Services on Demand
article
Indicators
Share
Psicologia: ciência e profissão
Print version ISSN 1414-9893
Psicol. cienc. prof. vol.26 no.2 Brasília June 2006
ARTIGOS
Inserção tecnológica no trabalho: etnografia das significações profissionais de bombeiros
Evaluation of the personality characteristics of professional and amateur goalkeepers
Andresa Jaqueline Toassi*, Michele Caroline Stolf**, Micheline Ramos de Oliveira***
Universidade Federal de Santa Catarina
RESUMO
Nas últimas décadas, as transformações paradigmáticas decorrentes principalmente da inserção tecnológica em vários âmbitos, incluindo as trabalhistas, levou os sujeitos a necessidades inéditas de compreensão. O artigo resulta, assim, de uma de pesquisa com o objetivo de realizar um estudo etnográfico do cotidiano de trabalho de soldados do corpo de bombeiros da cidade de Rio do Sul, em Santa Catarina, buscando apreender o sentido dado por esses profissionais ao seu trabalho e ao uso de novas tecnologias no ambiente profissional. Para tanto, foram utilizados métodos qualitativos como a observação participante, a etnografia do cotidiano e entrevistas individuais, nas quais, por teorizações progressivas e análises concomitantes ao desenvolver da pesquisa, buscou-se a compreensão dos sentidos atribuídos pelos soldados à realidade vivenciada, através da criação de núcleos de significações do discurso, chegando-se a conclusão de que, para os bombeiros, as tecnologias constituem-se em aliadas, auxiliando e facilitando o desenvolvimento do seu trabalho.
Palavras-chave: Bombeiros, Trabalho, Novas tecnologias, Etnografia.
ABSTRACT
During the last decades, the transformation in the paradigms caused mainly by the technological input in several areas, including professional environments, resulted in a new understanding by individuals. This article is the result of a research to accomplish an ethnographic study of the everyday life of the firefighters who work at the Rio do Sul fire station in Santa Catarina, and comprehends the meaning these workers give their jobs using new technologies in their work environment. Qualitative methods such as daily ethnography, participant observation and individual interviews were used. Thereby understanding the level of significance established by the firefighters created speech significance groups. As a final conclusion, firefighters agreed the new technologies are their allied and help to make their job easier.
Keywords: Firemen, Work, New Technologies, Ethnography.
Nas últimas décadas, as mudanças paradigmáticas, oriundas principalmente do desenvolvimento constante e ininterrupto de recursos tecnológicos e computacionais, bem como de sua inserção nas várias esferas sociais, inclusive as trabalhistas, ocasionou uma série de transformações no contexto atual. Diante disso, o artigo resulta de uma pesquisa cuja problemática constitui-se nas situações e necessidades contemporâneas, tendo como tema "A inserção tecnológica no cotidiano de trabalho: uma etnografia das significações profissionais de soldados do corpo de bombeiros, da cidade de Rio do Sul, no Estado de Santa Catarina".
O cenário contemporâneo vivencia, então, um processo de exacerbada modificação impulsionada por avanços tecnológicos crescentes, que ocorrem em uma velocidade alucinante e vêm rompendo fronteiras, alterando os modos de produção, vida e trabalho (Nicolaci-Da-Costa, 1999). Conforme aponta Benakouche (1999), a tecnologia engloba os artefatos e objetos concretos criados pelo homem, os conhecimentos elaborados, as atividades e também os processos realizados. Assim, por inserção tecnológica no trabalho, entende-se o desenvolvimento e a implantação de modernos aparatos tecnológicos e computacionais nas esferas trabalhistas bem como o conhecimento necessário para sua utilização e as práticas realizadas em decorrência desse fato (Castells, 2002).
Sendo o homem um ser relacional que se constrói dialeticamente no meio socio-histórico-cultural onde se encontra inserido (Vygotsky, 1989), as alterações em seu contexto irão implicar e agir diretamente sobre a sua singularidade. Dessa forma, o desenvolvimento de estudos que contemplem essa premissa é imprescindível para procurar compreender, analisar e apreender como ocorrem as significações dos profissionais frente ao panorama inédito que se descortina em seu cotidiano e nos ambientes trabalhistas bem como as conseqüências decorrentes dessas modificações (Antunes, 1999).
O corpo de bombeiros da cidade de Rio do Sul, localizada no Estado de Santa Catarina, teve sua primeira guarnição de serviço fundada em março de 1973, e, desde essa data até a contemporaneidade, vem apresentando, em sua estrutura de funcionamento, um desenvolvimento e modernização cada vez mais efetiva e acentuada. Essa organização, ao ser composta por seres singulares, contendo, porém, a generalidade e a pluralidade do meio (Heller, 1976), não pode ficar à margem do uso de tecnologias modernas e úteis à realização de seu ofício, principalmente quando o resultado de seu trabalho pode implicar a manutenção e preservação da vida humana; assim, esses profissionais buscam acompanhar o ritmo desenvolvimentista que permeia a sociedade de modo geral e também seu ambiente de trabalho.
Maheirie (1994) afirma que, para se conhecer o sujeito, precisa-se compreender quais são as suas significações, ou seja, como ele estabelece relações com a concretude real vivenciada e torna singulares os sentidos construídos coletivamente no decorrer de sua história. Desse modo, o melhor local para buscar a compreensão do ser humano é na maneira como ele produz sua própria vida através do trabalho, um momento repleto de significados individuais e sociais, um espaço cheio de conteúdos e possibilidades variados, principalmente na interface atual, que se encontra permeada por uma infinidade de meios e modos de significação diferenciados, mediados pela utilização das tecnologias (Tonelli, 2001).
