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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

Print version ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.34 no.87 São Paulo Dec. 2014

 

História da Psicologia

 

 

Estudo normativo do Teste Goodenough-Harris em crianças na cidade de São Paulo

 

Goodenough-Harris Test normative study in children from the city of São Paulo

 

Estúdio normativo del Test de Goodenough-Harris en niños de la ciudad de São Paulo

 

 

Helena Rinaldi Rosa1; Irai Cristina Boccato Alves (Cad. 31)2

LITEP – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo

 

 


RESUMO

O Desenho da Figura Humana é usado para avaliar o desenvolvimento intelectual infantil e é um dos instrumentos de avaliação mais conhecidos e empregados internacionalmente é o de Goodenough-Harris. Este estudo tem por objetivo obter normas para esse teste. A amostra foi composta por 1540 crianças, de 5 a 11,5 anos, de ambos os sexos, sorteada para ser representativa de escolares da cidade de São Paulo, que foram avaliadas individualmente pelo Desenho do Homem. A análise de variância, considerando a idade, o sexo e o tipo de escola (pública ou particular) indica diferenças significantes entre as idades, os sexos apenas na Educação Infantil, mas não entre os tipos de escola. As médias de pontos mostram crescimento progressivo com a idade. São apresentadas normas em percentis por idade e separadas por sexo, apenas para 5 e 6 anos. Os resultados são comparados com os de Harris (1963) e de Alves (1979) que estudou pré-escolares de São Paulo. Conclui-se que o uso do Desenho do Homem do Teste Goodenough-Harris é adequado para avaliação cognitiva das crianças da cidade de São Paulo, podendo ser empregado na triagem e na avaliação psicológica infantil.

Palavras-chave: Desenho de figuras humanas; Teste Goodenough-Harris; Avaliação Psicológica.


ABSTRACT

The Human Figure Drawing is used to assess child intellectual development and the Goodenough-Harris is internationally, one of the most known and used systems. The purpose of this work is to establish norms for the Goodenough-Harris Test. The sample was composed by 1540 children, from 5 to 11.5 years old of both genders and it was designed to be representative of students from São Paulo city. Children were assessed individually by the Man drawing. Analysis of variables, considering age, sex, type of school (public or private) indicate significant differences between age and sex only in Child Education, but not between the types of school. Average scores progress increasingly with age. Norms are presented in percentiles scores by age and, separated by sex, only for 5 and 6 years old. Results are compared with studies of Harris (1963) and of Alves (1979), with São Paulo preschool children. It is concluded that use of Man's Drawing from Goodenough-Harris Test is adequate to cognitive assessment of São Paulo children and can be used in screening and in psychological assessment.

Keywords: Human Figure Drawing; Goodenough-Harris Test; Psychological Assessment.


RESUMEN

Uno de los instrumentos más comunes e utilizados internacionalmente para evaluar el desarrollo intelectual de los niños por medio del Dibujo de La Figura Humana es el Test de Goodenough-Harris. Este estudio tiene como objetivo establecer normas para esta prueba. La muestra consiste en 1540 niños de 5 a 11,5 años, de ambos sexos, elegidos al azar, representativa de los estudiantes de la ciudad de São Paulo, evaluados individualmente por el Dibujo de la Figura Humana. El análisis de varianza, considerando edad, sexo y tipo de escuela (pública o privada), indica diferencias significativas entre edades, en relación al sexo Sólo se encontraron datos significativos en el jardín de infantes, sin diferencias significativas entre tipos de escuela. Los puntajes medios se incrementan progresivamente con la edad. Las normas están en percentiles para las edades y separadas por sexo solamente para las edades de 5 y 6 años. Los resultados son comparados con los de Harris (1963) y Alves (1979), que estudió niños en edad preescolar en São Paulo. Se concluye que el uso del Test de Goodenough-Harris es adecuado para la evaluación cognitiva de los niños de la ciudad São Paulo y puede utilizarse en la evaluación psicológica infantil.

Palabras-clave: Dibujo de Figura Humana; Test de Goodenough-Harris; Evaluación Psicológica.


