa realizada na América-latina é guiado pela seguinte pergunta: "De que forma a área da Psicologia está inserida nas publicações sobre os serviços de atendimentos as mulheres vítimas de violência?". A partir deste trabalho, pretende-se refletir sobre as formas que a Psicologia pode contribuir no entendimento e na erradicação deste problema social, bem como apresentar as lacunas no campo de produção científica, a fim de subsidiar futuros estudos na mesma área.
Método
Este estudo caracteriza-se como uma revisão sistemática de estudos publicados em países da América Latina, que abordam intervenções e serviços voltados à violência contra a mulher e que possuam ligação com a área da Psicologia. As buscas foram realizadas no período de Outubro a Dezembro de 2017, nas bases de dados Scielo, Portal Capes e PepSic. Os descritores utilizados foram "violência contra a mulher", "violência doméstica contra a mulher", "psicologia", "Psicología", "violencia contra las mujeres", "violencia doméstica contra la mujer". Estes descritores foram escolhidos a fim de fazer uma busca ampla que pudesse contemplar os objetivos do estudo.
Foram considerados os artigos empíricos publicados no período de Janeiro de 2012 a Outubro de 2017, compreendendo 5 anos de produção científica. Alguns fatos foram considerados para definir este período de busca. Observou-se um aumento de Feminicídio no Brasil: entre 2003 e 2013, o número de vítimas do sexo feminino passou de 3.937 para 4.762, representando um aumento de 21% nessa década (Waiselfisz, 2015). Este dado indica que mesmo após a criação da Lei Maria da Penha os casos de violência contra a mulher continuaram aumentando. Outro marco importante nesse período foi a sanção da Lei do feminicídio em 2015 (Lei 13.104), que tem como objetivo coibir os homicídios em razão do gênero no Brasil (Lei n° 13.104, 2015).
Com relação à América Latina, observou-se um crescimento nas políticas nacionais de proteção às mulheres, que aumentaram de 24, em 2013 (74% do total), para 31, em 2016 (94%) (ONU, 2017). Por fim, alguns estudos similares já foram realizados entre os anos de 2009-2013 como, por exemplo: a revisão de Silva e Oliveira (2015), que investigou a literatura nacional acerca do tema; o estudo de Sá e Werlang (2013), que pesquisou aspectos de personalidade em mulheres vítimas de violência; e outras pesquisas de revisão sistemática, que tiveram como tema principal a violência contra a mulher (Lopes, 2016, Krenkel & Moré, 2017).
Além do critério referente ao período, foram incluídos na análise os artigos que possuem como tema principal as intervenções e serviços voltados à mulher vítima de violência, que incluam profissionais da Psicologia em suas práticas. Os critérios de exclusão foram: (1) artigos que abordassem outros tipos de violência, que não se adequavam ao público pesquisado (por exemplo, violência contra crianças e adolescentes ou violência contra idosos); (2) artigos que tratam da violência contra a mulher, porém sem relação com a Psicologia; e (3) artigos de revisão sistemática. As buscas e seleção dos artigos foram realizadas de forma independente por duas duplas de pesquisadoras. Os artigos selecionados foram então analisados e sistematizados a partir dos critérios: (a) ano e país de publicação; (b) objetivo do estudo; (c) metodologia utilizada; (d) perfil da amostra; e (f) forma de inserção da Psicologia no estudo.
Resultados
Na primeira etapa de identificação das referências, foram encontrados 812 artigos com os descritores mencionados nas bases de dados Scielo, Lilacs e Capes. Após a leitura dos resumos foram excluídos 796 artigos. Nessa primeira etapa, foram excluídos artigos que fugiam do tema proposto (796). Restaram, então, 16 artigos para a leitura na íntegra. Na segunda etapa, foram excluídos outros 5 itens por serem duplicados e 1 por ser revisão sistemática, restando uma amostra final de 10 artigos. A Figura 1 apresenta um fluxograma destas etapas da revisão. A maior parte dos artigos foi publicada pela área da Psicologia (5), seguido da Enfermagem (3) e de áreas multidisciplinares (2).
Em relação ao período de publicações, percebe-se uma maior concentração dos estudos entre o ano de 2012 e 2014, totalizando oito (8) artigos nesse período. Quanto aos demais artigos, um (1) foi publicado em 2015 e outro (1) em 2017 (Tabela 1). Apenas um dos estudos é internacional, realizado no México, sendo os demais realizados no Brasil. As metodologias dos estudos foram predominantemente qualitativas (7), totalizando sete estudos: dois (2) artigos utilizaram métodos quantitativos e um (1) artigo utilizou método misto. Esta predominância de métodos qualitativos também foi identificada em outras revisões sistemáticas acerca do tema (Silva & Oliveira, 2015).