De acordo com Codo, Hitomi e Sampaio (1993), as relações que os trabalhadores instituem com seu ofício podem ser diversas, estabelecendo múltiplos e variados sentidos para o sujeito. Assim, para compreender o significado e o papel que o trabalho desempenha na vida do indivíduo, bem como sua relação com as tecnologias existentes nesse local, presentes em forma de objetos, processos e conhecimentos, é preciso analisar a forma como ocorre a rede de tecimentos dialéticos entre o homem e a sua ocupação, observando o sentido que ele dá ao seu trabalho (Antunes, 1999), o modo como ele torna subjetiva essa objetividade e que trazem, em conseqüência, aspectos singulares e diferenciados que serão constituintes de sua forma única de ser e atuar no mundo.
O quartel do corpo de bombeiros constitui um amplo espaço e campo analítico, uma vez que os soldados exercem suas funções profissionais necessitando efetivamente de aparatos tecnológicos no decorrer de sua prática, que se encontra freqüentemente atrelada a situações relacionadas à diferença entre a vida e a morte de alguém. Desse modo, buscou-se a compreensão dos sentidos estabelecidos por esses sujeitos ao seu ofício, apreendendo suas construções através de observações e análise das forças que as constituem, bem como das relações e acepções que atribuem à realidade vivenciada, procurando-se entender de que maneira os soldados transformam significados sociais em algo único, individual e subjetivo, ao tentar compreender as implicações desse processo no desenvolvimento de sua singularidade.
Segundo Codo, Hitomi e Sampaio (1993), o trabalho possui significados reais que não podem ser percebidos em um primeiro momento, não se encontram revelados, aparentes, sendo necessária uma análise profunda e densa, fazendo-se, dessa forma, premente a observação do cotidiano, da dinâmica organizacional bem como das relações e significações estabelecidas pelo profissional. Nesse contexto, os resultados da pesquisa derivam de uma inserção efetiva e participante no meio a ser estudado, no caso, o quartel do corpo de bombeiros, onde se procurou verificar o modo como os seus profissionais utilizam e se relacionam com as tecnologias existentes nesse ambiente, o significado que lhes atribuem e as implicações decorrentes dessa ação sobre a sua constituição como sujeito, identificando atos estabelecidos no sentido de "dominar" o uso desses aparatos bem como a dinâmica relacional existente entre o seu uso e maior eficiência no trabalho.
Ao analisar o cotidiano do corpo de bombeiros e as estruturas relacionais travadas nesse local, pode-se averiguar, portanto, como os soldados dão significado e lidam com a forma de relacionamento inédita desenvolvida na contemporaneidade entre o homem e seu trabalho, embasada, de acordo com Castells (2002), na inserção tecnológica, a qual ocasiona alterações valorativas e ideativas referentes à estruturação da existência humana nos diversos âmbitos, pois desvia o foco dos modos de produção e controle qualitativo. Dessa maneira, buscou-se o estabelecimento de estratégias que contemplassem o desvelamento dos sentidos dados por esses trabalhadores à sua vida profissional, enfatizando, mais especificamente, suas interações com os aparelhos tecnológicos, visando a desmitificar conceitos e oportunizar espaços reflexivos bem como a produzir dados empíricos e teóricos, com nítidos avanços conceituais para a ciência psicológica.
Metodologia
A pesquisa, buscando considerar os aspectos históricos, relacionais e individuais, e assim, a visão de homem e mundo que permeia sua fundamentação, apresenta-se com um delineamento epistemológico segundo a modalidade de investigação qualitativa. Dessa forma, possui as características relacionadas a esses estudos devido ao fato de ser esse o método através do qual se acredita contemplar de forma mais efetiva e fidedigna os objetivos estabelecidos, pois, segundo Mazzotti e Gewandsnajder (1998), não existem metodologias boas ou ruins, apenas aquelas mais adequadas para tratar de um problema específico.
Inicialmente, procurou-se a inserção em campo, bem como a criação e o estabelecimento de vínculos e laços com os sujeitos desse ambiente, através da troca de informações pessoais, de conversas informais e da observação participante, buscando-se, nesse momento, a familiarização com o local de estudo e a compreensão do processo trabalhista, bem como a observação das tecnologias utilizadas para seu exercício, procurando-se realizar um trabalho exploratório a fim de se obter uma visão global de sua problemática, com o registro dos aspectos presentes e influenciadores oriundos da cultura que permeia as relações trabalhistas. Com a inserção em campo, pôde-se estabelecer contato com vários profissionais, porém, dois soldados passaram, no decorrer do processo, a constituir-se, mais especificamente, em sujeitos da pesquisa.
Para a realização da escolha dos sujeitos, procurou-se observar a receptividade dos soldados em relação ao trabalho, atendo-se àqueles que possuíam abertura imprescindível para o desenvolvimento da investigação e que viriam a participar, posteriormente, de maneira efetiva e comprometida com os objetivos da pesquisa. Nesse contexto, um dos sujeitos foi o informante (Bacuri)1, devido ao vínculo estabelecido, e o outro, um seu amigo (Gladiador), sendo que, para obter uma visão mais ampla e abrangente do campo de estudo, esses indivíduos trabalhavam em guarnições2 diferentes.
Destaca-se que, durante toda a investigação, a pesquisadora participou ativamente de vários momentos e atividades desenvolvidas na instituição: das refeições, conversas, manutenção das viaturas, acompanhamento dos turnos e atendimentos, enfim, procurando vivenciar, de modo prático e efetivo, o ofício do profissional bombeiro, e estabelecendo, nesse processo, redes de observações e comunicações riquíssimas em material de compreensão e análise ao " exercer" essa profissão.