 

 

Introdução

O uso Desenho da Figura Humana na avaliação psicológica foi estabelecido com dois objetivos principais: para determinar o nível de do desenvolvimento intelectual infantil e para avaliar a personalidade de crianças, adolescentes e adultos. A avaliação do desenvolvimento fundamentou-se na constatação de uma relação entre o desenvolvimento gráfico e o cognitivo, o que permitiria a avaliação do segundo a partir do primeiro. Já, a avaliação da personalidade foi proposta por Machover (1949) a partir da sua experiência com a avaliação intelectual de desenhos infantis e da utilização clínica com adultos, o que a levou a perceber a influência dos aspectos emocionais na realização dos desenhos, tanto em crianças como em adolescentes e adultos. Contudo, para o diagnóstico de problemas emocionais a partir dos desenhos é fundamental conhecer os seus aspectos evolutivos, pois uma mesma característica pode ser considerada normal, indicativa de um atraso ou de um desvio, dependendo do que é esperado em uma determinada faixa etária e sexo (Prudhommeau, 1947; Osterrieth, 1953; Di Leo, 1978, apud Alves, 1986).

O interesse pelo desenho como forma de expressão humana é muito antigo e os primeiros estudos mostrando o seu caráter evolutivo foram apresentados por Cooke, em 1885, e por Ricci, em 1887 (Goodenough, 1926/1961; Harris, 1963/1981; Alves, 1979, 1986). O uso do Desenho da Figura Humana (DFH) como prova isolada para avaliação da inteligência foi desenvolvido por

Goodenough, em 1926, sob a denominação de Draw-a-Man Test (Desenhe um Homem). Este teste foi revisto por Harris em 1963, e passou a ser conhecido como Goodenough-Harris. Posteriormente foram construídas outras escalas baseadas no teste de Goodenough, como a de Koppitz (1968), a de Naglieri (1988), a de Wechsler (1996, 2000, 2003) e a de Sisto (2005). As duas últimas são brasileiras e foram aprovadas para uso pelo Conselho Federal de Psicologia (Resolução 002/2003). Este trabalho vai abordar o sistema de avaliação de Harris. Goodenough (1926/1961) partiu da observação de que a criança, ao desenhar a figura humana, configura o que ela sabe a seu respeito e não o que vê, portanto, expressa seu repertório conceitual mais do que sua habilidade artística; constitui uma atividade intelectual mais do que estética. Como esse repertório aumenta com a idade, esse progresso se reflete no desenho da criança. O Teste de Goodenough solicita à criança apenas o Desenho de um Homem. Nesta escala os 51 itens avaliam os progressos que ocorrem no desenho com o aumento da idade. Cada item recebe um ponto e o total de pontos é transformado em idade mental e depois em QI de razão. As normas americanas foram estabelecidas por Goodenough em uma amostra de 3.593 crianças de 4 a 10 anos. No Brasil, dois estudos estabeleceram normas para a escala de Goodenough, o de Antipoff (1931) em Minas Gerais e o de Rocha e Andrada (1930) no Rio de Janeiro, mas estes são desconhecidos pela maioria dos psicólogos.

Recentemente Sisto (2010) realizou uma análise da coerência interna do Teste de Goodenough, por meio de análise fatorial, a partir de uma amostra de 541 crianças de cinco a 10 anos, 52,9% meninos e 47,1% meninas, de escolas públicas e privadas, matriculadas da pré-escola ao quarto ano. Os resultados indicaram a predominância de um fator geral, capaz de explicar a maior parte da variância (56,84%) encontrada.

Harris (1963/1981) empreendeu a revisão do teste de Goodenough, solicitando, além do desenho do homem, o da mulher e o de si mesmo. O autor criticou o emprego do Desenho da Figura Humana como medida de inteligência, considerando que este avalia a "maturidade intelectual" ou, mais especificamente, a "maturidade conceitual", isto é, o conceito que a criança tem do corpo humano. Esse conceito indica sua capacidade para formar outros conceitos, inclusive mais abstratos. Na forma revisada, a escala possui 73 itens para o Desenho do Homem e 71 itens para o Desenho da Mulher. O Desenho de si mesmo pode ser avaliado usando a escala do mesmo sexo da criança.

