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Estilos da Clinica

Print version ISSN 1415-7128

Estilos clin. vol.4 no.7 São Paulo  1999

 

DOSSIÊ

 

Transferência e interpretação na clínica com crianças autistas e psicóticas

 

Transference and interpretation in the treatment of autistic and psychotic children

 

 

Angela Maria Resende Vorcaro

Membro da Association Freudienne Internationale, Divisão de Educação e Reeducação dos Distúrbios da Comunicação (Derdic-PUC-SP), psicanalista, doutora em Psicologia Clínica (PUC-SP)

 

 


RESUMO

O artigo propõe pontos de referência necessários à problematização da transferência na clínica dos autismos e das psicoses, considerando as perspectivas de Freud e Lacan. Discute, a especificidade da posição da criança na linguagem e, conseqüentemente, a singularidade da posição transferenciai do analista, nessas condições.

Transferência; clínica; crianças; autismo; psicose


ABSTRACT

This paper focus on some points of reference which are crucial to the consideration of transference in the clinical treatment of autistic and psychotic children, given the theoretical support of Freud and Lacan. The work approaches the specifics of child's position in language and, consequently, the singularity of the analyst's transferenti-alposition under these conditions.

Transference; clinics; children; autism; psychoses


 

 

Para tentar uma aproximação do estatuto da transferência como meio do tratamento na clínica psicanalítica com crianças, considero, aqui, a necessidade de, antes, fazer trabalharem duas questões: como ler as manfestações de uma criança?Qual é a direção do tratamento?

Essas questões exigem retroceder um pouco mais, e considerar a estruturação do sujeito, já que método de abordagem do sujeito e a lógica da constituição subjetiva não se sobrepõem, mas não deixam de ter uma íntima relação, especialmente quando tratamos crianças nas condições que as graves psicopatologias lhes impõem. Não tratarei, aqui, dessa lógica de estruturação do ser em sujeito.

 

AS MANIFESTAÇÕES DA CRIANÇA

Como podemos reoonhecer, nas manifestações concretas de uma criança, a sua condição de estruturação?

Certamente, a observação de crianças produz mal-entendidos, como alertou Freud, pois ela condena as manifestações da criança a serem tomadas a partir do ideal da transcrição, comum à codificação da clínica psiquiátrica, ou do ideal da tradução, deriva do sentido, típica da compreensão psicológica (Vorcaro, 1997). Nos dois casos, longe de assumir a dignidade de enigma, suprime-se o que a criança confina de real. Enfim, na observação descritiva ou tradutiva, a criança é dado natural, é transparência. Para a psicanálise, o que define a condição da criança é a constituição subjetiva, a formação do inconsciente, portanto, opacidade resistente a equivalências que o código prévio ou o sentido supõem.

Localizar a criança na temporalidade de sua estruturação é condição primordial de sua abordagem pela psicanálise. Nessa perspectiva, a consideração do material inchado, em que a consistência da criança se faz presente sugerindo sentidos (tanto nos seus jogos, narrativas, desenhos e movimentos, quanto na apresentação em que sem pais a implicam), está em função da determinação das constrições da relação do infansà alteridade estruturada. A despeito da prevalência imaginária dessa consistência, o ponto em que a condição da criança se efetua pode ser resgatado - desde que se confira estatuto de significante à rede de recruzamentos em que ela se mostra e é apresentada, despejando sentidos, em que se pode reconhecer uma estrutura. O que comparece nessa rede é ciframento a ser decifrado, e não um sentido apreensível Assim, nas manifestações da criança (aí incluído o que dizem dela), o ciframento da relação da criança à alteridade poderá se distinguir, nodulado ao registro imaginário que produz sentido, à articulação significante que apresenta a consistência da criança, e ao real que os causa.

Para abordar o real da clínica pelo único meio que o permite, ou seja, o simbólico, que o situa ao conferir-lhe estatuto de coisa, há que se recuperar a incidência dos acidentes, que demarcam o ponto lógico das contingências do processo de estruturação subjetiva na coincidência de suas manifestações com a lógica da constituição do sujeito. Contemplam-se, assim, condições necessárias, mas não suficientes para a leitura do texto hieroglífico escrito pela criança em suas manifestações. As manifestações da criança compõem vários registros e emergem como elementos distintos que se interpõem e entrecruzam-se na composição do texto de sua realidade psíquica.

 

INCIDÊNCIAS DO FANTASMA E DO SINTOMA NA CRIANÇA

Antes de abordar a vasta questão do sintoma e do fantasma na criança, é preciso discutir, como questão preliminar, a encarnação da criança enquanto fantasma e o ciframento em que ela opera sintomas. Esse passo é necessário para que seja possível discutir as condições de possibilidade de a criança alçar, da posição em que o agente do Outro a toma, seu próprio fantasma e suas decorrências sintomáticas na "insondável decisão do ser". Essas relações da criança com o fantasma e com o sintoma ganharam sua formulação inaugural nas notas de Lacan a Jenny Aubry (1967/1991). Elas serão aqui retomadas.

As operações lógicas da estruturação subjetiva dependem de uma matriz simbólica, que veicula a consistência imaginária por meio do atravessamento e do encobrimento do real do organismo infantil. Isso porque esse objeto criança não pode prescindir da animação da estrutura operada pelo agente de seus cuidados. Esse Outro primordial, a mãe, atribui ao infans um lugar e uma significação, que não pode senão alienar-se na condição de objeto de um outro, funcionando dessa posição.

Como objeto, o infans é alguma coisa para alguém e está submetido a isso. A subjetivação implica que a criança possa destacar-se desse lugar de alienação, encontrando uma posição que não coincide com aquela que lhe é atribuída. Trata-se de poder aludir a uma significação singular. Isso implica defender-se do querer do outro, defender-se de ser reduzido a seu corpo. Nessa perspectiva, como diz Contardo Calligaris (1986), qualquer tipo de estruturação do sujeito é uma estruturação de defesa. Essa operação de defesa, de separação, é um certo tipo de metáfora. Ela implica que a significação do sujeito prevaleça sobre o organismo; que uma significação possa substituir a condição de ser um objeto para um outro; que o sujeito se organize em torno de uma unidade de medida, segundo a qual ele possa orientar-se em relação à significação das coisas no mundo e orientar-se em relação ao lugar em que ele põe o outro e ao lugar em que se põe. Para essa estruturação, enfim, é preciso que algo prevaleça sobre o querer do outro do qual é objeto; que algo permita reter um saber sobre o que seria esse querer do outro.

