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Boletim - Academia Paulista de Psicologia
Print version ISSN 1415-711X
Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.37 no.92 São Paulo Jan. 2017
TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASOS
A inclusão e as representações sociais dos professores: uma revisão da literatura
Inclusion and social representations of teachers: a review of the literature
Inclusión y las representaciones sociales de profesores: una revisión de la literatura
Adil Margarete Visentini Kitahara1; Eda Marconi Custódio2
Universidade Metodista de São Paulo - UMESP, São Bernardo do Campo/SP
RESUMO
A educação inclusiva é atualmente uma proposta essencial para a construção e desenvolvimento de uma sociedade mais justa e igualitária, em que as diferenças sejam consideradas e respeitadas. O professor, como elemento mediador do processo ensinoaprendizagem, deve estar preparado para atuar de modo menos preconceituoso, sendo peça fundamental na implementação de propostas e outras ações que visam a eficácia e eficiência das proposições legais e práticas inclusivas. O objetivo deste trabalho é realizar uma revisão sistemática sobre as representações sociais dos professores de alunos com deficiência no processo de inclusão. Essas representações sociais dos professores sobre os alunos com deficiência e as práticas inclusivas podem ser a continuidade de possíveis preconceitos, que os outros alunos já possuem. Foi realizada uma pesquisa bibliográfica utilizando bases de dados para identificar artigos relevantes da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), que são: BIREME, SCIELO e CAPES, publicados entre 2010 e 2015, que avaliassem esta associação descrita. Evidenciou-se assim: resistências, falta de formação e que a inclusão como lei ainda não saiu totalmente do papel.
Palavras-chave: Inclusão; Representações sociais; Professores.
ABSTRACT
Inclusive education is currently a major proposal for the construction and development of a just and egalitarian society, where differences are considered and respected. The teacher, as mediator element of the teaching-learning process, must be prepared to act in a less biased way, being the key player in the implementation of proposals and other actions aimed at the effectiveness and efficiency of legal propositions and inclusive practices. Teacher's representations about included disabled students mobilize their discourse and practice and can therefore be the continuity of possible bias as other students already have. The objective of this study is to conduct a systematic review of the association between disabled students, inclusion and teachers social representations. The literature search using databases was performed to identify relevant articles of the Virtual Health Library (VHL), which are: BIREME, SCIELO and CAPES, published between 2010 and 2015 to assess this association. The information was analyzed concerning descriptors surveyed revealing resistance and showing that inclusion, as law, has not left the papers yet.
Keywords: Inclusion; Social representations; Teachers.
RESUMEN
Educación inclusiva es ahora una propuesta esencial para la construcción y desarrollo de una sociedad más justa e igualitaria, en que las diferencias son consideradas y respetadas. El profesor como mediador del proceso enseñanza-aprendizaje, deben estar preparados para actuar en un menos prejuicios, siendo instrumental en la implementación de propuestas y otras acciones encaminadas a la eficacia y eficiencia de las proposiciones jurídicas y prácticas inclusivas. El objetivo de este estudio es realizar una revisión sistemática sobre las representaciones sociales de los maestros de estudiantes con discapacidad en el proceso de inclusión. Estas representaciones sociales de docentes sobre estudiantes con discapacidad y las prácticas inclusivas pueden ser los prejuicios de continuidad posible, los demás estudiantes ya poseen. Se realizó una búsqueda bibliográfica utilizando las bases de datos para identificar artículos relevantes de la Biblioteca Virtual en salud (BVS), BIREME, SCIELO y CAPES, publicados entre 2010 y 2015, para determinar esta asociación descrita. Así fue: resistencia, falta de formación y que la inclusión como la ley no ha dejado completamente en el papel.
Palabras clave: Inclusión; Representaciones sociales; Profesores.
Introdução
A Educação, desde os primórdios da humanidade, é uma das práticas mais complexas e abrangentes se considerarmos sua influência na existência humana. Educar os alunos considerados "normais" já envolve toda uma organização; agora se pensarmos em inclusão, realmente a problemática fica complexa tendo em vista a mudança de paradigma para o Estado provedor responsável por essa Educação. Esta proposta deverá gerar mudanças para os professores, para os pais e também para os alunos inclusos. Os ideais de inclusão são democráticos e proclamados universalmente. Entretanto, ao longo da História da Educação e da humanidade nem sempre esses ideais foram inclusivos, pois a Educação por muito tempo esteve voltada para os ditos "normais" e os alunos "diferentes" estiveram excluídos, depois em classes especiais, ou seja, sempre à margem dos demais.
