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Psicologia Escolar e Educacional
Print version ISSN 1413-8557
Psicol. esc. educ. vol.13 no.2 Campinas Dec. 2009
ARTIGOS
Eventos estressores e estratégias de coping em adolescentes: implicações na aprendizagem
Stressful events and coping strategies among adolescents: implications for Learning
Eventos estresantes y estrategias de coping en adolescentes: implicaciones en el aprendizaje
Fernanda de Bastani Busnello; Luiziana Souto Schaefer; Christian Haag Kristensen
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
RESUMO
Ao longo da vida, nos deparamos com eventos com os quais não nos percebemos capacitados a lidar, o que pode gerar um estado de tensão no organismo denominado estresse. As alterações decorrentes do estresse e o impacto que provoca na vida das pessoas podem agravar a desadaptação do indivíduo em seu desenvolvimento, sobretudo no ambiente escolar. O presente artigo explora as relações entre eventos de vida estressores, estresse e estratégias de coping em adolescentes, discutindo as possíveis implicações desses fatores na aprendizagem. Além disso, são descritos os fatores ambientais e a neurobiologia do estresse, bem como o papel da resiliência no enfrentamento de situações estressantes.
Palavras-chave: Stress, Resiliência, Aprendizagem.
ABSTRACT
Throughout our lives we come across events that we think we are not able to deal with, which can generate a state of tension in the body called stress. The changes resulting from the stress and their impact on people’s lives may aggravate the maladjustment on the individual development, particularly in the school environment. This article explores the relationship between stressful events, stress and coping strategies in adolescents, discussing the possible implications of these factors in the learning process. Moreover, environmental factors, the neurobiology of stress and the role of resilience in coping with stressful situations are described.
Keywords: Stress, Resilience, Learning.
RESUMEN
A lo largo de la vida nos enfrentamos con eventos con los cuales no nos sentimos capaces de lidiar, lo que puede generar un estado de tensión en el organismo denominado estrés. Las alteraciones a raíz del estrés y el impacto que provoca en la vida de las personas pueden agravar la falta de adaptación del individuo en su desarrollo, principalmente en el ambiente escolar. El presente artículo explora las relaciones entre eventos de vida estresantes, estrés y estrategias de Coping en adolescentes, discutiendo las posibles implicaciones de esos factores en el aprendizaje. Además, son descritos los factores ambientales y la neurobiología del estrés, así como el papel de la resiliencia en el enfrentamiento de situaciones estresantes.
Palabras clave: Estres, Resiliencia, Aprendizaje.
Introdução
Ao longo do ciclo vital, somos expostos a diversas situações que se apresentam como desafios e nos impulsionam ao desenvolvimento positivo. Entretanto, também nos deparamos com eventos com os quais não nos percebemos capacitados a lidar, o que pode gerar um estado de tensão no organismo denominado estresse (Gazzaniga & Heatherton, 2007; Lipp & Novaes, 2000).
O prejuízo na capacidade de aprender, anteriormente atribuído apenas a déficits cognitivos, tem sido associado, nos últimos anos, à exposição a eventos estressores específicos (Brancalhone, Fogo & Willians, 2004; Lipp, 2004; Lipp & Novaes, 2000; Sbaraini & Schermann, 2008). Na infância e adolescência, os estressores costumam estar associados a situações com os pais e outros membros da família, professores, colegas, mudança de escola, doenças, deficiências no desenvolvimento físico ou emocional ou mesmo condições socioeconômicas específicas (Antoniazzi, Dell’Aglio, & Bandeira, 1998; Calbo, Busnello, Rigoli, Schaefer, & Kristensen, 2009; Compas, 1987; Dell’Aglio, 2003). O período da adolescência, especificamente, é marcado por diversos conflitos relacionados à identidade, perspectiva de futuro e transformações corporais (Carvalho, 1996). Dessa forma, o estresse pode se manifestar tanto a partir das modificações sociais e cognitivas que o indivíduo vivencia nesse processo de experimentação, como em decorrência das alterações biológicas que caracterizam a puberdade (Steinberg, 1999).
Por outro lado, o impacto de um evento estressor é bastante variável em termos individuais, dependendo de uma série de fatores que facilitam a superação de adversidades, em um processo denominado resiliência (Poletto & Koller, 2006; Trombetta & Guzzo, 2002). O evento estressor em si não é determinante para a manifestação de sintomas de estresse ou mesmo de patologias mais graves, já que indivíduos expostos ao mesmo estressor podem reagir de maneiras diferentes (Hull, 2002; Peres, Mercante, & Nasello, 2005). Entre as variáveis que contribuem para uma maior resiliência, é possível destacar as estratégias de coping, que são esforços empreendidos pelo indivíduo na tentativa de lidar com situações percebidas como estressoras (Dell’Aglio, 2003; Dell’Aglio & Hutz, 2002).