Estar implicado como correlativa do fantasma da mãe, ser objeto do fantasma da mãe, é, como diz Sauret (1997), uma condição de sobrevivência, sem que seja, entretanto, condição suficiente para a constituição do sujeito. Afinal, sem transpor a condição de objeto do fantasma para a posição de significante do desejo, o valor de filho como substituto do falo é dissolvido, ou seja, a metáfora infantil, como Miller (1997) a batiza, ameaça o desejo de falo da mulher por ser capaz de saturá-lo e, ainda, por poder fixar o infans a uma identificação fálica. Ao situar a equação filho-falo como metáfora infantil, Miller não retira dela todas as suas conseqüências. Se ele diz que tal metáfora será bem-sucedida ao fracassar, podemos afirmar que essa metáfora infantil triunfará, uma vez que se realize como tal. Ao ater-se à condição mesma de metáfora, fracassa, portanto, não enquanto metáfora, mas enquanto colagem a um dos termos que ela distingue: identificação da criança ao falo ou saturação do desejo de uma mulher através de seu filho. O valor metafórico da criança é o corte que, enquanto metáfora, a criança promove, ao dividir o agente materno em mãe e mulher, pois, ao mesmo tempo em que preenche a mãe, não satura o desejo de uma mulher. Mas, mais ainda, por meio desse corte, que distingue o agente materno em mãe e em mulher, cria o acesso da criança a um acréscimo de sentido: a significação fálica.

Esse valor de substituto fálico de uma criança ficará dissolvido se promover, pela via da função materna, a saturação do desejo da mulher. Como Lacan afirma: "O amor materno só se sustenta na referência à lei do desejo, se uma mulher, enquanto mãe, permanecer, para um homem, a causa de seu desejo".

Desde o Seminário IV, Lacan formaliza a relação mãe-criança atravessada pela função paterna. Isso implica que a incidência da função paterna sobre o desejo materno determina a condição de possibilidade de constituição do sujeito. É o que a metáfora paterna contempla, a saber, que o Nome-do-Pai constrinja o desejo materno à lei. Isso quer dizer: que a mãe não esteja dissuadida de encontrar o significante de seu desejo no corpo de um homem, e, como diz Miller, que a criança não sature, para a mãe, a falta em que seu desejo se apoia, ou seja, que o objeto criança esteja na condição de não-todo, não seja tudo para o sujeito materno, cujo desejo deve ser atraído por um homem e dirigir-se a ele.

O saber com o qual a criança se defende implica que a mulher permita à criança supor que ao menos um sabe lidar com a sua demanda materna. A criança vai então defender-se, como diz Calligaris (1986), jogando com o saber daquele que se supõe capaz de enfrentar o querer caprichoso do Outro. A criança se constituirá sujeito neurótico nessa relação com alguém que sabe enfrentar e solucionar o perigo desse abismo de tornar-se presa do Outro. Portanto, o sujeito neurótico, que pode confiar num agente desta função paterna, está referido a um saber. É o que lhe permite habitar um mundo orientado, organizado ao redor de um ponto central ao qual todas as significações se devem e pelo qual todas as significações se medem. A referência a esse ponto central decide o valor de qualquer coisa do mundo. O sujeito então se es trutura a partir de um saber suposto ao pai, que substitui o que foi constituído na operação anterior de alienação ao Outro primordial.

A organização referida a um ponto orientador decide o valor de cada novo ponto encontrado pelo sujeito, permitindo a ele medir sua relação a qualquer outro que ele encontre. O neurótico tem essa referência privilegiada que distribui, nesse campo, as significações, ao mesmo tempo que essa referência lhe promete uma significação própria. O ganho de sua filiação é a defesa feita com o saber suposto e localizado no agente da função paterna: um pai que sabe lidar com o desejo materno e que pode decidir; um pai que sabe operar o querer da mãe e o querer da criança, e é essa lei que dita a impossibilidade de uma se perder na outra. As duas, mãe e criança, estão submetidas a essa lei, a que a criança se filia como sua referência central, a partir da qual pode avaliar sua significância e o significado das coisas para si.

Cabe, agora, perguntar: a que fantasma o sintoma da criança diz respeito?

As relações de implicação entre o sintoma e o fantasma não estão bem distinguidas na teoria e na clínica, especialmente porque, enquanto o sintoma está submetido ao funcionamento simbólico, sendo portanto uma cifragem, um enigma que interpreta e demanda interpretação, o fantasma incide não como funcionamento, mas como inércia, como o que escapa a essa cifragem, numa lógica regida pela falta no campo significante: um real do simbólico, que subsiste separado do modo de manifestação do sintoma. Nos termos de Jerusalinsky (num seminário em São Paulo, 1996), o fantasma é o que o sujeito é, enquanto o sintoma é o modo como o sujeito se defende do que ele é.

É dessa perspectiva que vale distinguir entre o fantasma da criança e o fantasma da mãe. Podemos situar a abordagem de Lacan nas notas a Jenny Aubry, em que ele diferencia as posições do sintoma da criança como representante da verdade: respondendo ao que há de sintomático na estrutura do laço parental ou encarnando o objeto a no fantasma materno.

No primeiro caso, a criança pode cifrar a tensão entre o desejo materno e a mediação paterna. Portanto, ela interpreta o laço parental e destaca-se da mera alienação. Isto implica que, no sintoma, ela faça recurso ao saber, ou seja, que o sintoma recorre a algo que se inscreve por via da função paterna, mesmo que seu fantasma sirva-se exatamente do que não funciona nessa função. No segundo caso, a criança realiza o objeto a no fantasma materno, colando sua identificação à parte tomada do desejo da mãe. A criança fica exposta a todas as capturas fantasmáticas, convertendo-se em objeto da mãe, revelando, sem poder interpretar, a verdade desse objeto. Como diz Lacan, ela satura, nesse caso, a falta em que se especifica o desejo materno, dando-lhe corpo, aparecendo no real imediatamente acessível. Essa posição no fantasma materno impede a constituição do fantasma na criança. Seus sintomas, localizáveis nos autismos e nas debilidades, estariam portanto sob a incidência do fantasma materno, e não de um fantasma que lhe seja próprio.

Dessa perspectiva, podemos considerar que o caráter inerte e apartado do fantasma, em relação ao campo significante, estaria implicado na fenda aberta num lugar de impossibilidade do exercício da função paterna, relativo ao limite do saber atribuído ao pai. O pai permitiria preservar um lugar de gozo demarcado pelo saber; gozo que remete ao laço com o Outro primordial, num lugar em que o pai não coincide com a sua função, não está à altura de sua função, lugar em que essa unidade de medida, dada pelo portador da lei, seria passível de ser transposta. Tal lugar pode ser tão amplo a ponto de a criança nem chegar a contar com seu fantasma, subsistindo à custa da perversidade materna, ou pode ser pontual, situação em que ela chega a montar o seu.

 

O RELATO DOS PAIS: MANIFESTAÇÃO DA CRIANÇA

O discurso parental é parte das manifestações da criança, porque a leitura que fazem, atribuindo consistências à criança, referencia o texto em que ela se aloca. Freud aponta uma posição específica da transferência ligada à relação entre a criança e seus progenitores. Afinal, os artefatos com que a criança responde à insuficiência subjetiva exigem discernimento entre a queixa, que poderá tornar-se demanda da criança endereçada ao analista, e a posição de identificação, que pode situar a criança como sintoma, que responde ao que há de sintomático na estrutura familiar, ou como verdade do objeto de desejo materno, revelando a sua captura como correlativa do fantasma daquela.

