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Boletim - Academia Paulista de Psicologia
Print version ISSN 1415-711X
Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.40 no.98 São Paulo Jan./June 2020
I. TEORIAS, PESQUISAS E ESTUDOS DE CASO
Espiritualidade / religiosidade e saúde mental no brasil: uma revisão
Spirituality / Religiosity and Mental Health in Brazil: a review
Espiritualidad / Religiosidad y Sicología: una revisión
Daiane Daitx MonteiroI; Jeverson Rogério Costa ReichowII; Helenice de Freitas SaisIII; Fernanda de Sousa FernandesIV
IAcadêmica do Curso de Psicologia da Universidade do Extremo Sul Catarinense UNESC - Rua Simeão Esmeraldino de Menezes, 1015 apto.302, Bairro Dehon, Tubarão, SC. CEP 88704-090. E-mail: daidaitx@gmail.com, ORCID: 0000-0003-3802-1918
IIProfessor Doutor do Curso de Psicologia da UNESC, Rua Olavo de Assis Sartori, 20, Bairro Cruzeiro do Sul, Criciúma, SC. CEP 88811-080. E-mail: jrr@unesc.net, ORCID: 0000-0002-0342-1180
IIIUniversidade do Extremo Sul Catarinense UNESC, Rua Olavo de Assis Sartori, 20, Bairro Cruzeiro do Sul, Criciúma, SC. CEP 88811-080. E-mail: edf@unesc.net, ORCID: 0000-0001-7410-3270
RESUMO
A temática sobre religiosidade e espiritualidade ainda é uma questão pouco discutida entre profissionais da área da saúde mental. No Brasil, a religião sempre foi algo inerente à população. A presente pesquisa teve como objetivo fazer uma revisão bibliográfica no portal de periódicos eletrônicos da SciELO dos artigos publicados nos últimos anos na área da psicologia no Brasil, apontando para a visão da relação da espiritualidade/religiosidade e saúde mental. Utilizando termos de busca booleanos: espiritualidade e religiosidade e aplicando os filtros por país, área do conhecimento, tipo de literatura, foram encontrados 13 artigos no total entre os anos de 2008 a 2019. Inicialmente, o artigo se propõe a contextualizar historicamente a relação entre espiritualidade/religiosidade e saúde mental, conceitua espiritualidade, religiosidade e coping religioso/espiritual e aponta sobre a importância da espiritualidade/religiosidade na prática clínica. Em seguida, identifica os estudos encontrados, finalizando com a discussão e conclusão. De modo geral, os estudos contemplam a importância da temática e sua influência na saúde mental da vida das pessoas como um recurso de enfrentamento. Dessa maneira, destaca-se a importância da inclusão do aspecto espiritual/religioso na formação acadêmica e profissional dos que atuam na área da saúde mental por considerar-se que os pacientes possuem tais necessidades que podem ser identificadas e abordadas. Ademais, reconhecer o bem-estar que esse aspecto proporciona aos pacientes é prestar atendimento humanizado.
Palavras-chave: saúde mental; enfrentamento; espiritualidade; religiosidade.
ABSTRACT
The theme of religiosity and spirituality is still an issue little discussed among mental health professionals. In Brazil, religion has always been something inherent to the population. This research aimed to make a bibliographic review on the SciELO electronic journals portal of articles published in recent years in the area of psychology in Brazil, pointing to the vision of the relationship between spirituality / religiosity and mental health. Using Boolean search terms: spirituality and religiosity and applying filters by country, area of knowledge, type of literature, 13 articles were found in total between the years 2008 to 2019. Initially, the article aims to historically contextualize the relationship between spirituality / religiosity and mental health, conceptualizes spirituality, religiosity and religious / spiritual coping and points out the importance of spirituality / religiosity in clinical practice. Then, it identifies the studies found, ending with the discussion and conclusion. In general, the studies contemplate the importance of the theme and its influence on the mental health of people's lives as a coping resource. Thus, the importance of including the spiritual / religious aspect in the academic and professional training of those working in the mental health area is highlighted, as it is considered that patients have such needs that can be identified and addressed. Furthermore, recognizing the well-being that this aspect provides to patients is providing humanized care.
Keywords: mental health; coping; spirituality; religiosity.
RESUMEN
El tema sobre religiosidad y espiritualidad aún es una cuestión poco discutida entre profesionales del área de la salud mental. En Brasil, la religión siempre fue algo inherente a la población. La presente investigación tuvo como objetivo hacer una revisión bibliográfica en portal de periódicos electrónicos de la SciELO de los artículos publicados en los últimos años en el área de la sicología en Brasil, apuntando para la visión de la relación de la espiritualidade / religiosidad y salud mental. Usando términos booleanos de búsqueda: espiritualidad and religiosidad y aplicando los filtros por país, área del conocimiento, tipo de literatura, fueron encontrados 13 artículos en total. De un modo general, los estudios incluyen la importancia del tema y su influencia en la salud mental de la vida de los sujetos como un recurso de enfrentamiento. De esa forma, se destaca la importancia de la inclusión del aspecto espiritual/religioso en la formación académica y profesional de los que trabajan en el área de salud mental.
Palabras clave: salud mental; enfrentamiento; espiritualidad; religiosidad.
