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Psicologia da Educação
Print version ISSN 1414-6975On-line version ISSN 2175-3520
Psicol. educ. no.44 São Paulo June 2017
https://doi.org/10.5935/2175-3520.20170004
ARTIGOS
Mediação, empenho e envolvimento na linguagem musical: um estudo em contextos infantis
Mediation, engagement and involvement in the music language: a study in children's contexts
Mediación, compromiso e participación en el lenguaje musical: un estudio en contextos infantiles
Celia Vectore; Thaís Vectore Pavanin; Ana Caroline Dias da Silva; Isis Graziele da Silva; Patrícia Alves Dal Piccolo
Universidade Federal de Uberlândia. vectore@ufu.br
RESUMO
Trata-se de um estudo com o objetivo de identificar variações no empenho de professores de instituições infantis e no envolvimento das crianças, antes e após uma intervenção, voltada para a aprendizagem de conteúdos de música. Para tanto, participaram cinco professoras e 24 crianças com idades entre três e cinco anos. Inicialmente, foram aplicadas e avaliadas as escalas de empenho do adulto e de envolvimento da criança. Em seguida, as professoras participaram de um curso de formação em música, com carga horária de 100 horas e, após o mesmo, houve um acompanhamento semanal das docentes durante cinco semanas. Finalizado o procedimento de intervenção, as professoras e as crianças foram reavaliadas pelos instrumentos citados. Os resultados indicaram melhora nos níveis de empenho dos professores e de envolvimento da criança, contudo as atividades musicais continuaram incipientes na rotina institucional. Novos estudos são necessários para efetivar a inserção efetiva da linguagem musical na educação infantil, além disso, deve-se considerar que capacitações mais aligeiradas, mesmo contendo conteúdo significativo, podem não ser suficientes, para consolidar a aprendizagem dessa importante linguagem para o desenvolvimento da criança pequena.
Palavras-chave: mediação, envolvimento, empenho, linguagem musical, instituição infantil.
ABSTRACT
This study aims to identify variations in the commitment of teachers from children's institutions, as well as the involvement of children, before and after an intervention, focused on learning music content. For this purpose, five teachers and 24 children aged between three and five years participated. Initially, it was applied and evaluated the adult commitment scale and the child involvement scale. The teachers then attended a training course in music, with a workload of 100 hours, followed by a weekly monitoring of teachers for five weeks. After completion of the intervention procedure, the teachers and children were assessed again by the abovementioned instruments. The results showed improvement in the levels of the teachers' commitment and of the children's involvement, although musical activities remained incipient in the institutional routine. Further studies are needed to effect the effective insertion of musical language in early childhood education. Furthermore, it should be considered that faster training, whether or not containing significant content, may not be sufficient to consolidate the learning of this important content for the development of young children.
Keywords: mediation, involvement, commitment, musical language, children's institution.
RESUMEN
Se trata de un estudio con el objetivo de identificar las variaciones en el compromiso de los docentes de instituciones infantiles y la participación de los niños antes y después de una intervención, orientada a contenidos musicales de aprendizaje. Para este propósito, se asistieron cinco profesoras y 24 niños de edades comprendidas entre los tres y cinco años. Inicialmente, se aplicó y se evaluó escalas de compromiso de adulto y de participación del niño. A continuación, las maestras asistieron a un curso de formación en música, con una carga lectiva de 100 horas, y después, hubo un seguimiento semanal de los profesores durante cinco semanas. Terminado el procedimiento de intervención, los maestros y los niños fueron reevaluados por los instrumentos mencionados. Los resultados mostraron una mejora en los níveles de compromiso de los docentes y de participación de los niños, sin embargo, las actividades musicales continuaron incipiente en la rutina institucional. Se necesitan más estudios para efectuar la inserción efectiva del lenguaje musical en la educación infantil, también debe tenerse en cuenta que la formación más aligerado, incluso con contenido significativo, puede no ser suficiente para consolidar el aprendizaje de este importante contenido para el desarrollo del niño pequeño.
