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Boletim - Academia Paulista de Psicologia

Print version ISSN 1415-711X

Bol. - Acad. Paul. Psicol. vol.40 no.99 São Paulo July/Dec. 2020

 

Editorial

 

 

Marilda Emmanuel Novaes LippI

IPhD em Psicologia pela George Washington University, Pós-doutorado pelo National Institute of Health em estresse social, membro da Academia Paulista de Psicologia (Cadeira número 7 Oscar Freire). E-mail: mlipp@estresse.com.br. ORCID: 0000-0002-9118-3169

 

 

Pasmos! Todos estamos! Espalhados no mundo com a sensação de que se está participando de um filme de ficção científica: - A PANDEMIA DA COVID-19. Atores, os mais diversos, de países e de campos de conhecimento às vezes até antagônicos, juntos em busca de uma solução para um inimigo mundial. E como explica bem a Psicologia Social, a ameaça externa carrega em seu bojo o poder de unir fragmentações de forças outrora até inimigas. Tal ameaça põe em risco a categorização de grupos e ideias que antes serviam de marcos divisórios entre grupos sociais, raças, religiões ou nacionalidades, possibilitando, assim, a união entre todas as facções, conforme revelado por Flade, Klar e Imhoff (2019). Juntam-se os esforços de grandes instituições sob a batuta da necessidade de se resguardar a vida humana e de se reduzir o medo impactante dos povos indefesos ante a iminência de morte própria, de familiares e de amigos. O coronavírus da Síndrome Respiratória Aguda Grave 2 (SARS-CoV-2) surgiu como a maior pandemia do Século XXI. Não é a primeira vez em que minúsculos e poderosos inimigos, como um vírus, ameaçam a sobrevivência humana. Começando com a Peste de Justiniano (peste bubônica), por volta de 541D.C., no Egito, que matou cerca de um milhão de pessoas, depois, a Peste Negra, em 1343, vinda da Ásia e deu margem a 200 milhões de óbitos. Outras pandemias têm ocorrido, dizimando o mundo, como a Gripe Russa (1580), que matou cerca de um milhão, e a Gripe Espanhola (1918), que dizimou entre 20 e 50 milhões de seres humanos. Só no Século XXI, a humanidade já foi assolada pela Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS- Cov) que surgiu na China em 2002, pela H1N1, em 2009, pela Síndrome Respiratória do Oriente Médio (Mers-CoV), identificada em 2012, pela Ebola (2013-2016) e, agora, pelo (SARS-CoV-2) 2. Nenhuma, contudo, foi tão avassaladora como a pandemia atual. O Sars-CoV-2 ,identificado pela primeira vez no final de 2019 em Wuhan, China, espalhou-se por todo o planeta, ceifando a vida de aproximadamente 1,29 milhões de pessoas e infectando aproximadamente 53 milhões no mundo (até 5 de novembro de 2020), conforme dados da World Health Organization (2020). Esses dados vêm eliciando medo, ansiedade, incerteza e desalento, revelando a necessidade imperiosa de intervenções psicológicas para prevenir e tratar um número substancial de indivíduos inclusive, mentalmente impactados. A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), na cartilha Saúde Mental e Atenção Psicossocial na Pandemia Covid -19 estima que durante esta pandemia, de um terço à metade da população pode vir a sofrer alguma manifestação de transtornos psicológicos, se não houver acesso a cuidados específicos. Ganha a Psicologia um papel de destaque na contenção da onda de transtornos que podem dar origem a outra pandemia: a dos transtornos mentais. A situação de instabilidade emocional clama por ações conjuntas dos profissionais da Psicologia. No momento em que se teme uma nova onda de contaminações e até de óbitos, sendo que transtornos mentais afloram com uma pungência não vista antes, a Academia Paulista de Psicologia participa da ação nacional de colaborar na luta contra a instabilidade emocional do povo brasileiro, divulgando por meio de sua revista científica, o Boletim, trabalhos importantes sobre o impacto da Pandemia Covid-19. Já em seu 40º ano de existência, o Boletim tem por um dos objetivos a publicação de artigos científicos significativos de natureza histórica ou atual. Considerando a missão da APP de estar sempre presente e atuante no contexto social vivido no momento, este número inicia-se com três artigos sobre os efeitos da atual pandemia na saúde mental. O primeiro, veio da Índia e tece considerações sobre as modificações que estão correndo na área da Educação devido à necessidade do ensino a distância. O autor, Dr. Vinod Kumar Kanvaria, da Universidade de Delhi, discute criticamente várias questões e fatores que afetam o ensino em um cenário em mudança relacionado a alunos, professores e seus formadores. São reflexões importantes, principalmente para a área de Educação no Brasil que já estava recebendo