No decorrer do processo, foi-se, então, transformando, paulatinamente, o exótico em familiar (Da Matta,1981), uma vez que o campo em questão era estranho à investigadora; entretanto, no curso do trabalho, pôde-se ir descobrindo, conhecendo e compreendendo melhor esse ambiente ao observar, inclusive, seus pormenores e nuances. Para tanto, utilizou-se de métodos como a observação participante, com a interação efetiva com os sujeitos e com o campo de estudo; a etnografia do cotidiano, através da qual se buscou estabelecer um envolvimento mais amplo com a realidade analisada, apreendendo suas especificidades ao tornar familiar algo que antes primava pela exoticidade, o que resultou em uma descrição densa, e as entrevistas individuais não-estruturadas e as semi-estruturadas, que objetivaram o alcance dos objetivos propostos e contemplaram os fundamentos epistemológicos, conceituais e metodológicos do trabalho.
A etnografia constitui, dessa maneira, instrumento valiosíssimo para a apreensão da dinâmica relacional e cotidiana estabelecida no interior das organizações trabalhistas (Gropp, 2002), pois, através dela, pode-se observar, de maneira ativa, dinâmica e também participante, a forma como ocorrem as construções pessoais existentes entre os sujeitos no bojo das relações sociais, o que torna mais fácil e acessível a obtenção de informações a respeito do conhecimento tácito existente nas instituições, pois o formal torna-se mais aparente, visível e explícito, sendo observado nas falas formais e sistemáticas.
A teoria, nesse sentido, é condição indispensável para a compreensão dos fenômenos perceptíveis ao investigador; ela é construída e reconstruída constantemente, possuindo flexibilidade, porém sempre comprometida ética e epistemologicamente com o desenvolvimento científico e com os sujeitos envolvidos no processo. Buscou-se, então, através de teorizações progressivas, realizar as análises da investigação concomitante e paralelamente à coleta dos dados, pela criação de núcleos de significação do discurso, que se constituíram por assuntos relacionados aos objetivos da pesquisa, e outros, nos quais se observou grande ênfase e emoção por parte dos sujeitos, procurando-se facilitar o manuseio e conceituação dos dados ao se partir de um diálogo entre os autores (Gonzáles Rey, 2002)
Pela pesquisa, procurou-se apreender e analisar as construções singulares dos bombeiros, os sentidos e significações estabelecidas pelos mesmos, buscando compreender os dados levantados em campo à luz das teorias que embasaram e fundamentaram a pesquisa, atendo-se sempre a princípios éticos e comprometidos com o respeito aos sujeitos e com o seu contexto, o que resultou em informações específicas sobre o trabalho desses profissionais e sobre as demais relações trabalhistas.
Resultados obtidos e análise dos dados
De acordo com as observações e informações disponibilizadas durante a pesquisa, o processo de inserção tecnológica no quartel do corpo de bombeiros ocorre de maneira ambivalente, pois a maioria dos profissionais se interessa pelos novos aparatos adquiridos e aceita participar dos treinamentos e cursos oferecidos, buscando maior consonância com o seu contexto de trabalho. Porém, existem aqueles sujeitos que são mais resistentes às inovações técnicas e aos novos conhecimentos e funções delas decorrentes, sendo que alguns, inclusive, se negam a obedecer às ordens do comando superior, preferindo sofrer punições a ter que aprender a operar o microcomputador e o sistema de atendimento às ocorrências. Esse fato vem corroborar a idéia de Castells (2002) de que o âmbito trabalhista e o uso de instrumentos tecnológicos nessa esfera implicam direta e profundamente a subjetividade dos profissionais, que, por vezes, são "obrigados" a compreender e aceitar a nova realidade ou então a suportar as conseqüências decorrentes de uma posição contrária às transformações3 .
O sujeito da pesquisa, Gladiador, declara que o processo de inserção tecnológica no cotidiano de trabalho do corpo de bombeiros acontece de forma paradoxal, pois:
"... no começo foi meio difícil, não por mim, mas por alguns..." Até o pessoal começar a botar na cabeça que a tecnologia veio para melhorar o atendimento... No começo foi um pouco difícil, mas tudo vem a melhorar."
Bacuri reafirma isso quando comenta que, com relação à tecnologia,
"... alguns até que compreendem bem melhor que outros..., tem pessoas com muitos anos de casa e pouca instrução, então tem um pouco de dificuldade em lidar com isso... Onde pra eles, muitas vezes, é incompreensível certas tecnologias... Preferem ficar fazendo um trabalho mais braçal, têm pavor de trabalhar onde exija muito conhecimento tecnológico e fazem de tudo para escapar, mas, de modo geral, são a minoria."
No decorrer da pesquisa, pôde-se verificar que existem bombeiros (uma minoria) que trabalham mais insatisfeitos e procuram não assumir as responsabilidades de tentar alternativas e tecnologias novas, diferentes, omitindo-se na realização de serviços diversificados. Os sujeitos relatam que principalmente os soldados que se encontram em vias de se aposentar evitam um comprometimento maior com o trabalho e com aprendizados diferenciados. Pode-se concluir que isso se deve à cultura capitalista, para a qual, de acordo com Beauvoir (1990), a velhice e aposentadoria tendem a ser vistas como improdutivas; assim, esses profissionais não querem demandar esforços maiores para desenvolver suas funções nessa etapa da vida. Para a grande maioria dos profissionais bombeiros, o uso de tecnologias no exercício de suas funções está diretamente ligado à eficiência do seu trabalho, pois, de acordo com Bacuri:
"... hoje é difícil você fazer a avaliação de uma vítima sem ter a confirmação do aparelho... E você até pode ir lá fazer, mas você vai ficar sempre na dúvida, né? E essa dúvida lhe traz insegurança... Precisa utilizar métodos de diagnóstico, né? Exemplo disso é o médico, que vai lá e avalia você, e daí ele precisa de um exame de urina, um raio x, se ele não tiver exames que lhe dêem precisão no diagnóstico, como fica?... São meios de suporte que tanto o profissional médico quanto o profissional bombeiro têm que ter para agir com mais confiança".
