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Temas em Psicologia

Print version ISSN 1413-389X

Temas psicol. vol.17 no.1 Ribeirão Preto  2009

 

ARTIGOS

 

História da psicologia: contribuições da etnografia e da história oral

 

History of psychology: contributions of ethnography and oral history

 

 

Deborah Rosária BarbosaI; Marilene Proença Rebello de SouzaII

IUniversidade de São Paulo - Brasil
IIUniversidade de São Paulo - Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O presente artigo tem como objetivo discutir a contribuição da etnografia e da história oral para os estudos em história da psicologia. Reflete sobre a etnografia e sobre a história oral não como técnicas, mas como métodos de investigação qualitativa importantes para os estudos históricos em psicologia. A etnografia tem contribuído cada dia mais para as pesquisas em psicologia, e a história oral, especialmente utilizada no campo historiográfico, tem sido de grande importância para o avanço de investigações em história da psicologia. Este trabalho explicita as diferenças da metodologia qualitativa em contraposição a outras existentes, descreve os aspectos da etnografia e da história oral, apontando suas diferenciações, similitudes e a sua importância para a pesquisa contemporânea em psicologia.

Palavras-chave: Etnografia, História oral, História da psicologia.


ABSTRACT

This article discusses the contribution of ethnography and oral history for the studies in the history of psychology. Ethnography and oral history are not technical, but qualitative research methods relevant to historical studies in psychology. Ethnography, derived from the social sciences, currently contributes to research in psychology, and oral history used in the historiography, it is important for the advancement of research in the history of psychology. It describes the differences in methodology of qualitative research and aspects of ethnography and oral history, showing their similarities, differences and the importance of these methods for contemporary research in psychology.

Keywords: Ethnography, Oral history, History of psychology.


 

 

"Caminhante, são tuas pegadas o caminho e nada mais; caminhante, não há caminho, se faz caminho ao andar". Antônio Machado (1973)
"A metodologia é importante demais para ser deixada aos metodólogos". Becker (1994).

O presente texto tem como principal objetivo refletir sobre a contribuição da etnografia e da história oral para construção dos estudos em história da psicologia. Entende-se a etnografia e a história oral, no contexto da pesquisa qualitativa, não como meras técnicas1 (como muitas vezes são chamadas), mas como métodos ou caminhos que denotam uma escolha do pesquisador por uma determinada forma de condução de sua investigação. A palavra método vem do grego methodos, composta do prefixo meta, que significa "através de, por meio de" e do sufixo hodos, que significa "via, caminho" (Hermman, 1979, p. 35).

Sabe-se que as pesquisas de abordagem qualitativa têm contribuído muito para o campo científico, especialmente a partir da segunda metade do século XIX e início do século XX. Numa perspectiva qualitativa, o pesquisador no processo de ir a campo investigar o fenômeno a que se propõe, vai trilhando caminhos, e estes, configuram a forma como ele posteriormente irá articular os dados que são construídos neste caminhar. Essa forma de produção de conhecimento causou muita resistência no meio científico por se contrapor aos estudos tradicionais, em sua maioria de cunho quantitativo, e até então, muito prestigiados e reconhecidos. Durante um tempo, o que era considerado ciência por parte da comunidade científica tradicional eram as pesquisas que se propunham a um tipo de olhar: o da quantificação, da medida, do controle. Estudos não passíveis de quantificação, ou que não se constituíam de reprodução de pesquisas já consagradas, eram considerados "ovelhas negras da ciência". Contudo, particularmente a partir do XX, a perspectiva qualitativa tem tido mais espaço e aceitação no âmbito científico.

Becker (1994) diz que a pesquisa tradicional procurava a maneira "certa" de fazer ciência, com pouca ou nenhuma tolerância ao erro. O autor chama de metodologia proselitizante ou metodologia convencional aquela que promete proposições cientificamente testadas, e é caracterizada pela reprodutibilidade de métodos anteriormente aplicados. Nesse tipo de metodologia, há uma preocupação comum com a característica quantitativa e os métodos de investigação escolhidos buscam a mensuração. Geralmente, este tipo de pesquisa tem uma concepção a priori e as técnicas de estudo são escolhidas para minimizar a chance de obter conclusões não confiáveis, ou que não atestem aquilo a que se propuseram. Uma das falácias desse tipo de metodologia é a crença de que escolhas aleatórias não produzirão resultados distorcidos. Becker (1994) afirma que ao invés de "insistir em procedimentos mecânicos que minimizam o julgamento humano" (p.20), o ideal seria, ao contrário, deixar tão explícito quanto possível os julgamentos subjetivos de modo a outros poderem chegar às próprias conclusões.

Os metodólogos convencionais2 escolheram o caminho no qual o método vem à frente do objeto. Nesse sentido, segundo o autor supracitado, raramente escrevem sobre e também desprezam os métodos como: observação participante3, análise histórica e a costura de diversos procedimentos de investigação. Esse mesmo autor critica a mera descrição técnica encontrada em muitas pesquisas, e diz que a metodologia analítica, em contraposição à metodologia convencional proselitizante, contribui por trazer à luz a questão do significado. Como ele mesmo explica: "a metodologia analítica caracteristicamente assume a forma de perguntar o que os sociólogos reais fazem quando pesquisam e depois tenta ver que conexão lógica pode ser estabelecida entre as várias etapas do processo de pesquisa" (Becker, 1994, p. 25).

