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Revista da SBPH

Print version ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.19 no.2 Rio de Janeiro Dec. 2016

 

ARTIGOS

 

Adesão ao tratamento em crianças com diabetes Tipo 1: insulinoterapia e apoio familiar

 

Adherence to treatment in children with Type 1 diabetes: insulin therapy and family support

 

 

Aline Maués Ferreira de Figueiredo Seixas1, I; Alana dos Anjos Moreira2, II; Eleonora Arnaud Pereira Ferreira3, II

IUniversidade do Estado do Pará
II
Universidade Federal do Pará

 

 


RESUMO

Este estudo objetivou caracterizar crianças com diabetes Tipo 1 (DM1), atendidas em um hospital universitário, quanto à adesão à insulinoterapia e quanto ao apoio familiar ao tratamento. Utilizou-se como instrumentos: Jogo de Adesão ao Tratamento; Roteiro de Entrevista sobre Insulina; Inventário de apoio familiar ao tratamento; e Protocolo para análise do prontuário. Participaram 10 crianças entre 9 e 12 anos de idade, entrevistadas em sala de espera. A maioria era do sexo feminino (n=9), utilizava apenas caneta injetora de insulina (n=6), realizava autoaplicação de insulina sem supervisão de cuidadores (n=8), aprendeu a se aplicar com os pais (n=8) e relatou receber apoio familiar ao tratamento, principalmente apoio emocional e à dieta. Observou-se que a maioria (n=6) apresentava controle glicêmico insatisfatório (HbA1C >8%). Os resultados deste estudo podem contribuir para o planejamento de programas de educação do paciente, suas famílias e equipe de saúde para lidar com o DM1.

Palavras-chave: diabetes mellitus Tipo 1; doença crônica; criança; insulina; família.


ABSTRACT

This study aimed to characterize patients with Type 1 diabetes mellitus (DM1), at a university hospital, about treatment adherence and family support to treatment. The following instruments were used: Set of Treatment Adherence; Interview Guide on Insulin; Inventory of family support to treatment; Protocol for Records Analysis. Have participated 10 children between 9 and 12 years old, interviewed in waiting room. The majority were female (N=9), used only insulin pen injector (N=6), performed self-administration of insulin without caregivers supervision (N=8), learned to inject with the parents (N=8) and reported receiving family support for the treatment, especially emotional support and to the diet. It was observed that most of them (N=6) had poor glycemic control (HbA1C >8). The results of that study can contribute to the planning of educational programs to patients, their families and health team to deal with DM1.

Keywords: diabetes mellitus; type 1; chronic disease; child; insulin; family.


 

 

Introdução

O diabetes mellitus Tipo 1 (DM1) é considerado uma das mais graves doenças crônico-degenerativas da infância, caracterizando-se pela produção e/ou ação insuficiente do hormônio insulina (Dullius, 2007; Sociedade Brasileira de Diabetes [SBD], 2013a; Zanetti & Mendes, 2000). O DM1 ocasiona um quadro permanente de hiperglicemia, o que torna a reposição por insulina exógena necessária à manutenção da vida, uma vez que está associado a danos em vários sistemas orgânicos em longo prazo (Balda & Pacheco-Silva, 1999; Souza & Zanetti, 2000).

O Diabetes Control and Complications Trial [DCCT] foi um conjunto de estudos os quais estabeleceram diretrizes para o tratamento do DM1. Em um desses estudos (DCCT, 1993), verificou-se que o uso da insulinoterapia intensiva (três ou mais doses diárias) poderia manter os valores da glicemia mais próximos da normalidade, e assim atrasar o início e retardar o progresso das retinopatias, das nefropatias e das neuropatias. No Brasil, a literatura nacional aponta o regime de insulinoterapia convencional (até duas doses diárias) como sendo o mais utilizado pelos diabéticos (Almeida et al., 2002; Dall'Antonia & Zanetti, 2000).

Segundo a American Diabetes Association [ADA] (2012), a rotina diária do indivíduo com DM1 deve incluir, além da administração da insulina (a partir de três vezes ao dia), a aferição da glicemia capilar (a partir de quatro vezes ao dia), a reeducação alimentar e atividades físicas regulares, a fim de manter estáveis os níveis glicêmicos. Desse modo, o tratamento do DM1 inclui uma complexa rede de cuidados pelo resto da vida com vistas ao controle glicêmico.

Um dos métodos que tem sido utilizados na verificação do controle glicêmico é o exame de hemoglobina glicada (HbA1c ou A1c), teste laboratorial que indica a média ponderada dos níveis glicêmicos nos últimos três meses anteriores ao exame (Bem & Kunde, 2006). Por dar uma visão maior, em extensão temporal, do controle glicêmico do paciente, este índice costuma ser utilizado como referência no planejamento de metas para o tratamento do DM1. Um bom controle glicêmico na faixa etária de seis a doze anos é indicado por valores <8% na A1c (SBD, 2013b). Valores =8% indicam um controle ruim (Armstrong, Mackey, & Streisand, 2011; Hilliard, Monaghan, Cogen, & Streisand, 2010; Lewin et al., 2006; Vesco et al., 2010).