Assim, considerando todas as alterações decorrentes do estresse e o impacto que provoca na vida das pessoas, inclusive podendo agravar a desadaptação do indivíduo em seu desenvolvimento, este artigo explora as relações entre eventos de vida estressores, estresse e estratégias de coping em adolescentes. Considerando as especificidades dessa etapa do desenvolvimento humano, o artigo discute as possíveis implicações desses fatores na aprendizagem. Desta forma, são descritos os aspectos psicossociais e neurobiológicos associados ao estresse, bem como o papel da resiliência no enfrentamento de situações estressantes.
Eventos Estressores e Estresse
Nos dias atuais, a questão do adoecimento do corpo tem sido associada, entre outras causas, às condições ambientais vivenciadas pelos indivíduos. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2006) mostram que, em países em desenvolvimento, a prevalência de eventos estressores é significativamente maior do que em países desenvolvidos. O desencadeamento de determinados transtornos e doenças pode ser associado a eventos estressores contextuais que, por sua vez, acarretam o aparecimento de sintomas físicos (Kristensen, Parente, & Kaszniak, 2006; Mondardo & Schermann, 2003; Selye, 1965).
Um evento estressor é caracterizado como um estímulo que ameaça o organismo, gerando, como consequência, um padrão de respostas físicas que o corpo utiliza para evitar ou escapar de uma condição avaliada como adversa (Gazzaniga & Heatherton, 2007). Assim, estressores vitais seriam situações eventuais que costumam ter grande impacto para a vida do indivíduo, como morte inesperada, estupro e acidentes, geralmente trazendo prejuízos significativos. Esse tipo de estressor permite identificar mais facilmente a causa do estresse, visto que é um episódio pontual, que foge do curso de vida esperado. Já os eventos diários menores, caracterizados como episódios corriqueiros, são demandas irritantes, frustrantes e aflitivas que fazem parte do dia a dia. Essas situações costumam passar despercebidas pelo indivíduo, podendo também causar prejuízos, os quais podem ser igualmente nocivos (Gerrig & Zimbardo, 2005; Kanner, Coyne, Schaefer, & Lazarus, 1981; Margis, Picon, Cosner, & Silveira, 2003). Os eventos diários menores incluem dificuldades financeiras, trânsito congestionado, situações envolvendo a escola ou o trabalho, brigas com familiares ou amigos, entre outros.
A prevalência de eventos estressores ambientais tem aumentado ao longo dos anos e os fatores psicossociais não devem ser desconsiderados nesse contexto. Na América Latina, especialmente entre a população brasileira, a elevada prevalência de eventos estressores ao longo da vida é decorrente de uma série de fatores socioeconômicos que produzem um aumento dos índices de desemprego, violência, problemas de saúde, más condições de moradia, poucas opções de lazer e criminalidade (Lopes, Faerstein & Chor, 2003; Sbaraini & Schermann, 2008).
Todas essas condições estressantes, aliadas a uma gama de outras variáveis, podem desencadear diversas reações e patologias, dentre as quais o estresse. O estresse desenvolve-se quando o indivíduo avalia as dificuldades corriqueiras ou eventuais que vivencia como excessivas a sua capacidade em dominá-las e/ou superá-las, impossibilitando-o de resistir e de criar estratégias para lidar com elas. Essa discrepância percebida entre as demandas do ambiente e os recursos biológicos, psicológicos e sociais de que dispõe para resistir ao estímulo estressor pode trazer prejuízos ao indivíduo, alterando sua qualidade de vida e diminuindo a motivação necessária nas atividades diárias, especialmente nos desafios que o sujeito encontra cotidianamente (Gazzaniga & Heatherton, 2007). Ademais, provoca a sensação de incompetência, com consequente queda da autoestima (Lipp & Novaes, 2000).