Introdução
No Brasil, a religião sempre foi algo inerente à população. No último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE (2010) mais de 89% da população brasileira declarou ter uma religião. O dado chama a atenção para a representatividade social dada pelos brasileiros à dimensão religiosa em suas vidas. A temática sobre religiosidade e espiritualidade é uma questão pouco discutida entre profissionais da área da saúde mental; comumente esses estudos se restringem à teologia. O tema espiritualidade/ religiosidade ainda não é visto como algo passível de investigação como forma de auxiliar na saúde mental, e são poucas as publicações sobre o assunto. Assim sendo, com o objetivo de atrair atenção para o tema, foi realizada uma revisão bibliográfica no portal de periódicos eletrônicos da SciELO dos artigos publicados nos últimos anos na área da psicologia no Brasil, apontando para a visão da relação da espiritualidade/religiosidade e saúde mental que, posteriormente, pode revelar-se instrutivo no que se refere à prática clínica. Inicialmente, este artigo se propõe a contextualizar historicamente a relação entre espiritualidade/religiosidade e saúde mental, conceitua espiritualidade, religiosidade e coping religioso/espiritual e aponta sobre a importância da espiritualidade/religiosidade na prática clínica. Em seguida, identifica os estudos encontrados, finalizando com a discussão e conclusão.
Contextualização histórica
Moreira-Almeida (2009), em seus estudos históricos, traz alguns mitos sobre a ideia de que religião e psiquiatria sempre estiveram em conflito. Um deles é o de que na Idade Média os transtornos mentais tinham apenas causas demoníacas, sem consideração por etiologias naturais. Outro mito é de que os psiquiatras libertaram a humanidade da superstição religiosa em relação aos transtornos mentais. Da Idade Média ao século passado, ordens religiosas criaram e mantiveram a grande maioria dos hospitais psiquiátricos. E, embora a Inquisição tivesse matado muitas pessoas mentalmente doentes sob a acusação por bruxaria, o estabelecimento de grandes hospitais foi um ato de caridade que partiu da ideia cristã. O primeiro hospital projetado especificamente para cuidar dos doentes mentais foi fundado na Espanha em 1409, sob a direção de sacerdotes. Grupos religiosos também construíram e mantiveram hospitais psiquiátricos no Brasil, nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha, na Alemanha e nos Países Baixos, entre outros (Moreira-Almeida, Lotufo Neto, & Koenig, 2006). No século XIX, a comunidade psiquiátrica manifestou atitudes negativas em relação à religião, as quais se tornaram proeminentes durante o século XX. Médicos como Charcot e Maudsley desenvolveram críticas e tentaram patologizar experiências religiosas em consonância com alguns intelectuais antirreligiosos que consideravam a religiosidade um estado social ou intelectual primitivo e negativo. Freud também propôs as influências irracionais e neuróticas da religião na psique humana, adotando uma forte postura antirreligiosa que influenciou grandemente a comunidade médica e psicológica. Ainda que houvesse alguns psiquiatras com uma visão positiva da religiosidade, como Jung, por exemplo, a avaliação negativa prevaleceu. Na década de 1980, o psicólogo Albert Ellis, que exerceu grande influência sobre a psicoterapia cognitivo-comportamental, considerou a religiosidade negativamente, como um pensamento irracional e perturbação emocional, afirmando que quanto menos religiosas as pessoas fossem, mais emocionalmente saudáveis tenderiam a ser (Moreira- Almeida, 2009). Moreira-Almeida, Lotufo Neto e Koenig (2006) apontam que, durante parte do século passado, a maioria dos profissionais de saúde mental limitou-se a negar os aspectos espirituais e/ou religiosos da vida humana. Os profissionais da área da saúde mental tinham uma visão antiquada e patológica sobre a espiritualidade, prevendo até mesmo que à medida que a humanidade amadurecesse e se desenvolvesse, os aspectos espirituais desapareceriam. Basicamente, quase todas as afirmações sobre o impacto da religiosidade na saúde mental não se basearam em pesquisas empíricas, mas em experiências clínicas e opiniões pessoais. Somente nas duas últimas décadas, foram realizadas pesquisas científicas rigorosas e publicadas em revistas médicas e psicológicas de referência que, de modo geral, mostram uma associação positiva entre envolvimento religioso e saúde mental. Atualmente, há uma tendência em favor de uma aproximação entre religião e psiquiatria (Moreira-Almeida, Lotufo Neto, & Koenig, 2006).
Conceitos principais
A espiritualidade não está necessariamente ligada a uma religião específica, mas, sim, ao modo como o sujeito procura viver. Essa dimensão espiritual foi considerada por muito tempo como algo patológico; se traçarmos uma retrospectiva histórica da Idade Média, por exemplo, a manifestação de espiritualidade era vista como bruxaria ou doença mental. No contexto atual, a espiritualidade se coloca como inerente à natureza humana, fazendo parte da vida da maioria das pessoas. Para uma melhor compreensão, torna-se relevante definir os termos "espiritualidade" e "religiosidade". Embora haja controvérsias na literatura sobre a conceituação, utilizou-se as definições propostas pelos pesquisadores Koenig, McCullough e Larson (2001), que definem espiritualidade como a relação com o sagrado ou o transcendente (Deus, poder superior, realidade última) e religiosidade como um sistema organizado de crenças, práticas e símbolos desenvolvidos para facilitar a proximidade com o sagrado ou transcendente.