Esse modo analítico que compreende as relações, e não apenas o resultado em si, traz um diferencial interessante para as pesquisas qualitativas. Geertz (1989) afirma que o operacionismo metodológico como dogma de pesquisa nunca fez sentido nas ciências sociais. Para o autor, nas ciências sociais os estudos qualitativos são essenciais na medida em que os fenômenos sociais pouco ou nada são quantificáveis, assim como passíveis de controle e manipulação. E uma das grandes vantagens dos estudos qualitativos é possibilitar múltiplos olhares sobre um mesmo fenômeno ampliando assim o campo de análise, e possibilitando que a ciência cumpra um de seus papéis que é o de avançar no conhecimento produzindo novos saberes. Essa reflexão de Geertz é aplicável à psicologia na medida em que muitos objetos de estudo desta ciência (como a subjetividade, o processo ensino-aprendizagem, a afetividade, dentre outros) também são fenômenos que podem tirar proveito dos métodos qualitativos de investigação, embora se saiba da importância de estudos que têm como enfoque a quantificação.

Denzin e Lincoln (2006) falam da resistência da comunidade científica à pesquisa qualitativa. Eles dizem que os estudos qualitativos ainda são vistos como soft sciences e que os pesquisadores são denominados de jornalistas ou cientistas "menores" e seus trabalhos são considerados como crítica, e não teoria. Sua produção é encarada como não científica. Esses autores afirmam que as ciências positivistas experimentais são vistas como grandes descobertas da civilização ocidental e portadoras da "verdade", e que a pesquisa qualitativa "é vista como um ataque a essa tradição, cujos adeptos geralmente refugiam-se em um modelo de 'ciência objetivista e livre de valores ' para defender sua postura" (Denzin & Lincoln, 2006, p. 22). De um modo geral, a pesquisa qualitativa veio representar uma "pedra no sapato" da tendência das pesquisas tradicionais por, em linhas gerais, oferecer um comprometimento com uma abordagem interpretativa de cunho analítico muito mais preocupada com o processo de construção do conhecimento do que com os resultados advindos do mesmo. Os estudos qualitativos são, portanto, uma alternativa possível para outro tipo de pensamento e inserção no campo das ciências.

Denzin e Lincoln (2006), descrevendo a investigação qualitativa, afirmam: "os pesquisadores qualitativos empregam a prosa etnográfica, as narrativas históricas, os relatos em primeira pessoa, as imagens congeladas, as histórias de vida, os 'fatos ' transformados em ficção e materiais biográficos e autobiográficos, entre outros" (p.25). Esses métodos de investigação são diferenciados do que até então existia e, principalmente, nasceram ancorados numa proposição política diferenciada, que diz respeito ao compromisso com a análise de resultados de forma interpretativa e aberta, trazendo "uma" versão do fato, assim como a escolha por um modo de realização de estudos que aborde as pessoas, suas vidas, seus significados, suas histórias, pensamentos e opiniões. Ao encarar os participantes dos estudos como "colaboradores de pesquisa" e não como "sujeitos" assujeitados e sem participação efetiva, a pesquisa qualitativa abriu caminho para a consideração do modo processual de construção do conhecimento. Como afirma Schmidt sobre a pesquisa qualitativa (2006):

o texto é, até certo ponto, a certificação por escrito, de algo presenciado e vivido, uma espécie de testemunho único, uma vez que os trabalhos de campo não podem, simplesmente, ser replicados. Mas é ainda, o próprio trabalho do pensamento, muito mais do que o relatório de dados e conclusões já acondicionadas em algum lugar da mente (p.28).

Além disso, o pesquisador qualitativo, entendido neste âmbito, tem um papel político na medida em que seu trabalho tem implicações quanto ao seu compromisso com a construção dos saberes e compartilhamento dos mesmos. Como descreve Schmidt (2006) sobre o texto da pesquisa: "não é conveniente subestimar as funções políticas do texto: por um lado, ele expressa a política do trabalho de campo; por outro, ingressa na luta política servindo, pela natureza de suas representações, à emancipação ou à dominação." (p.28).

Bogdan e Biklen (1994) traçam um histórico da investigação qualitativa no âmbito educacional, assim como o nascimento dos estudos antropológicos de cunho etnográfico e relacionados à educação contando a importância da Escola de Chicago (EUA) neste contexto. Eles afirmam que, mesmo dentre os pesquisadores qualitativos, só aos poucos os métodos de pesquisa como observação participante, análise documental, investigação sobre histórias de vida, entrevistas em profundidade, e outras foram adquirindo respeito.

Denzin e Lincoln (2006), ao descreverem a história da investigação qualitativa, afirmam que, no período tradicional (início do século XX até Segunda Guerra Mundial), esta pouco se distinguia de outros estudos, o que lentamente foi se modificando. Os autores identificam sete períodos pelos quais os estudos qualitativos foram se desenvolvendo ao longo do tempo, desde o que chamaram de período "tradicional" até a atualidade designada de "futuro", que engloba a produção de textos multimídias, poesias etnográficas, etnografias ficcionais e pesquisas virtuais. Destacam que o compromisso com as populações estudadas, a preocupação política com a democracia e as exigências de uma ciência social também são premissas mais presentes nos estudos contemporâneos.