Foi o endocrinologista canadense Hans Selye, já na década de 1930, quem popularizou o termo estresse, definido como uma força aplicada contra uma resistência (Gazzaniga & Heatherton, 2007). Ao investigar o efeito de determinados estímulos prejudiciais no comportamento dos animais de laboratório, descreveu um padrão de respostas do estresse, o qual denominou Síndrome Geral de Adaptação. Assim, propôs um modelo trifásico do estresse: alerta, resistência e exaustão. Na fase de alerta, o organismo percebe a ameaça do ambiente e o cérebro começa a reagir em um processo de luta ou fuga, fundamental para a preservação da vida. Os sintomas desse estágio constituem uma preparação do corpo para sobreviver ao estímulo. Na fase de resistência, o organismo tenta se adaptar ao estímulo, surgindo os primeiros sinais físicos e psíquicos, dentre os quais os mais frequentes são: perda de concentração, instabilidade emocional, depressão, palpitações cardíacas, suores frios, dores musculares e dores de cabeça. Quando há persistência dos estímulos estressores e o indivíduo não possui estratégias para lidar com o evento estressor, ele passa à fase de exaustão. Nessa fase, o indivíduo encontrase extremamente fragilizado, podendo apresentar graves sintomas fisiológicos, comportamentais, psicológicos, incluindo dificuldades de aprendizagem (Gazzaniga & Heatherton, 2007).
As respostas de estresse são, muitas vezes, necessárias e adaptativas em determinadas circunstâncias da vida. Diante de uma situação adversa, o indivíduo é forçado a se adaptar para manter sua sobrevivência, garantindo a homeostase do organismo. Na busca desse ajustamento, o corpo tenta se adaptar às mudanças fisiológicas repentinas, mantendo em equilíbrio seus sistemas fisiológicos, em um processo denominado Alostase. Entretanto, quando o estresse torna-se crônico ou muito intenso, o desfecho para o indivíduo passa para o nível patológico (McEwen, 2003).
As consequências das mudanças que o estresse provoca na vida das pessoas são traduzidas em respostas biológicas e psicológicas. A resposta biológica a eventos estressores depende basicamente do complexo lócus ceruleus-noradrenalina-sistema nervoso simpático e do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA), em especial do hipotálamo (Gunnar & Quevedo, 2007; Kristensen & cols., 2006). Em termos neurobiológicos, a resposta corporal de estresse ativa o sistema nervoso simpático e a hipófise, através do hipotálamo, responsável por gerenciar as emoções e manter o equilíbrio interno. As glândulas suprarrenais liberam adrenalina (epinefrina), com consequente aumento da frequência cardiorrespiratória. Em situações de perigo, além do aumento do ritmo cardíaco, o organismo apresenta outros sinais de alerta: as artérias se contraem, a pressão arterial se eleva, as pupilas se dilatam, aumenta a sudorese, a pele e os pelos do corpo ficam arrepiados, a respiração fica mais acelerada, os esfíncteres anais e urinários se fecham (Gazzaniga & Heatherton, 2007; Weiss, 2007). A liberação dos glicocorticóides, especialmente do cortisol, provoca muitas das respostas corporais do estresse. Este conjunto de alterações, que configura a resposta corporal do estresse, é um mecanismo adaptativo que evoluiu para lidar com estressores agudos (McEwen, 2003). No entanto, quando esse sistema corporal de resposta do estresse permanece cronicamente ativado, os efeitos passam a ser nocivos. Grandes quantidades de cortisol, por exemplo, podem causar danos no hipocampo (Sapolsky, 1996; Weiss, 2007), enquanto alterações no sistema imunológico tornam o indivíduo suscetível a várias doenças.
Já as consequências psicológicas e emocionais ocasionadas pelo estresse envolvem cansaço e confusão mental, dificuldade de concentração, prejuízo na memória, queda da produtividade, irritabilidade, agressividade, apatia, queda da autoestima, desgaste, isolamento, falta de energia, depressão e outras psicopatologias (Charney, 2004; Lipp, 2003; McEwen, 2003; Yehuda, 2002). Ademais, o estresse pode acarretar dificuldades de relacionamento, incluindo distúrbios conjugais e profissionais, além de comportamentos de risco, tais como abuso de substâncias e tendência suicida (Calais, Andrade, & Lipp, 2003; Cicchetti & Walker, 2001; Lipp, 2002). Algumas das consequências decorrentes do estresse também podem impactar o rendimento escolar, já que acarreta dificuldades de concentração, problemas de memória, comportamento hiperativo e hipersensibilidade emotiva (Lipp, 2003).
Resiliência e Coping
A maneira como cada indivíduo reage ao evento estressor vivenciado vai depender, entre outros fatores, das condições psicológicas de que dispõe como, por exemplo, da capacidade de resiliência. A resposta a um mesmo evento estressor pode variar de pessoa para pessoa, dependendo da percepção do estímulo pelo indivíduo e da avaliação cognitiva que realiza sobre a situação estressante, bem como sobre seus recursos para lidar com essa (Regehr, Hemsworth, & Hill, 2001). Assim, não é a gravidade do evento per se que determina diretamente a resposta do indivíduo, mas a avaliação que cada pessoa faz do estímulo estressor (Felsten, 2002; Rutter, 1987).