Palabras clave: mediación, participación, compromiso, lenguaje musical, institución de niños
O conceito de mediação postulado por Vigotski (1935/1989) possibilitou vários avanços nas práticas educacionais e psicológicas, a partir de sua apropriação e desenvolvimento por vários seguidores. Entre eles, destacam-se as contribuições de Luria (1987), cujos estudos neuropsicológicos mostraram a íntima relação entre desenvolvimento cerebral e estimulação ambiental. Tais estudos permitiram uma compreensão mais ampliada do cérebro e de sua plasticidade (Matsuzaki, Honkura, Ellis-Davies & Kasai, 2004; Jones, 2000; Oliveira, 2014), além do aparecimento de abordagens sobre a aprendizagem humana, que enfatizam a possibilidade da modificação cognitiva (Feuerstein, 1980), por meio da aprendizagem mediada.
Nesse sentido, Feuerstein (1980), Klein (1996), Laevers (1996; 2008) e Meier (2007) desenvolveram instrumentos com o propósito de enfatizar e avaliar a importância da mediação ou "empenho" do educador no processo de aprendizagem do educando. Laevers (1996) aponta que o empenho se refere à presença dos indicadores sensibilidade, relacionado à atenção e cuidado demonstrado pelo adulto, aos sentimentos e bem-estar emocional da criança; estimulação, ligada à maneira como o adulto intervém no processo de aprendizagem infantil, e autonomia que implica possibilitar experiências que demandam a expressão de subjetividades, de ideias e opiniões, sendo valorizada a iniciativa infantil.
A qualidade da interação adulto-criança constitui-se também a tônica do Programa de Intervenção Mediacional para um Educador mais Sensível - MISC (Klein, 1996) e fundamenta-se na possibilidade de se aguçar a capacidade da criança pequena para aprender, com ênfase no planejamento, na avaliação de ações e no confronto com a realidade. O programa visa formar bons mediadores, o que implica na capacidade de atuarem na zona de desenvolvimento proximal ou eminente (Prestes, 2010) do mediado, otimizando o seu desenvolvimento, por meio da utilização de cinco critérios mediacionais identificados como universais e denominados focalização, expansão, afetividade, recompensa e regulação do comportamento, os quais possibilitam uma maior flexibilidade mental e uma predisposição para a aprendizagem (Klein, 1996).
O atendimento aos cinco critérios possibilita atingir uma mediação adequada, acarretando uma melhor qualidade de interações entre mediadores e mediados, além de promoverem nos últimos, a otimização de seu potencial de aprendizagem, conforme observado por Kleine Rye (2004).
Em relação à mediação por meio da linguagem musical, objeto do presente estudo, Portowitz e Brand (2004), Portowitz e Klein (2007), Portowitz, Lichtenstien, Egorov e Brand(2009) têm demonstrado a eficiência da mediação para a aprendizagem de música. Especificamente o MISC-Music (Portowitz & Klein, 2007) trata de uma proposta didática, com o objetivo de aperfeiçoar habilidades fundamentais para a aprendizagem de música, por meio da interconexão de três componentes, representados pelo próprio conteúdo das aulas de música; pela mediação ativa entre o professor e a criança e, pela escolha de habilidades relevantes (funções cognitivas) que devem ser estimuladas, quando da aprendizagem de música.
O trabalho com música na educação infantil, de acordo com Beyer (2008), Sloboda (2008), Paiva (2015) e Pacheco e Silva (2016) melhora a sensibilidade, o raciocínio lógico e a expressão corporal das crianças. Ilari (2005) aponta a importância que assume a linguagem musical desde os primeiros meses de vida no desenvolvimento global do indivíduo, fomentado pela adequada interação adulto-criança. Em acréscimo, Tormin (2014), argumenta que, especialmente o bebê, antes e após seu nascimento deve ser estimulado a iniciar sua aprendizagem musical, já que se trata do período mais importante e propício para vivenciar os elementos da linguagem musical. Em suma, a música é a linguagem que organiza o som e o silêncio, permitindo a criança se apropriar dessa linguagem, ao conseguir ouvir e diferenciar sons, ritmos e alturas, identificando que um som pode ser grave ou agudo, curto ou longo, forte ou suave.