O respeito da comunidade científica foi aos poucos sendo conquistado na medida em que os pesquisadores foram, a partir de seu trabalho, demonstrando o quanto são sérios os procedimentos de levantamento de dados e organização dos mesmos, bem como as múltiplas formas de investigação, descrição e interpretação. A pesquisa qualitativa foi ganhando seu espaço na medida em que demonstrou quão qualitativos e importantes são os conhecimentos produzidos sob sua ótica.

Denzin e Lincoln (2006) defendem que o investigador qualitativo é um intérprete na medida em que analisa e dá a sua impressão dos documentos, dos depoimentos ou falas de seus entrevistados, nunca acreditando ser esta a "única" interpretação, mas apenas "uma" dentre muitas. Geertz (1989) propõe a "descrição densa" como parte do processo interpretativo de análise no campo das ciências sociais. Neste procedimento, pretende-se atingir e identificar uma hierarquia estratificada de estruturas significantes, produzidas, percebidas, e interpretadas pelo pesquisador no contato com o acontecimento presenciado. Sobre análise nas pesquisas etnográficas Geertz (1989) afirma:

a análise é, portanto, escolher entre as estruturas de significado..." "... fazer etnografia é como tentar ler (no sentido de 'construir leitura de ') um manuscrito estranho, desbotado, cheio de elipses, incoerências, emendas suspeitas e comentários tendenciosos, escritos não com os sinais convencionais do som, mas com exemplos transitórios de comportamento modelado (p.7).

O que importa ao pesquisador é apreender e depois apresentar o que conseguiu construir na pesquisa com foco no significado não de forma genérica, mas na busca pelo singular, pela minúcia, pela generalização dentro dos casos e não através dos mesmos. "A vocação essencial da antropologia interpretativa não é responder às nossas questões mais profundas, mas colocar à nossa disposição as respostas que os outros deram e assim incluí-las no registro de consultas sobre o que o homem falou" (Geertz, 1989, p. 21).

Mesmo que circunscrita ao campo da antropologia interpretativa, muitos pesquisadores qualitativos têm se inspirado nas proposições de Geertz sobre análise do material construído na pesquisa qualitativa. Para o pesquisador deste tipo de perspectiva, o que importa não é a formulação e a defesa de grandes teorias ou descobertas que possam ser generalizadas a todo o conjunto da população, mas o único, o singular, o particular, o que aquele grupo ou pessoa disse, que pode ser altamente significativo e generalizável a outrem, mas este não é o objetivo ou finalidade, e sim consequência do estudo.

Além disso, a pesquisa qualitativa busca também contemplar outro modo de interação pesquisador-pesquisado: de forma mais aberta, confiável, mais de troca do que de "inquisição". Chataway (2001), dizendo especificamente da pesquisa-ação participante, diz que o grande diferencial deste enfoque é ter um compromisso com as pessoas. Os participantes do estudo são convidados a compor o estudo, as necessidades e interesses das pessoas são priorizados no contexto da pesquisa, e, fundamentalmente, neste tipo de abordagem, as decisões sobre os resultados do estudo são compartilhadas coletivamente pelo pesquisador e pesquisado. Como aponta a autora, os limites entre pesquisador e "sujeito de pesquisa" são minimizados e o pesquisador é muito mais mediador do processo de construção dos dados. Em suas palavras: a pesquisa deixa de ser "work with you" para ser "research on together" (p. 244). Apesar da pesquisadora utilizar este exemplo para a pesquisa-ação e/ou participante, verifica-se que os estudos etnográficos qualitativos geralmente têm em suas formulações iniciais o compromisso com os participantes do estudo, partilhando com os mesmos todo o processo investigativo.

Especificamente na psicologia, ainda que se utilize de métodos quantitativos, os pesquisadores devem se atentar para a importância de um olhar qualitativo na análise seus dados, pois os fenômenos psíquicos geralmente envolvem aspectos emocionais, cognitivos, de personalidade, dentre outros que requerem também uma forma subjetiva de interpretação. Sem fugir ao rigor científico necessário, os estudos qualitativos têm ganhado adeptos, e muitas são as contribuições que têm surgido nos últimos tempos no campo da psicologia. As pesquisas, aos poucos, têm utilizado etnografias, análises documentais, histórias de vida, pesquisas-ação, grupos focais, pesquisas participantes e outras formas de investigação qualitativa que têm contribuído imensamente para o avanço dos estudos psicológicos.

O método etnográfico, com estudos envolvendo trabalhos de campo, documentos históricos, entrevistas com os personagens da história da psicologia, realizando imersão total ou parcial4 no campo de atuação dos psicólogos, dentre outros, poderão trazer informações que ajudem a entender o momento atual, permitindo sugerir mudanças no modo como tem se entendido a formação e a prática do psicólogo. Além disso, estudos assim podem incentivar futuros pesquisadores a estudar outros campos de análise contribuindo para configurar melhor a ciência psicológica.