Tanto na escala original de Goodenough como na revisada, "a ênfase é colocada na exatidão da observação da criança e no desenvolvimento do pensamento conceitual, e não na habilidade artística" (Anastasi & Urbina, 2000, p. 224). Em ambas as escalas, os itens avaliam a inclusão de partes do corpo, detalhes de roupas, proporção, bidimensionalidade, perspectiva e coordenação motora. No teste Goodenough-Harris, as tabelas normativas são apresentadas para cada faixa etária (com amplitude de um ano) de 3 a 15 anos, separadas por sexo e para cada desenho, do Homem e da Mulher, em QI de desvio, com média 100 e desvio-padrão de 15, obtidas a partir de uma amostra de 2.795 crianças norteamericanas. Os QIs de desvio podem ser transformados também em percentis (Harris 1963/1981).

Por outro lado não foram encontrados estudos normativos no Brasil com a Escala Goodenough-Harris, a não ser o de Alves (1979, 1981), relativo a préescolares (4 a 6,5 anos) da cidade de São Paulo e o de Brito, Alfradique, Pereira, Porto e Santos (1998), com crianças do Rio de Janeiro entre 5 anos e 15 anos e 11 meses.

Koppitz (1968/1973), por sua vez, propôs uma escala de avaliação maturacional do DFH para crianças de cinco a 12 anos, uma vez que seus resultados indicaram pouca diferenciação dos itens após 11 ou 12 anos de idade, com progressiva estabilização da sua frequência. A autora também apresentou uma escala para identificação de problemas emocionais, composta por 30 itens, denominados Indicadores Emocionais. Foram estabelecidas normas brasileiras para os Indicadores Maturacionais de Koppitz por Hutz, Antoniazzi (1995) no Rio Grande do Sul, por Sarti (1999) em Ribeirão Preto e por Rosa (2006) em São Paulo.

Wechsler (1996, 2000, 2003) elaborou uma escala brasileira para avaliar o desenvolvimento cognitivo entre cinco e 11 anos, que é baseada nas escalas de Harris (1963/1981), Koppitz (1973/1968) e de Naglieri (1988). A última edição dessa escala é conhecida como DFH-III. Wechsler (2003) também solicita a realização dos dois desenhos (Homem e Mulher) e apresenta normas separadas, conforme o gênero do desenhista. Por sua vez, a Escala de Sisto (2005) é composta por 30 itens, baseados no Teste de Goodenough de 1926. Alves (1979, 1981) realizou um estudo normativo com pré-escolares (4 a 6,5 anos) da cidade de São Paulo, utilizando os sistemas de Goodenough (1926/1961) e de Harris (1963/1981). Sua amostra foi constituída por 400 crianças de ambos os sexos, com idades entre 4 anos e 3 meses e 6 anos e 9 meses, divididas em cinco faixas etárias com amplitude de seis meses, provenientes das classes socioeconômicas média-alta e média-baixa. Aplicou o DFH segundo as instruções da escala Goodenough-Harris a grupos de quatro crianças. Os desenhos foram avaliados por essa escala e a de Goodenough, por seis juízes, sendo que para cada uma das escalas Goodenough (G), Harris Homem (H) e Harris Mulher (M), trabalharam dois juízes independentemente. Na comparação entre estes três resultados foram obtidas as seguintes correlações altas e significantes (p<0,01): G x H = 0,92; G x M = 0,79 e H x M = 0,77. Foram observadas diferenças significantes entre as médias das faixas etárias, aumentando com o crescimento da idade, bem como em relação ao nível socioeconômico, confirmando a influência das condições ambientais e educacionais nas pontuações, com médias maiores para os sujeitos de nível socioeconômico mais alto. Os coeficientes de precisão entre pares de juízes, bem como de cada juiz consigo mesmo, foram todos altos e significantes (p < 0,01), variando entre 0,945 e 0,983, o que mostra a objetividade na avaliação do teste.

A autora apresentou um levantamento de diversos estudos que indicaram diferenças significativas nos resultados do teste Goodenough-Harris em função do nível socioeconômico e cultural, o que foi confirmado em seu trabalho, que utilizou como indicador dessa variável uma escala de nível socioeconômico baseada na profissão e escolaridade dos pais. Em relação à variável sexo, foram encontradas diferenças significantes apenas na escala de Goodenough e no Desenho da Mulher da escala revisada. Na literatura observa-se que as diferenças entre os sexos dependem de aspectos culturais, pois em alguns estudos são encontrados resultados favorecendo crianças de um dos sexos ou inexistência de diferenças (Alves, 1979). Os resultados confirmaram as diferenças em função das condições ambientais e educacionais, bem como diferenças entre meninos e meninas, exceto para o Desenho do Homem na escala revisada.