O termo resiliência provém da física, referindose à propriedade pela qual um corpo retorna a sua forma original após deformidade decorrente de pressão, carga ou tensão em sua estrutura (Ferreira, 1975). Já em Psicologia, resiliência é um fenômeno complexo, que envolve uma gama considerável de fatores e variáveis (Poletto & Koller, 2006). De qualquer forma, alguns autores a definem como a possibilidade de superação de adversidades ou a habilidade em lidar com determinado evento estressor, bem como a capacidade de superá-lo, através de estratégias que permitem ao indivíduo resistir às condições desfavoráveis e estressantes (Pinheiro, 2004; Poletto & Koller, 2006).
Para Flach (1991), o termo resiliência teve origem por volta de 1960, referindo-se às forças biológicas e psicológicas demandadas para atingir os objetivos almejados. Assim, o indivíduo resiliente é capaz de identificar suas dificuldades, resistir e solucionar seus problemas de forma adaptativa.
Moraes e Rabinovich (1996) apontam, como origens de resiliência, os seguintes fatores: atributos da criança (ausência de deficiências orgânicas, temperamento fácil, idade precoce no momento em que vivenciou o trauma, não ter experienciado perdas precoces), atributos do ambiente (cuidados maternais adequados, relações sociais, organização, ter fé) e atributos do funcionamento psicológico da criança (inteligência, resolução de problemas e planejamento, autonomia, adequada autoestima, empatia, desejo e senso de humor). Além disso, traços de personalidade desadaptativos, carência de redes de apoio, condições socioeconômicas desfavoráveis, conflitos familiares, entre outras variáveis, têm sido associadas à baixa capacidade de resiliência, levando ao aparecimento de problemas físicos, psicológicos e sociais, incluindo sintomas de estresse (Pinheiro, 2004; Poletto & Koller, 2006).
Ademais, as estratégias de coping, ou seja, os recursos cognitivos, emocionais e comportamentais que o indivíduo emprega na tentativa de lidar com eventos estressores, também parecem ter influência em situações de estresse (Lisboa & cols., 2002). As estratégias de coping são orientadas para a redução do estresse em situações adversas, envolvendo reações físicas ou emocionais (Antoniazzi & cols., 1998).
Os comportamentos associados ao coping e seus determinantes cognitivos e situacionais começaram a ser investigados a partir da década de 1960, por Lazarus e Folkman (Folkman & Lazarus, 1980, 1985; Lazarus & Folkman, 1984). Conforme o modelo desses autores, o processo de coping envolve quatro características principais: (a) interação entre o indivíduo e o ambiente; (b) administração da situação estressora, ao invés de controle ou domínio da mesma; (c) pressupõe a noção de avaliação, ou seja, como o fenômeno é percebido, interpretado e cognitivamente representado na vida do indivíduo; (d) mobiliza esforços, através dos quais os indivíduos irão empreender esforços cognitivos e comportamentais para administrar as demandas internas ou externas que surgem da sua interação com o ambiente.
Autores destacam a importância de se distinguir estratégias de coping processo situacional que inclui ações cognitivas dirigidas a um episódio de estresse específico de estilos de coping processo disposicional relacionado a traços de personalidade do indivíduo (Antoniazzi & cols., 1998; Dell’Aglio, 2003). As estratégias de coping, sendo caracterizadas como situacionais, podem mudar de acordo com o momento e com o estágio da situação estressante (Folkman & Lazarus, 1980). Assim, podem ser classificadas em dois tipos: focalizadas na emoção esforços para administrar ou regular as emoções negativas associadas ao episódio de estresse e focalizadas no problema esforços despendidos pelo indivíduo para mudar ou administrar alguns aspectos de um ambiente, uma pessoa ou uma relação percebida como estressante (Dell’Aglio & Hutz, 2002).
A estratégia de coping empregada no manejo de uma situação adversa depende da avaliação que o indivíduo realiza a respeito de tal situação (Folkman & Lazarus, 1980). Dessa forma, em situações avaliadas como modificáveis, a pessoa tende a empregar estratégias focalizadas no problema, enquanto que, em situações avaliadas como inalteráveis, as estratégias focalizadas na emoção são as mais utilizadas. Porém, tanto as estratégias focalizadas no problema como as estratégias focalizadas na emoção são utilizadas em praticamente todas as situações estressantes (Compas, 1987).