A religião não é um conjunto estático de crenças e práticas; é um processo dinâmico, direcionado inicialmente para a descoberta de significado. Diante dessa descoberta, as pessoas são motivadas a nutrirem e manterem seu relacionamento através das práticas religiosas. Esse processo pode ser tanto baseado na socialização, quanto nas necessidades e motivos internos. As instituições religiosas desempenham um papel no ensino doutrinário sobre os aspectos da moralidade. Existem momentos na vida em que as pessoas se deparam com grandes eventos que abalam ou destroem seus modos de vida, e, consequentemente, ficam desorientadas e lutam para recuperar o equilíbrio emocional ou psicológico. Nesse sentido, elas podem procurar dentro da religião auxílio para ajudá-las a manter o significado, podendo recorrer a uma variedade de práticas religiosas para enfrentamento de situações estressantes. Um exemplo disso são indivíduos que utilizam símbolos como livros religiosos, ritos, objetos, orações, meditação, e a realização de boas ações (Pargament, 2010). No entanto, é importante ressaltar que a religião não é apenas sinônimo de enfrentamento, ela torna-se um instrumento sagrado de busca de significado para os momentos difíceis. Isso ocorre não apenas em períodos de estresse, mas também em bons e maus momentos. No processo de enfrentamento, as pessoas se preocupam em manter ou transformar o que consideram significativo em suas vidas. Parte do poder da religião reside na capacidade de servir a muitos propósitos, podendo oferecer uma fonte de significado diante da incerteza, da tragédia e da perda. Em situações estressantes, a religião pode proporcionar às pessoas um sentimento de pertencimento, conexão e identidade. E, por mais importante que seja sua função psicossocial, o propósito religioso mais central de todos é a função espiritual (Pargament, 2010). As pessoas procuram significado em muitos aspectos da vida. Quase todas as instituições sociais, sistemas familiares e educacionais, instituições governamentais e médicas tentam ajudar as pessoas a alcançarem significado em suas vidas, mas o que diferencia a religião dessas outras instituições é que ela traz o sagrado para a busca de significado. Assim, a religião é um fenômeno complexo e multifacetado que pode evoluir de maneiras muito diferentes ao longo da vida. De fato, não seria um exagero dizer que a busca religiosa de cada sujeito por significância é única (Pargament, 2010).
Outro conceito importante, e que vale elucidar, é o coping religioso/espiritual, destacado anteriormente. Conforme Panzini e Bandeira (2007), esse conceito foi delineado a partir do estudo cognitivista do estresse e do coping, inserido nas áreas da psicologia cognitivo-comportamental, psicologia da religião, psicologia positiva, psicologia da saúde, além do escopo de estudos sobre religião e saúde, medicina e espiritualidade. A tradução da palavra inglesa coping é "lidar". Embora não expresse toda a complexidade do termo, as autoras a definem como um conjunto de estratégias, cognitivas e comportamentais, utilizadas pelo indivíduo com o objetivo de manejar situações estressantes, ou seja, o modo como a pessoa lida com o estresse.
Importancia da espiritualidade/religiosidade na saúde mental
Moreira-Almeida (2009) aponta que nas últimas décadas a área médica e a psicológica têm realizado e publicado pesquisas científicas rigorosas sobre as relações entre espiritualidade/religiosidade e saúde mental, demonstrando que a profecia de desaparecimento da espiritualidade/religiosidade, por parte de alguns psiquiatras, não se cumpriu. E, ainda, que a espiritualidade permanece importante para a vida da maioria absoluta da população mundial, indicando, grosso modo, que o envolvimento religioso se relaciona com melhores indicadores de saúde mental e bem-estar.
A presença do religioso no modo de construir e vivenciar o sofrimento mental tem sido observada por muitos dos pesquisadores. Assim é o caso tanto em estudos com contornos mais qualitativos e etnográficos, como com os mais bem quantitativos e epidemiológicos. Isso também é constatável tanto para os transtornos mentais mais leves, como ansiedade e depressão, como para os quadros graves, como nas psicoses. A busca por algum alívio do sofrimento, por alguma significação ao desespero que se instaura na vida de quem adoece, parece ser algo marcadamente recorrente na experiência, sobretudo para as classes populares (Dalgalarrondo, 2007, p. 32).
Moreira-Almeida, Lotufo Neto e Koenig (2006) destacam que os pacientes têm necessidades espirituais que devem ser identificadas e abordadas, mas profissionais de saúde mental têm dificuldades ao lidar com essas questões. Acreditam também que o profissional deve ter conhecimento profundo do ambiente cultural e religioso no qual seu trabalho está sendo realizado. Além disso, apontam que a religião tanto pode ser útil, integrando o paciente à sociedade ou motivando-o a procurar tratamento, como pode dificultar o tratamento, se proibir a psicoterapia ou o uso de medicação. Nesse último caso, indicam que no Brasil, onde a mudança religiosa ocorre rapidamente, a pobreza e a falta de educação podem tornar as pessoas vulneráveis ao abuso espiritual. Segundo Pargament (2010), embora ainda existam estudos empíricos que confirmam o estereótipo de que a religião pode promover passividade e negação diante de doenças médicas, a maioria deles se concentra nos efeitos úteis do enfrentamento religioso para medidas de saúde psicológica e bem-estar. Em sua maioria, esses estudos associam o enfrentamento religioso a resultados positivos na saúde física, particularmente entre pessoas que enfrentam doenças graves. Se de um lado a religião pode ser útil para as pessoas no enfrentamento de uma doença médica, por outro pode também contribuir para um maior estresse e tensão. Diante disso, o autor infere que o papel transformador da religião não deve ser subestimado.
Crenças religiosas influenciam o modo como pessoas lidam com situações de estresse, sofrimento e problemas vitais. A religiosidade pode proporcionar à pessoa maior aceitação, firmeza e adaptação a situações difíceis de vida, gerando paz, autoconfiança e perdão, e uma imagem positiva de si mesmo. Por outro lado, dependendo do tipo e uso das crenças religiosas, podem gerar culpa, dúvida, ansiedade e depressão por aumento da autocrítica (Stroppa & Moreira-Almeida, 2008, p. 5).
Por muito tempo, a dimensão religiosa do enfrentamento foi negligenciada, contudo, essa imagem tem mudado de maneira drástica nos últimos anos. Com base nas ligações estabelecidas entre religiosidade, saúde e bem-estar, alguns psicólogos têm passado da pesquisa para a prática, reconhecendo que a sensibilidade à dimensão religiosa aumenta a eficácia das intervenções clínicas, consequentemente, tornando-se um recurso poderoso. Logo, para outros profissionais da área, isto torna-se um fardo. Todavia, não há como negar a religião como parte integral, rica e multidimensional do processo de enfrentamento. Qualquer esforço para entender o paciente que negligencie a dimensão religiosa/espiritual da vida permanece incompleto (Pargament, 2010).