Pode-se afirmar, de um modo geral, que as pesquisas qualitativas, e especialmente a etnografia, podem trazer contribuições enriquecedoras para o avanço dos estudos em psicologia. No que tange ao campo da história da psicologia, acreditamos que, além da etnografia, o método da história oral, associado à perspectiva qualitativa, apresenta algumas vantagens em relação a outros métodos, que serão detalhadas a seguir.

 

História oral e psicologia - interfaces possíveis

"Os historiadores são como surdos, dizia Tolstoi, respondem perguntas que ninguém lhes fez". Ecléa Bosi (2003)
"... escreve-se história (...) para entender o presente e refletir sobre o futuro, no marco do inevitável engajamento da ciência de seu compromisso ético". Maria Helena Souza Patto (2000).

No presente trabalho, optou-se pelo uso do termo "história oral" e não "método biográfico" ou outro termo. Esta opção deveu-se ao fato de corroborar com alguns autores citados neste texto (e também outros não referenciados aqui) que entendem a história oral como método e não como técnica, o que envolve todo um modo de pensamento sobre fazer ciência, pesquisa e sobre a relação entre sujeitos e pesquisadores. Além disso, entende-se que a história oral, mesmo utilizando de depoimentos de pessoas, que ao relatar fatos e acontecimentos geralmente imbricam sua história de vida5 no contexto da oralidade, a "biografia" dos mesmos não necessariamente é o objeto principal de investigação. "Para a grande maioria dos cientistas sociais e em particular para os historiadores, a história de vida é apenas um desdobramento da história oral" (Gonçalves & Lisboa, 2006, p. 21). Assim sendo, neste trabalho, entende-se que o termo história oral é mais abrangente que método biográfico ou outra nomenclatura, por compreender todo um conjunto de produções que podem ser organizadas por meio de um modo de pensamento que tem como recurso a oralidade, para além de um enfoque biográfico, embora, muitas vezes, não prescinda deste, corroborando com os apontamentos de Queiroz (1988) e Meihy (1996), e outros autores.

Ferreira (1998) diz que a história oral como disciplina e método teve sua ascensão nos anos de 1950, em países da Europa Ocidental e Estados Unidos, com o compromisso inicial de dar voz aos excluídos e marginalizados. As primeiras experiências no Brasil datam de 1975, quando foram realizados cursos patrocinados pela Fundação Ford (Fundação Getúlio Vargas no Rio de Janeiro) que foram ministrados por especialistas norte-americanos e mexicanos. Esses cursos privilegiavam temas de interesse local. Nos anos de 1980, houve a criação de programas em universidades e instituições para a preservação da memória e cresceu o número de pesquisas individuais que se utilizavam da história oral. Até o começo de 1990, a história oral não figurava nos currículos universitários como disciplina, mas nas décadas de 1980 e 1990, o uso desta como método expandiu devido à abertura política e maior interesse dos pesquisadores.

Várias críticas eram feitas à história oral, pois a história dominante na época era baseada no modelo estruturalista. Este paradigma postulava que o modo científico de se estudar a história deveria privilegiar a identificação da estrutura, independentemente da percepção dos indivíduos. Conversar ou utilizar-se da memória de depoentes era considerado um estudo menor. O uso da oralidade era tido como um método de pouco rigor metodológico por estar à mercê das imperfeições da memória e de percepções individuais, assim como ocorria com os estudos qualitativos como um todo. Posteriormente, houve uma revalorização deste método juntamente com a valorização da análise qualitativa, das experiências individuais, e da aceitação de estudos contemporâneos. Ferreira (1998) aponta que o abandono da visão determinista (estruturalista) e neutralização das críticas tradicionais possibilitaram a expansão das pesquisas em história, e história oral nos anos de 1990.

No Brasil, no campo da psicologia, a Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP) aprovou em 1996 um grupo de trabalho (GT) em História da Psicologia para reunir pesquisadores de diferentes programas de pós-graduação do país que se interessam pelo assunto. O GT História da Psicologia da ANPEPP tem produzido estudos e publicações com diferentes matizes: história das idéias psicológicas, história das instituições da psicologia, história de personalidades (biografias) e também história de áreas ou campos de estudo da psicologia.

Uma das publicações que podemos destacar é o livro Dicionário Biográfico da Psicologia no Brasil - Pioneiros (Campos, 2007). O livro é fruto de um trabalho interinstitucional de pesquisa em História da Psicologia, que se formou na ANPEPP em 1996, integrado por professores e pesquisadores vinculados à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Universidade de São Paulo - Ribeirão Preto, Universidade Federal de Minas Gerais e pelo Dr. Josef Brozek, professor emérito da Lehigh University - Estados Unidos. A contribuição traz verbetes com os nomes de destaque na Psicologia, identificados como pioneiros, por se tratar de personalidades que contribuíram para a Psicologia antes da regulamentação da profissão de psicólogo no Brasil que se deu em 1962.