A posição de afetamento que conduz um sujeito a supor um saber no analista é exercida pelos pais, antes de ser, e para que possa ser, exercida pela criança. Antes que ela possa tomar-se como elemento do seu pensamento e ser surpreendida por suas próprias manifestações, a ponto de indagar-se sobre o que isso quer dizer, é a surpresa que ela causa à alteridade que se faz interrogante de opacidades que apelam a um saber, que solicitam a suplência da função de agentes da subjetivação, ou que constatam uma desistência. Portanto, o incômodo que conduz uma criança até o analista implica-a, primeiramente, enquanto suporte material de uma queixa. É o que faz da criança o significante de uma demanda (de saber ou de desconhecer) emergente dos agentes dos dispositivos sociais que lhe concernem.

Portanto, até que seja possível qualificar como demanda de saber o que está efetivamente em jogo, a demanda é tão mais acéfala quanto mais estiver encarnada na materialidade da criança. O atravessamento da criança-sintoma pelo sintoma da criança implica o paradoxo que a condição de criança demarca: mesmo sem estrutura já decidida da gestão do desejo, é possível e imperativo localizar e diferenciar os sujeitos que formulam a demanda, para que a especificidade da formulação possa tornar-se demanda endereçada e fazer laço transferenciai.

A transferência só sustem a análise de uma criança se for incidente nos agentes paternos. O discurso parental cifra uma leitura na qual reconhecem as manifestações como atos prenhes da significância que eles, no mínimo, demarcam, mesmo quando se julgam impotentes para interpretá-la, recorrendo então ao analista. Eles demarcam obstáculos e os interrogam, pedindo resposta. Decorre daí a importância de considerá-los como parte do texto que traça questões ou pontua lacunas para a própria criança, que nelas se engaja com maior ou menor vigor e que delas se diferencia ao articular as suas próprias demandas.

Como diz Erik Porge (1998), o mínimo que o analista deve e pode fazer, a partir do momento em que os pais o procuram, é a transferência. A diferença da transferência na criança é que ela não substitui uma neurose comum. Estados neuróticos em crianças já são neuroses de transferência: "O sintoma da criança é simultaneamente o representante, para os pais, de um saber suposto, que a criança esconde, não diz, e que o analista deveria descobrir" (p.ll). Há, nessas situações, uma ruptura na transmissão de saber que se produz no laço familiar. A criança, sujeito suposto saber para seus pais, surge no ponto de falha do saber, como produto. Sua perturbação manifesta o ponto de ruptura naquilo que não é mais transmissível ao grupo social, a um lugar terceiro, a fim de que sua mensagem chegue a um destino, a criança fala para os bastidores, fala a um personagem que não está em cena. Esse ponto de ruptura da transferência em relação aos pais ou a um dos pais é o ponto em que não se é mais bom entendedor, em que há uma falência, em que não se escuta a divisão do sujeito em sua mensagem. Os pais recusam a transferência, confundindo o enunciado da mensagem a ele(s) endereçada com o lugar terceiro a que tal mensagem é destinada, e de onde pode retornar ao sujeito.

A solicitação ao analista é que ocupe um lugar equivalente àquele que o romance familiar representa para a criança, restabelecendo o pedestal do qual os pais caíram. Restabelecer essa transferência posta à prova é o que, na melhor das hipóteses, faz o analista. A transferência particular ao analista é essa transferência para os bastidores. Assim, conclui Erik Porge, há um limite estrutural da análise da transferência amorosa criança-analista. Afinal, o interdito efetivado que se realiza na psicanálise com crianças não está no mesmo plano do impossível da relação sexual. Isso deve ficar inacabado, o analista deve saber parar a análise a tempo.

No tratamento de uma criança, não se pode falar em repetição, uma vez que as coisas não estão nem completamente instituídas, nem completamente elaboradas. Trata-se de pontos de estancamento, de encalhe num percurso em construção. Enquanto a repetição faz referência à estrutura do sujeito, na criança, é impossível falar de estrutura acabada. Quando os analistas falam de criança histérica, obsessiva, psicótica ou perversa, fundamentam-se apenas nos sintomas, e não na estrutura, no sentido diagnóstico do termo. Assim, José Attal (1998) introduz o que está em jogo na clínica psicanalítica com crianças. E continua: "A criança nunca vai mais além daquilo a que seus pais a autorizam; isso é ilustrado, em geral, por um não dito, acarretando em eco essa aptidão particular às crianças para responder num registro de não saber, que se pode ouvir como 'Eu não tenho esse saber', cujo ponto extremo nada mais é que a debilidade. Portanto, vou situar muito mais essa forma de repetição específica da criança como insistência de uma fala, insistência de uma questão. [...] Esses pontos de estancamento, esses pontos questão, relacionam-se com aquilo que ela é no lugar particular que se lhe atribui num mito familiar, ou num lugar de objeto de gozo, por exemplo; de qualquer maneira, em relação com os significantes familiares e, em primeiro lugar, [com] o significante 'criança'; a criança está sempre intimamente associada à castração de seus genitores. [...] esse lugar da criança é perfeitamente modificável na fantasia parental, a partir do momento em que os pais não são postos de lado e que alguma coisa se analisa também com eles (não sem efeitos, decerto, e às vezes dramaticamente), permitindo à criança dar um passo a mais. A partir daí, é impossível falar de estrutura acabada na criança" (pp. 54-5).

Para Attal, o analista tem que suportar a transferência familiar na qual freqüentemente irrompem três gerações. No que se refere à transferência, o analista é instituído num duplo lugar: sujeito suposto saber para os pais e sujeito suposto adivinhar para a criança, para quem a fala do analista ressoa no "como você adivinhou?" Nesta modalidade de sujeito suposto saber, do analista, evidencia-se que a criança está no momento atual de constituição do recalque.

De acordo com a posição da criança, o saber textual situa-se num duplo nível: da criança e do discurso que um dos pais ou os pais mantêm sobre a criança. O analista, portanto, está no lugar de suportar uma transferência de dois lados, já que não pode ser, para ele, espantoso, que os pais lhe demandem algo para seu filho. No fim do tratamento de uma criança, pode-se tocar no momento em que um sujeito cai de sua fantasia (a destituição subjetiva). Mas o sujeito aí em causa não é a criança, e sim os pais ou um dos pais, que constata(m) a destituição da posição subjetiva do filho na sua fantasia. Este é o preço para fazê-lo passar de uma dimensão de pertinência a uma dimensão de existência. Nesse momento, a criança constitui uma estrutura, está, portanto, em condição de cura.

 

RUMO À INTERPRETAÇÃO: A TENSÃO ENTRE A LEITURA PRÉVIA QUE A INTERPRETAÇÃO REQUER E A INTERPRETAÇÃO COMO CONDIÇÃO PARA A LEITURA

A aproximação à realidade psíquica da criança implicará o recolhimento do tecido significante, localizando, nele, marcas que balizam a sua constituição subjetiva, reconhecendo as senhas que poderão permitir operar sua leitura. Deter-nos-emos, portanto, em tal aproximação, em que a interpretação implica as operações de tradução, transcrição e transliteração. Se, na clínica, elas entrecruzam-se numa trama, nem por isso podem deixar de ser distinguidas.