Pereira e Farah (1995) investigaram a aplicabilidade das normas da pesquisa de Alves (1979) no Teste Goodenough-Harris para pré-escolares de Maringá (PR). Estudaram uma amostra de 20 crianças de cada sexo masculino, de classe econômica média-alta, matriculados em duas pré-escolas, na faixa etária de 5 anos (de 4 a 9 m 1 dia a 5 a 3 meses, conforme o critério usado por Alves em São Paulo). Foram solicitados os três desenhos que foram pontuados segundo o critério de Harris. Comparando os resultados das duas amostras da mesma faixa etária, não foram encontradas diferenças significativas entre as médias. Isto levou as autoras a concluírem que a padronização de Alves (1979) pode ser utilizada adequadamente com as crianças de Maringá, pelo menos no que se refere às de 5 anos de idade de classe média alta.

Anastasi e Urbina (2000) relatam diversos estudos que mostraram a influência do background cultural no desempenho do teste do DFH, como os de Dennis (1966); Laosa, Swartz e Dias-Guerrero (1974) e Mehyar, Tashakkori, Yousefi e Khajavi (1987). Os últimos investigaram a influência do status socioeconômico, no Irã, e encontraram boa diferenciação em função da idade e correlações positivas com medidas do nível socioeconômico e da realização acadêmica.

Em um estudo com o DFH-III, Silva e outros (2005) investigaram a influência de fatores culturais em um município do sul do Brasil com acentuada influência germânica. Sua amostra foi composta de 686 crianças de 1ª a 4ª séries, com idades entre seis e 12 anos, provenientes do meio rural e urbano. Os resultados confirmaram a validade de constructo do teste, a partir do aumento das médias de pontos com a progressão da idade, mas não encontraram itens que refletissem aspectos culturais, nem diferenças entre as crianças de ambiente rural e urbano.

Em pesquisas internacionais, La Osa e Navarro (1997) apresentaram normas para pré-escolares de 3 e 4 anos, para a cidade de Barcelona (Espanha). Simner (1985) elaborou uma forma abreviada da escala do Homem de Goodenough- Harris como instrumento de triagem para identificar crianças no início da préescola (5 anos) com risco de fracasso escolar. Embora tenha encontrado bons índices de precisão, o autor recomenda que essa escala tenha seu uso limitado a desenhos de crianças no início da pré-escola, pois a mesma mostrou perder seu valor preditivo, quando utilizada posteriormente.

Em outra pesquisa brasileira, Brito, Alfradique, Pereira, Porto e Santos (1998) estabeleceram normas para oito instrumentos usados na avaliação neuropsicológica infantil, entre eles, o Teste Goodenough-Harris, para a faixa de 5 a 15 anos. Aplicaram a bateria em 398 alunos de uma escola pública do Rio de Janeiro, selecionada por atender crianças de todos os grupos étnicos e classes sociais, que por essa razão foi considerada pelos autores como representativa da população. Foram aplicados os três desenhos como parte da bateria, numa sala da própria escola, e estabelecidas normas para as faixas etárias de 5,0 a 15 anos e 11 meses, com amplitude de seis meses, separadas por sexo, uma vez que suas análises revelaram diferenças significantes entre os sexos e as idades para os três desenhos, com aumento de pontos de acordo com o avanço da idade. Não foram verificadas diferenças significantes entre as médias das pontuações dos desenhos do homem e de si mesmo, no caso dos meninos, nem entre os da mulher e de si mesma, para as meninas. Na comparação com os dados de Harris (1963), foi constatado que as crianças brasileiras apresentaram médias de pontos mais baixos do que as americanas, exceto para as meninas de 6 anos e nos meninos de 15 anos no desenho do homem. Estes pesquisadores atribuem o desempenho geral mais baixo das crianças brasileiras em relação às americanas, em toda a bateria de testes estudada, a diferenças culturais e de qualidade do ensino. Contudo, eles não se referiram ao fato de sua amostra ter sido coletada em apenas uma escola pública.

A partir de uma amostra de 1316 crianças de Belo Horizonte de 5 a 11 anos, empregando o DFH-III, Flores-Mendoza, Mansur-Alves, Lelé e Bandeira (2007) constataram que as meninas tiveram melhor desempenho do que os meninos em todas as faixas etárias, ou seja, dos cinco aos 11 anos de idade, mas apenas entre os cinco e os sete anos (valor d=0,53 ou 8 pontos de QI) a diferença foi estatisticamente significativa (0,05).