Para o ano de 2010, está previsto o lançamento de outro estudo com características semelhantes ao Dicionário Biográfico, que será o Dicionário de Instituições da Psicologia no Brasil, organizado pela pesquisadora Ana Jacó-Vilela (no prelo), que tem por objetivo trazer verbetes de instituições da Psicologia da maioria dos estados do Brasil como faculdades, associações, universidades, sociedades, dentre outras. Assim, o trabalho desse grupo tem contribuído para avançar os estudos em história da psicologia e, embora a área seja recente se comparada a outras, é possível dizer que há uma expansão da produção desta temática em periódicos, dissertações, teses e participações em congressos no Brasil e exterior, despertando, a cada dia, o interesse de novos pesquisadores, tendo inclusive alguns trabalhos que se utilizam da história oral.

Queiroz (1988) diz que a história oral ganhou força a partir da psicologia social: "A finalidade foi o esclarecimento de problemas da memória enquanto atributo humano estritamente dependente da vida social e por ela alimentada" (p.33). Depois passou a ser usada em investigações concernentes à sociedade - aspectos sobre os quais não havia muitos registros (camadas mais desfavorecidas da sociedade, grupos étnicos, certas categorias profissionais no meio urbano ou rural, entre outras).

O que antes era crítica passou a ser o diferencial que enobreceu a história oral como uma forma singular de realização de investigações, por possibilitar que o documento produzido seja uma visão da apropriação individual do imaginário coletivo, ou a reelaboração do vivido (Vidal, 1990). Essa autora destaca que diminuiu a distância entre sujeito e objeto de estudo e que o que é produzido no discurso oral dos depoentes é uma mescla de memória individual, oficial e coletiva. Para Vidal é importante que o pesquisador leve em consideração que tanto o documento oral, quanto o documento escrito não é produzido no momento em que os fatos ocorreram e é importante considerar o papel da memória. Isto também aparece no trabalho de Bosi (1994), que destaca o papel da memória como um trabalho do depoente:

lembrar não é reviver, mas refazer, reconstruir, repensar, com imagens e idéias de hoje, as experiências do passado. A memória não é sonho, é trabalho. Se assim é, deve-se duvidar da sobrevivência do passado, 'tal como foi ', e que se daria no inconsciente de cada sujeito. A lembrança é uma imagem construída pelos materiais que estão, agora, à nossa disposição, no conjunto de representações que povoam nossa consciência atual. Por mais nítida que nos pareça a lembrança de um fato antigo, ela não é a mesma imagem que experimentamos na infância, porque nós não somos os mesmos de então e porque nossa percepção alterou-se e, com ela, nossas idéias, nossos juízos de realidade e de valor. O simples fato de lembrar o passado, no presente, exclui a identidade entre as imagens de um e de outro, e propõe a sua diferença em termos de ponto de vista (p. 55).

O que era tido como imperfeições do método (o esquecimento de fatos, as imprecisões ou mesmo omissões) passam a ser elementos essenciais para a análise, na medida em que identificam o modo particular daquele indivíduo contar a sua história e/ou falar do tema a que o pesquisador lhe propôs.

Desde 1975, o Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas tem realizado estudos com história oral, tornando-se uma referência nesta área. O CPDOC tem o objetivo de construir documentos com base em depoimentos de personalidades que atuaram como políticos no cenário nacional. Atualmente, o CPDOC tem mais de 5.000 horas de gravação, com aproximadamente 1.000 entrevistas abertas à consulta para o público em geral (Alberti, 1990; CPDOC, 2008).

Outra referência importante para o futuro historiador que utilizará de depoimentos orais é o Manual de História Oral (Meihy, 1996), que é um guia com orientações de todos os passos que o pesquisador deste campo precisa conhecer. Meihy destaca que não basta sair de gravador na mão ouvindo histórias para se constituir um estudo de história oral, é necessário que antes de tudo haja uma preparação e organização com base na elaboração de um projeto. A escolha da história oral deve ser antes de tudo apropriada aos objetivos da investigação, prestando-se à contribuição para o esclarecimento do objeto de estudo do pesquisador e também para a expansão e avanço científico de um determinado tema.

O autor enfatiza que se pode optar por fazer três tipos de configuração: a) história oral de vida, b) história oral temática ou c) tradição oral. A história oral de vida, ou enfoque biográfico, tem como prioridade ouvir a história de toda a vida do depoente; a história oral temática é aquela que escolhe um tema para que o entrevistado discorra sobre o mesmo, geralmente identificando a sua história de vida com o desenvolvimento do tema escolhido e a tradição oral é utilizada para que grupos iletrados que utilizam recursos da oralidade da sua comunidade, tribo ou grupo possam registrar sua memória

Em todos os casos, o autor destaca que é necessário que o pesquisador defina a colônia, ou grupo a ser pesquisado, a partir de traços que ligam a trajetória destas pessoas. Estes traços em comum que definem aquele conjunto de pessoas como grupo de interesse do pesquisador e que formam a colônia do mesmo. Após esse momento, é constituída a formação da rede, que é a subdivisão da colônia ou escolha mais específica dos indivíduos triados para participar do estudo (recortes necessários). Neste momento, são feitos cortes racionalizados (com base nos objetivos do estudo), para que se componha a rede. Meihy diz que se pode usar o "ponto zero", ou utilizar de um depoente que dê uma entrevista central, e o mesmo passa a ser o guia para orientar o andamento das entrevistas e composição da rede. Supõe-se que o entrevistado indique outro ou outros e a rede vai sendo formada por sugestão da comunidade investigada.