Metodologia
A pesquisa foi realizada a partir de um levantamento bibliográfico da literatura no portal de periódicos eletrônicos da SciELO. A busca se deu no mês de setembro e outubro de 2019. Primeiramente utilizou-se os termos de busca booleanos: espiritualidade AND religiosidade. Foram encontrados 132 estudos, publicados entre os anos de 2008 e 2019. Posteriormente, aplicou-se os seguintes filtros: coleções do Brasil (n=102); WoS áreas temáticas da Psicologia multidisciplinar e Psicologia (n=14); tipo de literatura, somente artigos (n=13), chegando-se ao resultado de 13 artigos no total. Em seguida, são apresentados os trabalhos encontrados, sistematizados em relação à frequência anual, às revistas, à região onde ocorreram e ao tipo de estudo, como também a discussão e conclusão, ao final.
Resultados
No intervalo pesquisado (2008 a 2019), aparecem nos anos de 2008, 2009 e 2015 dois artigos em cada ano. Já nos anos de 2010, 2011, 2012, 2013, 2014, 2016 e 2019, aparecem um em cada ano, somando um total de 13 artigos. Em 2017 e 2018, não apareceu nenhum estudo. Em relação aos periódicos, foram encontradas três publicações na revista Psicologia em Estudo, três na Psicologia: Ciência e Profissão, dois em Estudos de Psicologia (Natal) e dois na Psicologia: Teoria e Pesquisa, um em Estudos de Psicologia (Campinas), um na Fractal: Revista de Psicologia e um na Psicologia USP. Os estudos por região comtemplam: Rio Grande do Sul e Distrito Federal, com três cada, Santa Catarina, com dois, e São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Paraíba e Rio Grande do Norte, com um cada. No que diz respeito aos tipos de estudos, dos 13 artigos encontrados apenas dois foram de revisão da literatura, sendo o restante empírico. Além disso, cinco foram realizados no âmbito hospitalar e um com pessoas em situação de doença crônica. Destes, dois foram com profissionais que atuam na área. No estudo que buscou avaliar a qualidade de vida e bem-estar espiritual em pessoas vivendo com HIV/Aids, com uma amostra constituída de 200 pessoas (143 sintomáticos e 57 assintomáticos) em que, do total, 62,5% faziam uso de terapia antirretroviral, os resultados apontam para a correlação significativa entre os domínios da qualidade de vida e bem-estar espiritual. Os pacientes sintomáticos pontuam mais correlações significativas entre qualidade de vida e bem-estar religioso, existencial e espiritual, em comparação ao grupo assintomático. Tal resultado pode estar ligado ao fato de o grupo de pacientes sintomáticos indicar maior frequência de crenças religiosas em comparação com o grupo assintomático. Entretanto, o grupo de pacientes sintomáticos apresenta baixo escore no domínio psicológico em relação ao assintomático. Isso pode estar ligado ao fato de que a maioria dos pacientes sintomáticos encontra-se em tratamento medicamentoso. O tratamento medicamentoso tende a gerar impacto e sentimentos negativos, como ansiedade e tristeza, o que torna necessária uma readaptação na convivência com a doença, bem como um reajustamento psicológico a essa situação de estresse (Calvetti, Muller, & Nunes, 2008). Calvetti, Muller e Nunes (2008) concluem, a partir do estudo, que o fato de o paciente apresentar sintomas propicia o desenvolvimento da espiritualidade/religiosidade como fonte de apoio emocional e/ou social no enfrentamento da doença, auxiliando numa melhor convivência com o diagnóstico. Dessa maneira, o bem- estar espiritual destaca-se como uma das variáveis presentes na capacidade de resiliência e proteção da saúde, podendo auxiliar na manutenção e diminuição de agravos do processo saúde-doença, bem como contribuir para o desenvolvimento de uma melhor qualidade de vida. As autoras destacam ainda a necessidade de uma reflexão acerca da atenção do psicólogo para o fortalecimento dos processos de enfrentamento da doença, ressaltando sobre a importância do investimento dos aspectos que ajudam na proteção à saúde, como os estudos sobre espiritualidade, resiliência, coping, otimismo e esperança. Dentre as sugestões que apontam, estão: o aprofundamento de pesquisas em relação ao tema da espiritualidade com a inclusão de variáveis psicológicas positivas e negativas relativas ao contexto de saúde e os efeitos no ajustamento psicológico do indivíduo; e a construção de um modelo de intervenção enfatizando processos de resiliência para o atendimento às pessoas que vivem com HIV/Aids. Esses dois pontos colaboram para a discussão da formação do psicólogo e de outros profissionais da saúde para a intervenção e aprimoramento do conhecimento no processo saúde-doença. Em decorrência disso, a compreensão pode fazer diferença na prática clínica como forma de aprimorar a relação profissional e paciente (Calvetti, Muller, & Nunes, 2008). Em outro estudo realizado com pacientes oncológicos, foi registrado que 87% deles descrevem que a fé aumentou após a descoberta e tratamento do câncer, apontando para a hipótese de que pessoas acometidas por doenças graves como o câncer se apegam mais frequentemente à espiritualidade como fonte de apoio e de sentido para a existência. Ademais, a população estudada apresenta bem-estar espiritual e religioso moderados, o que sugere que o câncer favorece a busca pela espiritualidade e religiosidade como mecanismos de enfrentamento do sofrimento, como fonte de esperança de cura e como ressignificação do sentido da vida e da morte. Foi verificado também que a espiritualidade, a depressão e a qualidade de vida do paciente oncológico estão inter-relacionadas e influenciam sua rotina e dinâmica familiar de forma efetiva, o que indica a importância da atuação do psicólogo no acompanhamento terapêutico do paciente, familiares e cuidadores. Os resultados do estudo sugerem ainda que o psicólogo pode atuar de forma a realizar orientações e intervenções conjuntas entre instituições religiosas e de saúde (Miranda, Lanna, & Felippe, 2015). Miranda, Lanna e Felippe (2015) constatam que alguns pacientes com câncer descrevem amadurecimento e aquisição de novo sentido para a vida, percebendo que situações de crise também podem levar a resultados positivos como forma de enfrentamento. Em contrapartida, verificam