As representações sociais são processos com origem nas mudanças da sociedade e que possuem natureza psicológica e social, sem divisão entre o individual e o social, o exterior e o interior, de forma que o indivíduo não reproduz o que lhe é externo, mas o reconstrói e o representa de determinada maneira e, ao fazê-lo, se constrói como sujeito posicionando-se no mundo. O âmbito desses fenômenos sociais e as representações sociais referem-se a um estudo a partir da perspectiva coletiva, mas não perde o ponto de vista da individualidade (Moscovici, 2013).
As representações sociais circulam nos discursos e são trazidas pelas palavras, veiculadas em mensagens e imagens midiáticas, cristalizadas em condutas e organizações materiais e espaciais. Segundo Jodelet (2001 citado por Machado & Albuquerque, 2012, p. 1088), elas têm a finalidade de tornar familiar algo não familiar.
Ainda segundo as mesmas autoras, o campo de produção da representação social é o cotidiano, no contato face a face, no compartilhar das experiências vividas na relação com o outro e com o mundo em que elas se formam.
A objetivação e ancoragem são os mecanismos que utilizamos para elaborar as representações sociais. Para os autores Bonfim e Almeida (1993, p. 85 citados por Machado & Albuquerque, 2012, pp. 1088-1089), objetivação referese "à concretização ou materialização de um objeto abstrato representado, quando um esquema conceitual se torna real e acessível ao senso comum". Moscovici (2013, p. 61) define a objetivação como: "transformar algo abstrato em algo quase concreto, transferir o que está na mente em algo que exista no mundo físico". O mesmo autor, ao abordar o conceito ancoragem, refere-se a classificar e dar nome a alguma coisa, pois coisas que não são classificadas e que não possuem nome são estranhas e ameaçadoras.
O processo de inclusão diante das representações sociais torna-se um campo de pesquisa dos aspectos do cotidiano escolar, dos saberes, instituições educacionais, das relações pedagógicas, bem como a teia de significados e sentidos atribuídos pelos professores à inclusão escolar dos alunos com deficiência (Machado & Albuquerque, 2012).
As representações sociais e a inclusão vêm sendo alvos de pesquisas tanto no âmbito da Psicologia Escolar quanto no da Psicologia Social e da Saúde.
Na área da Saúde o interesse decorre dos laudos emitidos sobre os alunos com deficiência, e do impacto emocional da inclusão nos professores causando stress diário em muitos, conforme constatado em estudos sobre esses mesmos professores (Smeha & Ferreira, 2008).
A relevância do tema surge da necessidade social de se buscar novas soluções para uma eficiente prática de educação inclusiva, o que muitas vezes, não se tem observado até hoje a partir de relatos de professores, de artigos, reportagens onde se constata que alunos inclusos não possuem nem acessibilidade física nas escolas.
O ser humano normalmente tem dificuldades de aceitar o "diferente" e ao longo da história da humanidade as crianças com alguma anomalia sempre foram rejeitadas. Na Grécia Antiga eram mortas (Oliveira, 2010). Na Itália algumas crianças eram colocadas em cestos de flores e deixadas às margens do rio Tibre, e pessoas pobres criavam essas crianças para quando adultas pedirem esmolas. Na Era Cristã, os romanos criavam-nos diferentes e os transformavam em bobos da corte para diversão nos palácios. Na Idade Média os diferentes eram denominados de "endemoniados" e foram alvo de práticas de tortura, morte na fogueira e punições severas (Oliveira, 2010).
A ascensão da burguesia trouxe nova ordem econômica, novas formas de produção e no século XVII, novas ideias surgem com relação às deficiências. A "tese da organicidade" defende que as deficiências são causadas por fatores naturais e não por fatores espirituais e transcendentais. Desloca-se assim a deficiência entendida até então como fator teológico e espiritual, para fator orgânico e de competência médica. Isso favoreceu ao tratamento médico e ações no ensino para os "diferentes", o que vai se desenvolver definitivamente somente a partir do século XVIII (Aranha, 2005). Inicia-se assim a internação em instituições.