Em contexto brasileiro, em termos de legislação relativa à Educação Musical, a Lei 11.769 (Brasil, 2008) dispõe sobre a obrigatoriedade do ensino da música na educação básica. Tal proposta teve como objetivo identificar o empenho de professores de instituições infantis e o envolvimento das crianças, antes e após uma intervenção, que assumiu o formato de um programa de formação continuada em música, fundamentado nos pressupostos acima elencados e pertencentes ao MISC-Music (Portowitz & Klein, 2007).
MÉTODO
Participantes
Inicialmente, participaram oito professoras; ao final, cinco cumpriram todas as etapas previstas e cujos dados geraram os resultados descritos. Os motivos para a não continuidade foram: a saída da instituição e a recusa pessoal para concluir a participação. Participaram também, num primeiro momento, 44crianças com faixa etária de três, quatro e cinco anos de idade.
Local e Materiais
Os participantes eram oriundos de quatro instituições infantis administradas por uma organização não governamental (ONG), localizadas em bairros periféricos da cidade de Uberlândia, Minas Gerais.
Foram utilizados, como instrumentos de coleta dos dados, a Escala de Empenho do Adulto (Laevers, 1994), avaliada pela Ficha de Observação do Empenho do Adulto (Bertram & Pascal, 2009) e a Escala Leuven de Envolvimento para Crianças Pequenas (Laevers, 1994), avaliada pela Ficha de Observação do Envolvimento da Criança (Bertram & Pascal, 2009), Também foram utilizados CDs gravados com sons e músicas instrumentais e vocais, instrumentos musicais infantis e bandinha rítmica e, ainda, materiais lúdicos confeccionados para a capacitação dos educadores.
Procedimentos
O projeto foi submetido à aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Uberlândia e obteve parecer favorável para a sua realização, por meio do protocolo 129/10. A proposta envolveu os seguintes procedimentos:
1. Seleção das oito professoras participantes, oriundos de quatro instituições localizadas em Uberlândia e que manifestaram interesse em participar do estudo. Para tanto, foi realizada reunião com os diretores, professores e genitores e/ou responsáveis pelas crianças, visando ao esclarecimento sobre a proposta e à assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. É importante destacar que nenhuma possuía formação ou conhecimento específico em música.
2. Aplicação das Escala de Empenho do Educador e da Escala de Envolvimento da Criança, conforme indicação do material (Laevers, 1994; Laevers, Debruyckere, Silkens & Snoeck, 2005). As escalas consideram indicadores de empenho do adulto (sensibilidade, estimulação e autonomia), sendo: 1- muito baixo, 2- baixo, 3- moderado, 4- elevado, e 5- muito elevado.
O envolvimento da criança em diferentes áreas curriculares é mensurado, como: 1- sem atividade, 2- atividade frequentemente interrompida, 3- atividade quase contínua, 4- atividade contínua com momentos de grande intensidade e 5- atividade intensa prolongada. Além do nível de envolvimento, também foram analisadas as áreas de conteúdo às quais o comportamento da criança se referia (ou o conteúdo de aprendizagem dominante que a criança experimentava no momento), como: formação pessoal e social, expressão motora, expressão dramática, expressão plástica, expressão musical, leitura e escrita, ensino matemático e conhecimento de mundo.
3. A partir dos resultados iniciais obtidos pela aplicação das escalas nos professores e crianças foi proposto um curso de extensão intitulado "Linguagem musical e competências mediacionais para a formação de professores da educação infantil", com carga horária de 100 horas. O curso foi pensado com o intuito de instrumentalizar as professoras com conhecimento teórico a respeito dos conceitos musicais (melodia, ritmo, altura, intensidade, duração, timbre) e manejo prático para exercitar e analisar tais conceitos, por meio de atividades lúdicas e brincadeiras junto às crianças. Dentre as atividades realizadas nas oficinas, destacam-se: sensibilização para a corporeidade e coordenação motora com o uso de danças; brincadeiras de roda e trabalho coma sonoridade de objetos diversos (bola, copo, moeda) para acompanhamento das músicas; confecção de instrumentos musicais utilizando materiais recicláveis; observação dos meios possíveis no ambiente para produção de sons, dentre outros.
4. Após a realização do curso, os professores foram acompanhados pelos pesquisadores, em seus locais de trabalho, durante dois meses, perfazendo cinco sessões de cerca de 90 minutos cada, para o esclarecimento de dúvidas e planejamento de atividades envolvendo a linguagem musical.