Uma operação pode ser denominada pontuação. Ela se aproxima da tradução na medida em que visa o encontro de uma orientação e implica certas decisões, em que o peso imaginário da referência teórica tem incidência, e determina uma certa localização da criança numa hipótese. Trata-se de tomar o tecido significante articulado pelos sentidos, ressaltar as incidências e fisgar as insistências, para buscar a montagem que o estrutura. A localização de mal-estar na criança está em função das contingências de aparelhamento ao gozo possível, que podem implicar e/ou determinar sua constituição subjetiva; respondem à articulação de suas perdas e às modalizações de sua cessão ao Outro.

Pontuar o complexo significante é distinguir diferentes conjuntos de elementos em jogo, naquilo que Allouch (1995) chamou de configurações sintáticas,permitindo uma primeira demarcação. Esses conjuntos obedecem à estrutura quaternária do tempo lógico do ato, composto, portanto, do movimento tensionado pelas escansões que o desencadeiam e que o detêm.

A condição dessa pontuação, pelo analista, é, como aponta Jerusalinsky (num seminário realizado em São Paulo, em 1996), que a criança seja tomada como enigma, sem o que não estamos dispostos a que nosso saber tropece numa borda. Esse é o mínimo indispensável à interrogação que quer dizer?, ou seja, pressupõe quatro termos: um sujeito, o Outro, uma interrogação e um dizer. Nessa perspectiva, a operação clínica se aproxima da montagem própria à estruturação do sujeito. Portanto, pressupõe: um sujeito; o Outro do qual este é sujeito; um terceiro que interroga essa relação, atravessando o espelhamento, naquilo que rompe a mera especularidade e produz uma enunciação; um dizer, ou seja, a enunciação significante que é seu produto. Nessa lógica quaternária, a criança está implicada em dois vértices (o sujeito e o Outro), portanto, seccionada por um instrumento de corte (uma intenogação) e suturada num dito que deixa escorregar seu produto: uma enunciação.

Outra operação de leitura das manifestações da criança é a seriação. Trata-se de um modo de barrar o imaginário que opera na pontuação, pondo em série as configurações sintáticas, ou seja, realizando uma transcrição desses conjuntos num alfabeto ordenado. A listagem é indispensável para essa operação. Compondo uma listagem de configurações sintáticas, ainda com Allouch (1995) permite-se sua praticabilidade, ou seja, situa-se a função dos elementos e de seus efeitos, apreendendo as dificuldades de sua legibilidade. Por meio da comparação dos elementos e de seus efeitos em cada configuração sintática, Lacan reencontra, com Lévi-Strauss (1955), a função do mito, que "possui, pois, uma estrutura folheada que transparece na superfície, se é lícito dizer, no e pelo processo de repetição. Contudo [...], as camadas não são jamais rigorosamente idênticas [...]o objeto do mito é fornecer um modelo lógico para resolver uma contradição" (p.264).

Outra operação de leitura das manifestações da criança é o deciframento, que situa propriamente a transliteração. Trata-se da leitura que se destaca num testemunho, escreve. Transpondo formalmente o sedimento que liga os elementos alfabéticos, permite-se o esgarçamento do tecido significante, que, pelo efeito de retroação que sua incidência, promove, faz aparecer a trama que o tece; trama simbólica que situa o valor das manifestações na posição e nos impasses que a constringem. Tal cifração é transposição formal que se presta à refutação.

 

DE ONDE O ANALISTA INTERPRETA?

Ao escrever sobre a direção do tratamento, Jacques Lacan (1958 e 1967) diz que o que justifica o conceito de contratransferência é que os analistas acreditam nos efeitos que a pessoa do analista surtiria no paciente. Fazer intervir seus sentimentos em sua ação sobre o paciente é fazer escapar a idéia que possa fazer dessa ação, é dirigir o paciente, em vez de dirigir o tratamento. É a impotência em sustentar uma praxis autêntica, que pode reduzi-la ao exercício de um poder pela transcrição dos seus sentimentos, imputando-os ao paciente.

A direção consiste em fazer com que o sujeito aplique a regra analítica. O analista não fica fora desse jogo, mas isso não implica jogar os seus sentimentos - imputados à contratransferência -, já que, assim, renuncia a conceber a verdadeira natureza da transferência. Sua posição, diz ainda Lacan, é a mesma que a do morto, no jogo de bridge, para fazer surgir o quarto jogador, que será parceiro do analisante, e cuja mão, por meio de seus lances, o analista se esforçará por fazê-lo adivinhar. Portanto, os sentimentos do analista só têm um lugar possível nesse jogo: o do morto. Se ele é ressuscitado, o jogo prossegue sem que se saiba quem o conduz. Sua tática é a de situar-se em sua falta-a-ser, e não em seu ser.

Nessa perspectiva é que, para situar a posição do analista na clínica com crianças, é necessário repetir as questões levantadas por Lacan: "Quem é o analista? Aquele que interpreta tirando proveito da transferência? Aquele que a analisa como resistência? Ou aquele que impõe sua idéia de realidade?" (p.598).

A não conceituação da técnica causa-lhe um desgaste ilimitado e obriga a estabelecer o limite entre a análise e a reeducação (que mantém apostura da sugestão). Só dessa perspectiva é possível situar de que lugar se faz a interpretação, pois o critério de sua pertinência é reconhecido no material que vier a surgir depois dela. O mero assentimento do sujeito não a garante, já que a função da denegação é uma forma de confissão.

A resistência à análise é apenas a do analista que faz da transferência o álibi para as forçagens postas sob a bandeira do fortalecimento do Eu. O princípio do poder do analista está na transferência, na condição de o analista não se servir dele, pois aí este pode assumir todo o seu desenvolvimento na transferência. Para Lacan, as teorias podem ser julgadas a partir do manejo da transferência que elas implicam. Assim, a observação direta de crianças fez incidir a transferência a partir da análise dos mecanismos de defesa, ordenados em suas emergências formais, propostas pelas teorias geneticistas calcadas na noção de desenvolvimento. Na outra perspectiva, assumida pelos analistas que tomam o eixo da relação de objeto, estes concebem que os defeitos da relação de objeto motivam as dificuldades do sujeito, e a maturação dessa relação comanda a fase de objetalidade degradada na grosseira oposição do caráter pré-genital à pretensa harmonia do caráter genital. Neste caso, a virturde da transferência seria a de reconduzir o sujeito à realidade que o analista representaria. Os únicos indicadores passíveis de mostrar onde a interpretação age dependem da admissão da função do significante, que permite situar onde o sujeito a ele se subordina, a ponto de ser subornado por ele. Para decifrar a diacronia das repetições inconscientes, a interpretação deve introduzir, na sincronia dos significantes que nela se compõem, algo que, de repente, possibilite a tradução, precisamente aquilo que a função do Outro permite no receptáculo do código, e é a propósito dele que aparece o elemento faltante.

Assim, a interpretação só pode produzir algo novo pelo efeito do significante no advento do significado. Ela se fundamenta no fato de o inconsciente ter a estrutura radical da linguagem, e do material que funciona nela segundo leis das línguas efetivamente faladas. A significação não emana da vida. É preciso situar a significação na combinação da vida com o signo "zero", na medida em que esse número simboliza a função essencial da posição na estrutura sinificante, no que ele conota a presença ou a ausência. Ele institui a presença com base na ausência, assim como constitui a ausência na presença. É no que Freud se detém ao buscar o modelo do automatismo da repetição: o cruzamento de um jogo de ocultação e de uma escansão alternada de dois fonemas conjugados por uma criança. Mostra-se aí tanto o valor do objeto como insignificante, que a criança faz aparecer e desaparecer, quanto o caráter acessório da perfeição fonética em relação à distinção fonemática.