No Brasil, a ideia dos internatos trazida da Europa no século XVII, no período Imperial, foi o início formal da atenção dada aos deficientes. Essas instituições foram se especializando para atender pessoas por tipos de deficiência. Nas escolas comuns, em outro momento, foram acrescentadas as "classes especiais", assim os alunos não interferiam no ensino, pois os espaços eram determinados e o recreio ocorria em horário diferente dos alunos ditos "normais", e sendo assim a exclusão passa à integração social (Aranha, 2005).
Na última década do século XX e início do século XXI, inspirada no lema do Ano Internacional das Pessoas Deficientes, ou seja, "Participação Plena e Igualdade", uma pequena parte da sociedade em muitos países começou a tomar algum conhecimento e propor mudanças para que pessoas com deficiência realmente pudessem ter participação plena e igualdade de oportunidades. Isto deu início, a partir da década de 80, ao surgimento do conceito de inclusão. Muitos movimentos mundiais foram surgindo, mudando o paradigma da educação para uma educação com igualdade de oportunidades, respeitando as individualidades e garantindo a qualidade do ensino (Aranha, 2005).
Um marco importante nesse processo foi a Declaração de Salamanca, em 1994, que defendeu o direito da inclusão, da educação e um nível aceitável de aprendizagem.
Uma declaração internacional por si só não determina que os países a cumpram, entretanto representa um documento orientador e norteador para a educação inclusiva.
No Brasil, muitas leis estão voltadas para a educação inclusiva, sendo que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional -LDB 9394/96 relata que agora incluir é lei. Na Lei Federal 7.853 de 24/10/89, em seu artigo 8º é crime recusar aluno deficiente.
Outro grande marco do processo de inclusão foi a extinção das escolas especiais, salas de aceleração e de todos os serviços segregados oferecidos à pessoa deficiente (Almeida & Naiff, 2011).
Cabe ressaltar aqui, que as escolas especiais, de acordo com o Decreto nº 7611 de novembro de 2011, no artigo 2º, ainda existem na rede pública, em instituições filantrópicas privadas, mas funcionam de modo diverso, pois o aluno com deficiência frequenta a escola regular com inclusão e no contra turno pode frequentar a escola especial, mesmo que não diariamente, para receber alguma orientação especializada.
No artigo nº 3, item I do mesmo decreto, o atendimento educacional especializado objetiva prover condições de acesso, participação e aprendizagem no ensino regular e garantir serviços de apoio especializado de acordo com as necessidades dos alunos. O artigo 8º ressalta a dupla matrícula tanto na educação regular da rede pública, quanto no atendimento educacional especializado.
Todo esse movimento da legislação ao longo dos anos, assim como o processo de inclusão em andamento, trouxe os alunos com deficiência inclusos até ao Ensino Superior. ADeclaração Mundial sobre Educação Superior no século XXI, aprovada na Conferência Mundial sobre Educação Superior em 1998, estabelece as missões e funções do ensino superior, ações necessárias e as prioridades no âmbito dos sistemas e das instituições. Garante-se assim a igualdade de acesso ao nível superior (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura [UNESCO], 1999). Entretanto de acordo com Pereira, Silva, Faciola, Pontes e Ramos (2016, p. 159).
"..embora a matrícula e a presença do acadêmico estejam legalmente amparadas por lei, certas atitudes por parte da universidade podem favorecer a inclusão, assim como podem dificultar a participação do mesmo no contexto universitário".
A inclusão no Ensino Superior foi citada no presente artigo, embora não seja aqui o foco, mas para alertar sobre o tema, que é atual, polêmico, gerador de posições e opiniões divergentes, além de ainda lidar com o preconceito das pessoas.
Nesse sentido, o objetivo da pesquisa é conhecer, a partir da base de dados da BVS, a produção científica referente aos discursos dos professores e se suas representações sociais são coerentes com as práticas educacionais inclusivas. E se não o forem, quanto divergem, ou não, dos objetivos da política educacional de inclusão.
Não se intenciona "culpabilizar" os professores pelos problemas educacionais aos quais são submetidos e que enfrentam para atender a diversidade, mas elencar as possíveis diversas situações causadoras. Com isso não negamos a existência do preconceito, mas iremos além deles contextualizando a educação atual para entender como as representações sociais são forjadas e construídas no cotidiano escolar.