O método é composto pela pré-entrevista, entrevista e pós-entrevista. Em todos os casos, é essencial a anuência dos depoentes para gravação. A pré-entrevista é marcada pela preparação do encontro e as entrevistas propriamente ditas podem ser únicas, múltiplas, estimuladas ou não, diretivas ou não, longas ou breves. A pós-entrevista é a etapa dos contatos posteriores para agradecimento e/ou ajustes necessários. Atualmente, alguns pesquisadores nesta etapa de pós-entrevista apresentam aos participantes do estudo o material organizado a partir de seu depoimento para opinião do participante (conferência).

O processo de análise inicia-se com a transcrição, passando depois para a transcriação e conferência. A transcrição é a passagem do oral para o escrito por meio da escuta da entrevista, a transcriação é o texto recriado pelo pesquisador com base nas contribuições dos depoentes e a conferência é a volta aos entrevistados para que os mesmos opinem sobre a organização feita pelo pesquisador.

Como é possível notar, além de ser um método extenso de pesquisa, a crítica de falta de controle ou de rigor metodológico é infundada, pois trata-se de um dos métodos mais detalhados e com diferentes procedimentos criteriosos. Além disso, é um dos métodos mais democráticos de composição de um estudo. Após recolher informações dos depoentes, estes são posteriormente consultados sobre a produção do texto realizado pelo pesquisador, podendo desta forma interferir diretamente no que está sendo produzido. Schmidt (2006) afirma que os estudos em ciências sociais e psicologia, cada dia mais, estão utilizando métodos que envolvam uma relação menos técnica entre pesquisador e pesquisado, como anteriormente apontado também por Chataway (2001). Nesse sentido, a história oral possibilita ao pesquisador partilhar com seu depoente a construção do conhecimento, sendo, portanto, um modo sui generis de produção científica envolvendo aspectos éticos, de respeito e compartilhamento do saber. É importante que o pesquisador utilize o termo de consentimento livre e esclarecido, e no caso dos depoimentos é necessário o termo de cessão de direitos para publicação no todo ou em parte dos depoimentos.

Alguns autores acreditam que, devido à legitimidade da vivência de um depoente sobre um determinado fato histórico, é o fator que torna a história oral tão interessante. Thompson (1992) destaca que os historiadores da história operária, por exemplo, mudaram a forma de historiar, por enfocar a experiência comum e não somente a vida pública. Ele acredita que a evidência oral deve ser usada para ampliar a informação sobre acontecimentos específicos da história. Segundo sua opinião, a história oral pode chegar à realidade trivial e trazer diferentes posições, visões divergentes de pessoas comuns sobre assuntos coletivos. Thompson avalia que a história oral contribuiu para pesquisar a resistência dos judeus aos regimes nazistas, trouxe inúmeras contribuições histórias por meio das narrativas sobre os campos de concentração, sobre a vivência na guerra civil espanhola, sobre grupos marginalizados como negros, homossexuais, dentre outros. Ele acredita que o material recolhido na história oral pode ser rico e abundante. "É na história social que menos se pode fugir à relevância da evidência oral" (Thompson, 1992, p. 121). E ainda afirma que o que faz a história oral tão interessante é que a mesma: a) penetra de forma que nenhum outro modo ou método consegue por ser inacessível; e b) o relato oral contribui como corretivo aos registros escritos, pois consegue algo mais penetrante e fundamental para história.

Outro defensor da história oral, Portelli (1997), diz que: a) as fontes orais podem nos dar notícia de comunidades iletradas ou grupos cuja história escrita é falha ou distorcida, b) a história oral adentra em áreas inexploradas da vida cotidiana, c) nenhuma outra fonte possui medida igual no que tange à subjetividade. Em suas palavras:

Fontes orais contam-nos não apenas o que o povo fez, mas o que queria fazer, o que acreditava estar fazendo e o que agora pensa que fez. Fontes orais podem não adicionar muito ao que sabemos, por exemplo, o custo material de uma greve para os trabalhadores envolvidos; mas conta-nos bastante sobre seus custos psicológicos (p. 31).

Os aspectos destacados por Portelli (1997) e Bosi (2003) tornam a história oral interessante para os estudos em psicologia, especialmente aqueles dedicados à construção da história da psicologia, pois nesse método existe uma interface intrínseca entre pesquisa e subjetividade. Por outro lado, esse método requer maior cuidado por parte do pesquisador e é importante reconhecer seus pontos de fraqueza e imprecisão. Como o próprio Portelli aponta, é necessário muitas vezes, que se utilizem outras fontes, pois "as fontes escritas e orais não são mutuamente excludentes" (p. 26). Também é importante dizer que a transcrição transforma objetos auditivos em visuais, sendo, portanto impossível pensar que a transcrição seja a tradução real do dito ou do acontecido. O autor diz que reproduzir na escrita a complexidade da linguagem oral - tom, volume e ritmo do discurso - é quase impossível e com isto perde-se com certeza parte da riqueza do depoimento. Por outro lado, ganha-se no aspecto subjetivo e perde-se o "furor da veracidade" na ciência.