O que o analista escuta é um discurso, mesmo que este se reduza a uma interjeição, que é da ordem da linguagem e que não cede aos efeitos de sintaxe. Ela é frustrada por não obter uma resposta, porque não são palavras o que ela pede. Sua demanda é intransitiva, não implica nenhum objeto, nem sequer é dela, já que a oferta do analista de que ela fale é que cria sua demanda. Mas trata-se de uma demanda radical, uma vez que o sujeito só pôde viver por causa da demanda.

O sujeito pode esperar que lhe seja dado o que não se tem, o Dom do amor, e o analista não lhe dá nem mesmo esse nada, o paciente, então, paga por esse nada, porque, de outro modo, a análise não valeria grande coisa. O analista só dá sua presença, que é implicação de uma escuta, condição da fala. O analista sustenta a demanda, para que reapareçam os significantes em que o paciente está retido.

A identificação primária produz-se na demanda mais antiga que se efetua, quando a satisfação das necessidades toma-se dependente do aparelho significante, fragmentando as necessidades, filtrando-as e moldando-as nos desfilamentos da estrutura do significante. Portanto, a identificação ao analista pode ser muito variada, mas será sempre uma identificação com significantes: "O desejo é aquilo que se manifesta no intervalo cavado pela demanda aquém dela mesma, na medida em que o sujeito, articulando a cadeia significante, traz à luz a falta-a-ser com o apelo de receber seu complemento do Outro, se o Outro, lugar da fala, é também o lugar dessa falta. O que é assim dado ao Outro preencher, e que é propriamente o que ele não tem, pois também nele é falta, é aquilo a que se chama amor, mas são também o ódio e a ignorância. É também isso, paixões do ser, o que toda demanda evoca para além da necessidade que nela se articula, e é disso mesmo que o sujeito fica tão mais propriamente privado, quanto mais a necessidade articulada na demanda é satisfeita [...] o ser da linguagem é o não ser dos objetos [...]" (pp.633-634).

Portanto, fundando a noção do Outro como lugar da manifestação da fala, o desejo- obra de um animal presa da linguagem- do homem é o desejo do Outro. A estrutura constitutiva do desejo do sujeito só pode ser encontrada por ele na mesma hiância aberta pelo efeito dos significantes naqueles que para ele representam o Outro, pois sua demanda está assujeitada a eles: se os significantes da demanda sustentaram o lugar em que o desejo se fixou, só no lugar deles é que o sujeito é sujeitador.

As posições de Lacan, aqui condensadas, são de grande importância para a discussão da interpretação na clínica das crianças que estão sob o efeito das graves psicopatologias. Nesses casos, a clínica exige interrogar e deslocar as posições destacadas por Lacan, pois elas exigem, como princípio, um analisante não apenas submetido ao campo da linguagem, mas passível de ser representado na relação entre significantes. Nas graves psicopatologias infantis, a criança não está em posição de operar o registro simbólico, mesmo que a ele seja submetida. Em geral, apenas presentificam-se com o que há de real no significante, ou seja, o significante não está em função lingüística: a criança está aderida a significantes que não circulam.

É Alfredo Jerusalinsky (1993a) que nos permite situar as condições de estruturação diferenciadas que o autismo e a psicose de crianças impõem. Essas graves patologias infantis mostram que o corpo pode denunciar o impedimento da função primordial do significante - a equivocidade e suas conseqüências na subjetivação, em que uma enunciação não se destaca.

Nos casos de autismo, temos uma criança engajada na motricidade, para evitar ou sustentar a captura especular, em que se submete ao aprisionamento que a exclui ou que a cola ao olhar do outro, está impedida de poder recuperá-lo ou de poder perdê-lo. Nos termos de Jerusalinsky (1993a), qualquer significante tem para o autista um efeito de exclusão, o que se manifesta na posição de recusa ao olhar do outro, estendida muitas vezes a qualquer manifestação da alteridade que ultrapasse uma ordenação de hábitos. Tal exclusão é ativa, uma vez que ele não ignora o outro. Uma atenção oblíqua impede que seja surpreendido, na vigilância indireta destinada a preservar certo alheamento e a configurar a reciprocidade imaginária da ausência. O objeto tem posição siderativa, na função de defesa contra a demanda de exclusão do Outro, cujo paradoxo é o de realizá- la. Apegado ao ponto em que se manifesta uma diferença, o autista não pode extrair suas conseqüências. Fort-da sem fort nem da, o autista só é situável no traço de união em que gira na barra que os separa, apontando o fracasso do simbólico, na tentativa de situar um ponto de referência tornado imediatamente automatismo. Temos, portanto, o autista referido à incidência do real sobre a matriz simbolizante da alternância significante primordial que não permite os efeitos da imaginarização do real.

As psicoses precoces da infância não configuram a exclusão verificável no autista (Jerusalinsky, 1993b). Uma inscrição se produz, mas não tem instância na função significante. A criança recebe a demanda do Outro numa posição em que a inscrição do traço unário não pôde ser simbolizada e só se mantém ao reproduzir-se no real, pela via de uma veste imaginária qualquer, na impossibilidade do efeito simbólico sobre a série significante. Assim, cada palavra carrega seu sentido definitivo, retida que está ao corpo materno que a contempla, tomando a criança como representante real do falo simbólico daquela e, assim, sustentando a impossibilidade de o Nome-do-pai operar simbolicamente. É o que faz do seu discurso uma mera repetição de modernas, sem que eles produzam significação, e em que a tentativa de tomar ou compreender a posição da alteridade a mantém, entretanto, hipotecada à decisão do Outro, catapultada à alterização absoluta. Se ela fala, referida a uma inscrição, ela o faz guiada nessa colagem ao Outro, reprodução incessante de um sentido inequívoco, na tentativa de deslocamento em que reencontra o Outro no real, que lhe sustenta esse mesmo sentido, já que não há como registrar outro. Assim, uma estrutura fantasmática mínima verifica-se, mesmo que se trate de psicose, denotando uma posição na linguagem em que modaliza a impossibilidade de relação ao objeto a. Assim, a diversidade com que as psicoses não decididas na infância podem situar-se estruturalmente mantendo sempre o caráter da biunivocidade dos laços que faz, alheia à condição da metáfora.

 

DIREÇÃO DO TRATAMENTO COM CRIANÇAS AUTISTAS E PSICÓTICAS

Só podemos nos referir aos fins da análise com crianças no plural, nos diz Bernard Nominé (conferência em São Paulo, em 1999), porque, como a criança não teve o encontro com o outro sexo nem comprovou que não há relação sexual, essa questão nem se põe como tal. A relação sexual é fronteira que distingue a experiência sexual infantil da experiência do adulto e o período de latência tem aí grande importância. O uso do plural deve-se ao fato de cada caso poder contestar o que são os fins da análise, além de o vocábulo poder se referir à saída e ao objetivo. A questão é para o que apontarnos? Qual é a direção da cura?