Método
Trata-se de uma pesquisa bibliográfica realizada nas bases de dados da Biblioteca Virtual em Saúde (BVS): BIREME, SCIELO e CAPES.
Os descritores utilizados foram "inclusão" e "representações sociais de professores" publicados entre 2010 e 2015.
Procedimentos
No total foram encontradas onze publicações. Sendo que nove pesquisas e publicações são do Brasil e duas dos países latinos, uma do México e outra do Chile. A pesquisa de uma das publicações do Brasil foi realizada em Évora, Portugal.
Diante do exposto, percebe-se que o tema inclusão e representações sociais de professores também é tema de pesquisa de outras nações do mundo.
Seis artigos abordaram o Método Qualitativo e cinco abordaram o Método Qualiquantitativo.
O número de participantes variou entre três e 120, todos professores, com exceção de uma pesquisa realizada com 107 alunos do curso de Pedagogia da Universidade do Mato Grosso. Das onze pesquisas realizadas, em oito delas participaram homens e mulheres; três pesquisas foram realizadas somente com mulheres professoras e alunas do curso de Pedagogia; em uma delas as 17 entrevistadas foram colocadas em três grupos, a saber: de gestores, docentes inclusivos e mestres colaboradores. Das pesquisas realizadas, três utilizaram entrevistas semiestruturadas, uma pesquisa com entrevistas semiestruturadas e grupo focal, uma pesquisa com entrevistas com classificação das categorias, uma pesquisa realizada através do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), uma com Questionários com análise estatística, uma com Questionários semiestruturados e escala Childhood Autism Rating Scale (CARS); uma pesquisa com Questionário com uma pergunta evocativa e duas pesquisas com entrevistas/ questionários e ou observação.
Principais Resultados
No século XX, na década dos anos 90 o mundo foi sacudido com novos caminhos para a inclusão de pessoas deficientes. Encontros, convenções, declarações determinaram que incluir alunos com deficiência nas escolas passou a ser lei.
Estamos em outro século, alguns avanços ocorreram, mas muito ainda tem que ser realizado, pois as pesquisas nos mostraram, que muitos alunos acabam mais excluídos estando no espaço escolar (Zucchetti, 2011).
Através de Metodologia Qualitativa com o Discurso do Sujeito Coletivo (Moreira & Marinque, 2014) apresentam três situações com professores de Matemática e alunos inclusos, em que ainda existem professores sugerindo classes especiais e a impossibilidade de aprendizagem dos alunos inclusos por causa de sua "diferença". Na mesma pesquisa, em outra situação, a professora concorda com uma aluna que demonstra menosprezo pelo colega incluso ressaltando suas dificuldades em utilizar adequadamente os sanitários. Se esse professor fosse questionado sobre o que é ser deficiente a partir de uma pergunta de algum aluno, a resposta revelaria o desconhecimento em responder essa questão, apesar de trabalhar em uma escola que tenha esses alunos, pois não consegue lidar com eles e não saberia responder à questão colocada.
Nem todos os professores pesquisados revelam posturas tão excludentes, entretanto um ponto importante a ser considerado refere-se ao fato de que em todos os artigos revisados temos situações apontando a exclusão.
Na pesquisa de Castro e Vidrio (2014), realizada no México uma professora entrevistada declara que se chega a ingressar algum aluno com deficiência, procura-se uma maneira de fazê-lo retirar-se "voluntariamente".
Na pesquisa realizada em Évora, os educadores da infância parecem demonstrar atitudes favoráveis à inclusão, entretanto continuam manifestando a sua preferência por grupos de crianças sem deficiência (Fragoso & Casal, 2012).
Os autores Machado e Albuquerque (2012) pesquisaram professores com a formação de pós-graduação e retratam a insegurança também desse profissional que, em alguns momentos se sente inútil, culpa-se por não estar atuando melhor e sente-se incapaz de fazê-lo.
Assim também na pesquisa que avaliou as representações sociais de professores e estudantes de Magistério, Almeida e Naiff (2011) apontam o temor com o desconhecido e os futuros professores se ressentem de ter que enfrentar a inclusão sem o respaldo que gostariam de ter na sua formação e na infraestrutura.
