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Psicologia da Educação
Print version ISSN 1414-6975
Psicol. educ. no.34 São Paulo June 2012
A indisciplina escolar nas representações sociais de professores paranaenses1
The scholar indiscipline in the social representations of teachers from Paraná
La indisciplina escolar en las representaciones sociales de los docentes en Paraná
Edvanderson Ramalho dos SantosI; Ademir José RossoII
IMestrando em Educação pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG) eddieuepg@hotmail.com
IIDocente da Licenciatura em Biologia e do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG)
RESUMO
Com base nas abordagens da teoria das Representações Sociais (Moscovici e Abric) e da Epistemologia e Psicologia Genética (Piaget), neste trabalho investigam-se as representações sociais de professores da Educação Básica das escolas estaduais de Ponta Grossa sobre indisciplina escolar. As informações foram coletadas mediante questionário (N= 271) em que se solicitou a evocação dos docentes sobre as características dos alunos indisciplinados e sobre as causas da indisciplina. As informações censitárias foram analisadas com o auxílio do SPSS; as evocações, pelo EVOC e SIMI; e as justificativas à primeira evocação, pela análise de conteúdo. A análise das informações revela que os docentes descrevem seus alunos com inúmeros déficits morais, atribuindo as razões da indisciplina no ambiente familiar dos estudantes.
Palavras-chave: indisciplina escolar; autonomia; moral.
ABSTRACT
Based in the approaches to the theory of Social Representations (Moscovici and Abric) and the Genetic Psychology and Epistemology (Piaget), the work investigates the social representations of Basic Education teachers of the state schools of Ponta Grossa on School indiscipline. The information was collected by questionnaire (N= 271) in which we asked the evocation of teachers on the characteristics of unruly students and on the causes of indiscipline. The census data were analyzed using the SPSS, the evocations by EVOC and SIMI, and the justifications for the first evocation, through content analysis. Analysis of the information reveals that teachers describe their students with numerous moral deficits, assigning the reasons of indiscipline in the family environment of students.
Keywords: school indiscipline; autonomy; moral.
RESUMEN
Basado en los enfoques de la teoría de las Representaciones Sociales (Moscovici y Abric) y Psicología y Epistemología Genética (Piaget), el trabajo investiga las representaciones sociales de los profesores de la Educación Básica de las escuelas estatales de Ponta Grossa sobre la indisciplina escolar. La información se recogió mediante un cuestionario (N= 271) en el que pedíamos la evocación de los maestros sobre las características de estudiantes indisciplinados y sobre las causas de indisciplina. Los datos del censo fueron analizados con la ayuda de SPSS; evocaciones, EVOC y SIMI; y las justificaciones la primera evocación, el análisis de contenido. El análisis de las informaciones revela que los profesores describen sus alumnos con muchos déficit moral, explicando los motivos de la indisciplina en el entorno familiar de los alumnos.
Palabras clave: indisciplina escolar; autonomía; moral.
Introdução
A escola reflete em seu espaço os problemas e tensões das esferas econômica, social, política, emocional e afetiva, entre outras, "onde as subjetivações das condições vividas nesse tempo acontecem [...] com toda radicalidade" (Justo, 2010, p. 37). Com isso, não é de se estranhar o fato de as tensões e manifestações da indisciplina estarem sempre iminentes como um "barril de pólvora" (p. 37), constituindo-se como "um dos maiores obstáculos pedagógicos do nosso tempo" (Parrat-Dayan, 2008, p. 9). Apesar de a indisciplina ser um problema mundial, "nos países mais pobres, as nuances amplificam-se" (p. 10). De acordo com o Relatório do PISA, "as salas de aula brasileiras são mais indisciplinadas do que a média de outros 66 países avaliados" (OECD, 2009, p. 10). Corroboram nessa direção os achados de Rosso e Camargo (2011), ao relatarem que, com o desinteresse e o desrespeito, a indisciplina é um dos elementos que mais causam desgaste na docência.
A indisciplina escolar não é uma problemática recente; ao contrário, é um fenômeno cujo conceito, as causas e a razão de ser variam no espaço e no tempo (Estrela, 1992). Nas últimas décadas, a indisciplina tem sido objeto de inúmeras investigações que procuraram conceituá-la e explicá-la. As pesquisas transitam entre os campos teóricos da Sociologia, Psicologia, Pedagogia e Psicanálise; os atores do amplo processo de ensino-aprendizagem, professores ou alunos; o espaço escolar, doméstico ou social (Ledo, 2009). Os resultados dessas pesquisas mostram que professores e alunos tratam a indisciplina como um fenômeno causal, de caráter individual (Belém, 2008). Além disso, nessa dinâmica de causalidades as explicações oscilam de acordo com os interesses em jogo e de uma geopolítica imaginária, isto é, uma disputa de poder que cerca as relações escolares, "imbuindo e esquadrinhando a ocupação dos lugares instituídos de docentes e discentes" (Aquino, 1996, p. 156), o qual leva a um permanente campo de lutas entre esses atores escolares. Nessas perspectivas, não se vê a indisciplina como um fenômeno intrínseco da relação cotidiana entre professores e alunos, que é permeada pela cultura e por valores sociais (Belém, 2008; Rosso; Camargo, 2011).
Assim sendo, entende-se a indisciplina como um fenômeno complexo, de múltiplas causas, "uma vez que articula várias dimensões" (Parrat-Dayan, 2008, p. 15). Pedro-Silva (2010, p. 28) destaca que as razões da indisciplina escolar estão articuladas com a ética e a moral, e salienta que a emergência da indisciplina está atrelada "a razões sociais mais amplas e outras mais ligadas à política educacional". Por sua vez, Rebelo (2011) enfatiza que o aluno não é o único culpado pela indisciplina, como consideram muitos atores escolares, e defende diversas causas e sujeitos da indisciplina. Para Almeida e Bahia (2008, p. 135), a indisciplina reside na incapacidade da escola de incluir alguns alunos que não possuem o perfil por ela esperado, não compreendem as normas escolares e, consequentemente, acumulam problemas escolares e de aprendizagem, "provocando [...] a indisciplina e displicência que se traduzem em falta de respeito dos alunos junto a seus professores" (p. 135).
Apesar de a indisciplina estar relacionada a múltiplos fatores internos e externos à escola, "ao professor é exigido que lhe dê a melhor resposta de carácter pedagógico" (Amado, 2001, p. 1). Parrat-Dayan (2008, p. 139), numa perspectiva piagetiana, considera a indisciplina "um sintoma da má adaptação do sistema escolar às necessidades de cultura e de saber da sociedade atual". Segundo a autora, para a superação da indisciplina há necessidade de uma mudança na educação em seus diferentes níveis, visando à estruturação de uma escola democrática, que tenha o aluno por princípio e fim.