Em relação à precisão da escala Goodenough-Harris, Rosa e Alves (2008) obtiveram correlação pelo método das metades (par-ímpar), corrigida pela fórmula de Spearman-Brown, de 0,923, para crianças de São Paulo. Para o reteste com um intervalo de 8 a 15 dias, a correlação foi de 0,808. Assim, é possível considerar a precisão obtida pelos dois métodos como satisfatória pelos critérios da literatura.

Em outro artigo, Rosa (2008) obteve correlação de 0,606 entre o Teste Não Verbal de Inteligência R-2 (Rosa & Alves, 2000) e a avaliação Goodenough-Harris e de 0,575 entre o R-2 e a de Koppitz. Entre as escalas de Goodenough e a de Koppitz a correlação foi de 0,899, que é considerada alta.

Em outra pesquisa, Flores-Mendoza, Mansur-Alves Abad, e Lelé (2010) compararam os sistemas de avaliação de Goodenough, Goodenough-Harris e Wechsler. Sua amostra foi composta por 107 crianças, com idades de sete, nove e 11 anos. As correlações entre os sistemas variaram de 0,52 a 0,85 para os três grupos de idade. Para a amostra total obtiveram correlação de 0,72 entre o Goodenough e o DFH-III e entre o Goodenough e Goodenough-Harris e de 0,79 entre o DFH-III e o Goodenough-Harris, indicando haver grande similaridade entre eles. Ainda que não tenham sido encontrados outros estudos mais recentes com o Teste Goodenough-Harris no Brasil, considerando a grande semelhança entre os vários sistemas para avaliação intelectual pelo Desenho da Figura Humana e as altas correlações entre seus resultados, obtidas por Flores-Mendoza, e outros (2010) e por Rosa (2008), é possível considerar que eles são equivalentes, o que permite o uso de qualquer um deles, conforme apontam Domingues, Alves, Rosa e Sargiani (2012).

Tendo em vista a inexistência de estudos normativos brasileiros atuais e mais amplos com o Teste Goodenough-Harris, esta pesquisa teve como objetivos: verificar se existem diferenças entre as idades, sexo e tipo de escola em relação aos resultados do Desenho do Homem e estabelecer normas para as crianças da cidade de São Paulo.

 

Método

a) Participantes

A população foi composta de 1540 crianças, sendo 781 do sexo masculino e 759 do feminino. A fim de garantir a representatividade da amostra, as crianças foram sorteadas respeitando a proporção de alunos matriculados em escolas municipais, estaduais e particulares, de acordo com as Estatísticas Educacionais do Centro de Informações Educacionais da Secretária de Educação do Governo do Estado de São Paulo (1997), na Educação Infantil e no Ensino Fundamental, de modo a controlar o nível socioeconômico. Inicialmente foi planejada uma amostra de 100 crianças para cada faixa etária com amplitude de seis meses, mas como não foram encontradas diferenças entre as médias de pontos empregando essas faixas, elas foram agrupadas em faixas com amplitude de um ano.

A distribuição de frequência da amostra final, por idade, sexo e tipo de escola, é apresentada na Tabela 1. As faixas etárias foram estabelecidas inicialmente considerando a idade como ponto médio da faixa, com a amplitude de 1 ano, por isso deve-se considerar que a faixa de 5 anos abrange de 4 a 9 m e 1 dia a 5 a 8 m e 29 dias, e as demais faixas seguem o mesmo critério.

 

 

A participação em relação ao tipo de escola foi bastante próxima à planejada, podendo a amostra ser considerada representativa da população do município de São Paulo.

b) Material

Foi utilizado o Teste de Goodenough-Harris: folha de papel sulfite branca (A-4), lápis preto nº 2 e borracha e as instruções originais de Goodenough para o Desenho do Homem.

c) Procedimento

A aplicação foi individual e ocorreu nas escolas selecionadas, onde as crianças foram sorteadas. Após o estabelecimento do "rapport", elas receberam instruções padronizadas para desenhar um homem, de acordo com a de Goodenough (1926). Os desenhos foram pontuados pela escala Goodenough- Harris (1963).