A importância da tecnologia no trabalho do bombeiro encontra-se fortemente presente nessas frases, pelas quais se pode perceber que os soldados vêem o uso de instrumentos tecnológicos como uma forma de auxiliar, otimizar e promover maior eficiência no seu trabalho, visando ao alcance do objetivo maior que é a manutenção da vida, a prevenção e a realização de atendimentos caracterizados pela eficácia e rapidez. Porém, eles também destacam, durante a investigação, o valor que tem o seu serviço, uma vez que as máquinas não possuem autonomia ou autogestão, necessitando de comandos e utilizações corretas. Isso é perceptível também nas recorrentes reclamações relativas à falta de pessoal efetivo em seu quadro de funcionários, corroborando a idéia de ser imprescindível a existência de indivíduos para operarem as máquinas.
Nesse sentido, Ferretti et al (1996, p.165) ilustram as afirmações dos profissionais ao enfatizarem que
"as máquinas, como extensão dos braços e agora também do cérebro humano, não são mais do que instrumentos através dos quais o homem realiza atividades, ainda que se trate de instrumentos capazes de pôr em movimento operações complexas, múltiplas, amplas, e por tempo prolongado. Portanto, o criador desse processo, aquele que domina plenamente e que controla em última instância, continua sendo o homem."
Os bombeiros possuem essa compreensão e enfatizam que erros e falhas podem ser fatais e resultar em perda de vidas humanas, assim, encontram-se cientes das conseqüências de seus atos e procuram exercer a profissão com o máximo de responsabilidade. Dessa forma, pode-se observar o cuidado dispensado à vistoria diária de todos os equipamentos e aparatos utilizados em seu ofício, visando à prevenção de acontecimentos que possam ser geradores de tensão, arrependimento e sofrimento, inclusive pelo fato de se sentirem responsáveis por atendimentos ineficazes e insuficientes devido às falhas na manutenção dos aparelhos usados na realização de seu trabalho.
Como o uso de aparelhos pode significar a diferença entre a vida e a morte de alguém, Bacuri afirma ficar inseguro em relação a algo desconhecido ou à falta de vistoria e manutenção, pois fica em dúvida se está tudo certo e pronto para o uso, "se fui de manhã, conferi e vi que tem tudo, excelente..." Ele diz que então terá garantias e que, se algo falhar, saberá que não foi sua culpa, estando a falha relacionada ao aparelho, e não ficará com "peso na consciência". Destaca, ainda, que, se o equipamento não funciona, ele tenta usar métodos antigos, fato que pode, dependendo do caso, reduzir as chances de salvar a pessoa; até as viaturas podem quebrar no caminho, pois, por mais cuidadosa que seja a manutenção, os aparatos são passíveis de falhas.
No corpo de bombeiros, verificou-se, porém, que o uso de tecnologias tende a tornar mais rápida e eficiente a realização do serviço, o que parece auxiliar em múltiplos aspectos, principalmente agilizando e facilitando o desenvolvimento das funções. O sujeito Bacuri declara que trabalha no corpo de bombeiros há dez anos; nesse período, a evolução tecnológica foi "para melhor... Sempre com a intenção de melhorar o... trabalho, tanto em nível tecnológico, como de conhecimento, sempre tiveram aparelhos ponta de linha, até por necessidade..." Ele diz que a indústria apresenta constantemente novos equipamentos que a companhia vai adquirindo conforme as possibilidades, sabendo que isso dá retorno ao trabalho do bombeiro, facilita na realização das atividades e reduz o tempo do atendimento, aumentando sua eficácia.
Dupas (2000) declara que a tendência do capitalismo é colocar a tecnologia a seu favor, visando a apropriar-se das relações científicas, utilizando-a a fim de gerar valores econômicos; dessa forma, ele centra e hegemoniza o progresso tecnológico alcançado, controlando-o de acordo com seus interesses. No corpo de bombeiros, esse fato parece acontecer de forma diferenciada, pois, mesmo vivenciando uma realidade capitalista, devido às condições e aos objetivos propostos em seu trabalho, o emprego tecnológico ocorre tendo em vista a obtenção de capital social, ou seja, a produção de bem-estar e saúde para os indivíduos atendidos, fato que, pela característica relacionada à sociabilidade, acaba produzindo benefícios também globais.
Segundo Sawaia (1995), saúde compreende um estado além dos enfoques biológicos, referindo-se à condenação das formas de dominação e alienação do ser humano. Nota-se, assim, que a promoção da saúde constitui parte integrante da rotina de trabalho dos profissionais bombeiros, pois contam que, muitas vezes, além de auxiliar a população a preencher suas necessidades mais básicas, como a de não sofrer e sentir dor, acabam possibilitando a eles a chance de desenvolverem esperanças maiores ao dar uma palavra de consolo, ensino ou instrução, o que os auxilia a transcender, de certa maneira, sua situação.
Durante o processo, outro fato averiguado diz respeito às relações estabelecidas entre os profissionais e seu ofício, as quais encontram-se marcadas indelevelmente pela teia da afetividade, pois boa parte dos profissionais nutre sentimentos de prazer, satisfação e orgulho em ser bombeiro, tendo, porém momentos de desânimo e descontentamento ao sofrerem abusos de poder e autoridade, desavenças entre os pares e cobranças infundadas da comunidade. Convém lembrar que o corpo de bombeiros, apesar de possuir a contradição e a complexidade comum aos sujeitos e às instituições compostas por eles, encontra-se organizado de forma a manter a ordem e a disciplina, visando a um objetivo principal. Assim, a organização estrutura e legitima estratégias de gestão, e, ainda que se utilize de autoridade, de poder exacerbado e de punições comuns às técnicas de administração militares, procura articular os componentes internos com as vicissitudes do meio social.