A despeito das queixas, as contribuições de pesquisas não têm conseguido aglutinar estratégias de enfrentamento, nem romper com práticas estereotipadas, pois seus resultados precisarão ser metabolizados pelos atores escolares para chegarem à escola, levando-se em conta as grades de leitura do contexto escolar (Gatti, 2001). Assim, com suas vivências e explicações tópicas sobre a (in)disciplina (Parrat-Dayan, 2008), cada professor amplia as discussões entre colegas, gestores, familiares e alunos, entre outros. De particular, a indisciplina torna-se um tema circulante e partilhado nas escolas; mas, inversamente à sua candência, encontram-se fundamentos teóricos em sua discussão (Estrela, 1992).
Os professores, ao agirem "intuitivamente e com base na experiência" (Ledo, 2009, p. 110), constroem representações sociais que são fruto de atitudes, imagens e conhecimentos construídos uns sobre os outros (Moscovici, 1978). Essas representações não se localizam apenas nos planos subjetivos ou intrapessoais, mas são circulantes e partilhadas; portanto, são sociais. Sendo "teorias espontâneas" (Jodelet, 2007) de docentes imersos no contexto escolar, as representações sociais carregam corpos teóricos com o objetivo de traduzir ao incômodo e desagradável, de papéis e expectativas frustradas. São verdadeiras reconstruções que buscam o consenso e a legitimação de posições. Nesse contexto, os professores constroem suas representações sociais sobre a norma ou a sua violação; sobre a disciplina e a indisciplina.
Com base nisso, pergunta-se: quais são as representações sociais dos professores da Educação Básica das escolas estaduais de Ponta Grossa-PR sobre a indisciplina escolar? Parte-se da premissa de que "toda intervenção centrada na mudança da realidade social implica uma valorização dos saberes populares" (Jodelet, 2007, p. 53), baseada no diálogo (Freire, 1987). Com isso, se houver a pretensão de se mudar a cultura escolar sobre os problemas disciplinares, o primeiro passo é captar a visão de mundo e as representações sociais de seus atores.
Dessa forma, a pesquisa tem por objetivo desvelar a provável estrutura das representaçõees sociais dos professores sobre a indisciplina escolar. Através de evocações das características e definições dos docentes sobre "alunos indisciplinados" e sobre as explicações das "causas da indisciplina", pode-se ter a possível composição do núcleo central e do sistema periférico da representação social docente sobre a indisciplina.
As hipóteses iniciais de pesquisa são as seguintes: a disciplina é supervalorizada, assumindo um caráter de finalidade; são pouco considerados os aspectos pedagógicos promotores de situações de indisciplina em sala de aula. Espera-se, com o desenvolvimento da pesquisa, obter elementos que subsidiem ações visando à gestão escolar e à formação de professores.
Para responder às questões de pesquisa, apropriou-se da abordagem estrutural das representações sociais (Abric, 2003) e da Epistemologia e Psicologia Genética. Na seção a seguir, mostra-se que há uma complementaridade teórica e diálogo entre esses dois campos de estudos.
Representações Sociais e Epistemologia e Psicologia Genética: aproximações teóricas
O termo representação social designa tanto um conjunto de fenômenos quanto o conceito que o engloba e a teoria usada para explicá-lo (Sá, 1998). A teoria da Representação Social apresenta uma nova maneira de analisar a relação de mútuo condicionamento entre indivíduo e sociedade. Moscovici (1981, p. 2) assume que "indivíduos e grupos são qualquer coisa, menos receptores passivos, e que eles pensam de forma autônoma, constantemente produzindo e reproduzindo representações". Nesse sentido, as representações sociais são uma forma de conhecimento pela qual as pessoas no cotidiano compreendem a realidade, tendo como objetivo "tornar familiar algo não familiar ou a própria não familiaridade" (Moscovici, 1978, p. 54). Sua finalidade é a "elaboração de comportamentos e a comunicação entre os indivíduos" (p. 28).
O campo de estudo da teoria da Representação Social apresenta três abordagens diferentes e complementares: dimensional, dinâmica e estrutural. A abordagem dimensional analisa os processos de formação e gênese das representações sociais; a dinâmica enfatiza como as representações sociais interferem na vida cotidiana das pessoas; e a estrutural busca descrever a estrutura interna e a organização das representações (Torres, 2010). No presente artigo, discutem-se as representações sociais docentes sobre indisciplina segundo a abordagem estrutural (Abric, 2003).
Devido às suas especificidades, a abordagem estrutural chegou a se formalizar em teoria, a chamada teoria complementar do núcleo central (Sá, 1996). Ao desenvolver a ideia dimensional de campo de representação, Abric e seus colaboradores (2003) detalham que as representações sociais são formadas por dois sistemas complementares com funções distintas: o núcleo central e o sistema periférico. O núcleo central é estável, coerente, consensual, rígido, historicamente condicionado e resistente a mudanças. Por outro lado, o sistema periférico é flexível, adaptativo, relativamente heterogêneo quanto ao seu conteúdo e mais sensível a mudanças. Dessa forma, para esses pesquisadores, a identificação apenas do conteúdo de determinada representação social não basta para conhecê-la e defini-la. É a organização estrutural que é essencial e deve ser buscada.
A indisciplina escolar, além de ser uma representação social para a Psicologia Social, é uma construção moral na Epistemologia e Psicologia Genética, visto que nessa teoria a norma é fruto de construções de práticas sociais, não estáticas ou suprassociais. Assim sendo, os sujeitos participam ativamente na construção das regras, processo que se inicia pela ausência ou incompreensão da regra até a plena autonomia (Piaget, 1932/1977).
Piaget destacou um caminho psicogenético no desenvolvimento infantil da moralidade. Esse caminho, que não é automático, mas sim uma possibilidade, inicia-se com a anomia, passando pela heteronomia, em direção à autonomia. A anomia, a ausência de regras, é própria de recém-nascidos e crianças pequenas que não entendem as regras da sociedade e não sabem o que deve ou não ser feito. Por sua vez, a heteronomia remete à existência de regras aos sujeitos, mas com fontes variadas ou externas a eles. Os sujeitos têm conhecimento da existência de regras que devem ou não ser feitas, porém quem as determina são os outros. Finalmente, tem-se a autonomia, na qual o sujeito sabe que existem regras para se conviver em sociedade, e essas regras estão nele próprio. Essa fase é caracterizada pela cooperação e pelo respeito mútuo, que podem conduzir à ética da solidariedade e da reciprocidade, a qual, por sua vez, conduzirá a uma autonomia progressiva da consciência (Araújo, 1996; Piaget, 1932/1977).