que o câncer também pode ser entendido por algumas crenças religiosas como uma forma de culpabilização dos fatos acontecidos em gerações anteriores ao sujeito ou ao longo de sua própria existência, assim como sugere que o paciente pode estar sendo provado com a existência da doença. A aceitação do paciente quanto ao que a crença insinua depende da relação estabelecida com a religi&a tilde;o (Miranda, Lanna, & Felippe, 2015). O estudo das concepções dos profissionais de saúde que atuam na assistência a pacientes oncológicos sobre religiosidade/ espiritualidade apresenta essa temática como frequente nos atendimentos. Na mesma amostragem, aproximadamente metade dos participantes não praticam atividades religiosas, porém quase todos revelam grau elevado de espiritualidade. Alguns relatam não ter recebido formação acadêmica para abordar a temática, apontando para a necessidade de capacitação e treinamento adequados (Gobatto & Araújo, 2013). Gobatto e Araújo (2013) constatam que, apesar de predominar a percepção sobre a influência positiva da religiosidade e espiritualidade para a saúde, efeitos negativos encontram-se em menor proporção. Além disso, evidenciam a escassez de serviços de apoio religioso nos hospitais, que se destaca por contribuir na humanização do cuidado, prestando alento para suportar as vicissitudes impostas pela rotina hospitalar (Gobatto & Araújo, 2013). Uma pesquisa realizada com médicos oncologistas buscou caracterizar as estratégias de enfrentamento psicológico utilizadas por eles. Foram construídas seis categorias de análises, dentre elas, a da religiosidade/espiritualidade. Segundo Cano e Moré (2016), os médicos desenvolvem suas ações em um tensionamento extremo no processo de vida e morte, traduzido por um intenso desgaste emocional. Diante desse fato, o estudo evidencia a utilização das mais variadas estratégias de enfrentamento psicológico, que foram sendo construídas e incorporadas a partir da prática profissional com o objetivo de manejar e lidar melhor com as diversas situações vivenciadas. Os dados obtidos evidenciam situações e demandas profissionais que exigem habilidades não contempladas no período de formação acadêmica. Na categoria religiosidade/espiritualidade alguns oncologistas entrevistados apresentam certa espiritualidade não ligada a nenhuma religião formal ou instituída, mas a uma força superior ou energia; outros, diante da atitude de descrença, afirmam almejar poder acreditar em algo superior e demonstram iniciativas na tentativa de alcançarem alguma fé; outro fato, é a ideia de que o deus do paciente é um deus diferente, sendo que, em certos momentos, descrevem-no como algo caricato. Estes dois últimos pontos, podem estar relacionados aos aspectos que embasam a profissão médica, como o controle, a objetividade e previsibilidade, de modo que a crença se refere a algo não palpável, portanto difícil de ser comprovado (Cano & Moré, 2016). Ainda no âmbito hospitalar, outro estudo acerca do uso da espiritualidade/religiosidade pelas mães usuárias do Método Canguru de uma maternidade conveniada ao Sistema Único de Saúde no Estado do Rio Grande do Norte evidenciou aspectos importantes. Cinco mães- canguru eram de origem religiosa católica não praticante, duas eram evangélicas e apenas uma praticava o pentecostalismo. No ambiente estudado, havia um grupo espiritual intitulado Mães em Oração, que serviu de apoio emocional para essas mulheres. No grupo, elas podiam compartilhar experiências e reproduzir músicas religiosas durante os encontros. Esse tipo de prática se apresenta como valioso instrumento para minimizar seu sofrimento, atuando não apenas como suporte na situação delicada em que se encontram, mas abrindo uma possibilidade para o diálogo sobre a temática no ambiente hospitalar (Véras, Vieira, & Morais, 2010). Véras, Vieira e Morais (2010), concluem que, além do estudo contribuir para a discussão dos efeitos da espiritualidade no ambiente hospitalar, a reflexão das práticas religiosas torna-se uma forma de incluir essa mãe no seu meio social e espiritual. Ademais, muitas questões circundam a realidade retratada, fazendo com que essas mulheres careçam, além do apego religioso, refletir e discutir sobre os sentimentos conflitantes que surgem diante da prematuridade. Portanto, as autoras destacam que os profissionais da saúde procurem atuar com foco na integralidade do paciente, compreendendo que eles possuem necessidades que extrapolam os limites do biológico, psicológico e social, ganhando contornos espirituais e sentimentais.
Sugerem também potencializar a equipe de saúde na discussão da finitude do humano e na necessidade de saber apoiar diante da morte prematura. Para tanto, apontam o imperativo de mais estudos e debates profundos sobre a temática da morte para que o ser humano tenha a consciência de sua finitude. Ao adquirir esse nível de consciência, o sofrimento e a angústia tendem a diminuir. Desse modo, a pesquisa conclui que a dimensão religiosa contribui para a elaboração do luto e a aceitação desse momento e da sua finitude com menos angústia e ansiedade por parte das mães (Véras, Vieira, & Moraes, 2010). Uma outra pesquisa, realizada com idosos hospitalizados numa enfermaria geriátrica, também avaliou a influência da religião e espiritualidade no enfrentamento dessa hospitalização. Os pacientes encontram-se em uma condição de maior vulnerabilidade por terem sofrido perdas ao longo da vida. Como se não bastasse, a hospitalização também representa um evento estressor, tendo de se deparar com a proximidade da perda da própria vida. Nesse contexto, vivenciam comumente, além da própria doença, os procedimentos invasivos, os sintomas físicos, a distância dos familiares, a quebra de rotina, a gravidade do estado de saúde, as fantasias sobre a morte, o medo do desconhecido. Portanto, nessa circunstância, a religião e a espiritualidade podem auxiliar no enfrentamento da situação. Olhar o paciente não somente como um corpo que adoece, mas levar em consideração toda a sua história de vida, hábitos, costumes, cultura, crenças evita a sensação de se ter apenas mais um leito ocupado, alguém despersonalizado (Duarte & Wanderley, 2011).