A amostra de cada estudo variou entre mulheres vítimas de violência e profissionais que atuam em serviços de atendimento para as vítimas. Em quatro (4) estudos, a amostra foi composta por profissionais da saúde e com o psicólogo inserido em equipes multidisciplinares. Em outros três (3) estudos a amostra foi composta apenas por psicólogos, e um (1) estudo teve sua amostra composta tanto por profissionais quanto por mulheres que haviam sofrido violência. Por fim, dois (2) estudos foram compostos somente por mulheres que haviam passado por violência.
Em relação aos objetivos, observou-se que seis estudos (n=6) se propuseram a identificar a implementação dos serviços de atendimento à mulher vítima de violência (Osis, Duarte & Faúndes, 2012; Garza, 2013; Barbosa, Dimenstein & Leite, 2014; Gomes et al., 2014; Souza & Sousa, 2015; Souza & Faria, 2017). Dois estudos (2) identificaram as formas de reconhecimento da violência por parte dos profissionais que atuam em contextos (Gomes et al., 2012; Porto & Bucher-Maluschke, 2012) e dois (2) estudos analisaram a visão que os profissionais possuem sobre os casos atendidos (Gomes et al., 2012, Porto & Bucher-Maluschke, 2014). Destes, apenas um (1) estudo teve como foco investigar o atendimento psicológico oferecido para mulheres que passaram por violência.
Discussão
A violência perpetuada por parceiros íntimos contra as mulheres é atualmente considerada como um problema mundial e de saúde pública, pois ocorre em diferentes países, culturas e etnias. Desta forma, foi necessária a criação de políticas públicas, para a implementação de redes de enfrentamento e de erradicação frente a este tipo de violência, mas observa-se ainda uma falha na atuação dos profissionais que atuam em tais serviços (WHO, 2014; Pedrosa & Zanello, 2017). Esse fato ficou evidente após a leitura dos artigos selecionados para comporem a amostra do estudo, por a maior parte deles ressaltaram os problemas enfrentados nos atendimentos de casos de violência contra a mulher.
A identificação da violência é uma das dificuldades encontradas pelos profissionais. Os estudos de Osis et al. (2012) e Gomes et al. (2012), por exemplo, apresentaram que, por conta da dificuldade em detectar os sinais de violência, muitas mulheres não recebem ajuda ou não são abordadas pelos serviços específicos. Na pesquisa desenvolvida por Osis et al. (2012), especificamente, os gestores e profissionais da saúde demonstraram perceber a magnitude do problema - porém, não consideraram que a atenção básica esteja preparada para atender as mulheres e relataram que há uma lacuna no que se refere a rede intersetorial de atendimento.
Com relação às políticas públicas, a pesquisa de Souza e Sousa (2015) averiguou a implementação de políticas voltadas ao enfrentamento da violência contra a mulher nas instituições de Assistência Social (Centro de Referência Especializado de Assistência Social) e Segurança Pública (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher) do sudoeste goiano. O resultado indicou que as políticas públicas de prevenção e enfrentamento da situação de violência contra a mulher e as práticas não se encontram articuladas. Isto se deve, principalmente, pelas fato de as medidas existentes não estarem devidamente implementadas. O estudo de Barbosa et al. (2014), também encontrou resultados semelhantes, destacando que uma das dificuldades encontradas nas redes de atendimento é não ter uma compreensão clara sobre em que consiste um acolhimento adequado a estas mulheres.
Percebe-se que, no geral, o psicólogo integra equipes multidisciplinares de atendimento à mulher vítima de violência. Os estudos apresentam em seus resultados um déficit na prática do psicólogo e dos profissionais das diferentes áreas, por conta da falta de diretrizes e de uma melhor articulação entre os serviços de atendimento à mulher vítima de violência. A atuação do psicólogo em tais serviços se dá, por exemplo, através de encaminhamentos realizados por diferentes profissionais. Porém, as redes de atendimento ainda são percebidas, no geral, como desarticuladas, sendo pouco reconhecidas pelos profissionais (Gomes et al., 2013). Da mesma forma, dois estudos apontam a dificuldade de atuação por parte dos psicólogos em tais serviços, por conta da falta de diretrizes e pelo déficit na formação profissional, como foi constatado em uma pesquisa realizada sobre o atendimento psicológico em DEAM’s das cinco regiões do Brasil (Souza & Faria, 2017; Porto & Bucher-Maluschke, 2012).
Apesar destas limitações, destaca-se a importância da atuação do psicólogo em tais contextos, bem como uma maior integração entre os profissionais de diferentes áreas em busca de intervenções mais efetivas (Gomes et al., 2014). O tratamento psicológico para este público pode reduzir os sintomas desenvolvidos por conta da violência (por exemplo, ansiedade e depressão), além de aumentar o apoio social e a autoestima destas mulheres (Porto, 2006). Em relação à autoestima, Garza (2013) relata um programa de empoderamento de mulheres que, através da prática do relaxamento, de exercícios focados na gratidão e no perdão e da identificação de direitos assertivos e de erros de pensamento, é possível reverter as concepções negativas destas mulheres sobre si mesmas. Com isso, essas mulheres aumentam sua autoconfiança, podendo utilizá-la não somente para superar as adversidades das histórias de maus-tratos, como também possibilitar a construção de relações mais positivas.