Logo, para a superação da indisciplina a meta a ser seguida nas relações pedagógicas passa a ser a do desenvolvimento da autonomia do discente. Como tal, a indisciplina necessita ser compreendida como resultante do processo de socialização/descentração que leva o aluno a sair de seu egocentrismo, característico dos estados de heteronomia, para cooperar e submeter-se (ou não) conscientemente às regras (Piaget, 1932/1977). Assim, não se trata de "fazer belos discursos sobre o bem e o mal, mas o de organizar o convívio escolar de forma que esse seja a expressão da justiça e dignidade" (La-Taille, 2010, p. 14-15). Com regras, sim, mas construídas, partilhadas e avaliadas com a participação de todos.
Há uma complementaridade teórica entre a teoria da Representação Social e a Epistemologia e Psicologia Genética. A primeira nos dá o contexto das produções e significações dos sujeitos e grupos sociais, permeadas pelos conhecimentos, atitudes e imagens circulantes. A Epistemologia e Psicologia Genética apresenta os planos possíveis dessas construções como expressão de práticas e experiências heterônomas ou autônomas. Assim, ela é um traçado possível de como os sujeitos podem, em relações cotidianas, integrar e construir formas relacionais baseadas na cooperação, na reciprocidade e na justiça.
Metodologia e sujeitos da pesquisa
Com o intuito de desvelar a provável estrutura da representação social docente da indisciplina escolar, apropriou-se da técnica das evocações (Sá, 1996). Essa técnica consiste em solicitar aos sujeitos que, a partir de um termo indutor apresentado pelo pesquisador, digam palavras ou expressões que lhes tenham vindo prontamente à lembrança. As palavras que têm a maior frequência de evocação e a menor ordem média de evocação são as que provavelmente compõem o núcleo central da representação social (Batista, 2007; Sá, 1996). E mais: quanto maior o número de laços ou conexões que dada evocação mantenha com os outros elementos da representação social, maior sua probabilidade de participação no núcleo central. Para constatar a conexidade dos elementos da representação se faz uso da análise de similitude (Flament, 1986).
Assim sendo, solicitou-se no questionário que os sujeitos listassem cinco palavras ou expressões que descrevessem um "aluno indisciplinado", bem como indicassem as "causas da indisciplina". Após as evocações, os docentes deveriam justificar em algumas frases a palavra ou expressão evocada que era para eles a mais relevante - etapa que possibilita a recontextualização da evocação (Rosso; Camargo, 2011). Desse modo, a técnica das evocações permite o acesso a elementos que não estariam facilmente identificados no nível discursivo.
Após coletadas, as evocações foram agrupadas e substantivadas segundo núcleos de significados comuns (Batista, 2007). Em seguida, elas foram analisadas com o apoio do software EVOC - Ensemble de programmes permettant l'analyse des evocations, de Vergès (1992), que ajuda a identificar os prováveis elementos do núcleo central e do sistema periférico.
O questionário foi apresentado aos professores durante o segundo semestre de 2011 e início de 2012, em 18 escolas estaduais de Ponta Grossa. Em 15 escolas, o instrumento foi aplicado nas reuniões pedagógicas; nas outras três, nos intervalos das aulas. O questionário seguiu os cuidados éticos lembrados por Spink (2000): consentimento informado, resguardo das relações de poder abusivas e anonimato. As 18 escolas escolhidas para pesquisa fazem parte do universo de 50 escolas estaduais de Ponta Grossa, as quais somam atualmente 1.624 professores e atendem a 41.414 alunos do Ensino Fundamental, Médio, Pós-Médio e Técnico (SEED-PR, 2012).
Participaram da pesquisa 283 professores, dos quais 12 não assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido autorizarando a divulgação das informações que constavam no questionário. Dos 271 professores que o autorizaram, 125 dispuseram-se a fornecer informações complementares, indicando telefone e/ou e-mail para contatos futuros. As informações censitárias dos 271 professores participantes da pesquisas estão reunidas na Tabela 1.
A análise das informações abrangeu os seguintes procedimentos: análise das evocações para desvelar o provável núcleo central e o sistema periférico da representação social; levantamento do conteúdo (Bardin, 1977) das justificativas dadas à evocação listada em primeiro lugar pelos sujeitos; análise das evocações para alçar a contribuição dos diferentes subgrupos censitários na constituição da representação social; exame da conexidade das evocações mediante as co-ocorrências e as similitudes.
Análise das informações coletadas
Os termos indutores aluno indisciplinado e causas da indisciplina originaram dois grupos de evocações. No primeiro grupo - aluno indisciplinado -, os 271 docentes evocaram 1165 palavras, as quais, após tratadas e substantivadas, constituíram um universo de 65 palavras diferentes. Na análise realizada pelo EVOC, 284 palavras com frequência menor que 21 foram descartadas. Já do total de 65 palavras diferentes evocadas pelos docentes, 19 integram os quadrantes da provável estrutura da representação e possuem uma frequência média de evocação de 46. Essas palavras estão distribuídas na Tabela 2, na qual se observa que a ordem mediana de evocação (OME) calculada pelo programa é de 2,8.
A Tabela 2 é organizada por quadrantes: os dois superiores contêm as palavras com frequência > 46, e os inferiores contêm as palavras cuja frequência é < 46; os quadrantes da esquerda contêm as palavras com OME < 2,8, e os da direita, as palavras com OME > 2,8. O núcleo central, pela sua alta frequência e baixa OME, congrega os elementos que possivelmente constituem o núcleo central da representação social, no qual se encontram os termos mais consensuais dessa representação. Já a 1ª Periferia incorpora as evocações mais frequentes, mas que dificilmente são lembradas com prontidão. Por sua vez, a Zona de Contraste reúne as evocações que são lembradas por poucas pessoas, porém com pronta evocação. Por fim, a 2ª Periferia reúne os prováveis elementos periféricos da representação social, em função de sua baixa frequência e elevada OME.