O emprego de apenas uma figura teve o objetivo de diminuir o tempo de aplicação e avaliação dos desenhos. Optou-se por pedir a figura do homem, não só em conformidade com as instruções originais de Goodenough, mas também, porque esse desenho apresentou melhores índices de correlação entre os dois sistemas (Alves, 1979). Por outro lado, considerou-se a posição de Koppitz (1968) de que uma figura é suficiente para essa avaliação. Outra razão para o emprego do Desenho do Homem e não o de uma pessoa foi uniformizar o estímulo de modo a evitar obter em alguns casos a figura do homem e em outros, a da mulher. Scott (1981), em seu trabalho de revisão da literatura com o DFH, concluiu também que no Desenho do Homem os resultados de meninos e meninas são semelhantes, enquanto no desenho da Mulher as meninas nas pontuações são mais elevadas.

 

Resultados

Para determinar a existência de diferenças das médias de pontos em relação à idade, ao sexo e ao tipo de escola foi realizada uma análise de variância, seguida dos testes Pos Hoc de Tukey. Na Educação Infantil houve diferença significante entre os sexos, idades e os tipos de escola bem como na interação sexo e tipo de escola. No Ensino Fundamental, houve diferença significante apenas entre as idades, mas não para nenhuma das interações entre as variáveis idade, sexo e tipo de escola. O Teste de Tukey indicou que a faixa etária de 5 anos mostrou diferença significante em relação às de 6 e 7 anos, mas essas duas não tiveram diferenças significantes entre si. A ausência de diferença entre 6 e 7 anos se deve ao número muito pequeno de crianças testadas aos 7 anos na pré-escola, apenas 18. A Tabela 2 apresenta as médias e desvios-padrão de pontos para cada faixa etária com amplitude de um ano.

Uma vez que a análise de variância indicou diferenças significantes entre os tipos de escola na Educação Infantil, foram calculados os testes t para cada faixa etária para verificar se essa diferença ocorria em todas as idades. Os resultados são apresentados na Tabela 3.

 

 

Ainda que na Educação Infantil tenha ocorrido uma tendência das médias das crianças das escolas particulares serem maiores, as diferenças não foram significantes, provavelmente em função do número bem menor de crianças nas escolas particulares. Por isso não são apresentadas tabelas separadas por tipo de escola para as idades de 5 a 7 anos, assim como para as demais idades, uma vez que na análise de variância para o Ensino Fundamental também não houve diferenças entre os tipos de escola.

Tendo em vista que a análise de variância indicou diferença entre os sexos apenas para a Educação Infantil, foram realizados os testes t e sendo encontradas diferenças significantes entre os sexos para 5 e 6 anos, idades em que as meninas tiveram resultados mais altos. Assim, as normas em percentil ,separadas por sexo, são apresentadas apenas para essas idades na Tabela 4. A Tabela 5 apresenta as normas em percentil para as demais idades, sem separação por sexo.

 

 

Discussão

A análise de variância indicou que a faixa etária com amplitude de seis meses não apresentou diferenças significantes entre faixas etárias vizinhas, porém foram constatadas diferenças significantes entre os grupos considerando-se as faixas etárias com amplitude de um ano. Por essa razão as normas são apresentadas por idade, com faixa etária de um ano.

Esse resultado difere do obtido nas padronizações para as crianças da cidade de São Paulo para o Teste das Matrizes Progressivas Coloridas de Raven (Angelini, Alves, Custódio, Duarte e Duarte, 1999) e para a Escala de Maturidade Mental Colúmbia (Alves e Duarte, 1993), nos quais as normas são apresentadas para faixas etárias com amplitude de seis meses. Em seu trabalho com o Teste Goodenough-Harris, Alves (1979) também apresentou normas para faixas etárias de seis meses, enquanto Harris (1963) considerou faixas com amplitude de um ano.

 

Pela Figura 1 pode-se constatar que as diferenças entre os dois grupos foram significantes e tornam-se maiores com o aumento da idade. Comparando-se os resultados do Goodenough-Harris da presente pesquisa com os de Harris, pode-se observar que as crianças paulistanas tiveram resultados mais baixos, variando de 2,4 a 9,2 pontos, de modo semelhante aos apresentados por Brito e outros (1998). As diferenças foram estatisticamente significantes, o que pode ser observado na Tabela 6 e na Figura 1.

Uma das explicações possíveis para que os dados de Harris tenham sido mais altos é o fato de que a média de idade de suas faixas etárias é três meses mais velha do que a desta pesquisa (por exemplo, o ponto médio da idade de 5 anos é 5 anos e 6 meses para Harris e 5 anos e 3 meses para esta pesquisa), aumentando assim a pontuação. Também se deve levar em conta as críticas citadas por Alves (1979) feitas por Vane (1967) e Levine e Gross (1968), de que a ano. amostra usada por Harris (1963) estava um pouco acima do nível intelectual médio das crianças americanas, o que contribui para a diferença entre as crianças paulistanas e as americanas. Os resultados de Harris foram comparados com as faixas etárias com amplitude de seis meses, coincidindo assim os pontos médios dos grupos. Os resultados dos testes t indicaram que as médias de Harris foram significantemente maiores em todas as idades, exceto aos 7 anos e meio.

 

 

As médias obtidas foram comparadas com as de Alves (1979) para faixas etárias de seis meses. Embora as médias de Alves (1979) tendam a ser superiores às desta pesquisa, as diferenças não foram significantes. Convém lembrar que na pesquisa de Alves metade da amostra pertencia ao nível socioeconômico médioalto e, nesta, uma porcentagem menor de crianças são de escolas particulares, ou seja, de nível socioeconômico médio-alto, o que contribuiu para a pequena diferença encontrada, ainda que não significante. Esse resultado indica que não houve uma mudança significativa nos resultados, comparando-os com os de Harris, apesar do intervalo de tempo ocorrido entre as duas pesquisas.

O aumento na pontuação média em função do aumento da idade encontrado neste estudo ocorreu nas diversas pesquisas com o DFH relatadas que investigaram essa variável, como as de Alves (1979), Hutz & Antoniazzi (1995), Sarti (1999), Brito e outros (1998) e Wechsler (2003). Esses autores também encontraram diferenças em relação às tabelas americanas originais apresentadas por Harris e por Koppitz, o que reforça a necessidade de estabelecer normas específicas para nossa população O aumento nos pontos médios que ocorre com o aumento da idade mostra que o DFH avalia o desenvolvimento intelectual, confirmando assim a validade do Teste Goodenough-Harris.

 

Conclusões

Neste estudo é apresentada a padronização para as crianças da cidade de São Paulo do Teste Goodenough-Harris. Foram obtidas normas em percentis por idade, para a amostra global e, separadas por sexo, apenas nas idades em que os resultados indicaram diferenças significantes, isto é, 5 e 6 anos. Não foram elaboradas tabelas normativas por tipo de escola, porque não foram encontradas diferenças relativas a essa variável.

Pelos resultados apresentados, pode-se inferir que, para avaliação cognitiva de crianças, é suficiente solicitar e avaliar apenas um desenho, o que torna o instrumento mais rápido, econômico, prático e também mais objetivo. Foi empregado o Desenho do Homem nesta pesquisa, porque os dados da literatura indicam maior precisão para este desenho.

Na comparação dos resultados com os de outras pesquisas no Brasil e a padronização americana de Harris, observou-se que o desempenho das crianças americanas foi superior ao das crianças brasileiras. As crianças pré-escolares de Alves (1979) obtiveram pontuação bastante próxima às da mesma idade nesta pesquisa, mesmo com um intervalo de tempo de aproximadamente 20 anos entre elas.

Com este trabalho está sendo oferecido um instrumento para avaliação cognitiva das crianças paulistanas, com padronização e normas específicas para a população da cidade de São Paulo, que é usado internacionalmente, porém que não possuía tabelas atualizadas de normas segundo as exigências atuais do Conselho Federal de Psicologia. Também deve ser ressaltada a necessidade de que sejam feitas novas pesquisas de normas para outras regiões do Brasil.

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Recebido: 21/07/2014 / Corrigido: 24/07/2014 / Aceito: 15/08/2014.

 

 

1. Laboratório Interdepartamental de Técnicas de Exame Psicológico (LITEP) – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo – USP. Contato: Av. Prof. Mello Moraes, 1721, São Paulo, SP - Brasil. CEP: 05508-030. Fone: 99687-6343. E-mail: helenarr@osite.com.br
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. Laboratório Interdepartamental de Técnicas de Exame Psicológico (LITEP) – Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo – USP. Contato: Av. Prof. Mello Moraes, 1721, São Paulo, SP – Brasil. CEP: 05508-030. Fone: 2648-0314. E-mail:
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