Foram também pesquisados alunos do curso de Pedagogia, mas que simultaneamente eram professores da rede pública e relataram a importância de perceber a diferença, mas não convivem harmoniosamente com ela, classificando a diferença como um desvio que provoca medo, curiosidade, constrangimento, dó ou até mesmo repúdio (Musis & Carvalho, 2010).
As representações sociais dos professores pesquisados no Chile têm uma avaliação contraditória, uma vez que os professores consideram a diversidade como um valor que deve ser incorporado por todos desde pequenos, mas também é percebida como um obstáculo para a prática do processo de escolarização (Apablaza, 2014).
Os professores de Educação Física, quando têm em suas classes alunos de inclusão, atuam mais no princípio de normalização do que nos princípios de inclusão, e apontam não conseguir visualizar o aluno com deficiência como alguém igual (Silva & Bordas, 2013).
Dois artigos pesquisados avaliam as representações sociais de professores de alunos autistas. Em um deles, alguns professores afirmam "nunca" terem dúvidas ou dificuldades em lidar com seus alunos autistas. O que os autores ressaltam é a presença de estagiários funcionando como auxiliares de vida escolar, que desonera o professor, mas questiona-se se realmente isso é inclusão, pois separado o aluno deixa de ser incluso (Gomes & Mendes, 2010).
Já no outro estudo sobre inclusão e alunos autistas, os professores relatam que ter alunos autistas inclusos denota um cenário de incertezas o que provoca nesses professores a busca do saber prático, contrapondo o saber científico nesse mar de contradições e variáveis nas definições sobre o que define a referida síndrome (M. A. Santos & M. F. Santos, 2012).
Diante de tantos aspectos excludentes abordados em todos os artigos mencionados, também foram abordadas: as defasagens, as incoerências e necessidades para caminhar-se no árduo projeto da inclusão.
Análises e Propostas sugeridas
De acordo com Zucchetti (2011), os professores pesquisados relatam que as Políticas Públicas estão marcadas pelo descrédito, conforme abordado também por Apablaza (2014) do Chile, pois as leis são elaboradas, entretanto não são cumpridas devidamente: tudo é muito superficial, não há objetividade, nunca se discute sobre o processo da inclusão e que não são os sujeitos que chegam na escola, mas suas patologias.
As pessoas aceitam a inclusão porque é lei e não por espontânea vontade, sendo que a pesquisa realizada em Évora, Portugal, também retrata essa realidade, o que nos faz refletir sobre a problemática da inclusão no mundo (Castro & Vidrio, 2014).
Fica evidenciado então, que é possível falar sobre a inclusão na perspectiva do contrário: a exclusão; dos acordos construídos entre "os de dentro" e "os de fora", "nós" e "eles" surgem os excluídos, convertidos em classes perigosas. O aluno é deixado na escola e o professor é que tem que se organizar para incluílo e muitas vezes esse aluno acaba mais excluído, embora estando no espaço escolar (Zucchetti, 2011).
Quanto à formação, Fragoso e Casal (2012), bem como outros autores, também mencionam o despreparo dos docentes, que durante a formação possuem só uma disciplina no curso de Pedagogia que trata da temática diversidade e inclusão. Mesmo os professores com Pós-Graduação sentem-se angustiados, como se tivessem "entrado num barco furado", pois não têm ajuda e nem suporte técnico de redes de apoio (Albuquerque & Machado, 2012).
Os professores de Educação Física pesquisados, que se formaram antes de 1987, não tiveram nenhuma abordagem sobre inclusão (Silva & Bordas, 2013). Os mesmos professores utilizavam algumas estratégias práticas nas aulas propondo para os alunos que sugerissem, de que maneira, os colegas inclusos poderiam participar das aulas (Musis & Carvalho, 2010).
Alguns profissionais acabam esquecendo a postura da formação e passam a ter uma visão estereotipada da relação cotidiana com os alunos, pois compensam com um "trato maternal", não atentando às questões do conhecimento: assim a figura materna assume o fazer pedagógico (Machado & Albuquerque, 2012).
Os professores não se reconhecem como provedores dos meios necessários às pessoas com deficiência e acabam creditando os sucessos aos professores especializados (Almeida & Naiff, 2011).