5. Na sequência, foram realizadas as avaliações do empenho dos professores e o envolvimento das crianças participantes, considerando o conhecimento relativo à linguagem musical, trabalhado no curso e nos acompanhamentos individuais.
RESULTADOS
Os resultados referem-se às cinco professoras participantes de todas as etapas do estudo, que serão identificadas como professoras 1, 2, 3, 4 e 5. Ademais, os mesmos serão apresentados em dois blocos, sendo um relativo à mediação/empenho dos docentes e o outro, ao envolvimento observado nas crianças antes e depois da intervenção.
Empenho das professoras
A professora 1 era responsável pelas crianças de cinco anos na primeira etapa do estudo e de quatro anos na segunda etapa, a qual ocorreu após a capacitação. A Tabela 1 mostra os níveis de empenho encontrados na professora antes e depois da intervenção. É interessante observar que antes da intervenção, embora haja um predomínio da categoria 5 foi possível constatar a presença de comportamentos notadamente sem empenho (categoria 1). Após as oficinas, a professora manteve a pontuação 5 em maior frequência, nas três categorias observadas, e não foi identificado nenhum comportamento referente aos níveis 2 e 1, os quais se relacionam a uma deliberada falta de empenho.
A professora 2 atuava com crianças de 3 a 4 anos. A tabela 2 mostra os níveis de empenho encontrados na professora antes e depois da intervenção. Inicialmente, a professora apresentou maior pontuação de nível 2 nas categorias sensibilidade e autonomia, embora a categoria estimulação tenha obtido uma melhor performance. Após a intervenção, observa-se a presença de comportamentos de muito elevado empenho, em especial nas categorias sensibilidade e estimulação e um decréscimo de comportamentos de baixo empenho. Além disso, constatou-se que a professora demonstrou mais afetividade no trato com as crianças, encorajando-as, elogiando-as e também, inserindo atividades que pareceram motivar os alunos, estimular o diálogo em consonância com as capacidades e interesses da turma.
A professora 3 atendia crianças de 5 anos. A Tabela 3 mostra os níveis de empenho encontrados na professora antes e depois da intervenção. Antes da intervenção, a professora apresentou maior ocorrência de pontuação 3, em todas as categorias avaliadas, o que significa moderado empenho. Contudo, após a intervenção, a professora apresentou um elevado empenho na categoria sensibilidade. Apesar da pontuação nível 3 permanecer preponderante na categoria estimulação, nota-se uma ligeira diminuição de tais comportamentos. A categoria autonomia se manteve com moderado empenho; ressalta-se, porém,que não houve nenhuma ocorrência de muito baixo empenho (nível 1) na pós-intervenção em todas categorias estudadas. Foi possível constatar, a partir da análise das vídeo-gravações, que a professora se mostrou mais afetiva no trato com as crianças, encorajando-as em alguns momentos.
A professora 4 ministrava aulas para crianças de 5 anos. A Tabela 4 mostra os níveis de empenho encontrados na professora antes e depois da intervenção. É interessante constatar que comportamentos de sensibilidade, com muito elevado empenho, foram observados apenas após a intervenção, uma vez que tais comportamentos eram inexistentes antes da intervenção, o que demonstra uma melhora em sua performance, no que respeita ao trato junto às crianças. Contudo, comportamentos ligados ao nível 2, relativos ao baixo empenho ainda permaneceram, mesmo após a intervenção.
A professora 5 era responsável pelas crianças de quatro anos. A Tabela 5 mostra os níveis de empenho encontrados na professora antes e depois da intervenção. Na avaliação antes da intervenção, a professora exibiu comportamentos relacionados à sensibilidade e estimulação com pontuação indicativa de elevado empenho. Contudo, após a intervenção, observou-se que em todas as categorias (sensibilidade, estimulação e autonomia) os comportamentos se mantiveram num nível moderado de empenho.