De acordo com Duarte e Wanderley (2011), religião e espiritualidade são recursos relevantes aos quais idosos recorrem no enfrentamento da hospitalização. Ademais, reconhecer o bem-estar que esses aspectos proporcionam aos pacientes é prestar atendimento humanizado. Em contrapartida, apontam que a conduta por influência religiosa pode desencadear malefícios à saúde do paciente. Comportamentos decorrentes de um positivismo exagerado baseado na crença de que um ser superior os protegerá de qualquer mal, comportamentos que venham a negligenciar sintomas, não adesão a práticas preventivas ou ao tratamento proposto, crenças em que a doença é vista como punição, são considerados prejudiciais no que se refere ao enfretamento religioso. Na pesquisa em questão foi observado, também, que ao atender os pacientes idosos nos leitos existe uma demanda para atendimento religioso por meio da relevância que eles atribuem à religião. Muitos pacientes encontram na fé, otimismo e esperança a motivação para envolver-se com o tratamento, sendo considerados aspectos extremamente relevantes para a recuperação. Para Duarte e Wanderley (2011), o psicólogo pode ajudar o idoso a desenvolver funções adaptativas para que o período de hospitalização seja o menos desconfortável e aversivo possível, com o intuito de propiciar bem- estar psicológico, emocional e espiritual durante a internação. Destacam ainda que cabe ao profissional de psicologia encontrar ferramentas úteis que possam auxiliar no atendimento a partir de uma conduta ética e de respeito pelos valores religiosos e espirituais dos pacientes. Outro ponto importante destacado pelas autoras supracitadas é cuidar dos profissionais de saúde para que sejam capazes de promover a humanização no serviço. Para tanto, sugerem que eles se familiarizem com o tema e estejam cientes da relevância na vida do público idoso. A inclusão de disciplinas que abordem religião e espiritualidade na formação acadêmica torna-se relevante para melhor prepará-los no manejo de tais assuntos em sua prática profissional (Duarte & Wanderley, 2011). Na Paraíba, um estudo correlacional sobre a atitude religiosa e o sentido da vida, realizado com uma amostra de 300 pessoas, demonstra que os mais idosos ainda estão vinculados a forma de vida que inclui o sagrado. Para a maioria dos participantes, a atitude religiosa é uma forma de encontro de sentido de vida e um elemento de prevenção do vazio e do desespero existenciais, constituindo um núcleo importante no modo de ser no mundo e proporcionando maior sensação de valor na vida (Aquino et al., 2009). No artigo de revisão da literatura publicado recentemente, intitulado "Espiritualidade e Resiliência na Adultez e Velhice: Uma Revisão", os autores discutem sobre a questão da espiritualidade enquanto fator promotor da resiliência nos dois momentos do ciclo vital. O estudo conclui que a resiliência se encontra fortemente relacionada ao fato de o sujeito conseguir envelhecer de forma ativa, permitindo-lhe manter a sua qualidade de vida, a sua saúde física, cognitiva e social. A pesquisa revela que a religiosidade e a espiritualidade podem estar associadas a uma maior resiliência em condições estressantes ou situações de perda, sobretudo na velhice. Assim, a espiritualidade como um recurso para o bem-estar na velhice, juntamente com a participação em ambientes motivadores e a presença de oportunidades de crescimento, mostraram-se fundamentais nesta fase do ciclo vital (Margaça & Rodrigues, 2019).