Mates e Allison (1992), em um estudo que buscou identificar as maiores fontes de estresse e as estratégias de coping de estudantes do ensino médio, observaram que a maioria das respostas de coping mencionadas referiamse a estratégias de distração que envolviam relaxamento, prática de exercícios, abuso de substâncias, entre outras alternativas. Os autores ressaltam que, embora essas ações aliviem temporariamente os sintomas do estresse, elas não atuam na fonte do problema propriamente dito.
Estresse e Coping na Adolescência: Implicações na Aprendizagem
A adolescência é um período de preparação para a vida adulta caracterizado por intensa fragilidade, incluindo transformações físicas, cognitivas e psicossociais (Câmara e Carlotto, 2007; Kaplan, Sadock, & Grebb, 1997; Osório, 1992; Palacios, 1995). Assim, a influência do meio ambiente e das práticas parentais mostram-se essenciais para o desenvolvimento da resistência ou da vulnerabilidade ao estresse (Pereira & Tricoli, 2003). Desde a infância, o indivíduo apreende, de suas redes sociais (em especial dos pais), uma gama de atitudes e comportamentos que terão influência no modo como ele vai lidar com situações adversas. Nessa fase do desenvolvimento, o estresse pode estar associado a questões da dinâmica familiar, como relacionamento conjugal dos pais, violência doméstica, agressão verbal e morte na família (Antoniazzi & cols., 1998; Compas, 1987; Dell’Aglio, 2003). Alguns desses aspectos continuam ocorrendo na adolescência e somam-se a novas situações que também provocam reações de estresse.
Tem sido sugerido um aumento do estresse na adolescência (Piko, 2001). Nesse período, os eventos estressores incluem, entre outros, discussões com colegas, amigos e familiares, imagem corporal e incertezas sobre o futuro (Seiffge-Krenge, 2000). Em um estudo que investigou a frequência e o impacto de eventos estressores em uma amostra de adolescentes, verificou-se que os cinco eventos mais frequentes nessa população foram: ter provas no colégio, discutir com amigo(a)s, morte de algum familiar (que não pais ou irmãos), ter que obedecer às ordens de seus pais e ter brigas com irmãos(ãs) (Kristensen, Leon, D`Incao & Dell’Aglio, 2004), revelando que problemas escolares e familiares são comuns nessa etapa da vida. Segundo Aysan (2001), a ansiedade diante de situações de avaliação acadêmica como testes e provas pode tornar-se uma importante fonte de estresse para os adolescentes, principalmente quando o desempenho influencia oportunidades futuras relacionadas à vida profissional.
Durante a adolescência, o indivíduo pode se deparar com situações para as quais ainda não apresenta um repertório de estratégias consolidado. À medida que o sujeito vai se desenvolvendo, novas tarefas vão surgindo, exigindo diferentes habilidades e estratégias de enfrentamento para que consiga dar conta dessa demanda. Portanto, durante a adolescência, quando o indivíduo não consegue flexibilizar as estratégias para enfrentar tais situações, pode envolverse em comportamentos de risco na tentativa de conseguir lidar com esses acontecimentos (Scandrolio & cols., 2002).
Assim, considerando a variabilidade dos eventos estressores em diferentes fases do desenvolvimento, Ryan-Wenger (1992) destaca a necessidade de uma teoria de stress-coping específica para essa faixa etária, já que a maior parte dos trabalhos sobre coping em crianças e adolescentes baseia-se na teoria de estresse de Lazarus e Folkman (1984). Desse modo, ressalta-se a importância de que as estratégias, recursos e estilos de coping de crianças e adolescentes sejam investigados, levando-se em conta as suas características biológicas e psicossociais como a relação de dependência com adultos que configuram essas fases do desenvolvimento (Antoniazzi & cols., 1998).
Nas pesquisas sobre coping em crianças e adolescentes, observam-se diferenças quanto ao gênero e à idade, mostrando que, em relação ao gênero, a vulnerabilidade ao estresse depende, entre outros fatores, do tipo de estressor envolvido (Calais & cols., 2003). Meninos usam estratégias mais competitivas, enquanto que as meninas utilizam estratégias pró-sociais, sendo que as diferentes formas de socialização entre meninos e meninas poderiam explicar as estratégias de coping utilizadas (Frydenberg & Lewis, 1993; Lopez & Little, 1996). Outro estudo realizado com adolescentes mostrou que os meninos têm um perfil mais voltado para a busca de apoio externo, enquanto que as meninas apresentam um perfil mais autodirecionado (Câmara & Carlotto, 2007). Adicionalmente, em uma pesquisa realizada por Kristensen, Schaefer e Busnello (no prelo) com adolescentes, constatou-se que os meninos tendem a utilizar mais estratégias de afastamento e aceitação de responsabilidade do que as meninas. Entretanto, Dell’Aglio e Hutz (2002) encontraram resultados diferentes, mostrando que, entre crianças de 8 a 10 anos de idade, as estratégias de busca de apoio social são as mais utilizadas, sem diferenças quanto ao gênero.