críticas, pelos problemas que enfrentava, mesmo antes da transformação forçada que sofreu subitamente este ano de Pandemia. O segundo artigo relata pesquisa com 3.223 brasileiros adultos sobre a prevalência de stress, depressão, ansiedade, pânico e doenças físicas que estão se manifestando durante o isolamento, assim como, sobre as estratégias de coping utilizadas, os estressores presentes, o nível de confiança nas decisões das autoridades e ainda, sobre o quê de positivo a quarentena está trazendo para os respondentes. Resultados indicam altos índices de stress, ansiedade, depressão e pânico, bem como grande incerteza quanto ao futuro revelando a necessidade de ações governamentais e corporativas de apoio aos indivíduos com dificuldades emocionais. Ações essas que objetivem impedir o estabelecimento de uma pandemia de transtornos mentais no futuro. O artigo seguinte, oriundo de pesquisadora da USP-SP, aborda os efeitos psicológicos do isolamento e da restrição de movimentação das pessoas causados pela pandemia do COVID-19 e leva a uma reflexão sobre como a disparidade das experiências de isolamento afeta a saúde mental da população e produz sofrimento intenso e significativo. Os artigos apresentados neste número são originários de vários Estados do Brasil, sendo três de São Paulo, dois de Santa Catarina, dois do Paraná, um de Minas Gerais e outro de Brasília, além do artigo da Índia. Nota-se que tanto universidades federais e estaduais como também as instituições de ensino de caráter particular estão representadas neste número. A distribuição geográfica dos autores e a origem das instituições de pesquisa revelam que o Boletim se esmera em oferecer espaço para publicação em nível naciona,l independente de limitações outras que não a qualidade. Com exceção de dois artigos de revisão de literatura, todos os outros se configuram como de pesquisa. Com relação à temática deste número, há uma ênfase em trabalhos na área da saúde, pois, além dos trabalhos associados à Covid-19 Pandemia, encontram-se os ligados à saúde mental e física, além dos sobre idosos, crianças e à profissão do psicólogo. Um tema de grande relevância é discutido no artigo "Incidência de suicídio consumado em cidades do Meio Oeste de Santa Catarina", estudo que buscou identificar a incidência de suicídio consumado e as características dos suicidas em cidades de Santa Catarina. Os resultados mostraram que o enforcamento foi a forma mais frequente de suicídio na amostra geral, seguido do uso de armas de fogo (entre os homens) e intoxicação exógena (entre as mulheres). O artigo intitulado" O processo do cuidado em um CAPSad na perspectiva de usuários e familiares" aborda os problemas relacionados ao uso do álcool e de outras drogas como um fenômeno bastante complexo, estudo esse que se configurou como recurso para os usuários manterem-se ativos e buscarem reinserir-se socialmente. Já a pesquisa que deu origem ao artigo "Bebês internados em unidades neonatais: caracterização" discute as inquietações dos pais sobre a saúde, integridade e aparência do bebê, as quais podem vir a se transformar em medo e preocupação quando o bebê necessita de internação em uma Unidade de Terapia Intensiva Neonatal. O artigo seguinte, "Jogo de cartas e idosos: a percepção de frequentadores de um parque em Curitiba-PR", aponta o jogo podendo ser percebido como um incentivo à socialização e a estímulos cognitivos, o que pode resultar em bem-estar, aumento da qualidade de vida e saúde mental aos seus integrantes. Por outro lado, foram identificados fatores de risco, tais como a possibilidade de desenvolver compulsão ao jogo. "Representações Sociais e Redes de suporte psicossocial entre pessoas com obesidade" é um estudo que procurou identificar as representações sociais e as redes de suporte psicossocial acessadas por pessoas com sobrepeso e obesidade. Os dados revelaram que a obesidade era considerada fonte de limitações físicas, sociais e psicológicas e seus tratamentos vistos, ora como uma esperança, ora como ineficazes. As pessoas indicaram preferir uma rede de suporte de pessoas também obesas, indicando o surgimento do sentido de comunidade. Finalizando a parte do Boletim dedicada a Teorias, Pesquisas e Estudos de Casos, são apresentados dois trabalhos de revisão de literatura. Um deles é de autores da Universidade Federal de Juiz de Fora, com o título "Teoria da Mente em Crianças Escolares: Revisão Sistemática da Literatura" e se constitui em uma interessante análise da produção da área. Revela que há diferentes vertentes para novas pesquisas, indicando que a área tende a continuar em crescimento com importantes contribuições