Porém, por conta da falta de conhecimento e de diretrizes técnicas de atuação, os psicólogos muitas vezes acabam não conseguindo desenvolver um trabalho mais eficaz. Por exemplo, Barbosa et al. (2014) investigaram os serviços de acolhimento e atenção direcionados às mulheres vítimas de violência com demandas em saúde mental. Os autores destacaram a dificuldade, por parte das equipes, no acolhimento destas usuárias, tanto nos serviços de enfrentamento à violência, quanto nos serviços de saúde mental, resultando em internações psiquiátricas involuntárias e demais violências institucionais.
Considerando o exposto, destaca-se a importância de um olhar mais aprofundado sobre a questão da violência contra a mulher, não apenas por parte do psicólogo, mas de todos profissionais envolvidos. É necessário compreender todos os fatores culturais, sociais e individuais que permeiam o ciclo de violência para que se possa desenvolver uma rede mais integrada e eficaz (Secretaria de Políticas para as Mulheres, 2011). Em um estudo desenvolvido por Porto e Bucher-Maluschke (2012), sobre a forma com que os psicólogos entendem as questões referentes à identificação da violência contra as mulheres. Foi constatado que os profissionais entrevistados identificam a violência principalmente quando expressada verbalmente pela mulher, e apenas dois dos 24 entrevistados utilizavam algum instrumento específico de identificação desse tipo de experiência (i.e., screening).
O psicólogo, nesse contexto, pode trabalhar os sentimentos, as dificuldades vivenciadas e as motivações que fazem com que as mulheres, muitas vezes, não consigam romper com o agressor. Pode-se utilizar, também, técnicas mais precisas para uma avaliação mais completa de cada caso e para a realização de encaminhamentos necessários na rede de proteção (Porto & Bucher-Maluschke, 2012). Desta forma, vale destacar a importância do acolhimento nos serviços de proteção às mulheres que passam por violência, a fim de desenvolver uma rede que promova a humanização garantindo o direito à saúde de forma integral (Lopes, 2016).
Considerações Finais
A partir do presente estudo, o que se percebe é que há uma dificuldade não só por parte dos psicólogos, mas também dos demais profissionais de saúde em lidar com a problemática da violência contra a mulher. Pode-se afirmar que ainda há diversas lacunas no que se refere aos conhecimentos teóricos e práticos que possam auxiliar na proteção de mulheres em situação de violência, como já mencionado em outros estudos sobre o tema (Pedrosa & Zanello, 2017). Percebe-se pouca produção de artigos que relatem intervenções realizadas com este público, que ofereçam subsídios à prática profissional, ou que testem a eficácia de tais serviços - em especial, os que incluem a atuação do psicólogo.
As limitações foram relacionadas à dificuldade de encontrar pesquisas quantitativas com a mesma temática, principalmente estudos nacionais. E também pela literatura nacional se concentrar em pesquisas de método qualitativo para falar desse contexto. É importante ampliar a literatura com novos estudos capazes de fornecer mais informações que possam subsidiar intervenções psicológicas específicas diante das necessidades apresentadas pelas mulheres em situação de violência.
Em síntese, a literatura aponta que as principais dificuldades são: (1) lacunas na rede de atendimento; (2) falta de diretrizes técnicas de atuação; e (3) déficit na instrumentalização para o reconhecimento da violência contra a mulher. A maior parte dos estudos descrevia equipes em que o psicólogo estava incluso – porém, não eram estudos que pretendiam, especificamente, avaliar a atuação do psicólogo. Sendo assim, é importante que novos estudos enfoquem a prática do psicólogo em tais contextos, a fim de melhor compreendê-la e aprimorá-la. Por fim, é importante destacar que a atuação do psicólogo no enfrentamento à violência contra a mulher abrange diferentes áreas, dentro do contexto judiciário, da saúde, da assistência social, e que a sua atuação deve sempre ser pautada em práticas integrativas independentemente do contexto em que estiver inserido.
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Endereço para correspondência
E-mail:thami.pereira@gmail.com
Recebido em: fevereiro de 2019
Aceito em: setembro de 2020
1 Thamires Pereira Barbosa: Psicóloga, Mestre em Psicologia e Doutoranda em Psicologia (PPGP-UFSM)
2 Patrícia Lucion Roso: Psicóloga, Mestre em Psicologia (PPGP-UFSM).
3 Priscila Flores Prates: Psicóloga, Mestre em Psicologia (PPGP-UFSM).
4 Adaiane Amélia Baccin: Psicóloga, Mestre em Psicologia (PPGP-UFSM).
5 Leila Mara Piasentin Claro: Psicóloga, Mestre em Psicologia (PPGP-UFSM).
6 Silvio José Lemos Vasconcellos: Mestre e Doutor em Psicologia, professor adjunto da Universidade Federal de Santa Maria e do Programa de Pós-graduação em Psicologia (PPGP-UFSM), (55) 3220 9304.