Quanto à idade, verifica-se que estratégias de coping focalizadas no problema são adquiridas mais cedo, desenvolvendo-se, aproximadamente, até os 8 ou 10 anos de idade, enquanto que o coping focalizado na emoção aparece mais tarde, no final da infância e início da adolescência (Compas, Banez, Malcarne & Worsham, 1991). Entretanto, apesar de os adolescentes utilizarem mais estratégias de coping focalizadas na emoção do que as crianças, não há diferenças na comparação entre adolescentes e adultos jovens, demonstrando que as mudanças em relação às estratégias de coping ocorrem até o final da adolescência. Numa pesquisa que investigou as estratégias de coping mais utilizadas por crianças e adolescentes, evidenciou-se que a busca do apoio externo (pais, irmãos mais velhos, professores etc.) foi a estratégia mais empregada diante de conflitos com os colegas. Todavia, quando os problemas advinham de dificuldades com professores, a estratégia mais apontada foi “não fazer nada” (Lisboa e cols., 2002). Por fim, em estudo com adolescentes, Mates & Allison (1992) verificaram que as estratégias de coping mais utilizadas foram aquelas que envolvem atividades de distração, cuja finalidade é diminuir a ansiedade provocada pela condição estressante.
O impacto negativo que os diferentes eventos estressantes causam na vida do adolescente é evidenciado também na aprendizagem. A aprendizagem é um processo contínuo que ocorre durante todo o ciclo vital, no qual o ser humano está constantemente recebendo novas informações que podem ser integradas a experiências e conhecimentos prévios. Tal processo provoca mudanças comportamentais relativamente permanentes, através de experiências anteriores vivenciadas pelo indivíduo (Campos, 1986; Sadock & Sadock, 2008; Zanella, 2006). Do ponto de vista neurobiológico, a aprendizagem ocorre quando uma informação completamente nova chega ao Sistema Nervoso Central sem que nenhuma informação prévia seja evocada (Riesgo, 2006).
A aprendizagem decorre de diversas situações, inclusive de circunstâncias informais que ocorrem fora do contexto escolar ou acadêmico. Portanto, na tentativa de mensurar o aprendizado, depara-se com dificuldades metodológicas importantes, já que a aprendizagem caracteriza-se como um processo ininterrupto. Desse modo, existem instrumentos e procedimentos específicos utilizados para esse propósito. A avaliação psicológica utiliza instrumentos psicométricos que indicam o funcionamento intelectual e as habilidades cognitivas do indivíduo. A avaliação psicopedagógica, por outro lado, verifica a compatibilidade entre o desempenho da criança em atividades cognitivas e sua faixa etária (ou escolaridade), sendo que, para cada área da aprendizagem, existem testes e protocolos específicos (Kaefer, 2006). A observação do desempenho escolar apresentado pelo indivíduo também é uma alternativa viável, pois possibilita compreender, ainda que parcialmente, a evolução desse processo (Zanella, 2006).
Pesquisas apontam que a aprendizagem pode ser influenciada, positiva ou negativamente, por diferentes aspectos, como problemas socioeconômicos, físicos e pedagógicos (Gazzaniga & Heatherton, 2007; Gerrig & Zimbardo, 2005; Rotta, 2006; Sternberg, 2008). Alguns estudos mais recentes também têm evidenciado a forte influência de eventos estressores no desempenho escolar dos estudantes (Brancalhone & cols., 2004; Lipp, 2004; Lipp & Novaes, 2000; Sbaraini & Schermann, 2008). Dentre esses fatores, o ambiente escolar parece ser mais significativo no desempenho acadêmico dos estudantes do que questões relacionadas ao contexto familiar (Rutter, 1989). Assim, as dificuldades de aprendizagem, anteriormente atribuídas apenas a déficits cognitivos, têm sido associadas, nos últimos anos, a fatores relacionados à família (escolaridade dos pais, importância dada pelos pais à aprendizagem, condições socioeconômicas da família, problemas de drogadição, alcoolismo, desemprego) e à escola (condições físicas da sala de aula, condições pedagógicas/material didático, relacionamento com o professor) (Enumo, Ferrão, & Ribeiro, 2006; Oatley & Nundy, 2000).