Em história oral o sentido de "verdade" é inócuo (Meihy, 1996), o que é retificado por Bosi (1994) ao analisar as falas de seus depoentes: "A veracidade do narrador não nos preocupou: com certeza seus erros e lapsos são menos graves em suas consequências que as omissões da história oficial" (p. 37). Portelli (1997) aborda o tema discutindo a credibilidade da narrativa oral. Para o autor, um relato oral deve ser sempre concebido como "imaginação, simbolismo". Ao se checar os fatos com acontecimentos reais ou dados históricos não se deve concluir, por exemplo, que a afirmativa oral é "errada", mas devemos sempre considerá-la como "correta" no dizer do depoente. Em sua opinião, tanto os fatos e eventos escritos, quanto os relatos orais estão longe do que realmente ocorreu. A história oral está entregue às imperfeições da memória, porém, isso não invalida sua importância, pois também pode ocorrer nos documentos escritos. Mesmo usando os termos imaginação e simbolismo na referência ao resultado dos depoimentos, não se pode incorrer no erro dos críticos da história oral achando que, por conta disto, este método não é relevante para a construção da ciência. Como dito anteriormente, este é um outro modo de se realizar investigações, em que o destaque está no singular de cada história, compreendendo que este singular é também de certa forma universal e contribui para a configuração de um panorama de um determinado objeto de estudo.

A riqueza da história oral não é descobrir o real, a verdade histórica ou a definição correta, como apontou anteriormente Becker (1994) sobre a metodologia convencional que busca minimizar os erros. A história oral não procura a versão precisa de um dado acontecimento, até por que isso seria impossível. A riqueza está em descobrir, no relato pessoal, marcas do sentido de um tempo, da elaboração que pessoas e grupos podem fazer acerca do que viram, ouviram ou sentiram, o essencial é o vivido. Um vivido cheio de significações diferenciadas que pode elucidar um determinado evento, fato ou fenômeno. Como enfatiza Portelli (1997): "Mas o realmente importante é não ser a memória apenas um depositário passivo de fatos, mas também um processo ativo de criação de significações" (p.33).

Neste sentido, acredita-se que a história oral é um método que pode e deve ser usado na elaboração de estudos no campo da psicologia, e especialmente na construção dos relatos históricos desta ciência. Entretanto, ainda resta outro questionamento a ser respondido neste ínterim: qual o seu diferencial, e qual(is) a(s) vantagem(s) em relação a outros métodos? Por que história oral?

Nas palavras de Queiroz (1988): as técnicas quantitativas reduzem a realidade social "à aridez dos números - parecendo amputá-la de seus significados, o relato oral encerra a vivacidade dos sons, a opulência dos detalhes, a quase totalidade dos ângulos que apresenta todo fato social" (p.14). Bosi (1994) reflete sobre o papel daquele que ouve os testemunhos, como um trabalho instigante, por não relatar apenas o que ouviu, mas o que sentiu e viveu naquele intercurso, e, por isso, torna-se ímpar este método de investigação. A autora rebate as críticas que dizem ser um método falho por enfocar o indivíduo dizendo: "cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva" (p. 413). Em outro trecho discorre:

Será a memória individual mais fiel que a social? Sim, enquanto a percepção original obrigar o sujeito a conter as distorções em certos limites porque ele viu o fenômeno. Mas o quando, o como, entram na órbita de outras motivações. Se a memória grupal pode sofrer os preconceitos e tendências do grupo, sempre é possível um confronto e uma correção dos relatos individuais e a história salva-se de espelhar apenas os interesses e distorções de cada um (p. 420).

A autora reitera que a coleta de informação (típica dos estudos tradicionais) é diferente da narrativa, pois a coleta "não toca no maravilhoso", por se preocupar em demasia com o que é verificável. Queiroz (1988) diz que a história oral é capaz de desvelar o que se encontra na "intersecção das relações entre o que é exterior ao indivíduo e o que ele traz no seu íntimo" (p.40), possibilitando alguns tipos de enfoque na investigação - sociológico ou psicológico. A autora diz ainda que neste método se pode identificar o "dizível" e o "indizível", pois aponta através da narrativa do depoente os pontos obscuros, as falas entrecortadas, a fuga a certos temas.

Bosi (2003) aponta que é dever do pesquisador com este enfoque ficar atento às passagens obscuras, aos esquecimentos do narrador. O trabalho de escrita posterior é como a montagem de um mosaico, no qual o pesquisador tem o papel de redimir os pontos obscuros e a "anarquia claro-escuro" da narrativa. Ela enfatiza que, ao ouvir, o investigador não deve procurar preencher os silêncios do narrador, pois, a compreensão destes silenciamentos pode ser um grande avanço para a ciência.

O que antes era tido como "falha" do pesquisador ou do método por não minimizar os fatores intervenientes, como esquecimentos ou omissões, toma outro caráter e torna-se de fundamental importância para a construção deste conhecimento que é único e singular. O pesquisador precisa, nesse sentido, estar mais atento ao que antes era tido como "erro" para inclusive apontá-los, e contribuir para o avanço da ciência na análise dos pontos ditos "obscuros" ou silenciados e esquecidos. Neste sentido, Portelli (1997) diz que, por vezes, as "falhas" de memória nos dizem muito sobre os eventos. Nenhum outro método tem tamanho cuidado com a subjetividade e com a interpretação das múltiplas formas de se investigar um ponto de interesse.