Uma questão frustrante e decepcionante observada também nos comentários dos bombeiros relaciona-se à defasagem dos reajustes salariais, que, segundo eles, são insuficientes e parcimoniosos, desvalorizam sua profissão e retardam melhorias em suas condições de vida e em seu aperfeiçoamento profissional. Com relação a esse fato, Codo, Hitomi e Sampaio (1993) enfatizam que o salário, a maneira de pagar o tempo trabalhado, representa, para o empregado, um vínculo da produção com o consumo, pois o dinheiro pode criar possibilidades, acessos e cidadania, especificando o lugar ocupado na esfera profissional. Partindo-se do princípio que o sujeito se constitui nas relações estabelecidas com seu meio ao pertencer a uma determinada categoria profissional e ter seu salário fixado de modo a determinar o "valor" que tem como trabalhador, ele desenvolve formas de objetivação diferenciadas em função desses aspectos financeiros, pois, de acordo com Marx (1982, apud Dupas, 2002, p. 169), "cada qual carrega sua identidade social no bolso", o que resulta na formulação de sentidos múltiplos e variados.
Nessa etapa da discussão, é fato que, em toda relação grupal, se encontram presentes os afetos e os sentimentos, sendo que estes são estimulados pela ansiedade e ocorrências diárias, tanto de forma individual quanto coletiva, no âmbito trabalhista e nos demais, o que clama por um extravasamento e pela realização de estratégias variadas para lidar com essa situação (Galano, 1995). Dessa forma, a própria organização social e também a do grupo dita regras, impõe e modela, e ela se vê "organizada" em função do ambiente em que se encontra.
No caso do corpo de bombeiros, o sentimento é reprimido em detrimento dos procedimentos, da metodologia a ser aplicada e das diretrizes de ação que precisam seguir, já que devem manter-se atentos; assim, eles afirmam que não sobra "espaço" para a emoção "aflorar" e que, posteriormente, buscam "válvulas de escape" para poder manifestar os sentimentos. Nesse contexto, cada bombeiro se relaciona de modo diverso com sua profissão, desenvolvendo possibilidades e táticas próprias no convívio com os resultados produzidos e com os equipamentos necessários ao trabalho, bem como com o caráter de urgência que, muitas vezes, aparece permeando suas funções.
Com base nessas concepções e aspectos ligados ao trabalho, este pode ser frustrante, desgastante ou penoso ao profissional quando há a ruptura entre os diversos níveis que regulam sua situação, quando o equilíbrio entre a familiaridade com seu ofício, o poder sobre ele e o limite subjetivo de convivência com sua prática é rompido ou as exigências do serviço se tornam maiores do que o indivíduo consegue suportar. Segundo Sato (1999, p.202), "estados emocionais vão sendo forjados no decorrer do trabalho em determinados contextos, tendo também um caráter cumulativo". Assim, se não forem desenvolvidas maneiras hábeis de vivenciar os sentimentos no processo trabalhista, o sujeito sofrerá as implicações decorrentes desses afetos, os quais podem constituir-se em fonte de sofrimento (Dejours, 1992).
Na instituição observada, nota-se que, com relação aos aspectos citados, os bombeiros constroem maneiras próprias de conviver com o caráter penoso de seu ofício, participando de treinamentos, aprendendo a operar os aparatos necessários ao desenvolvimento de suas funções, efetuando rodízio de atividades a fim de não sobrecarregar apenas determinados sujeitos e também mantendo um clima de "camaradagem" e humor entre si, visando a amenizar os aspectos desgastantes do serviço relacionados com tensões e tragédias. Além disso, eles afirmam que cada um vivencia à sua maneira essas situações, engajando-se em atividades de pesca, jogos de futebol, acampamento, convivendo com a família, enfim, efetuando estratégias variadas para relaxar e lidar com os sentimentos desagradáveis suscitados pelo serviço.
No corpo de bombeiros, o ritmo de serviço é diversificado, alternando períodos mais calmos com outros de grande atividade, o que depende das situações ocorridas diariamente, nas quais os profissionais se deparam com ocasiões de tensão, ansiedade e tragédias variadas. Pela pesquisa, observou-se que a atitude blasé se encontra presente numa grande parcela dessa população, sendo a forma através do qual conseguem lidar com o medo, perigo, a desgraça, as mazelas humanas e com situações que envolvem tragédias. Desse modo, passam a aparentar uma certa "indiferença" perante essas ocorrências, vendo-as como "normais" e "banais", procurando ater-se aos procedimentos a serem realizados e ao uso adequado de técnicas e tecnologias a fim de realizar seu trabalho da melhor forma possível, "distanciando-se", na medida do possível, dos aspectos emocionais existentes no processo.
De acordo com Velho (1991), a atitude blasé constitui um modo de defesa e autopre-servação, e está ligada à proteção do sujeito aos estímulos sensoriais exagerados e excessivos, resultantes do ritmo de vida acelerado, ocasião em que as pessoas estabelecem contato com uma grande diversidade de objetos, sensações e emoções, se deslocam constante e rapidamente de um lugar a outro, realizam várias atividades e se relacionam com diversas situações e grupos sociais concomitantemente. No decorrer do trabalho, essa situação também pode ocorrer, pois muitos profissionais são submetidos a um ritmo acelerado de produção e travam contato com uma grande variedade de pessoas, máquinas e situações, além de estímulos sensoriais exacerbados. O sujeito tende a desenvolver, dessa forma, certa indiferença, desvalorizando determinados aspectos da realidade objetiva, como foi observado na instituição observada.
Através das conversas estabelecidas em campo, averiguou-se que os sujeitos apresentam comportamentos distintos e se relacionam de modo singular com as exigências trabalhistas, pois existem soldados que, mesmo após muitos anos como socorristas e resgatadores, ao ouvirem a sirene tocar, sentem "a adrenalina aumentando", ficando inclusive "um pouco nervosos", mas eles dizem que procuram manter a calma e realizar sua prática com paciência, sem ocasionar possíveis riscos à população, afirmando que "de nada adianta se acontecer um acidente ou algo do gênero com a viatura ou com o caminhão". Já outros profissionais com a mesma função consideram esse um fato corriqueiro, um serviço a ser realizado.