No presente caso, o provável núcleo central da representação social sobre o aluno indisciplinado é composto pelas evocações "Ausência da família", "Ausência de limites", "Desinteresse", "Desrespeito" e "Mal educado". A análise de conteúdo das justificativas apresentadas pelos docentes a essas expressões possibilita a compreensão de que esses possíveis elementos centrais estão entrelaçados, pois os mesmos se completam e explicam-se mutuamente.
A categoria desinteresse englobou, entre tantos, as evocações: "desinteressado", "não quer estudar", etc. Nas justificativas dos docentes, nota-se que o desinteresse expressa a quebra de expectativa e de retorno sobre o trabalho despendido pelo professor. O aluno desinteressado demonstra negação e indiferença ao esforço empreendido na formação e atualização docente, "gerando o sentimento de impotência e inadequação dos esforços empreendidos" (Rosso; Camargo, 2011, p. 278). Em suas justificativas, os professores atestam que muito desse desinteresse reside na ausência da família.
O desinteresse passa pela falta de motivação e apatia, normalmente a família é ausente na vida escolar do aluno, imperando a desestruturação familiar e agressividade, gerada pela bebida, drogas e prostituição. (Prof. 52)
Há desinteresse tanto dos alunos quanto de seus pais pela escola. (Prof. 43)
Uma das causas da indisciplina na sala de aula são as dificuldades que o aluno encontra em resolver as atividades. (Prof. 222)
Por sua vez, a categoria substantivada mal educado foi formada a partir das evocações: "falta de educação", "malcriado", "má educação familiar", etc. Na análise das justificativas, observa-se que para os professores o aluno indisciplinado teria uma ferida moral, devida à ausência de formação familiar adequada. Assim, ele é mal educado por causa da família ausente, e por isso não tem limites, é desinteressado e desrespeita a todos. Com essas explicações, os docentes parecem atribuir única e exclusivamente à família a responsabilidade pelo comportamento do aluno na escola.
Não recebeu a devida educação familiar para o comportamento necessário nas diversas situações de socializações. (Prof. 75)
Geralmente um aluno mal educado é aquele com má influência familiar, com família desestruturada, que não dá amor e atenção a seus filhos, nem impõe limites aos mesmos. (Prof. 141)
Um aluno indisciplinado é aquele que não recebe formação adequada da família na qual está inserido. (Prof. 84)
Nesse sentido, percebe-se que esses docentes tergiversam sobre sua responsabilidade e a da escola na formação moral de seus alunos. Tal representação não está em consonância com os postulados sobre moral na Epistemologia e Psicologia Genética, visto que o desenvolvimento moral se processa em todas as instâncias sociais e seu sucesso reside na capacidade de o sujeito ter acesso a relações sociais qualitativamente distintas, principalmente as de cooperação social, que podem conduzir a autonomia moral. Assim, o desenvolvimento moral não é responsabilidade, apenas, da família; a escola também tem um papel indispensável nesse desenvolvimento, com a promoção de um ambiente cooperativo e democrático (Parrat-Dayan, 2008).
Quanto à categoria substantivada desrespeito, entre as evocações que a configuraram estão: "sem respeito", "desrespeitar colegas e professores", etc. Denotando uma ausência moral do aluno indisciplinado, o desrespeito é um fator que promove o desgaste do docente, conforme indicam as justificativas. As explicações docentes mostram que essa ausência moral é culpa da má formação familiar, como foi indicado nas categorias anteriores. Além disso, os docentes lamentam a falta de estima e respeito dos alunos em relação aos professores, falta essa que está, certamente, ligada à desvalorização e precarização do trabalho docente pela sociedade, família e governo (Mafra, 1998). Aqui, o ato indisciplinar discente fere as leis morais e éticas baseadas na justiça, na igualdade e na equidade, haja que afronta a dignidade inerente a todo ser humano (La taille, 2010). Ademais, esse desrespeito indica planos morais heterônomos ou de anomia dos alunos, fruto da desorientação e ausência de projetos morais tanto por parte da sociedade, da escola e da família.
Quem não respeita o professor em sala de aula, não respeitará ninguém de qualquer segmento da sociedade. A educação é essencial para qualquer ser humano. Em todos os lugares deve-se haver regras. O descompromisso está vindo das famílias. (Prof. 16)
O desrespeito com colegas, professores e funcionários, fica difícil estabelecer qualquer laço com esses alunos. A visão de escola que eles têm é de inimiga e obrigatória. (Prof. 88)
Porque a maior causa da indisciplina é o desrespeito. Isso devido à desvalorização dos professores enquanto profissionais da educação. (Prof. 94)
Por sua vez, a categoria ausência da família estruturou-se a partir das evocações: "desajustes da família", "desestrutura familiar", "falta de formação familiar", entre outras. Em suas justificativas, os docentes explicam os comportamentos indisciplinados de seus alunos pela ausência ou desestrutura familiar. Para eles, a família seria uma espécie de sustentáculo moral da sociedade, isto é, a "suposta responsável pela socialização primária dos seus filhos e pela sua formação nos esquemas básicos de civilidade" (Garcia, 2006, p. 126). Entretanto, na Epistemologia e Psicologia Genética não existe um único sustentáculo da moral: pelo contrário, para alcançar a autonomia moral o indivíduo necessita ter acesso a relações de cooperação social nos mais diversos e amplos espaços sociais de sua vida.
A família desestruturada não está cumprindo seu dever de educar ensinando valores básicos, como respeito e responsabilidades. (Prof. 5)
A formação de valores familiares deixa muito a desejar na formação de nossas crianças e adolescentes, principalmente respeito e responsabilidade. (Prof. 115)
A base de tudo é a família. Os primeiros anos da vida o aluno passa ao lado da família e seu comportamento reflete o ambiente familiar. (Prof. 153)
Por fim, a categoria substantivada ausência de limites foi usada para descrever as evocações "falta de limite (pelos pais)", "falta de limites em casa", "sem limites na criação (casa)", etc. Essas representações remetem à ideia de que o aluno indisciplinado não possui, nem conhece limites, defeito decorrente de sua má formação familiar. Há nisso uma representação de que o comportamento dos alunos não é fruto das relações que se constroem no dia a dia escolar, e sim pré-condição para a atividade pedagógica. A disciplina é, portanto, supervalorizada (Berton, 2005). Disso decorre que ela " é entendida como fim e não como meio do processo educativo" (p. 13). Algumas justificativas exemplificam a categoria:
Não conhece limites, porque não foi colocado a ele desde criança. Acha que "não dá nada". Não conhece respeito. (Prof. 3)
Os alunos não possuem limites em casa e reproduzem isso na escola. (Prof. 53)
Ele é fruto do seu meio, se faltam limites, regras em seu ambiente familiar, ele irá refleti-los no ambiente escolar; se falta incentivo, ele não conseguirá ver objetivos nos estudos. (Prof. 158)
Dos cinco elementos do provável núcleo central, três destacam um déficit moral do aluno indisciplinado: ausência de limites, desrespeito e má educação. Os outros dois - desinteresse e família ausente - funcionam com características explicativas desse defeito moral. Tais elementos denotam uma quebra da idealização dos professores quanto ao retrato do suposto aluno ideal, já que eles têm em sua frente alunos com carências morais, fora dos padrões idealizados (Mazzotti, 2006).