Nas duas pesquisas que abordam especificamente autistas, Gomes e Mendes (2010) relatam que o principal apoio oferecido pelo governo é a presença dos estagiários funcionando como auxiliares de vida escolar, mas esse é um suporte de baixo custo e não especializado, sendo assim um apoio maior para o professor do que para os inclusos.
As representações sociais de professores sobre o autismo infantil descrevem os alunos como algo inatingível, sendo que cada professor atua profissionalmente conforme suas próprias interpretações e não menciona nenhum apoio extra para as atividades pedagógicas a serem desenvolvidas (M. A. Santos & M. F. Santos, 2012).
De modo geral os aspectos afetivos e cognitivos fizeram parte do discurso dos professores. Muitas dificuldades foram citadas como: a organização da escola, o prédio, o currículo, o jeito de ensinar, a falta de capacitação profissional. Mas os fatores mais difíceis de superar, que estão na mente das pessoas, inclusive dos professores segundo eles mesmos, referem-se ao preconceito e à discriminação (Musis & Carvalho, 2010).
Entre os professores de Matemática alguns itens abordados como: oportunizar aos docentes da disciplina o conhecimento de histórias de sucesso inseridas no campo da Educação Matemática Inclusiva, realizar palestras com especialistas da temática em reuniões de pais e mestres e promover na escola o dia da inclusão parecem ser práticas interessantes (Moreira & Manrique, 2014). Os mesmos autores ressaltam que, a proposta talvez seja interessante, mas se existe essa necessidade de fazer um dia da inclusão é porque não temos inclusão ainda.
As autoras M. A. Santos e M. F. Santos (2012) ressaltam que, apesar de qualquer deficiência, a criança e o jovem precisam estudar, não importando a sua condição. Acrescenta-se aqui a preocupação da inclusão também no Ensino Superior.
Para Pereira e cols. (2016), um dos papeis das instituições de ensino superior é incentivar a pesquisa e também conscientizar a população acadêmica sobre a importância da valorização do ser humano, inclusive daqueles com deficiência, facilitando o ingresso dessas pessoas no mercado de trabalho, contribuindo assim, para que elas ocupem seu lugar na sociedade.
Segundo Machado e Albuquerque (2012), a inclusão não é feita apenas com boa vontade e legislação avançada. Os mesmos autores ressaltam a importância de estarmos atentos às representações sociais dos responsáveis diretos pela efetivação da inclusão, ou seja, os professores.
Com relação à inclusão dos autistas, as autoras M. A. Santos e M. F. Santos (2012) relatam que existem incertezas e fluidez ao considerar o autismo uma desordem orgânica ou o resultado de complicações relacionais precoces, ou seja, a própria localização do autismo, no campo da doença, loucura ou deficiência é ambígua. Assim os professores constroem autismos e assim também as representações unitárias da doença mental se tornam representações diversificadas, perpassadas por muitas incertezas. Nesse cenário as professoras recorrem ao saber prático, posto em contradição ao saber científico e as autoras citadas, assim como as autoras Gomes e Mendes (2010) recomendam maior número de pesquisas envolvendo o autismo e as representações sociais.
Musis e Carvalho (2010) apontam a importância do professor de aluno com deficiência: é necessário ter muitas qualidades, ser capacitado para, somente então, trabalhar com esse aluno e alertam ainda que o professor precisa ainda vencer obstáculos de ordem psicossocial. Acrescentam também que a escola continua inalterada nos aspectos pedagógicos e políticos, contraposta à educação inclusiva, cujo objetivo consiste em reestruturar as escolas, de modo a que respondam às necessidades de todos.
Fragoso e Casal (2012) alertam para o fato de a inclusão ser atualmente o paradigma educativo dominante. Os alunos com deficiência ainda são objeto de discriminação e, por conseguinte, de representações sociais pré-existentes e que os professores são formados para lidar com um hipotético aluno ideal e não se encontram preparados para lidar com situações diferentes, criando por isso as suas representações sociais.
Segundo Musis e Carvalho (2010, p. 211):
Para que um grupo construa uma identidade social e, em decorrência, potencialize a prática educacional que define seus componentes, precisam articular acordos que promovam o bem comum. No entanto, eles argumentam que, nem sempre o diferente é identificado como tributário do 'bem comum'. No caso, os que fogem da norma recebem várias denominações, entre as quais eles destacam: portadores de necessidades educacionais especiais, portadores de necessidades especiais, portadores de deficiência, pessoa com deficiência, ou, simplesmente, deficientes.