Pela realização efetiva da análise das histórias de vida e da constituição dos sujeitos da pesquisa, segundo Maheirie (1994), pode-se compreender a amplitude e abrangência do papel desempenhado pelo trabalho na vida desses sujeitos, que transcendem suas condições de vida e as situações vivenciadas, sendo que Bacuri vê seu ofício como "gratificante, e, ao mesmo tempo, frustrante... não dá pra ficar rico, dá pra alimentar alguns sonhos de consumo, mas é mais pela satisfação, mais pela satisfação não, é também pela satisfação do dever cumprido e de receber uma congratulação de alguém, um obrigado, um cumprimento, é poder transmitir conhecimento."
A visão de Gladiador se assemelha à de seu amigo ao afirmar que, para ele, o trabalho significa
"mais uma satisfação pessoal, crescimento e aprendizagem...as três coisas e o fato de ser uma fonte de renda, é conseqüência. Não tenho só isto aqui como profissão, mas eu dificilmente poderia viver sem isso aqui... Tu passar aqui na frente...olhar, às vezes estar na rua e ver a viatura passando, a sirene ligada...aquela adrenalina..."
Nesses relatos, observa-se o significado da profissão para esses indivíduos e o quanto essa esfera é constituinte de sua singularidade, à qual foi possível chegar pelo estudo de sua constituição como um ser no mundo, destacando como esses sujeitos subjetivam os acontecimentos, vivências e situações e transformam o concreto vivenciado em algo único, particular e individual, que é o profissional bombeiro no qual se constituem atualmente, e o modo como lidam com seu trabalho e com as tecnologias necessárias ao seu desenvolvimento.
Os resultados do uso de tecnologias podem constituir-se em fonte de realização profissional e pessoal como também em meio de discriminação, fato que corrobora a importância de estudos com objetivos similares que busquem contemplar as premissas do novo paradigma, fornecendo subsídios para que os profissionais possam conhecê-lo de forma efetiva, relacionando-se de modo a administrar seus efeitos, evitar sofrimentos e promover saúde. Cabe salientar, agora, o cuidado com que os aparatos tecnológicos devem ser tratados a fim de que não se tornem instrumentos de dominação e angústia ao exigirem que os trabalhadores assumam posturas difíceis ou até mesmo inteligíveis, e também ao manter a hegemonia do poder tanto pela sua concentração como pela exclusão tecnológica.
Considerações finais
Com a pesquisa, almejou-se realizar um estudo etnográfico do cotidiano de trabalho dos soldados do corpo de bombeiros tendo em vista o contexto contemporâneo que permeia suas relações profissionais, que se caracterizam pela inserção efetiva de instrumentos tecnológicos, em todas as esferas sociais. Assim, procurou-se ir além do registro de eventos, construindo conhecimento, elaborando idéias e conceitos através das situações observadas, através de um estudo dinâmico e multidisciplinar, considerando os sujeitos seres concretos, ativos e atuantes que, apesar de se constituírem socialmente no meio, são possuidores de singularidade e de uma forma única de experienciar a realidade. Desse modo, buscou-se conceituar as situações vivenciadas em campo embasando-se em teorizações consonantes com os fundamentos epistemológicos, integrando-as às compreensões e idéias pré-existentes, o que permitiu formar novos conhecimentos.
O mundo contemporâneo vivencia um processo de intensa alteração, instigada principalmente por avanços computacionais e tecnológicos, os quais mudam as formas de se relacionar, trabalhar e estabelecer sentidos em decorrência do rompimento com paradigmas tradicionais que modificam os modos de produção, vida e trabalho (Nicolaci-Da-Costa,1999). É importante destacar, aqui, que, em períodos históricos anteriores, a vida cotidiana se estruturava em torno do trabalho, mas, através dessas transformações no contexto e no desenvolvimento da realidade, aquele foi perdendo sua posição central para outros aspectos, porém o exercício profissional ainda tem forte valor, envolvendo diretamente a constituição dos sujeitos. Nesse sentido, faz-se necessário o desenvolvimento de investigações que procurem contemplar essa situação, verificando como os indivíduos vivenciam e lidam com essas mudanças ao produzir conhecimentos imprescindíveis à sua compreensão.
Com o processo de inserção tecnológica nos vários âmbitos sociais, as implicações sobre os sujeitos passaram a ser diferenciadas, principalmente em sua lida cotidiana, na qual, freqüentemente, precisam utilizar-se de aparatos variados, estabelecendo. assim, relacionamentos constantes com esses dispositivos. No caso dos soldados do corpo de bombeiros, essa relação tende a ser ainda mais estreita, a partir do momento em que a tecnologia pode constituir-se em um instrumento indubitavelmente necessário à realização de um atendimento mais eficiente e veloz, resultando, inclusive, na diferença entre a vida e a morte de um indivíduo.
Aqui se pode perceber que, para a realização de seu serviço, tanto operacional como burocrático, os bombeiros freqüentemente se utilizam de algum instrumento tecnológico, sendo que, na maioria das vezes, as tecnologias são vistas por esses sujeitos como aliadas, como um modo de agilizar, proteger, facilitar e auxiliar o desenvolvimento das tarefas. Segundo informações disponibilizadas no decorrer da investigação, destaca-se que existem profissionais (constituídos pela minoria) mais resistentes à sua utilização, mas, por exigência da função, dos superiores e da realidade que se impõe, obrigam-se, muitas vezes, a fazer uso desses aparelhos, procurando saber como utilizá-los.