A Tabela 6 indica o somatório dos pontos obtidos pelo conjunto das cinco professoras, em todas as etapas do estudo, relativo aos níveis de empenho demonstrados no que respeita aos critérios relacionados à sensibilidade, estimulação e autonomia antes e depois da intervenção empreendida. É interessante observar a ausência, pós-intervenção, do nível 1- muito baixo empenho, o que pode ser considerado positivo, pois demonstra certo movimento na busca de atitudes de empenho. Contudo, não se constatou nenhuma mudança em relação ao nível 2- baixo empenho, o qual se manteve do mesmo modo, nas duas aferições. Vale destacar um aumento expressivo nos níveis 4 e 5, relativos ao elevado e muito elevado empenho, respectivamente, denotando a efetividade da intervenção adotada.
Em termos de comportamentos indicativos de critérios mediacionais utilizados pelas professoras observados após a intervenção, é importante destacar que o perfil de mediação maciçamente adotado envolveu num primeiro momento a regulação do comportamento, no sentido de garantir a autodisciplina das crianças, seguido da focalização em comportamentos indicativos de afetividade; recompensa, que apareceram em raras ocasiões e comportamentos de expansão, que foram praticamente inexistentes junto às crianças.
Envolvimento das crianças
O envolvimento das crianças foi analisado por meio da Escala de Envolvimento da Criança de Laevers (1994). Foram observadas inicialmente, 44 crianças de 3, 4 e 5 anos. O envolvimento da criança é composto por cinco níveis, sendo os indicadores: concentração, energia, complexidade e criatividade, expressão facial e postura, persistência, precisão, tempo de reação, linguagem e satisfação. Esclarece-se que, na segunda avaliação das crianças para aferição e análise do envolvimento após a intervenção, apenas 24 participaram, devido principalmente à mudança de escola, de professora e de turma.
A Tabela 7 explicita o nível de envolvimento das crianças antes e após a intervenção. Para permitir a comparação entre os resultados obtidos antes e após a intervenção, os comportamentos exibidos pelas crianças foram somados e convertidos em porcentagem. A maior ocorrência se deu no nível 2 (34%) e 3 (28%), indicando períodos em que a atividade foi frequentemente interrompida, demonstrando falta de concentração e envolvimento insuficiente para retornar a tarefa. Ademais, se destacam períodos de atividade quase contínua, em que a criança fez alguns progressos, mas sem muito interesse, se distraindo com facilidade. O nível 5 de atividade intensa prolongada teve pouquíssimas ocorrências (3%).
Após a intervenção, participaram das filmagens 24 crianças, conforme apontado anteriormente. Assim, a distribuição das crianças se deu da seguinte forma: quatro crianças de três anos, 12 de quatro anos e oito de cinco anos. É interessante observar que as crianças exibiram comportamentos com maior frequência nos níveis 4 (26%) e 5 (27%), relativos à atividade contínua com momentos de grande intensidade e de atividade intensa prolongada. De acordo com Laevers (2008), maior empenho dos professores gera maiores indicadores de envolvimento nas crianças, o que pode explicar a melhora na performance do envolvimento infantil, observados após à intervenção.
Em se tratando das áreas de conteúdo, a Tabela 8 mostra os resultados antes e após a intervenção. Inicialmente, as crianças obtiveram maior score no que diz respeito à expressão motora (39,6%), seguidos pelo domínio da linguagem oral e abordagem escrita (19,8%), expressão plástica (15,8%), educação musical (15,3%), formação pessoal e social (6,4%) e conhecimento de mundo (3%). Contudo, as observações realizadas após a intervenção indicam predominância da expressão motora (34,3%), seguidos pelo conhecimento de mundo (24,1%), expressão plástica (18,2%), educação musical (12,4%), formação pessoal e social (5,1%), expressão dramática (4,4%) e domínio da linguagem oral e abordagem escrita (1,5%).
Os comportamentos referentes à educação musical (E.Mu.) foram identificados em atividades envolvendo a música de alguma forma, como atividades de roda, brincadeiras, entre outras. A área de expressão motora (E.M.) foi observada quando correm pelo pátio, brincam com outras crianças ou brinquedos e também quando ensaiam apresentações que serão realizadas (quadrilha para festa junina e canção para o dia das mães). Constatou-se desenvolvimento na área de expressão plástica (E.P.) nos períodos em que as crianças desenham, colorem ou realizam atividades de colagem. Já a área de linguagem e escrita (L.A.E.) foi observada nos momentos em que as crianças leem livros para si mesmas ou para os outros, compartilham suas próprias histórias com os demais ou realizam as atividades de escrita propostas pelas professoras (a maior parte delas consiste em cópia do material escrito no quadro da sala de aula). A área de Educação Dramática (E.D.) foi percebida em atividades teatrais baseadas em histórias contadas pelas professoras. Por fim, observou-se desenvolvimento na área de conhecimento de mundo (C.M.) quando as crianças têm contato com programas de televisão nos horários de recreação.