Na etapa seguinte, investigou-se a existência de contrastes entre subgrupos que constituem a representação social do aluno indisciplinado. Para tanto, cruzaram-se os dados, considerando gênero, faixa etária, contrato de trabalho, área de atuação, condição de docência2, situação familiar, filhos, formação, estágio na carreira e religião. Essas informações foram processadas no Complex, subprograma do EVOC, e estão dispostas na Tabela 3, a qual é composta pelas palavras do provável núcleo central, da 1ª Periferia e da Zona de Contraste, que juntas totalizam 52,36% do universo total de evocações. Há de se notar que as variáveis faixa etária, área de atuação, situação familiar, filhos e estágio na carreira não apresentaram diferenças estatísticas em nenhuma das palavras selecionadas para compor a Tabela 3.
Observa-se na Tabela 3 que as evocações do provável núcleo central - ausência da família, ausência de limites, desinteresse, desrespeito e mal educado - não apresentam diferença estatística. Ou seja, a possível representação social dos docentes sobre o aluno indisciplinado é hegemônica, fortemente compartilhada e consensual: não varia e independe das variáveis selecionadas para análise. Os poucos elementos que apresentam diferença estatística encontram-se no provável sistema periférico - cuja função é justamente aflorar as divergências contextuais e entre subgrupos.
Por fim, analisou-se a conectividade das evocações sobre aluno indisciplinado na da análise de similitude (Figura 1). Essa técnica é baseada na teoria dos grafos e permite averiguar a possível organização da representação, mostrando as relações entre seus elementos, por meio de um filtro de um número mínimo de co-ocorrências entre as evocações (13, no caso desta pesquisa). Os elementos ligados após o corte do filtro são diretamente relacionados ao número de sujeitos que tratam tais termos como similares. Os filtros aplicados foram de 13-14, 15-29, 30-44 e mais que 45 coocorrências. A cada filtro há um traçado e uma espessura correlativa. No meio da linha, observam-se as co-ocorrências, e ao lado dos termos, entre parênteses, pode-se ver a frequência da evocação (Flament, 1986). A análise foi realizada mediante os softwares Simi e Avril, ambos de Vergès (1992).
Na Figura 1, pode-se inferir que dois elementos apresentam alto grau de conectividade e poder organizativo: mal educado e desinteresse. Eles podem indicar a existência de dois campos na representação. Por um lado, mal educado, termo com maior poder associativo com dez arestas, indica forte conotação moral, revelando as feridas e defeitos morais dos educandos. Por sua vez, desinteresse, com oito arestas, apesar de ser um elemento do contexto pedagógico, as cognições associadas a ele e que o explicam estão fora do universo escolar. Assim, junto a desinteresse se conectam cognições de conotação moral.
Observa-se ainda que essas duas cognições centrais - mal educado e desinteresse - estão associadas: foram lembradas simultaneamente 31 vezes. A consistência da representação social pode ser observada nas figuras fechadas ou ciclos que formam os possíveis elementos centrais, mal educado, desinteressado, família ausente e desrespeito, pois estão conexos e inter-relacionados. A integração entre os elementos centrais sugere uma representação social estável e consensual entre o grupo.
Por seu turno, o termo indutor causas da indisciplina originou 1056 evocações dos 271 docentes. Essas evocações, após tratadas e substantivadas, resultaram em 55 palavras diferentes. No processamento realizado pelo EVOC, 242 evocações com frequência menor que 16 foram descartadas. Das 55 palavras diferentes, 22 integram os quadrantes - com uma frequência média de 37 evocações - conforme indica a Tabela 4. Aqui, a OME calculada pelo software foi de 2,7.
De acordo com a Tabela 4, observa-se que algumas das descrições do aluno indisciplinado emigram para o provável núcleo central das causas da indisciplina - "ausência da família", "desinteresse" e "ausência de limites". Inclusive, ausência da família foi citada por 61% dos professores, sendo listada como primeira ou segunda evocação por 121 docentes. Isso sugere que a ausência da família possui uma alta probabilidade de pertencer ao núcleo central da representação social em tela, sendo a principal explicação docente das causas da indisciplina. Nota-se, ainda, que os elementos pedagógicos - despreparo dos professores, aulas monótonas, salas lotadas - são colocados em segundo plano. Porém, é com as justificativas dos docentes a esses termos que se possibilita melhor compreensão da representação social sobre as causas da indisciplina.
A principal explicação dos professores sobre a indisciplina, ausência da família, englobou as seguintes evocações: "ausência de educação familiar", "problemas familiares", "falta de estrutura familiar", etc. Nessas representações, a má educação, o desinteresse, o desrespeito e a ausência de limites dos discentes recaem sobre a ausência de suas famílias. Em suas justificativas, os professores expressam a expectativa de o aluno da escola pública ter uma família participativa e estruturada, como a de um aluno ideal (Mazzotti, 2006). Assim, os docentes compartilham um padrão de família ideal, que possa prover o discente em suas necessidades básicas e afetivas, devendo ser estável do ponto de vista econômico e emocional. Os professores esperam, pois, que os alunos venham de lares em que "o padrão de relacionamento tende a seguir os padrões familiares dominantes" (Barreto, 1980, p. 48). Há nisso uma representação da educação como bancária: aos professores cabe ensinar os conteúdos escolares; e à família, a formação moral e educação dos filhos nos padrões sociais dominantes (Rebelo, 2011). De tal modo, os professores parecem representar a indisciplina por conhecimentos práticos adquiridos dentre seus universos consensuais, em interações intersubjetivas e transubjetivas (Jodelet, 2007); representação oposta aos postulados sobre moral na Epistemologia e Psicologia Genética, que atribui à escola e outros segmentos da sociedade um papel protagonista no desenvolvimento moral dos alunos. As justificativas dadas a expressão ausência da família definem melhor sua dimensão:
A falta de estrutura na família é a única causa, o resto parece ser coadjuvante. (Prof. 39)>
Se os pais que incentivam e cobram resultados de seu filho estiverem presentes na escola, fica muito mais fácil trabalhar. (Prof. 64)
A educação se traz de casa. Nas escolas temos o conhecimento, basta colocar isto em prática e deixar os professores trabalhar. (Prof. 145)
No entanto, há de se notar que a família não pode levar sozinha a culpa pelo atual contexto escolar, pois a mesma já é vítima das condições objetivas das relações capitalistas, principalmente as classes populares, que "já sofrem todo tipo de acusação pelas mazelas sociais" (Pedro-Silva, 2010, p. 160). Além disso, o achado de pesquisa de Varani e Silva (2010, p. 511) mostra que "embora a família exerça um papel fundamental no desenvolvimento das crianças, ela não pode ser considerada como a única responsável pelo seu sucesso ou pelo seu fracasso escolar". Isso porque o mau ou o bom desempenho escolar é dependente de inúmeros fatores - sociais, políticos, econômicos, culturais, etc. - além dos fatores familiares.