teórico-práticas no âmbito do desenvolvimento infantil. O outro, "A identidade do psicólogo brasileiro: produções de 2008 a 2019", é oriundo de pesquisadores da Universidade de Brasília e apresenta uma análise da formação e atuação do psicólogo no Brasil. A seguir, este número do Boletim apresenta duas resenhas. Interessante notar que ambos os livros resenhados referem-se a procedimentos, ainda que muito distintos, de avaliação psicológica. A primeira resenha, escrita por Gabriela Fabbro Spadari e Carolina Campo apresenta o livro Avaliação psicológica direcionada a populações específicas: técnicas, métodos e estratégias - Volume II, organizado pelas Dras. Carolina Rosa Campos e Tatiana de Cássia Nakano, da PUC-Campinas. Considerando o importante papel que a avaliação psicológica exerce no contexto do exercício da profissão do psicólogo, esse livro ganha incontestável relevância. A segunda resenha, escrita por Carlos Eduardo Bovenzo Filho, analisa o livro Formas Lúdicas de Investigação em Psicologia organizado pelo Dr. Walter Trinca, membro da APP. Por meio de um amplo conjunto de pesquisas envolvendo o Procedimento Desenhos-Estória e suas derivações este livro proporciona ao leitor conhecer a aplicabilidade da técnica em contexto diversos. A terceira sessão do Boletim, intitulada Memória, apresenta três trabalhos de grande interesse e originalidade. No primeiro, Dra. Aidyl Macedo de Queiroz Pérez-Ramos, membro e Presidente Anterior da APP, compartilha com os leitores Memórias da Psicologia no Brasil enfatizando o nome de Clemente Quaglio, considerado fundador da Psicologia no Brasil. O relato cita a fundação do primeiro Laboratório de Pesquisa no país e aponta detalhes sobre como a Psicologia se desenvolveu aqui. O segundo trabalho incluído em Memória é a tradução realizada pela Dra. Vera Barros de Oliveira, membro da Diretoria da APP, das Notas de Otto Funke sobre "O Método da Psicologia Geral Descritiva na visão de Anton Marty". O texto muito instigante apresenta a visão de Anton Marty classificando as tarefas da Psicologia em duas grandes categorias: a exploração descritiva da psíquica e a genética. Uma análise é apresentada dos estados psíquicos internos que se manifestam na experiência perceptiva de cada um e como, para esclarecer a regularidade e a sucessão das sensações, admite-se que haja um mundo exterior. Finalizando a sessão de Memória, apresenta-se a atualização, realizada a convite do Boletim , do artigo "A ação pedagógica de Itard na educação de Victor, o "selvagem de Aveyron": contribuição à história da psicol ogia" escrito pelas Dras. Aliciene Fusca Machado Cordeiro e Mitsuko Aparecida Makino Antunes. Este trabalho havia sido publicado anteriormente em Memorandum: Memória e História em Psicologia que é uma revista eletrônica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e está sendo incluído neste número do Boletim com autorização expressa da mesma. O artigo relata como no início do século XIX, Jean Marc-Gaspard Itard realizou intervenções pedagógicas com um menino encontrado nos bosques do sul da França. A leitura é fascinante e aproveitamos a oportunidade para agradecer a revista Memorandum: Memória e História em Psicologia pela autorização para republicar este trabalho no Boletim. A seguir as apresentadas as Instruções aos autores em português, inglês e espanhol e a relação dos Acadêmicos. Mesmo considerando-se a incerteza e os temores que caracterizam 2020, a Academia Paulista de Psicologia deseja a todos, neste fim de ano e para o futuro, força mental, solidariedade para com os menos favorecidos e união para que possamos sair vencedores nesta guerra contra esse inimigo que, por minúsculo e invisível que seja, é poderoso a ponto de amedrontar toda a humanidade.

 

Referências

Fiocruz Brasília (2020). SaúdeMentale Atenção Psicossocial na Pandemia COVID-19. (Cartilha). Recuperado de <https://www.fiocruzbrasilia.fiocruz.br/wpcontent/uploads/2020/07/cartilha_SUAS.pdf>         [ Links ].

Flade, F. Klar,Y., & Imhoff , R. (2019). Unite Against: A common threat invokes spontaneous decategorization between social categories. Journal of Experimental Social Psychology. Recuperado de <https://www.researchgate.net/publication/335443637_Unite_Against_A_common_threat_invokes_spontaneous_decategorization_between_social_categories>         [ Links ].

World Health Organization. (2020). Report of the WHO-China joint mission on coronavirus disease 2019 (COVID-19). Recuperado de <http://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/who-china-joint-mission-oncovid-19-final-report.pdf>         [ Links ].

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