Apesar de concernir tanto às crianças quanto aos adultos, a direção do tratamento difere. A análise com crianças exige um analista de pleno direito, mas que tem de se regrar pela especificidade das particularidades do encontro com a criança. A condição da análise é que o analista saiba em que lugar a criança o põe; e a dificuldade é que ele aí está remetido à posição estrutural da infância, em que a criança é o objeto que divide o Outro, em que sua posição é a da disposição perversa polimorfa.

Cabe considerar a posição estrutural da infância; momento em que a sexualidade perversa polimorfa desconhece a finalidade da reprodução. Na latência, essa sexualidade pára, e temos depois a sexualidade adulta, que supõe o encontro com o outro sexo e o saber sobre a procriação. Há violação da infância quando o encontro com o sedutor antecipa o encontro com a sexualidade, conjuga o gozo ao saber e, franqueando a zona da latência, põe-na em curto-circuito. Afinal, a criança é um brinquedo erótico para seus pais e, se ela goza, é sem saber. A latência é uma exigência estrutural de separar o gozo e o saber.

Assim, o objetivo da análise é permitir à criança separar-se do sintoma familiar para construir seu próprio sinthome, que é parte indestrutível do gozo e é o laço social. O sinthome serve ao sujeito para sair de seu gozo autista e enlaçar a realidade psíquica do sujeito barrado, tendo, portanto, a mesma função do pai. Ele se constitui quando o sujeito desloca-se de sua posição infantil. Construir seu sinthome é construir copulações significantes dentro de sua família. Portanto, a análise é a possibilidade de deixar a criança fazer sua neurose tranqüila, saindo da posição infantil de falo materno. O analista deve cuidar para que a criança possa entrar na latência, que é o tempo de compreender a castração, respondendo à existência da falta de saber do grande Outro, para que, na adolescência, ela possa olhar por trás da latência e estabelecer um saber sobre o gozo, construindo uma nova versão de objeto a.

O que faz diferir a análise de uma criança cia análise do adulto é o que se analisa numa análise. Lacan nos ensina que o sujeito é a resposta do real ao significante, ou seja, o sujeito é decorrência (efeito e/ou produto) da incidência do simbólico sobre o ser orgânico, acéfalo, puro real. O sujeito é a resposta do organismo a essa forçagem, a essa intromissão do campo da linguagem num organismo vivo, quer dizer, ser que goza a vida, ser cujo único campo é o do gozo, substância gozante indiscernível, puro real, portanto.

É por isso que numa análise, tanto de uma criança quanto de um adulto, trata-se de analisar as relações do sujeito com o real. Mas, para que possamos abordar relações, temos de discernir posições, ou seja, temos de poder distinguir lugares e, portanto, temos de contar com um campo simbólico) já instaurado. É por este motivo é que somos obrigados a nos perguntar, percorrendo, de novo, a trilha já traçada por Colette Soler (1994), se o analista pode afrontar qualquer relação ao real e, mais precisamente, se o desejo do analista pode operar sobre qualquer estado do ser.

E o desejo do analista? Desejo de analista é desejo sem fantasma e sem sujeito, é o nome de uma função necessária à estrutura do discurso, elemento que vem em oposição articulada à demanda do sujeito, numa condição heterogênea, requerida para fazer valer o desejo do analisante, que insiste nos desdobramentos da sua demanda. Nesse sentido, o desejo suposto aos dizeres da interpretação analítica só pode operar quando há um sujeito do desejo, ou seja, quando se diferencia um lugar vazio determinado pela subtração de gozo. Essa subtração de gozo é conseqüência lógica da inseminação do campo simbólico num organismo. Afinal, o ser que antes gozava plenamente da condição de ser vivo, puro continuum, é lido com a linguagem, que tanto demarca suas manifestações quanto as substitui, tornando-as como significantes de um apelo. Assim, ele é aparelhado a se fazer valer para um outro através dos significantes, que, aludindo à condição de um gozo perdido, ou mesmo lhe fazendo suplência, jamais eqüivalerão a ele, jamais permitirão a reprodução desse estado de ser gozante.

Enquanto puro ser vivo, a criança não é, inicialmente, um sujeito - é objeto do Outro. Toda criança que nasce é, para sua mãe, uma aparição no real do "objeto de sua existência". O sujeito não é dado, é efetuado. Portanto, não se pode falar de psicanálise de criança sem questionar, para cada criança, o estado de efetuação da estrutura que ela apresenta.

Quando estamos diante de uma criança que é sujeito da significância, o analista pode se alojar no cavo do desejo e exercer propriamente a função analítica. Mas este não é o caso da criança autista ou psicótica, em que temos uma criança para a qual o sujeito não se destacou do real, e mantém-se na posição de criança-objeto, criança-gozo. Nesse caso da criança autista ou psicótica, o analista só pode se alojar no lugar do Outro primordial.

Implica-se aí a questão de saber como o analista pode operar para que os efeitos que ele obtém mantenham-se no eixo cia ética psicanalítica, ou seja, não podemos deixar de nos perguntar pelo desejo que o analista faz operar, já que o pivô da transferência é o desejo do analista.

Na condição de Outro primordial, o analista substitui a operação do significante, para produzir o que não teve lugar: corte, separação, negativização, furo. Operação de subtração a partir da qual se engendra um sujeito, ali onde faltava um efeito-sujeito, que tem o alcance de uma defesa contra o real.

Trata-se, portanto, no caso do autismo ou das psicoses, de uma psicanálise invertida, pois é uma operação que vai do real ao simbólico e que cria um efeito de negativização, enquanto, diante de um sujeito constituído, a operação analítica é inversa, visa a uma travessia do simbólico e do imaginário em direção ao real da pulsão, para um levantamento, ao menos parcial, das defesas.

 

A TRANSFERÊNCIA NA CLÍNICA DOS AUTISMOS E DAS PSICOSES DA INFÂNCIA

O que está em jogo na análise de uma criança não estruturada é constituir uma defesa contra o real - constituir um sujeito, a partir do alojamento do analista na posição de Outro Primordial, que opera sobre o continuum de gozo em que a criança está encravada no discurso do Outro.

Assim, a direção do tratamento de uma criança autista comporta o paradoxo que diz do limite da psicanálise. A história da psicanálise com crianças o atesta, na dificuldade de explicitar o lugar do desejo do analista de crianças, nas múltiplas vertentes que transformaram o método em técnica adaptada, na qual o desejo do analista é encoberto por fantasmas, seja de mãe plena, de ideal educativo, ou de fascínio pela maternidade.

Mas talvez possamos dar um passo a mais ao considerar que é a relação com o real que se mantém em jogo no desejo do analista, mesmo ao tratar um autista. Isso implica atravessar, distinguindo, separando e substituindo o continuum do fluxo da criança por meio do exercício da operação significante, intervindo sobre o organismo, para ali criar uma borda ao real capaz de contorná-lo. Como nos lembra Alejandro Daumas (1996), cabe ao analista construir um lugar no qual o que é insuportável do real se transforme em impossibilidade de dizer, ou seja, restrinja o real do ser ao que há de efetivamente indizível, por meio do que a condição simbólica permite suportar e demarcar.