A pesquisa realizada no Distrito Federal, com 852 adolescentes e jovens, que visa a investigar fatores sociais e pessoais de proteção, revela a religiosidade e a espiritualidade dentro dos fatores pessoais como elementos protetivos que contribuem para a autoestima e a resiliência (Amparo, Galvão, Alves, Brasil, & Koller, 2008). As pesquisas realizadas no âmbito da psicologia corroboram com os estudos anteriores. Em um artigo intitulado "Saúde Mental e Espiritualidade/Religiosidade: A Visão de Psicólogos", que objetivou descrever como esses profissionais percebem em suas práticas a relação entre espiritualidade/religiosidade e a saúde mental, foram analisadas três categorias temáticas. Na categoria saúde mental como equilíbrio e sentido da vida, a análise dos dados demonstra que espiritualidade/ religiosidade, quando bem integrada à vida do sujeito, contribui de forma positiva para sua saúde mental. Na categoria espiritualidade/religiosidade como experiência, todos os entrevistados partiram da definição de que todo o ser humano possui uma dimensão espiritual, sendo considerada uma experiência particular. Entretanto, a religião foi definida como um conjunto de dogmas e normas organizacionais, avaliada sob dois aspectos: 1) positivo, quando potencializa o sujeito, oferecendo- lhe um espaço coletivo que favorece e lhe ajuda a sentir-se pertencente ao lugar e/ou ao grupo, estando integrado com outras pessoas e partilhando suas experiências; 2) negativo, quando explora e manipula, atrapalhando o processo de autonomia e o cultivo da própria espiritualidade, centrado em dogmas e cumprimentos de normas institucionais que culpabilizam. Na categoria da prática clínica, o psicólogo foi considerado facilitador no processo de autoconhecimento e autonomia na integração com a dimensão espiritual, no qual a escuta da experiência espiritual e a capacidade de deixar-se afetar favorece uma intervenção qualificada (Oliveira & Junges, 2012). Outro dado importante levantado por Oliveira e Junges (2012) foi que a maior parte dos psicólogos entrevistados fez referência às psicopatologias, afirmando que percebem uma estreita relação entre quadros de sofrimento psíquicos e expressões religiosas. Nesse sentido, os autores inferem que as manifestações da psicopatologia estão mais ligadas à religião e não à experiência espiritual em si. Aspectos psíquicos desordenados encontram na vivência religiosa um lugar de simbolização do sofrimento psíquico. Entretanto, a origem da psicopatologia não está propriamente na religiosidade, ao contrário, usa a religião como lugar de simbolização. Torna-se, portanto, relevante que o psicólogo saiba distinguir, no processo psicoterapêutico, a experiência positiva da experiência que não contribui para a saúde mental do paciente (Oliveira & Junges, 2012). Ademais, os dados da pesquisa supracitada demonstram a importância de que a temática da espiritualidade/ religiosidade seja reconhecida e valorizada pelos profissionais de psicologia como um recurso. Torna- se proeminente criar espaços de discussão e esclarecimento sobre conceitos relacionados à saúde mental no âmbito acadêmico, realizando pesquisas sobre as interfaces entre essas duas realidades humanas e estudando estratégias quanto a sua presença na clínica (Oliveira & Junges, 2012). Outro estudo, intitulado "Influência da Religiosidade/ Espiritualidade no Contexto Psicoterapêutico", realizada com 10 psicólogos clínicos com mais de dez anos de atuação nessa atividade e de diferentes abordagens teóricas, que se propôs a caracterizar as ações desenvolvidas pelos profissionais da área, aponta três categorias temáticas. Na primeira categoria, encontram-se como estratégias terapêuticas para trabalhar o conteúdo religioso/ espiritual: a não confrontação, compreensão e aceitação; não deixar que os valores religiosos pessoais interfiram na avaliação ou na condução do paciente; a busca de flexibilização da forma como os mesmos lidam com suas crenças; desenvolver conscientização no paciente sobre o uso que ele faz da sua religiosidade/espiritualidade, como forma de autoconhecimento; reforçar a busca religiosa dos pacientes, no sentido de fortalecer esse aspecto de suas vidas, quando ele se apresenta confuso em relação às suas crenças e práticas, ou mesmo quando as abandona (Henning-Geronasso & Moré, 2015). Na segunda categoria, a da religiosidade/espiritualidade do paciente como um recurso terapêutico, encontram- se: a utilização de metáforas religiosas; circular por assuntos referentes à crença, aprofundando seu autoconhecimento ao compreender o uso que ele faz da mesma; a utilização de técnicas projetivas; utilização das crenças como ponto de apoio para ampliar habilidades e aprendizagens; utilização de trechos bíblicos para exemplificar diferentes ângulos de uma situação, ligados às metas terapêuticas. Tudo isso a partir da própria religiosidade/espiritualidade dos pacientes, como recurso que visem a atingir objetivos terapêuticos ligados à promoção de saúde (Henning-Geronasso & Moré, 2015). Na terceira categoria, a da temática da religiosidade/ espiritualidade durante a formação profissional, foram citados autores como Carl Gustav Jung e Viktor Frankl, em disciplinas específicas na universidade, e Alexander Lowen, da Bioenergética, em um curso de formação em Psicologia Corporal. Entretanto, alguns afirmaram que não tiveram instrução nenhuma a esse respeito em seus cursos de formação acadêmica. Na mesma categoria, foi levantada também a questão quanto à visão, enquanto acadêmicos, da religiosidade/espiritualidade como uma patologia ou sintoma, algo nocivo para a saúde e para o sujeito. Para a maioria dos profissionais entrevistados, os cursos de psicologia deveriam incluir informações sobre a temática, principalmente sobre formas de abordá-la no exercício clínico, uma vez que é algo inerente à cultura e aos pacientes em suas vivências, constituições e motivações. Com relação ainda à última categoria, observa-se que, apesar das informações escassas ou imprecisas obtidas durante a formação acadêmica, os profissionais construíram em sua prática clínica percepções similares e formas muito parecidas de abordar o assunto (Henning- Geronasso & Moré, 2015). Outra questão considerada pelas autoras foi a de que, embora a escolha dos entrevistados tenha sido feita com base em suas diferentes linhas de atuação, para enriquecer a pesquisa com compreensões variadas, os mesmos não entraram em contradições, evidenciando uma congruência de concepções mesmo em diferentes correntes teóricas. Nesse percurso é que o psicólogo surge como agente de mudanças, cabendo-lhe não apenas investigar esse âmbito da experiência humana, mas trabalhar para melhorar a saúde e a qualidade de vida dentro do suporte teórico e técnico que lhe fornece a profissão (Henning-Geronasso & Moré, 2015). Por fim, outro estudo investigou 1.064 estudantes de psicologia (672 calouros e 392 formandos) de todas as universidades gaúchas com o objetivo de analisar a espiritualidade dessa população. Os resultados revelam que o bem-estar espiritual dos formandos é significativamente menor que o dos calouros. Os formandos referem acreditar significativamente menos em Deus, força superior e/ ou energia. A importância da espiritualidade na clínica psicológica e no enfrentamento de situações cotidianas também é menor para os formandos. Para os pesquisadores, esses dados indicaram que provavelmente o curso de psicologia contribui para o declínio da espiritualidade, revelando a necessidade de reavaliação sobre como a espiritualidade está sendo abordada na graduação e reportando à necessidade de legitimação da espiritualidade na esfera científica (Cavalheiro & Falcke, 2014).