Em relação ao desinteresse, nas justificativas observa-se que as explicações do mesmo advêm de fora do universo escolar, apesar de essa evocação remeter ao âmbito pedagógico. O interesse, nessas RS, não é resultado do processo relacional de ensino e aprendizagem, e, sim, um pré-requisito pedagógico: caberia à família despertar esse "interesse" nos alunos (Rosso; Camargo, 2011). Assim, os docentes projetam uma postura defensiva e atribuem à família a responsabilidade pela tarefa de motivar os alunos ao estudo e ao valor do conhecimento. Alguns poucos docentes admitem que esse desinteresse se deve, ao menos em parte, aos conteúdos e métodos tradicionais empregados nas escolas. As justificativas que se seguem ilustram essas visões:
O aluno não tem interesse pelo estudo porque é irresponsável. (Prof. 249)
Não há o menor interesse em aprender, nem sobre o seu conteúdo, como também saber o que acontece a sua volta (economicamente, politicamente...) e essa falta de interesse está ligada a todos os outros itens citados (falta de apoio da família, falta de limites, defasagem de conteúdo e falta de expectativa de vida). (Prof. 271)
O aluno tem acesso a muitas informações e a escola tradicional se torna monótona. (Prof. 247)
Por fim, a indisciplina é explicada com um elemento descritivo do aluno indisciplinado, a ausência de limites. Nessas explicações, a indisciplina é resultado de déficits morais dos discentes, que não conhecem limites, desrespeitam e não reconhecem a autoridade, recaindo a culpa sobre esse fato à família, que não educou corretamente seus filhos. Porém, Aquino (1998) infere "reparos" a essa hipótese explicativa por dois veios: por um lado, salienta que a ausência absoluta de limites é um mito, pois os alunos em geral conhecem limites e internalizam regras em diversos campos (esportivo, linguístico, etc.); por outro lado, argumenta que nos casos em que os discentes "não apresentam as posturas morais mínimas para o trabalho de sala de aula", isso representa "um complicador, jamais um impeditivo" (p. 182) ao trabalho pedagógico. Assim, cabe ao professor exercer suas habilidades docentes e cumprir seu papel, dando a melhor resposta de caráter pedagógico à indisciplina discente; e a escola o desafio de propiciar ao aluno espaços democráticos, onde ele possa ter experiências de cooperação social que possam levá-lo à autonomia da moral. As justificativas abaixo resumem essas ideias:
A falta de limites por parte dos indisciplinados é o grande gerador da indisciplina. Os pais não impõem limites a seus filhos. (Prof. 149)
Quem não é acostumado a ter limites fora da escola dificilmente terá dentro da escola. (Prof. 122)
Os alunos não têm limites estabelecidos pelos pais ou responsáveis, portanto tendem a não respeitar os limites estabelecidos pelos professores. (Prof. 152)
Por sua vez, as justificativas das palavras da possível 1ª Periferia ampliam e contextualizam a representação social das causas da indisciplina, revelando hipóteses fecundas sobre ela: despreparo dos professores, ausência de perspectivas e impunidade. Despreparo dos professores é evocado pelos docentes que enfatizam a relevância das questões pedagógicas no combate à indisciplina em sala de aula. Nessas representações, o aluno e a família deixam de ser os únicos culpados pela indisciplina, e a competência docente é um elemento responsável por criar um ambiente positivo de convívio e cooperação social em sala de aula (Amado, 2001). A ausência de perspectiva é um elemento que procura explicar o desinteresse dos alunos, o qual se deve, nessas representações, à falta de perspectivas futuras e objetivos por parte dos discentes. Por sua vez, a impunidade revela uma atitude de heteronomia dos docentes que a evocaram, pois para eles a indisciplina resulta da falta de punições e castigos num contexto em que a criança "possui muitos direitos e poucos deveres". Algumas justificativas que contextualizam as palavras da 1ª Periferia encontram-se a seguir:
Despreparo dos professores: Na minha situação vejo o controle do professor em relação aos alunos no momento das aulas. Quando os alunos percebem que determinado professor exige organização e sabe usar de sua autoridade, o aluno passa a respeitar e aprende, naquele momento é necessário ser mais cuidadoso nas atitudes. (Prof . 117)
Despreparo dos professores: Quando um professor não planeja sua aula dificilmente vai atrair o interesse do aluno e com isso vai dispersar a turma gerando indisciplina. (Prof. 175)
Ausência de perspectiva: O aluno não tem perspectivas com relação ao futuro e não percebe a importância da escola para o futuro, ou seja, investir para conseguir melhor ascensão social. (Prof. 233)
Ausência de perspectiva: A falta de expectativa ao jovem gerado pela configuração social atual faz com que o conhecimento histórico-cultural se torne um entrave ao conhecimento técnico imediatista e a sua provável atuação no mercado de trabalho. (Prof. 276)
Impunidade: A maioria destes alunos não se sente ameaçada por nenhuma instância de poder. São extremamente protegidos pelo estatuto da criança e do adolescente. (Prof. 21)
Impunidade: A escola não possui autoridade para punir com mais severidade o aluno indisciplinado, pois o sistema limita muito a "autonomia" da escola. (Prof. 109)
Na análise dos subgrupos que contribuíram para a constituição da provável estrutura da representação das causas da indisciplina, observou-se maior heterogeneidade entre os elementos, como consta na Tabela 5. Selecionaram-se, para compor essa tabela, as palavras do provável núcleo central, da 1ª Periferia, da Zona de Contraste, e duas palavras da 2ª Periferia - aulas monótonas e desrespeito - devido às suas frequências significativas. Juntas, essas evocações totalizam 66,1% do universo total de evocações.