Caso o pesquisador tenha como objetivo analisar mais intrinsecamente não só a veracidade de fatos, a estrutura da história, mas está preocupado com um "para além disto", quer conhecer as nuances da memória e da subjetividade de um determinado fenômeno, este é um caminho interessante. Sua maior vantagem em nossa opinião, além das aqui citadas, é possibilitar ao pesquisador além da apropriação subjetiva do que ocorreu a partir do testemunho, possibilitar também o relato da história compartilhada e vivida naquele ato de entrevista, da relação entrevistador-depoente, ou uma vivência interativa entre ambos. Como afirma Bosi (2003), a memória deixa de ter um caráter de apenas resgate do passado, para ser também geradora de futuro. Para o pesquisador que quer apreender uma "cultura subjetiva" (como afirma Simmel, 1908, citado por Bosi, 2003), este é o melhor modo de realização investigativa.

Diante de tais proposições, defendemos que este diferencial trazido pelo método de história oral é crucial para as ciências humanas, sociais, para a ciência psicológica e, sobretudo, para os estudos da história da psicologia.

A etnografia, a história oral e as pesquisas qualitativas como um todo são caminhos diferenciados que, certamente, são uma escolha interessante para a ciência psicológica em geral e, em especial para aqueles que desejam iniciar ou se aprofundar nos estudos historiográficos da psicologia. A escrita da recente história da psicologia brasileira será enriquecida por pesquisadores comprometidos em realizar estudos criteriosos e ricos como os que podem advir dos métodos da etnografia, da história oral e da pesquisa qualitativa.

Concluindo, os métodos etnográficos e da história oral podem ser caminhos interessantes para pesquisadores da Psicologia, pois oferecem aos mesmos a possibilidade de, a partir de uma abordagem qualitativa, conseguir resultados de investigações ricos de sentido e que contribuam para as ciências humanas. A etnografia e a história oral são métodos confiáveis e seguros para contribuir para o avanço das ciências, pois oportunizam um olhar mais detalhado sobre as pessoas, os fenômenos, a história dos pesonagens que participaram da mesma, e ao mesmo tempo têm um caráter de meta-ciência, ao analisar o papel do próprio pesquisador e do processo de pesquisar. Enfatizamos que a riqueza destes dois métodos está na possibilidade de encontro entre os aspectos objetivos e subjetivos na construção do conhecimento. Neste sentido, pode-se afirmar, com licença poética, dizendo que: se você (pesquisador) quer realizar uma caminhada, você pode escolher os mesmos caminhos anteriormente conhecidos, ou pode querer trilhar caminhos diferentes. Se escolher um caminho novo, nunca dantes trilhado, provavelmente ficará mais atento, e este caminho pode levá-lo a perceber melhor não só as pedras da estrada, as flores dos canteiros, mas também quem caminha ao seu lado, como ele(a) lhe dá a mão, o calor do contato e, sobretudo, o próprio ato de caminhada, que por si só já lhe leva a aprender a caminhar, trilhar novos caminhos e compreender os próprios passos.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Rua Caraíbas, 172. Perdizes
São Paulo, SP. CEP: 05020-000
E-mail: Deborah Rosaria Barbosa - deborahbarbosa@usp.br
Marilene Proença Rebelo de Souza - mprdsouz@usp.br

Enviado em Abril de 2009
Revisado em Abril de 2010
Aceite final em Maio de 2010
Publicado em Junho de 2010

 

 

Nota das autoras:

Deborah Rosária Barbosa - estudante de doutorado da USP e bolsista CNPq. Marilene Proença Rebello de Souza - professora titular da USP.

 

 

1 A rejeição à palavra "técnica" também se justifica na medida em que este termo é fortemente identificado com os modelos de pesquisa com um determinado tipo de olhar, como criticado ao longo do texto.
2 Becker (1994, p. 17-19) chama de metodólogos os "guardiões institucionalmente aceitos da metodologia" e descreve a "metodologia convencional" como aquela que mostra "como" fazer, ou a maneira "certa". Por outro lado, a "metodologia analítica" é aquela que se contrapõe à primeira.
3 Delamont (2005) distingue três termos relacionados: 1) etnografia, 2) trabalho de campo e 3) observação participante, e o termo mais amplo: pesquisa qualitativa. A etnografia é a observação participante feita num trabalho de campo constituindo uma pesquisa qualitativa.
4 Delamont (2005) fala de "imersão total" do pesquisador no campo de pesquisa, quando o mesmo adentra determinada cultura ou grupo, ou "imersão parcial" quando o mesmo parcialmente se insere naquele grupo ou cultura.
5 Não é objeto deste artigo discorrer sobre as diversas terminologias amplamente discutidas no âmbito da historiografia quando se trata de relatos orais. Assim, duas referências de Gonçalves e Lisboa (2006, 2007) podem esclarecer sobre as diferenças entre os termos história oral, histórias de vida, narrativas, trajetórias de vida, biografias e método biográfico.

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