Mas, para produzir essa subtração de gozo, como a função do Outro primordial, exercida pelo analista, poderia operar sem sujeito, sem presentificar as marcas das identificações e os sinais de uma posição subjetiva do analista? Afinal, como operar a relação entre criança-real e analista-simbólico, sem aí fazer incidir o imaginário?

Qualquer tuncionamento discursivo enoda o real, o simbólico e o imaginário. Se não há, especialmente na criança autista, nem funcionamento simbólico nem consistência imaginária, onde fazer o nó que articula essas dimensões?

O real é inicialmente abordado pelo imaginário. A suposição, a hipótese que encobre o real é imaginária. É o que permite à criança, inicialmente, alocar a possibilidade de satisfação no querer caprichoso do Outro materno e, depois, alocar a impossibilidade de consistir em uma unidade com a mãe, nas transições míticas em que o Outro paterno é terrível e ameaçador. Desse modo, entre simbólico e real há imaginário. O imaginário encobre o real até que o desdobramento repetido da experiência permita depreender o simbólico.

Assim, se inicialmente a criança está alocada na posição de uma peça do jogo discursivo, objeto, portanto, do jogo do Outro, a criança terá que supor, terá que antecipar outras posições possíveis, invertendo-as, mantendo-se obliquamente a elas, submetendo-se e submetendo-as, pactuando, até que possa depreender as regras do jogo, a sua gramática, para poder trapacear, fazendo do jogo, um jogo; enfim, experimentando o simbólico. Para isso, no entanto, é preciso que muitas consistências sejam postas, preencham esses lugares, essas posições relativas que não se suportam vazias de sentido, mas que são tornadas consistentes pelo Outro, que, apostando que há ali um sujeito, imaginariza a intencionalidade de um possível sujeito, um querer dizer a advir. Sem essa tomada imaginária que faz operar um sujeito antes que ele possa comparecer, como alocar um lugar, uma posição, na qual um sujeito, que será (desde que constituído) incomensurável a esse lugar, possa advir?

Se a direção do tratamento é a de permitir, pela transferência, a estruturação do sujeito, cabe ainda perguntar: como a incidência da transferência poderá viabilizar a estruturação do sujeito? Afinal, se não temos um sujeito já constituído, trata-se de perguntar: transferência de quem? Intepretação do quê?

A transferência na clínica com crianças incide na particularidade da relação com o outro como transferenciai por estrutura, desde que os agentes parentais legitimem tal laço. A interpretação exige dp analista imiscuir-se no ciframento da criança como semblante de objeto, porque, desse lugar, ele pode situar onde é posto e qual o valor de tal posição na constelação em que a criança cifra sua relação à alteridade. Do discernimento do lugar em que o analista é posto, a posição da criança pode se distinguir. Essa condição do deciframento permitirá o jogo permutativo de posições, na plataforma giratória que permite à criança circular na dimensão significante da metáfora.

A interpretação que a transferência permite, nas graves psicopatologias infantis, exige uma suposição de sujeito, pelo analista, antes que ali haja um. Esse desejo do analista, essa aposta do analista é imaginária, apóia-se numa teoria, num percurso, numa leitura das manifestações da criança que ele distingue e translitera, antes que a criança possa fazê-lo. Portanto, o analista escreve a manifestação da criança como articulação, suportando uma gramática em que ele - o analista - estica os signos em que a criança se atrela, até a produção de uma frase, e de um dizer.

É o que leva à hipótese de que o analista lê a manifestação da criança como o seu imaginário. É com um texto imaginário que o analista veicula o simbólico, desabotoando os signos a que a criança aderiu, para fazer deles significantes. É com esse texto que ele calcula a interpretação, entendida como a extensão metonímica em que o analista implica a criança numa rede discursiva. O analista engaja-se na manifestação da criança, estendendo a produção significante, contando com seu imaginário que repete, em ato, a manifestação da criança; faz-se de endereço para a ação da criança, tomando-a como um ato subjetivo; reendereça-se à criança; produz uma condição de impossibilidade de reprodução que faz forçagem para que a criança responda de outra maneira; produz atos interpretativos, tantas vezes imaginários que alocam um gesto numa série significante, antes que possa e para que possa, de seu efeito, operar uma legibilidade propriamente simbólica.

Oferecer o imaginário para permitir o estiramento simbólico é, nessa perspectiva, a condição para que a criança possa localizar o gozo fora do exercício do continuum do fluxo vital, numa ficção que permita separá-la de insígnias petrificadas, dissolvendo os signos fixos ao estendê-los a outras funções, fazendo-os operar como significantes, produzindo uma construção fantasmática ficcional, e não mais um exercício real.

A motricidade, em que o corpo da criança se engaja, veicula em signos o que se inscreveu na sua experiência primeira com a alteridade. Assim, o que caracteriza essa motricidade é uma linguagem privada, que concerne apenas a tal incidência da alteridade que não fez função de Outro primordial. No seu movimento, o corpo é regido pela circulação possível no campo fantasmático materno, como objeto-carretel que transita num deslocamento regulado pela extensão e elasticidade da linha que ata suas próprias bordas às bordas maternas, como diz Jerusalinsky (1993b). Os gestos significantes e as enunciações do analista, que estiram tal elasticidade, apostam na possibilidade de seccionar a continuidade dessa linha, evocando perdas ao substituí-las, permitindo o advento da equivocidade que rompe a repartição dessa linguagem feita de signos, como aponta Melman (1985).

Na simplicidade de uma mínima extensão de um jogo da criança, operado pelo analista, este faz a conjugação de um significante a um signo, em que um funcionamento metonímico pode se distinguir. O ato subjetivante da criança, a ser daí esperado pelo analista, implicará a transformação de uma marca qualquer num significante que, ao lê-la, apaga a marca. A substituição pela qual o que tem um sentido se transforma em equívoco, para reencontrar articulação, é por ela que o sujeito se desloca no jogo giratório da linguagem, cujas síncopes indicam o sujeito. Desde que um significante evoque a falta de gozo, uma enunciação se destaca em ato. Mesmo antecedendo a presença do seu agente, esse ato produz, por seu efeito, uma diferença irredutível, lacuna na qual um sujeito será tomado por cifrar a equivocação em que atesta o transbordamento dos domínios estritos da primeira incidência da alteridade, que a criança condensava em suas manifestações. Do engajamento corporal que vivifica o limite sígnico do primeiro laço à alteridade, constituem-se brechas contingentes em que o correlato significante articula o ato. No franqueamento da linguagem que o desloca e o substitui, inscrevem-se os acidentes que lhe são concernentes, traços ressublinhados de diferença, em cujos efeitos um sujeito se precipita em enunciação.

Assim, temos um paradoxo: por um lado, o caráter indiscernível da manifestação da criança, que, para ser lida, para ser tomada como cifra efetuada pela criança, mesmo que mínima, precisa ser engajada pelo analista numa rede significante, cuja consistência seu imaginário oferece. Por outro lado, o analista não pode ler o texto das manifestações da criança numa relação de correspondência biunívoca com sua estrutura de decifrador. Entre a manifestação da criança e as cifras do clínico não há comunalidade de procedimentos de cifração: um texto não substitui o outro. Isso exige que a operação analítica trate o deciframento contando com o texto da criança. Mas não só. Se é preciso que o analista privilegie a manifestação da criança, como marca unívoca do signo em que a criança manifesta o limite de sua condição real, ele precisa inseri-lo em redes diversas; no caso do autismo, antecipando e constituindo uma lógica que ainda não há.