As variáveis faixa etária, área de atuação, situação familiar, filhos e nível de formação não apresentaram diferenças estatísticas em nenhuma das palavras selecionadas para compor a Tabela 3. Por sua vez, as variáveis que contribuíram de forma diferenciada são, em ordem decrescente: gênero, contrato de trabalho, religião, estágio na carreira e condição de docência. Nota-se que as duas evocações mais centrais - ausência da família e desinteresse - não sofrem variações. Os elementos do universo pedagógico - despreparo dos professores e aulas monótonas - são mais considerados pelos professores com contratos efetivos, pelos professores com mais tempo de carreira e pelos professores não regentes. Isso se deve ao fato de que os professores mais experientes já construírem estratégias de enfrentamento à indisciplina, em contraste com os professores em início de carreira ou com contratos vulneráveis - PSS - que, devido à inexperiência ou à falta de estratégias, acabam por constituir uma representação social com função defensiva adiante da indisciplina. A contribuição diferenciada dos professores regentes aos elementos pedagógicos está também ligada à função defensiva das representações sociais, justificando "a posteriori as tomadas de posição e os comportamentos" (Abric, 1994 apud Sá, 1996, p. 44). Assim, os professores não regentes, por situarem-se fora da sala de aula, são mais críticos aos elementos pedagógicos quando nomeiam as causas da indisciplina.
Outros achados dizem respeito ao gênero: as mulheres, talvez por conceberem a docência como profissão feminina ou maternagem (Carvalho, 1996), focalizam mais o fato de os alunos não terem boas perspectivas futuras; já os homens situam suas preocupações nas questões estruturais. Quanto ao contrato de trabalho, observa-se que os professores com contratos vulneráveis são os que mais pedem por punições aos alunos, o que indica que possuem estratégias pouco eficazes, pouco democráticas para administrar a sala de aula, devendo-se esse fato, quem sabe, à pouca experiência desses professores e a uma formação inicial defasada (Gatti, 1997). Por fim, a religião dos professores contribui no sentido de que docentes religiosos praticantes consideram mais os aspectos normativos da representação social, indicando mais as carências morais dos educandos; por sua vez, os professores religiosos não praticantes, agnósticos e ateus enfocam as questões funcionais e materiais, como, no caso, as salas lotadas.
No geral, observa-se que os professores em início de carreira são mais intolerantes à indisciplina, tendo, por isso, representações de caráter defensivo diante do problema, negando os elementos pedagógicos, sentindo mais a desvalorização da educação e possuindo atitudes mais heterônomas que os professores com carreira avançada. Tais informações contrariam a hipótese assumida pela pesquisa - de que os professores em final de carreira seriam pouco críticos em relação aos elementos pedagógicos.
Para o procedimento de pesquisa posterior, a árvore de similitude, aplicaram-se os filtros de 13-14, 15-29, 30-44 e mais que 45 coocorrências, que podem ser conferidas na Figura 2. Nela, indicam-se os dois polos que organizam a provável estrutura da representação social docente das causas da indisciplina: o polo normativo (ausência da família) e o polo funcional (desinteresse). A ausência da família destaca-se como o elemento com mais co-ocorrências (14), indicando forte centralidade. Já o polo funcional, desinteresse, com nove arestas, está ligado a duas vertentes: por um lado, pelo triângulo formado pelos elementos pedagógicos "desinteresse", "despreparo dos professores" e "aulas monótonas", de co-ocorrências baixas 13, 13 e 14; e, por outro lado, pelo eixo composto junto à "ausência da família", de co-ocorrência elevada 57, e que acaba formando triângulos junto aos elementos "desmotivação" (15, 20, 57), "ausência de perspectivas" (24, 33, 57), "dificuldade de aprendizagem" (16, 22, 57) e "ausência de limites" (17, 27, 57). Esses triângulos indicam que a maioria das razões docentes sobre o desinteresse recai sobre as carências do aluno ou de sua família, em contraste à baixa co-ocorrência com os elementos pedagógicos. Isso parece confirmar que o desinteresse torna-se pré-requisito pedagógico (Rosso; Camargo, 2011). Logo, é como se os discentes, que têm o direito irrevogável à escola, devessem possuir "pré-requisitos básicos de educabilidade a fim de que o trabalho desenvolvido pela instituição (escolar) seja profícuo" (Barreto, 1980, p. 59). Esse dado também reflete a baixa disposição dos professores de questionarem o atual modelo escolar, já que ratifica a separação de campos de atuação: a família cabe educar e a escola cabe "ensinar" (passar conteúdos).
Considerações finais
Qual a provável estrutura e organização das representações sociais dos professores da Educação Básica das escolas estaduais de Ponta Grossa-PR sobre indisciplina escolar? Na análise das evocações sobre as descrições dos alunos indisciplinados e sobre as causas da indisciplina, notou-se que esses dois termos indutores estão interligados, caracterizando-se por serem representações sociais encaixadas (Abric, 2003). Essas representações descrevem os discentes com inúmeros "déficits morais", resultantes de sua má educação familiar. Além disso, as explicações sobre as razões da indisciplina situam-se fora do universo pedagógico: são exteriores à escola, vindas do ambiente familiar dos educandos, sendo os elementos pedagógicos postos em segundo plano. Inclusive, as informações apresentadas na pesquisa nos levam a concluir sobre a centralidade e o poder organizativo da instituição familiar na estruturação da representação social docente da indisciplina escolar: a família seria a responsável pelo fato de os alunos serem mal educados, desrespeitosos, sem limites, desinteressados e, consequentemente, indisciplinados. Assim, a ausência da família é o núcleo duro e consensual entre os professores, que a aclamam como apoio à docência.
Logo, os professores se tergiversam como corresponsáveis da indisciplina, considerando a família como a razão da indisciplina escolar. Porém, ao professores focarem as causas da indisciplina somente na família, "a escola se isenta de uma revisão interna, já que o problema é deslocado para fora de seu domínio" (Rego, 1996, p. 89). Isso demonstra, entre outros pontos, que a indisciplina é uma problemática que não vem sendo abordada e debatida nos cursos de formação de professores. Esse descompasso faz com que muitos docentes enfrentem a indisciplina a partir de seus conhecimentos adquiridos nos planos subjetivos, intersubjetivos e transubjetivos; e não mediante uma leitura crítica de referenciais teóricos sobre a indisciplina - como Epistemologia e Psicologia Genética.