Contudo, observa-se um desacordo na literatura revisada quanto à tentativa de estabelecer uma relação de causa e efeito entre problemas emocionais e fracasso escolar. Assim, Guay, Boivin e Hodges (1999) sugerem que os problemas psicológicos induzem às dificuldades acadêmicas, mostrando que experiências negativas com os pares geram sentimentos de solidão, o que, por sua vez, leva ao baixo desempenho acadêmico. Alguns estudos também apontam que eventos estressantes que ocorrem ao longo da vida podem influenciar a capacidade de adquirir novas informações, sugerindo uma relação entre estresse e prejuízos na memória. No entanto, nem sempre esta influência resulta em prejuízos. Por exemplo, Shors (2006) sugere que uma experiência estressante pode aprimorar alguns aspectos envolvidos na aprendizagem, como o medo condicionado ou processos relacionados com a aprendizagem de estímulos ameaçadores.
Outros autores, entretanto, argumentam que são as dificuldades acadêmicas e o fracasso escolar que ocasionam prejuízos no funcionamento psicossocial, tornando o indivíduo particularmente vulnerável ao desajustamento na escola e a problemas emocionais (Goldstein, Paul, & Sanfilippo-Cohn, 1985; Martínez & Semrud-Clikeman, 2004). Ademais, Mishna (1996) diz que distúrbio de aprendizagem é um preditor de problemas emocionais e sociais, sobretudo no período da adolescência. Chapman (1988), por sua vez, defende uma posição que foge da discussão sobre o que é causa e o que é consequência, apoiando a ideia de que dificuldades acadêmicas e problemas emocionais coexistem. Shors (2006) salienta, ainda, a grande dificuldade em relacionar o estresse e a aprendizagem, visto a ampla gama de variáveis que podem interferir nessa relação, tais como sexo, idade e tipo de estressor.
Embora os autores apresentem ideias divergentes acerca da relação entre dificuldades acadêmicas e problemas emocionais, indivíduos com dificuldades de aprendizagem podem ter prejuízos específicos e severos em uma ou mais áreas acadêmicas. Entretanto, existem poucos dados relacionados às dificuldades psicossociais apresentadas por alunos que têm distúrbios de aprendizagem em disciplinas específicas, como, por exemplo, matemática. Alguns trabalhos, porém, indicam que estudantes com baixo rendimento escolar costumam experienciar mais isolamento e vitimização, além de obterem menos satisfação social do que aquelas pessoas que não apresentam nenhum tipo de distúrbio na aprendizagem. Todos esses desajustes, em conjunto, podem levar a diversas patologias, como depressão e ansiedade (Martínez & Semrud-Clikeman, 2004).
Em um estudo que avaliou o nível de estresse em crianças e adolescentes de 6 a 16 anos, Plante e Sykora (1994) encontraram uma correlação negativa entre estresse e compreensão verbal no teste de QI, sugerindo uma possibilidade de efeitos recíprocos entre estresse e desempenho escolar. Entretanto, convém salientar que aspectos da própria pessoa podem interferir na aprendizagem, como problemas físicos, psicológicos ou neurológicos (Enumo & cols, 2006). A partir desses fatores apontados, o indivíduo pode experimentar sentimentos de insegurança, timidez, ansiedade, baixa autoestima e falta de motivação.
Martínez & Semrud-Clikeman (2004) avaliaram o ajustamento emocional e o funcionamento escolar de três grupos de adolescentes, sendo um composto por indivíduos com múltiplas dificuldades de aprendizagem (mais de uma disciplina), outro com dificuldade em uma única disciplina (matemática, por exemplo) e outro grupo sem dificuldades de aprendizagem. Os resultados mostraram que os adolescentes com múltiplas dificuldades tiveram desempenho inferior aos adolescentes sem dificuldades quanto a desajustamento escolar, sintomas emocionais, atitude em relação à escola e depressão. Contudo, esses indivíduos apresentaram desempenho muito semelhante ao dos adolescentes com uma única dificuldade de aprendizagem. Os autores observaram que tanto o grupo com múltiplas dificuldades quanto o grupo com uma dificuldade específica se diferenciaram do grupo sem dificuldades, especialmente quanto ao sentimento de inadequação. Além disso, foi evidenciada uma diferença em relação ao sexo, já que as meninas apresentaram mais sintomas emocionais, estresse e depressão, enquanto que os meninos reportaram mais desajustamento escolar.