Discussão e Conclusão
Tanto as pesquisas realizadas no âmbito hospitalar, quanto o estudo realizado com pacientes com doença crônica, apontaram resultados bastante positivos em relação aos aspectos religiosos e espirituais. Calvetti, Muller e Nunes (2008) destacam a importância das variáveis religiosidade e espiritualidade no processo de resiliência e de proteção à saúde, em especial, no que diz respeito aos pacientes com HIV/Aids. Duarte e Wanderley (2011), ao realizarem pesquisa em hospital com pacientes geriátricos, constatam a relevância da religiosidade/ espiritualidade como recurso de enfrentamento, apoio e ajuda para suportar as vicissitudes impostas pela condição em que se encontram, bem como pela rotina hospitalar. Miranda, Lanna e Felippe (2015) apresentam, a partir do estudo com pacientes oncológicos, que o câncer favorece a busca pela espiritualidade e religiosidade como mecanismos de enfrentamento do sofrimento, fonte de esperança de cura e ressignificação do sentido da vida e da morte, além de contribuírem para uma melhor qualidade de vida. Segundo Calvetti, Muller e Nunes (2008), a Psicologia da Saúde considera os aspectos de religiosidade/espiritualidade como possíveis fontes de apoio social no enfrentamento da doença, especialmente em enfermidades crônicas. As pesquisas relacionadas à Psicologia Positiva complementam indicando que as emoções positivas, como a fé e a espiritualidade, podem auxiliar na manutenção e desenvolvimento saudável mesmo no processo de saúde-doença, na busca por preservar os aspectos sadios do desenvolvimento humano. Entretanto, as autoras pontuam sobre a importância de se compreender que as emoções não sejam um afastamento para o enfrentamento da doença, mas que possam contribuir como fonte de apoio social no tratamento. Nesse sentido, Miranda, Lanna e Felippe (2015) alertam que, muitas vezes, as crenças religiosas podem levar o paciente a se sentir culpabilizado ou provado com a existência da doença, dependendo da relação que ele estabelece com a religião. Ademais, não somente aos pacientes são impostas vicissitudes no âmbito hospitalar, mas também aos profissionais da área da saúde que atuam na assistência a pacientes oncológicos, conforme os estudos de Gobatto e Araujo, (2013) e Cano e Moré (2016) apontam. Na correlação existente entre ambos, fica evidente que esses profissionais não contemplam, no período da formação acadêmica, a temática da religiosidade/ espiritualidade. Logo, compreende-se que o aprimoramento da prática profissional requer capacitação e treinamento adequados para a abordagem dessa temática nos atendimentos, tão comumente levantada pelos pacientes. Além disso, o ambiente hospitalar exige do profissional o desenvolvimento de mecanismos de enfrentamento pessoais e habilidades sociais, pois acarreta um intenso desgaste emocional em decorrência do processo de vida e morte, e também a necessidade de apoio e suporte para lidarem melhor com a situação.
A temática da espiritualidade, segundo Lucchetti, Granero, Bassi, Latorraca e Nacif (2010), tem sido incluída na maioria das universidades norte- americanas. Dentre os diversos centros universitários no mundo que têm se interessado e pesquisado sobre a espiritualidade, os autores citam: o Centro de Espiritualidade, Teologia e Saúde da Universidade Duke; o Instituto George Washington de Espiritualidade e Saúde; o Centro de Espiritualidade e Saúde - Universidade da Flórida e o Centro de Estudos de Saúde, Religião e Espiritualidade da Universidade Estadual de Indiana. Salientam ainda que na Universidade de Massachusetts foi instituída uma disciplina obrigatória de Medicina e Espiritualidade para os residentes do programa de Medicina Interna. O programa da disciplina contempla aulas teóricas e práticas, através das quais o residente aprende a reconhecer problemas espirituais, obter a história espiritual, participa de atendimentos com líderes da pastoral local e aprende princípios básicos sobre todas as religiões. Lucchetti e outros (2010) apontam também sobre algumas barreiras que os médicos colocam para não abordarem a temática espiritual/religiosa com o paciente: falta de tempo, falta de conhecimento sobre o assunto, falta de treinamento, desconforto com o tema, pensamento de que o conhecimento da temática não é relevante ao tratamento médico, opinião de que isso não faz parte do papel do profissional, medo de impor pontos de vista religiosos ao paciente. Em contrapartida, os autores afirmam que essas barreiras são quebradas à medida que o profissional de medicina se aprofunda no tema e desvencilha-se de seus próprios medos e preconceitos.
A partir dos estudos realizados com os profissionais de psicologia também se destaca a importância da inclusão do aspecto espiritual/ religioso na sua formação, por se compreender a integralidade do sujeito e que suas necessidades extrapolam os limites do biológico, social e psicológico. Nesse sentido, sugerem-se pesquisas futuras que contemplem a abordagem da temática com o objetivo de instrumentalizar o profissional para a sua prática. Moreira-Almeida, Lotufo Neto e Koenig (2006) apontam a necessidade de que, o profissional da área da saúde mental, que realmente considera os aspectos biopsicossociais de seu paciente, apreenda um novo olhar, uma nova postura. Para os autores, é imprescindível que esse profissional avalie, entenda e respeite as crenças religiosas de seus pacientes, como qualquer outra dimensão. A maioria dos estudos encontrados indica uma associação positiva entre espiritualidade/religiosidade e saúde mental. Todavia, destaca-se que o papel da religião não deve ser subestimado (Pargament, 2010), pois dependendo do tipo e uso das crenças religiosas, podem gerar culpa, dúvida, ansiedade e depressão (Stroppa, & Moreira- Almeida, 2008), tamanha influência que exercem sobre a vida das pessoas.
Referências
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Recebido: 06.02.2020
Corrigido: 13.02.2020
Aprovado: 15.04.2020