Isso se não mencionarmos as denominações mais antigas, onde uma criança com déficit de inteligência era classificada como: débil mental, cretino, idiota. Palavras que se tornaram pejorativas.
De acordo com Musis e Carvalho (2010, p. 211):
Tal dificuldade semântica aponta um não-ajuste entre o que é desejado e o que é de fato: traz uma identificação que falha, ao discernir valores para o deficiente, e põe o professor diante da opção de assumir a deficiência como parâmetro de infraestrutura, de cuja problematização não se pode esquivar, ou de associar ao deficiente um discurso que lhe afere "capacidade". É um conflito entre o pragmático e o "discurso socialmente correto".
Sassaki (2013, p. 5) complementa:
Os movimentos mundiais de pessoas com deficiência, incluindo os do Brasil, estão debatendo o nome pelo qual elas desejam ser chamadas. Mundialmente, já fecharam a questão: querem ser chamadas de "pessoas com deficiência" em todos os idiomas. E esse termo faz parte do texto da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, adotado pela ONU em 13/12/06, ratificado, com equivalência de emenda constitucional, através do Decreto Legislativo n. 186, de 9/7/08, do Congresso Nacional; e foi promulgado através do Decreto n. 6.949, de 25/8/09.
Além da dificuldade semântica, das políticas públicas e as várias legislações que emergem do cenário brasileiro ainda não conseguimos capacitar os professores para tornar sua atuação mais confortável para si e para os alunos. Algumas frases citadas pelos professores na pesquisa realizada por Zucchetti (2011) e transcritas a seguir, denotam segundo a autora, que somente é possível pensar e falar sobre a inclusão na perspectiva do contrário: a exclusão.
"Discute-se muito que devemos receber da melhor forma possível os alunos que apresentam necessidades especiais, mas só é discutido algo mesmo quando o professor procura as autoridades da escola e pede ajuda" (Zucchetti, 2011, p. 203).
"Li as leis para concurso, são bem elaboradas, mas não são cumpridas devidamente" (Zucchetti, 2011, p. 205).
"As pessoas aceitam porque está em lei e não por espontânea vontade" (Zucchetti, 2011, p. 207).
"Não é discutido, simplesmente o sujeito é deixado e o professor que se vire" (Zucchetti, 2011, p. 207).
Ainda segundo Zucchetti (2011), as frases dos professores denotam um espaço de desabafo, de poder falar sobre "os casos" dos que chegam na escola, pois não são os sujeitos, mas suas patologias. Refletem afoitos pedidos por apoio e formação.
Considerações Finais
Apesar de qualquer deficiência, as crianças, os jovens e os adultos precisam estudar, não importando sua condição. Eles precisam ter certeza de pertencer a uma escola, a um grupo de amigos, ter pessoas formadas e capacitadas que desvendem os conhecimentos acumulados pela humanidade.
A análise desenvolvida nesta revisão possibilitou contribuir para a construção do conhecimento acerca da inclusão e das representações sociais dos professores, assunto que necessita ainda ser mais pesquisado. As atividades escolares podem ser desenvolvidas em dupla ou grupos para que a deficiência comece a ser conceituada como algo constituído da sociedade e da diversidade.
O processo de inclusão teve avanços desde sua inserção na legislação, entretanto, muitos fatores que dificultam esse processo foram apontados e necessitam ser revistos. Destacamos: as políticas de Estado, a formação e constante capacitação dos professores, a falta de estrutura das escolas e o fator psicossocial dos professores.
A inclusão precisa estar entre os temas a serem estudados e desenvolvidos pelos professores para se tornar realmente efetiva e não ser mais uma lei a ser cumprida.
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Recebido: 10/04/2017 / Corrigido: 02/05/2017 / Aceito: 03/05/2017.
1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Saúde da Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, SP., Brasil. Correspondência: Rua: General Lécor 405, ap.21 - Ipiranga / SP - CEP: 04213-020. Email: adil13@terra.com.br
2 Profa. Doutora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Aprendizagem, do Desenvolvimento e da Personalidade da Universidade de São Paulo, Brasil. Correspondência: Rua: José Benedetti 285, ap.41 -São Caetano do Sul / SP - CEP: 09531-000. Email: eda.marconi@gmail.com