Isso tudo pode levar, muitas vezes, a atitudes coercitivas, nas quais os docentes impõem regras e normas de modo verticalizado, ação que acaba não sendo satisfatória e inclusive acrescendo o problema. Os professores, cada um de seu modo, seja por meio de experiências que tiveram em casa ou de sua personalidade, procuram a resolução da indisciplina de modo pragmático. Essa pragmática sem o respaldo teórico pode ser perigosa, visto que despreza a importante díade entre a teoria e prática - a práxis (Loureiro, 2007). Isso se traduz em atitudes coercitivas e heterônomas dos professores, o que pode dificultar e não ajudar no desenvolvimento da autonomia moral dos discentes, visto que não são oferecidos a eles experiências de respeito mútuo e cooperação perante as regras sociais.
Na gênese dessas representação, parecem residir idealizações docentes quanto aos alunos e suas famílias, consideradas como reserva moral e produtoras da moralidade social. Isso parece indicar que a escola se mostra apta para trabalhar apenas com alunos que já apresentam o principal valor requerido por essa instituição: um perfil social, econômico e cultural que se distancie da realidade da maioria dos discentes da escola pública brasileira. Assim, ao que tudo indica, os docentes baseiam-se "numa visão de mundo característica da classe média" (Mazzotti, 2006, p. 350), construindo imagens preconceituosas a respeito dos alunos das classes populares e de suas famílias, não refletindo sobre suas condições materiais de existências, valores e interesses.
Dessa forma, as informações da investigação parecem corroborar tendência notada por Barreto (1980, p. 59): apesar de os professores "reconhecerem as falhas da sociedade, terminam por recorrer a argumentos que se prestam a justificar o status quo". Isso devido à ausência de uma "consciência mais clara da maneira como ocorrem as relações entre as diferentes instâncias da sociedade", que leva os docentes a delegar a responsabilidade social - e, no caso em tela, a indisciplina escolar - às famílias das classes baixas. Ou seja, os docentes não exercem sua competência clínica: a capacidade de reconhecer as idiossincrasias do aluno (sua história de vida, experiências prévias, ciência das condições materiais de vida, etc.) (Amado, 2001).
Logo, há um choque entre o modelo de aluno ideal representado pelos professores e o aluno real (e suas famílias reais) que compõe a atual clientela da escola pública brasileira (Mazzotti, 2006). O aluno real (e seu ambiente familiar) é outro: seja pela democratização do ingresso e permanência de alunos das classes populares - com seus valores, cultura, condições objetivas materiais -, nas quais suas famílias nem sempre têm o padrão nuclear burguês; seja por questões sociais e culturais mais amplas, como o ingresso da mulher no mercado de trabalho, ou o novo desenho das novas gerações que tendem a negar mais o autoritarismo (Cazaleiro, 2011). Com isso, cabe à escola incorporar "as tradições culturais dos diversos grupos que fazem parte da sociedade, principalmente daqueles que historicamente vivem em condição de subordinação" (Oliveira, 2009, p. 42).
Logo, novos desafios são postos à escola na contemporaneidade, desafios que os professores sentem-se impotentes para enfrentar - como no caso da indisciplina escolar - cultivando, assim, ao que tudo indica, representações sociais defensivas e idealizadas. Diante disso, os professores sentem-se carentes de "necessidades formativas" (Ramalho; Núñez, 2011, p. 69) perante mudanças que exigem deles "novas formas de estar e de agir" (p. 70), que os confrontam e os instigam a mudar suas práticas pedagógicas e, até mesmo, "a reformular sua identidade profissional" (p. 70). A impotência docente também é resultado da formação precária e da desvalorização do trabalho docente, que os impedem de formação continuada, planejamentos coletivos e condições dignas de trabalho (Oliveira, 2004).
Essas representações parecem estar ancoradas igualmente na representação social do trabalho docente, que consideram apenas sua dimensão técnica (Rosso, 2007; Rebelo, 2011). Desse modo, desconsideram-se as dimensões política, humanística (Rosso, 2007), relacional, pessoal e clínica (Amado, 2001), indispensáveis a um professor competente. Há nessa representação aspirações de que o trabalho docente resume-se apenas a "transmitir conhecimento". Logo, a disciplina é supervalorizada e se torna, ao lado do interesse, pré-requisito pedagógico. É a concepção bancária de educação nutrindo tais representações sociais. De tal modo, Rebelo (2011, p. 12) argumenta que "a indisciplina escolar está relacionada com a concepção bancária de educação desenvolvida na maioria das escolas", defendendo como proposta de superação dessa indisciplina "a concepção problematizadora de educação".
Além disso, as representações sociais docentes expressam a "geopolítica imaginária" que cerca as relações escolares (Aquino, 1996, p. 156). Assim, por meio de suas interações intersubjetivas, os docentes criam identidades, atitudes e scripts diante dos alunos. Expressa em suas representações de caráter defensivo, essa "geopolítica imaginária" leva os professores a se esquivarem como parte do problema da indisciplina, focando suas causas apenas nos aspectos exógenos da escola.
Enfim, a análise da possível estrutura e organização da representação social dos professores da indisciplina escolar mostra que, se por um lado elas representam entraves à construção de uma escola verdadeiramente democrática, conduzindo a certo imobilismo, por outro, essas representações docentes apresentam desafios que podem ser superados a partir de uma ação dialógica e cultural. Mas esse diálogo só pode se efetivar e produzir frutos com a devida valorização da educação e do trabalho docente, dando condições materiais e apoios pedagógicos aos professores. Afinal, a escola deve mudar, mas essa mudança não pode ser imposta; deve ser feita à custa de negociação e diálogo com as representações sociais docentes, sem desconsiderar o papel organizador e defensivo do núcleo central. Portanto, a mudança deve ser feita com os professores, com os alunos, com os atores escolares, e não para eles... Esse é o caminho para chegarmos à escola que todos queremos: aquela que "nega o autoritarismo como nega a licenciosidade. E ao fazê-lo, afirma a autoridade e a liberdade" (Freire, 1987, p. 177).
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1 Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq - e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES - pelo financiamento da pesquisa.
2 Para composição da variável "condição de docência", considerou-se, de um lado, os professores regentes; e, do outro, professores não regentes (professores de Educação Especial e Pedagogos).