Faz-se necessário lembrar que os estágios iniciais de uma sublevação desse nível se caracterizam por momentos em que o antigo e o novo convivem em simultaneidade nos mais diversos recintos, o que produz "perturbações" gerais que, ao operarem partindo de lógicas diferenciadas, geram confusões nas percepções dos sujeitos, os quais apresentam dificuldades em entender e apropriar-se de ambas ao mesmo tempo. Nesse sentido, a simultaneidade de preceitos antigos e contemporâneos pode levar alguns soldados mais velhos a assumirem posturas um pouco mais resistentes com relação ao processo de inserção tecnológica, no qual, muitas vezes, conforme Bacuri, o funcionamento de determinados aparatos pode ser até mesmo incompreensível para esses indivíduos. Assim, a atitude assumida por esses profissionais acha-se em consonância com o contexto atual, que, freqüentemente, pode ocasionar resistências e medos, tendo em vista sua complexidade e mobilidade (Nicolaci-Da-Costa, 1999).
De acordo com Carvalho (1999), o homem receia e teme mudanças e tecnologias diferentes desde os primórdios de sua existência; assim, apesar de a maioria dos soldados não demonstrar esse medo especificamente, eles parecem confiar primeiramente em seus conhecimentos, afirmando que as máquinas não são auto-suficientes e precisam ser operadas por homens. Dessa forma, os bombeiros possuem noção do quanto sua ação é indubitavelmente valiosa e necessária à realização de um atendimento eficaz, no qual o equipamento vem a ser uma das maneiras de auxiliar e agilizar o processo, mas nada podem efetuar sem o controle, conhecimento e domínio humano. Nesse contexto, uma de suas diretrizes de trabalho apregoa que diariamente eles devem testar e retestar os equipamentos, deixando-os sempre em condições de uso para qualquer situação emergencial.
Destaca-se que o âmbito trabalhista desempenha importante função em cada ser humano, principalmente a partir do momento em que a maioria dos indivíduos passa muitas horas diárias em seu ambiente profissional, por vezes convivendo mais com os colegas que com os próprios familiares. Desse modo, na instituição em análise, pode-se averiguar que esses relacionamentos são recorrentes, havendo a criação de fortes laços entre os bombeiros, principalmente ao exercerem um serviço essencialmente grupal. Enfatiza-se que esse fato facilita a realização de seu ofício pela sincronia e auxílio mútuo, o que incentiva, inclusive, atualizações constantes, visando à coesão do grupo, bem como ao alcance dos objetivos almejados, sem sobrecarga para determinados sujeitos em detrimento de outros.
Observa-se, assim, que, devido às exigências do contexto social, da coesão grupal, das funções a serem desenvolvidas em seu trabalho, e de sua própria singularidade, os soldados procuram participar de cursos e treinamentos visando inclusive à aprendizagem do uso de novas tecnologias que passaram a fazer parte de sua realidade ou ainda buscando aprender, através da observação e das relações com os demais, tudo o que possa ser útil ao seu desenvolvimento pessoal e à realização de seu ofício. No decorrer da investigação, pôde-se notar que, para os bombeiros, a função primordial de sua profissão é a manutenção e a preservação da vida humana, e, a fim de que se alcance os objetivos, afirmam ser importante ater-se às diretrizes, técnicas, procedimentos e instrumentos previamente estabelecidos, buscando, porém, atentar às novidades instituídas no contexto.
Através de uma permanência prolongada, participativa e efetiva, em campo, permeada por conversas e entrevistas, pôde-se observar as maneiras e estratégias estabelecidas pelos bombeiros para lidar com a realidade de seu ofício, o que engloba as tecnologias, e para obter um mínimo de controle sobre ele através do aprendizado constante, tendo, assim, ciência de que podem realizar as atividades da melhor forma possível e administrar os fatores que podem envolver sua atuação. Destarte, subjetivam os acontecimentos de modo a não sofrer com os fatos apresentados, uma vez que freqüentemente lidam com situações que envolvem tragédias, sofrimentos, perdas e mortes, criando seus próprios modos de conviver com a situação pelo desenvolvimento da atitude blasé (Velho, 1981) como pela realização de brincadeiras, conversas, convivência grupal e familiar; destaca-se, porém, a necessidade de maiores estudos, tendo em vista a complexidade e o movimento inerente ao ser humano e ao campo do trabalho.
Devido às considerações resultantes da investigação, pode-se sugerir, além do desenvolvimento de novas pesquisas, possíveis trabalhos de intervenção psicológica, considerando que o local de estudo constitui amplo espaço e campo de análise, dado que os profissionais bombeiros exercem atividades sociais e lidam com uma série de eventos, além da inserção tecnológica, que podem vir a tornar-se fonte de sofrimento e dificuldades para esses sujeitos, que possuem trabalho intimamente atrelado à manutenção da saúde (Sawaia, 1995) e à preservação da própria vida humana.