Estendendo esse aquém da lógica, através dos significantes desdobrados pelo analista a partir dos signos colados à criança, este poderá esgarçar a continuidade sígnica modalizada pela criança. E pela sua reincidência em séries distintas, em que eles se alocam, repetindo sua constrição, que se poderá testemunhar a incidência da letra determinativa do texto em questão. O analista assegura seu reconhecimento, apontando-o com a sua antífona leiga ao transliterá-la, permitindo destacá-la como significante, responsório passível, portanto, de ser interrogado, pela criança, na plurivocidade que carrega.

A interpretação não é uma tradução metafórica, mas uma extensão metonímica. O que se faz operante é a insistência da equivcodade, implicada no seu reconhecimento pelo analista. Desde que tenha efetivamente incidência de letra, seu reconhecimento leigo permite desvelar a sua função determinativa. Assim, seja a diferença fonemática, produzida na decalagem de uma homofonia; seja a estranheza que causa surpreendimento, ou mesmo a alteração da acentuação que permite um chiste, a interpretação interroga a letra, ao tomá-la na equivocidade que o significante permite envergar, causando o engajamento da criança na produção de sentidos em que ela exerce o deslizamento metaforonímico, trabalho sobre a língua capaz de alterar a posição que a fixava.

A aposta do engajamento analítico é a pressuposição de um saber mais além do apreensível, saber sem sujeito, que é alocado num sujeito suposto que, na transferência, uma presença encarna. Entretanto, é pelo fato de o ato analítico não comportar a presença do sujeito que o faz, que ele responde à deficiência que a verdade da criança experimenta: o ato suporta-a.

O ato analítico é um ponto de partida lógico, hiância necessária, que testemunha algo, que lê alguma coisa que diz respeito à criança, operando um deslocamento que abala os sentidos dados e permite renová-los. O ato analítico articula um significante a outro significante, posto em jogo pela criança, ou seja, faz incidência num significante sem que entre eles haja um sujeito: é produção de saber sem sujeito, é atualização do inconsciente. Afinal, toda formação do inconsciente é uma operação que exclui o domínio de um sujeito. Portanto, nesse ato, o analista não representa esse sujeito, mas produz uma fissura na continuidade do sentido, num lugar que inclui o analista como posição de objeto a(Lacan, 1967-8), mas o que autoriza esse ato é a identificação e a distinção dos significantes, em função da estrutura essencialmente localizada do significante,ou seja, da insistência da letra, na criança. Tal leitura é o que permitirá desencadear um conjunto de proposições e assim permitir desvelar a cadeia textual e a estrutura de que eles são feitos.

O analista carrega a única transferência possível a um autista: a de receber a demanda do Outro como negativa direta, não como invertida. Ou seja, o pior problema é sua negativa, é seu não-ser, diz Alfredo Jerusalinsky (em comunicação pessoal à autora, em 1999). Na medida em que ele é convocado a sair da passividade de suportar a posição real em que o Outro o insere, o analista inverte a demanda que ele não pode inverter, demandando-o a fazer o real ao invés de sofrê-lo, fazendo cargo da inversão que ele não produz. Isso diz do único movimento transferenciai de que o autista é capaz. Ele não é capaz de uma transferência histórica, não é capaz de uma neurose de transferência, ou seja, de transferência de um sintoma; o que ele pode é transferir a posição direta da demanda, por isso ele dá uma volta em si mesmo e oferece suas costas. Então qual é a operação analítica? A mesma que qualquer outro faria com essa transferência? Não. Trata-se de encarregar-se do que está em jogo nessa transferência, por meio de um ato analítico: produzir a inversão que ele não pode produzir. É a chave da abertura da porta, é a única porta da qual podemos ter alguma chave-e essa chave, ainda temos que fabricá-la.

Na psicose, a posição do analista também é inversa em relação à análise do neurótico. No neurótico, vamos do sintoma ao fantasma, ou seja, vamos do que causa a demanda analítica, que é o sintoma, ao atravessamento do fantasma. Na psicose, o analista confronta-se com a colagem entre o sintoma e o fantasma, para, apoiando-se no fantasma, diferenciar o sintoma. Essa é uma particularidade, uma mobilidade que Lacan permitiu aos analistas. Se a criança é pequena, ainda é possível apostar num enodamento dos três registros que fazem o nó borromiano, no qual a diferenciação do quarto elo está superposta como um artifício. A criança que está lançada numa posição em que o discurso já a toca como demanda de responder em ato - independentemente da idade - àquilo que o simbólico montou como ideal para ela. Aí, podemos nos dar conta, après coup, de que a criança estava nisso. Nessas condições, a única solução é a invenção de uma suplência, porque há uma possibilidade de segurar o terceiro elo. É a psicose não decidida.

 

NOTAS

1 Remeto o leitor ao terceiro capítulo do meu livrou criança na clínica psicanalítica, Rio de Janeiro, RJ: Companhia de Freud, 1997, onde tratei esse tema.

2 Cabe lembrar que a construção que faremos aqui é tributária do que a análise da leitura lacaniana das produções de Hans feita por Jean Allouch esboça.

3 Podemos pensar no tempo lógico do ato, considerando o instante de ver, o tempo de compreender e o momento de concluir, tal como formula Lacan:
(1) a tomada pela alteridade em que a criança atesta estar referenciada;
(2) a modalização do seu engajamento nos desdobramentos da relação que ela estabelece a partir daí, numa vacilação;
(3) (4) o ato que o soluciona numa precipitação subjetiva;

(3) a conclusão, ato virtual que precede o ato propriamente dito, só apreensível, entretanto, na sua posterioridade, modulada no ato (portanto, (3) só é situável depois de (4)).

4 Allouch esclarece a função da lista, ao dizer que a lista tem um papel específico: nomeia o traço de pertinência que regula a lista. Tal traço implícito será revelado pela lista, ao realizá-lo, deixando decidir a pertença de novos elementos a ela. Esse apoio tomado na lista permite uma série de operações que poderiam fracassar se não fossem registradas. As operações que dão praticabilidade à lista são: as inversões, a exaustividade, a enumeração, as correlações (caso em que a articulação entre duas listas permite uma terceira, de outra ordem), o estabelecimento de hierarquias (por exemplo, as configurações sintáticas fixas, as que estabelecem giros de posição, as que se complexificam), e as classificações (que permitem levar a análise mais adiante, autorizando, por exemplo, o destacamento de significantes pertinentes).

5 Efeito simbólico S, produto real, resto a, e/ou disjuntivo/conjuntivo da tensão imaginária, que a fórmula do fantasma nos permite: S à a.

6 Chamamos a atenção para a etimologia da palavra antífona: falar contra, contradizer, tornar explícita a contradição. Phon deriva do radical indo-europeu Bha, que designa a fala enquanto proferimento, ressonância de voz humana: phone, não enquanto significa mas enquanto o que se ouve, distinguindo a dimensão do significante.

 

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