Como já foi discutido anteriormente, nem todas as pessoas que vivenciam situações estressantes desenvolvem sintomas de estresse ou outras patologias. Nesse sentido, alguns trabalhos fornecem indícios de que a inteligência e algumas outras habilidades associadas à aprendizagem, como memória verbal, podem indicar se uma pessoa que vivenciou um evento traumático desenvolverá ou não patologias mais severas, tal como o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) (Buckley, 2000; Pitman, Orr, Lowenhagen, Macklin, & Altman, 1991). Ademais, alguns estudos com veteranos de guerra encontraram uma correlação negativa entre inteligência e a probabilidade de um indivíduo desenvolver TEPT, de modo que aquelas pessoas com QI mais baixo mostraram-se mais suscetíveis ao desenvolvimento de sintomas desse transtorno (Pitman & cols., 1991; Vasterling, Brailey, Constans, Borges, & Sutker, 1997).
Considerações Finais
Tradicionalmente, a investigação sobre o estresse envolveu, predominantemente, pesquisas com indivíduos adultos (Calais & cols., 2003; Sbaraini & Schermann, 2008). Assim, ainda existe uma carência significativa de estudos que priorizem a investigação do estresse em crianças e adolescentes, talvez por questões metodológicas (Lucarelli & Lipp, 1999). Dessa forma, o artigo visou explorar os aspectos envolvidos na aprendizagem, a partir das relações entre eventos estressantes, estresse e estratégias de coping utilizadas pelos adolescentes diante de situações adversas.
A adolescência é uma fase caracterizada por diversos conflitos associados à perspectiva de futuro, identidade e transformações corporais decorrentes da puberdade (Carvalho, 1996; Sadock & Sadock, 2008; Steinberg, 1999). Tais conflitos, somados a eventos estressores relacionados a colegas, amigos, familiares e professores, podem ser avaliados como excessivos à capacidade do adolescente de lidar com eles, levando ao estresse (Seiffge-Krenge, 2000).
No entanto, somente a exposição a um evento estressor não é pré-condição para o desenvolvimento do estresse (Hull, 2002; Peres & cols., 2005). Fatores como a capacidade de resiliência e o uso de estratégias de coping eficientes, que permitam ao indivíduo enfrentar de forma adequada esses eventos, levam ao crescimento positivo (Dell’Aglio, 2003; Dell’Aglio & Hutz, 2002; Poletto & Koller, 2006; Trombetta & Guzzo, 2002). Contudo, o fato de o indivíduo não dispor de recursos para lidar com situações adversas pode trazer impacto negativo para a sua vida. Isso repercute, sobretudo, no processo de aprendizagem, refletindo, consequentemente, no baixo desempenho escolar (Brancalhone & cols., 2004; Lipp, 2004; Lipp & Novaes, 2000; Sbaraini & Schermann, 2008).
O processo de aprendizagem deve ser compreendido de forma multifatorial, visto que é influenciado tanto por aspectos intrínsecos ao próprio indivíduo, ou seja, biológicos, emocionais, cognitivos e psicológicos, como por fatores contextuais, relacionados à família, à escola e à comunidade (Zanella, 2006). Além disso, considerando os diversos aspectos que influenciam a aprendizagem, as causas associadas ao baixo desempenho escolar não devem ser minimizadas, uma vez que impactam significativamente a vida das pessoas.
A adolescência, sendo um período de mudanças e conflitos, torna os indivíduos suscetíveis a dificuldades emocionais e psicológicas, o que evidencia a necessidade de combater os fatores que possam estar causando problemas mais sérios, como o estresse. Desse modo, para contemplar a complexidade da aprendizagem, sobretudo durante esse período, ressalta-se a importância do olhar de diferentes profissionais, tanto da área da educação como da área da saúde, incluindo educadores, psicopedagogos, neurologistas, psicólogos e fonoaudiólogos (Kiguel, 1990; Riesgo, 2006). Para tanto, ressalta-se a importância de outros estudos que priorizem o entendimento dos fatores que possam estar implicados nos processos de aprendizagem, permitindo a elaboração de ações direcionadas a amenizar o impacto das situações adversas que afetam o aprendizado e, consequentemente, o desempenho escolar.
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Endereço para correspondência
Christian Haag Kristensen
Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
Av. Ipiranga, 6681, Prédio 11, Sala 936.
Porto Alegre, RS, CEP 90619-900.
Recebido em: 26/05/2009
Reformulado em: 16/12/2009
Aprovado em: 17/12/2009
Sobre os Autores
Fernanda de Bastani Busnello(febastani@yahoo.com.br)
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul .
Luiziana Souto Schaefer (luiziana.schaefer@gmail.com)
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Christian Haag Kristensen (chkristensen@yahoo.com.br)
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul