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Boletim - Academia Paulista de Psicologia
Print version ISSN 1415-711X
Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.34 no.87 São Paulo Dec. 2014
Resenhas de livros
Maluf, M.R. & Cardoso-Martins, C.(2013) Alfabetização no século XXI – como se aprende a ler e escrever. Porto Alegre: Penso, 183p., ISBN 978-85- 65848-70-1
Sandra Puliez1
Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC-SP
Em maio de 2011, o Seminário Internacional de Alfabetização- na Perspectiva da Psicologia Cognitiva da Leitura, realizado na PUC-SP, reuniu um grupo de cientistas, psicólogos, professores e estudantes de pós-graduação com a finalidade de responder a uma das principais necessidades da educação brasileira: como ensinar com êxito a leitura e a escrita.
No contexto internacional, a ciência da leitura avançou muito nos últimos 30 anos, fornecendo uma literatura abundante sobre a compreensão da aprendizagem e do desenvolvimento da linguagem escrita. No Brasil, pesquisas sobre esse assunto têm sido realizadas dentro da área da Psicologia Cognitiva e das Neurociências, mas esses são campos do conhecimento relativamente recentes no nosso país e ainda pouco conhecidos pelos profissionais da educação.
Nesse sentido, os principais objetivos do seminário foram: 1) fazer avançar o conhecimento sobre a aprendizagem e o ensino bem sucedido da linguagem escrita; 2) favorecer o acesso dos professores alfabetizadores ao conhecimento baseado em evidências sobre como ensinar a ler com melhores resultados; e 3) incentivar o diálogo entre pesquisadores, estudantes, alfabetizadores e formadores de professores sobre a aprendizagem e o ensino eficiente da linguagem escrita.
Todas as questões e pesquisas tratadas pelos palestrantes durante o Seminário incentivaram a organização do livro "Alfabetização no século XXI- como se aprende a ler e escrever" pelas professoras Maria Regina Maluf da PUC-SP e Cláudia Cardoso-Martins da UFMG. A obra é uma compilação dos assuntos das palestras que foram apresentadas no evento. Os autores dos capítulos, pesquisadores renomados dos EUA, Brasil, Portugal, Bélgica, Nova Zelândia, Hong Kong, Canadá e França apresentam suas pesquisas baseadas em evidências, de alta qualidade metodológica, sobre como se aprende a ler e escrever. Assim como o Seminário, o livro tem como objetivo divulgar a ciência da leitura e fazer avançar o conhecimento nessa área no Brasil.
A obra reúne o prefácio e mais 8 capítulos de extrema relevância para os estudos de Psicologia Cognitiva. Os autores apresentam suas evidências de pesquisas e as questões mais relevantes nesse importante campo de conhecimento que é a aprendizagem da linguagem escrita. A seguir faremos um breve resumo de cada um dos capítulos.
No prefácio, as professoras Maluf e Cardoso-Martins apresentam o livro e falam brevemente sobre a ciência da leitura e a importância da apropriação dos novos conhecimentos, produzidos em pesquisa, pelos psicólogos, educadores, pesquisadores e todos aqueles que se interessam e buscam respostas e novas ideias que contribuirão para seus esforços dirigidos a ensinar a ler e escrever. Também apresentam resumidamente os assuntos que serão tratados no livro.
No capítulo 1, entitulado "Entre a pré-leitura e a leitura hábil: condições e patamares da aprendizagem", José Morais, Isabel leite e Régine Kolinsky fazem uma exposição minuciosa do caminho a ser percorrido no processo de aprender a ler. Eles apresentam e explicam as três condições que auxiliam na evolução da aprendizagem da leitura: 1) descoberta do princípio alfabético; 2) aquisição progressiva do conhecimento do código ortográfico da língua e do domínio do procedimento de decodificação e; 3) construção do léxico mental ortográfico. Logo após, apresentam problemas que podem ser fontes de dificuldades na aprendizagem da leitura. Cuidadosamente, no decorrer do texto, os autores vão apresentando o caminho percorrido pelo aprendiz para chegar a desejada fluência na leitura oral. Para concluir o capítulo, é realizado um exame das relações entre o meio socioeconômico e sociocultural, por um lado, e os componentes e o nível de leitura por outro, juntamente com sugestões e implicações no ensino das metodologias mas propícias para superar efeitos adversos, de modo a beneficiar todas as crianças.
No capítulo 2, "Aquisição da habilidade de leitura de palavras e sua influência na pronúncia e na aprendizagem do vocabulário", Linnea C. Ehri, defende que a chave para entender como a habilidade de leitura se desenvolve consiste em compreender como os leitores iniciantes aprendem a reconhecer palavras escritas automaticamente e com precisão. A autora explica que quando uma palavra é lida um número suficiente de vezes, a sua identidade fica guardada na memória e quando os leitores se deparam com essa palavra em uma outra oportunidade, reconhecem a pronúncia e significado rapidamente, lendo a palavra como uma unidade inteira, sem necessidade da decodificação fonológica. Ehri também criou uma teoria de fases de desenvolvimento da leitura, e a apresenta nesse capítulo, distinguindo quatro fases que identificam avanços que ocorrem quando as crianças aprendem a ler palavras por reconhecimento automatizado: pré-alfabética, alfabética parcial, alfabética completa e alfabetiza consolidada.
No capítulo 3, "Existe um estágio pré-silábico no desenvolvimento da escrita em português? Evidência de três estudos longitudinais", de Cláudia Cardoso- Martins, são relatados três estudos longitudinais realizados com crianças brasileiras. O objetivo dos estudos foi discutir, mediante testes empíricos, a hipótese de um estágio silábico na teoria sobre o desenvolvimento inicial da escrita de Emília Ferreiro (1989). Nos estudos apresentados nesse capítulo, Cardoso-Martins apresenta uma explicação oposta à de Ferreiro para explicar o desenvolvimento da escrita infantil, argumentando que a escrita silábica é o resultado da compreensão da criança de que as letras representam segmentos sonoros e da sua tentativa de representar os sons que é capaz de detectar na pronúncia das palavras. Os resultados dos estudos de Cardoso-Martins sustentam-se na teoria de fases de Ehri, que sugere que o desenvolvimento da escrita é mais adequadamente descrito em termos de mudanças graduais na habilidade da criança de conectar os fonemas que ouve à escrita.
O capítulo 4, "Epi/meta versus implícito/explícito: nível de controle cognitivo sobre a leitura e sua aprendizagem", de Jean Emile Gombert, traz uma discussão sobre o nível de controle cognitivo sobre a leitura, explicando e contrapondo as habilidades epilinguísticas/metalinguísticas e as aprendizagens implícitas/ explícitas. O autor inicia o texto apresentando o modelo de desenvolvimento cognitivo publicado por ele em 1990. Nele, as habilidades epilinguísticas se transformavam em capacidades metalinguísticas por um processo de tomada de consciência, e essas se automatizavam sob o efeito da repetição de sua mobilização, e o desenvolvimento se efetuava de forma unidimensional. Porém, pesquisas sobre a aprendizagem implícita na literatura da área, posteriores a publicação de 1990, colocaram em questão o caráter unidimensional do modelo, levando-o a revisá-lo e modificá-lo. Gombert relata diversas pesquisas sobre aprendizagem implícita que influenciaram sua forma de pensar e então, explica o novo modelo revisado. Ele finaliza o capítulo expondo algumas consequências pedagógicas desse processo.
O capítulo 5, "Como a ciência cognitiva forneceu as bases teóricas para a resolução do "grande debate" sobre métodos de leitura em ortografias alfabéticas", de William E. Tunmer, apresenta uma revisão geral de pesquisas sobre o melhor modo de ensinar a ler e escrever em ortografias alfabéticas. Ele mostra, baseado em evidências científicas, que tanto as abordagens da linguagem total quanto fônica, para a instrução inicial da leitura, apresentam problemas conceituais importantes. Após expor pontos positivos e limites de cada abordagem, ele discute o valor do capital cultural letrado e a importância de haver uma instrução diferenciada e adaptada às habilidades de cada um como uma variável importante para garantir o êxito para todos os aprendizes.
O capítulo 6, "Alfabetização e consciência metalinguística: da leitura da palavra à leitura do texto", a autora Alina Galvão Spinillo, trata da questão das inferências, consideradas o cerne da compreensão de texto em todos os modelos teóricos. Ela faz uma distinção entre a leitura profunda e a leitura rasa, a partir da quantidade e qualidade das inferências realizadas, explicando que a compreensão profunda é necessariamente inferencial, que vai além da informação explícita no texto, permitindo que o leitor "identifique relações de causalidade, relacione eventos e proposições e interprete o texto" (p. 140), indo muito além da compreensão de palavras e frases. Devido a tamanha importância dada as inferências nos processos de compreensão, a autora enfatiza a necessidade de entendermos como o leitor iniciante estabelece as inferências que são autorizadas em um texto. Para isso, realizou um estudo de intervenção em sala de aula que apresenta nesse capítulo. O estudo consistiu de algumas situações didáticas que requeriam do aluno localizar no texto as bases geradoras de suas inferências. São apresentadas a metodologia do estudo e algumas passagens das atividades que foram conduzidas em sala de aula. Os resultados mostraram que a intervenção teve um papel facilitador sobre a compreensão e favoreceu a capacidade das crianças de estabelecer inferências, sendo que o mesmo não foi observado nas crianças do grupo controle que continuaram com as práticas educacionais usuais.
O capítulo 7, "Crianças com dificuldades inesperadas de compreensão de leitura", de Helene Deacon e Xiuli Tong, trata de questões que podem ser formuladas para explicar o comportamento de crianças que embora demonstrem domínio da leitura de palavras, não compreendem o sentido geral do que leem, dificilmente fazem inferências e não parecem monitorar suficientemente sua compreensão. Os pesquisadores estão percebendo que as crianças com dificuldades inesperadas de compreensão de leitura têm dificuldades no processamento fonológico, pobreza de vocabulário, habilidades cognitivas gerais, compreensão da linguagem oral e o conhecimento gramatical. Também há muitas pesquisas que sugerem que a consciência morfológica desempenha um papel central na compreensão de leitura e é com base nessa evidência que as autoras apresentam a sua pesquisa. Terminam falando da importância da identificação precoce e do desenvolvimento de programas de intervenção para enfrentar com sucesso essas dificuldades.
Por fim, o capítulo 8, "O que sabemos (ou não sabemos) sobre a genética da leitura", de Elena L. Grigorenko, trata da importância de se considerar os fatores genéticos na busca de compreensão das diferenças individuais, tanto na aquisição da leitura quanto na realização do ato de ler. A autora faz uma exposição das características estruturais e funcionais do genoma, mostrando evidências de que a leitura está relacionada a variações nas características genéticas da leitura. Ela conclui o texto dizendo que as descobertas realizadas até aqui ainda são bastante sem brilho, mas as avaliações dos resultados de pesquisas dão a impressão de que muitas descobertas ainda estão por vir.
Assim, o livro Alfabetização no século XXI – como se aprende a ler e escrever, faz sua contribuição com muito êxito à literatura que tem se constituído como parte de uma nova ciência- a Ciência da Leitura. A divulgação dos saberes constituídos nesse livro entre psicólogos, educadores e todos os profissionais dedicados a entender os processos cognitivos envolvidos na leitura e escrita é de fundamental importância para o enriquecimento da pesquisa brasileira.
Recebido: 15/10/2014 / Aceito: 29/10/2014.
1 Doutoranda no Programa de Educação: Psicologia da Educação, bolsista CAPES. Contato: Rua Segundo Sargento Fernando Fontes, 107, Jd Santa Mena, Guarulhos, SP, Brasil, cep 07096-050. Tel: (11) 98127-0600. E-mail: spuliezi@gmail.com