Embora tenha se observado um maior envolvimento das crianças após a intervenção, os dados sugerem que o mesmo não se deu nas atividades de música, como era esperado, haja vista toda a intervenção ter sido delineada de modo a sensibilizar o professor, quanto à importância de sua inclusão nas rotinas da educação infantil. Enfim, os achados sugerem uma valorização das disciplinas com conteúdos escolásticos tradicionais, em detrimento de um conhecimento capaz de estimular outras linguagens, tão ou mais importantes para o desenvolvimento infantil, como é o caso da linguagem musical.
DISCUSSÃO
Ao analisar os resultados totais das professoras participantes do estudo (manhã e tarde) relativos ao seu empenho nas atividades pedagógicas antes e depois do curso de capacitação musical e do acompanhamento docente, via sessões individuais, constatou-se que, de modo geral houve um acréscimo na pontuação preponderante às categorias sensibilidade e estimulação. Entretanto, a categoria autonomia permaneceu com alterações muito tímidas, o que talvez possa ser explicado pelo excessivo direcionamento dado pelo professor às atividades que devem ser desempenhadas pelas crianças, indo na contramão da concepção de uma criança forte, potente, que tem voz e que deve ser ouvida (Oliveira-Formosinho, 2009).
Em relação ao nível de envolvimento da criança, foram observadas alterações no comportamento infantil, embora ainda poucas expressivas. No que respeita ao conteúdo específico de música, notou-se que as crianças apresentaram um nível de envolvimento maior quando cantavam canções em roda, porém, mesmo após a intervenção, tem-se que as atividades não foram trabalhadas de forma adequada, restringindo-se a um pequeno repertório de canções, sem a inserção de conceitos musicais.
Todavia, é importante frisar que as professoras manifestaram, nas sessões individualizadas, dificuldades em apreender alguns conteúdos musicais, como por exemplo, o conceito de "grave" e "agudo".Isso pode ter influenciado negativamente a plena inserção da linguagem musical na rotina das atividades educacionais.
O resultado desta pesquisa vai ao encontro de Joly (1998) e Brito (2003) que evidenciaram o uso da música, principalmente, em comemorações de dias festivos, aprendizagem de outras disciplinas e como forma de manter comportamentos rotineiros. Os elementos apontados por Nogueira (2005), que desencadeariam a desvalorização do ensino da música nos contextos escolares, também foram encontrados nesse estudo: tradicional depreciação das expressões artísticas no ambiente escolar, a incipiente formação e o despreparo dos docentes, a falta de espaço e de materiais adequados e a dificuldade, por parte dos professores, em acessar produções musicais além daquelas veiculadas pelos grandes meios de comunicação.
As docentes ainda se queixaram que o planejamento curricular é rígido e inflexível, sem disponibilidade para a inserção de atividades mais elaboradas e fundamentadas com música. Tal concepção mostra o atraso na compreensão das funções da educação infantil, que para elas ainda parece ser o trabalho com conteúdos escolásticos formais (notadamente, alfabetização e matemática).
Apesar de todos os benefícios intrínsecos à musicalização na educação infantil, a realidade brasileira ainda está longe de colocá-la em posição privilegiada nas grades curriculares, principalmente nas instituições públicas. Portanto, novos trabalhos e pesquisas devem ser empreendidos, de modo que ao considerarem o cotidiano das instituições, possam elucidar modos de uma formação contínua com saberes que incorporam outras linguagens da infância e que possam ser fomentados, como por exemplo, com parcerias efetivas nas universidades e outros setores da sociedade.
Por promover o desenvolvimento global da criança, a música deve ser devidamente considerada e efetivada nas rotinas institucionais. Trata-se de um indicador de qualidade a ser continuamente buscado e alcançado para que possamos promover uma infância em consonância com o conhecimento científico e apta a viver numa sociedade plural.
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