Referências
ALVES-MAZZOTTI, A. J.; GEWANDSNAJDER, F. O Método nas Ciências Naturais e Sociais: Pesquisa Quantitativa e Qualitativa. 2ª.ed. São Paulo: Pioneira, 1998. [ Links ]
ANDRIANI, A.G.; ROSA, E. Z. Psicologia Sociohistórica: uma Tentativa de Sistematização Epistemológica e Metodológica. In: Kahhale, Edna Maria Peters (org.). A Diversidade da Psicologia: uma Construção Teórica. São Paulo: Cortez, 2002. [ Links ]
ANTUNES, R. Os Sentidos do Trabalho. São Paulo: Boitempo, 1999. [ Links ]
BEAUVOIR, S. A Velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990. [ Links ]
BENAKOUCHE, T. Tecnologia é Sociedade: contra a Noção de Impacto Tecnológico. Cadernos de Pesquisa, 17, pp.2-23, 1999. [ Links ]
BOCK, A. M. B.; FURTADO, O.; TEIXEIRA, M L.T. Psicologias: uma Introdução ao Estudo de Psicologia. 13ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. [ Links ]
CARVALHO, P. S. (1999).Os computadores e a produção de subjetividade [on-line]. Available: <http://www.cogea.uol.com.br/ead/psicoinfo>, acesso em: 10 mai. 2003. [ Links ]
CASTELLS, M. A Era da Informação: Economia, Sociedade e Cultura. 3ª.ed. São Paulo: Paz e Terra, 2002. [ Links ]
CODO, W.; HITOMI, A. H.; SAMPAIO, J. J. C. Indivíduo, Trabalho e Sofrimento: uma Abordagem Interdisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1993. [ Links ]
DEJOURS, C. A Loucura do Trabalho. 5ª.ed. São Pulo: Cortez-Oboré, 1992. [ Links ]
DUPAS, G. Ética e Poder na Sociedade da Informação: de como a Autonomia das Novas Tecnologias Obriga a Rever o Mito do Progresso. São Paulo: Editora UNESP, 2000. [ Links ]
FERRETTI, C. J. et al. Novas Tecnologias, Trabalho e Educação: um Debate Multidisciplinar. 3ª.ed. Petrópolis: Vozes,1996. [ Links ]
FOUCAULT, M. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Graal, 1979. [ Links ]
GALANO, M. H. As Emoções no Interjogo Grupal. In: Lane, S. T. M.; Sawaia, B. B. (orgs). Novas Veredas da Psicologia Social. São Paulo: Brasiliense,1995. [ Links ]
GONZÁLES REY, F. L. Pesquisa Qualitativa em Psicologia: Caminhos e Desafios. São Paulo: Pioneira, 2002. [ Links ]
GROPP, B. M.C. A Pesquisa Etnográfica. In: Trevisan, L. e C.; Araújo, M. C. de. (orgs.) Transformações no Trabalho. São Paulo: Olho d'Água, 2002. [ Links ]
HELLER, A. O Cotidiano e a História. 2ª.ed. [S.l.]: Paz e Terra, 1976. [ Links ]
LANE, S. T. M. A Mediação Emocional na Constituição do Psiquismo Humano. In: Lane, S. T. M.; Sawaia, B. B. (orgs). Novas Veredas da Psicologia Social. São Paulo: Brasiliense,1995. [ Links ]
MAHEIRIE, K. Agenor no Mundo: um Estudo Psicossocial da Identidade. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1994. [ Links ]
MARX, K. O Capital. 7ª ed. Rio de Janeiro: LTC, 1982. [ Links ]
MATTA, R. O Ofício do Etnólogo ou como Ter "Anthropological Blues". In: Relativizando. Petrópolis: Vozes, 1981. [ Links ]
NICOLACI-DA-COSTA, A. M. Nas Malhas da Rede: os Impactos Íntimos da Internet. Rio de Janeiro: Campus, 1999. [ Links ]
SATO, L.; SOUZA, M P. R. Contribuindo para Desvelar a Complexidade do Cotidiano através da Pesquisa Etnográfica em Psicologia. São Paulo, vol. 12, nº 2, pp. 29-47, 2001. [ Links ]
SAWAIA, B. B. Dimensão Ético-afetiva do Adoecer da Classe Trabalhadora. In: Lane, S. T. M.; Sawaia, B. B. (orgs). Novas Veredas da Psicologia Social. São Paulo: Brasiliense,1995. [ Links ]
SILVA, T. C. Soldado é Superior ao Tempo: da Ordem Militar à Experiência do Corpo como Lócus de Resistência. In: Leal, O. (org). Horizontes Antropológicos: Corpo, Doença e Saúde. Porto Alegre: PPGAS, 1998. [ Links ]
SPINK, M. J. Práticas Discursivas e Produção de Sentidos no Cotidiano: Aproximações Teóricas e Metodológicas.2ª.ed. São Paulo: Cortez Editora, 2000. [ Links ]
TONELLI, M. J. Os Sentidos das Máquinas: Novas Tecnologias no Cotidiano de Trabalho. 7º Encontro Nacional de Estudos do Trabalho, Salvador, 2001. [ Links ]
VELHO, G. Individualismo e Cultura: Notas para uma Antropologia de Sociedade Contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar,1981. [ Links ]
VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1989. [ Links ]
Endereço para correspondência
Andresa Jaqueline Toassi
Rua Expedicionário Nardelli, nº 107, centro
Rio do Sul, SC, Brasil
Telefone: (47) 522-1874 / 9917-8197
E-mail:andresasc@yahoo.com.br
Michele Caroline Stolf
Rua João Ledra, 3175, Taboão
Rio do Sul, SC, Brasil
Telefone: (47) 525-0783 / (47) 9927-4283
E-mail:michelestolf@yahoo.com.br
Micheline Ramos de Oliveira
Rua: Moura, 43, Barreiros
São José, SC, Brasil
Telefone; (48) 240-3357/ (47) 9111-1719
E-mail:micheantr@hotmail.com
Recebido 09/06/05
Reformulado 23/03/06
Aprovado 04/07/06
* Psicóloga pela Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí (UNIDAVI), mestranda em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
** Psicóloga pela Universidade para o Desenvolvimento do Alto Vale do Itajaí (UNIDAVI), mestranda em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
*** Psicóloga, doutoranda em Antropologia Social pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
1 Prezando a questão ética, destaca-se que os nomes dos sujeitos da pesquisa são fictícios e foram escolhidos pelos próprios participantes.
2 Guarnição: grupos de trabalho operacional de soldados. No quartel, existem três guarnições, sendo que cada uma atua no decorrer de um turno de serviço.
3 De acordo com Bock, Gonçalves e Furtado (1999), a subjetividade constitui um dos aspectos do sujeito, o qual se constrói continuamente através de um processo dialético entre objetividade e subjetividade, que não são tidas como pólos opostos, mas constituintes entre si. Nesse sentido, a subjetividade é, ao mesmo tempo, individual e social, e acha-se ligada a aspectos históricos, estabelecendo-se concomitantemente ao desenvolvimento do meio social e material.
4 No presente artigo, todas as falas dos sujeitos transcritas na íntegra estarão escritas em itálico, tamanho de letra 12 e entre aspas.