No estudo de Johnson (1994), foi examinada a relação entre comportamentos de adesão ao tratamento e os níveis da A1c de 377 jovens portadores de DM1. Observou-se que apenas 58% da amostra tinham níveis compatíveis com os comportamentos de adesão apresentados (boa adesão/bons níveis de A1c; adesão ruim/níveis ruins de A1c). Porém, os participantes com melhor seguimento das instruções do tratamento (18% da amostra) apresentavam os piores índices de controle glicêmico. Tais resultados indicam a importância de se utilizar várias medidas para avaliar a adesão do paciente com DM1 ao tratamento.

No caso de crianças com DM1, a interlocução com os profissionais de saúde é mediada pelos pais ou cuidadores. Neste sentido, estudos sugerem que o apoio familiar ao paciente pode influenciar na adesão às orientações prescritas ao tratamento e no consequente controle do diabetes (Delamater, 2007; Nabors & Bartz, 2013). A princípio, os pais ou cuidadores assumem a responsabilidade pela maior parte das tarefas relacionadas ao tratamento, funcionando como modelo de comportamento para a criança no engajamento de práticas de autocuidado (Ribeiro, 2004). Segundo Delamater (2007), a International Society for Pediatric and Adolescent Diabetes destaca a necessidade de se reconhecer a importância de fatores psicossociais no cuidado e tratamento do DM1, como o apoio social da família às exigências do tratamento.

Em se tratando da aplicação de insulina por crianças com DM1, estudos têm enfatizado a importância da família. O estudo sobre autoaplicação de insulina, realizado por Dall' Antonia e Zanetti (2000) com 34 crianças brasileiras com DM1 na faixa etária de sete a doze anos, indicou que 12 (35,3%) delas aprenderam a administrar insulina com as mães, enquanto 10 (29,5%), com as enfermeiras. Essa pesquisa também indicou que nove (26,5%) crianças iniciaram a autoaplicação de insulina com 10 anos de idade, cinco (14,7%) com seis anos e, inclusive, uma havia iniciado aos cinco.

Em outro estudo nacional, sobre assistência domiciliar à criança, participaram seis pacientes com DM1, entre 10 a 13 anos de idade. Destes, três participantes faziam autoaplicação de insulina e aprenderam esta tarefa com a mãe, enquanto eram as mães que aplicavam este medicamento nas outras três (Paro, Paro, & Vieira, 2006). Por sua vez, no estudo de Ekim e Pek (2010), realizado na Turquia, sobre habilidades de aplicação de insulina em crianças e adolescentes, entre 7 e 18 anos de idade, 68,8% dos participantes aprenderam a administrar insulina com a enfermeira, 20% com o médico e 11,1% com os pais. Também se verificou que, conforme aumentava a idade das crianças avaliadas, aumentava a taxa de acertos no emprego das habilidades de aplicação de insulina.

Mesmo que a criança com DM1 já apresente algumas habilidades necessárias para executar as tarefas de seu tratamento, a transferência da responsabilidade para ela deve ser gradual e gerenciada por cuidadores (Ekim & Pek, 2010; Wysocki, Meinhold, Cox, & Clarke, 1990). A rotina familiar passa a consistir, a priori, em modificar uma série de comportamentos relacionados à alimentação, às atividades físicas, entre outros da rotina diária. Além disso, em auxiliar no estabelecimento dos repertórios de aferição da glicemia capilar e de administração da insulina, e posterior monitoria dessas mudanças comportamentais, levando o paciente à autonomia (Ribeiro & Löhr, 2002).

Zanetti, Mendes e Ribeiro (2001) realizaram um estudo com o objetivo de analisar as dificuldades de mães de crianças e adolescentes com DM1. Foram entrevistadas 30 mães a partir de um roteiro semiestruturado considerando as variáveis relacionadas às atividades diárias com o filho diabético. Os resultados mostraram que as maiores dificuldades se encontravam no seguimento da dieta e na administração de insulina, sendo a aplicação deste medicamento um fator do tratamento do qual as mães se queixaram como uma tarefa de difícil controle e adesão.

Em estudo realizado por Calliari e Malerbi (2008), constatou-se que no Brasil a atenção à criança com DM1 ainda demanda organização de serviços especializados, com orientação à família e aos professores destas crianças. Também chama atenção para a demanda dos pais por apoio social ao tratamento, com 82% dos pais solicitando maior participação em grupos.

Uma das demandas primordiais apresentadas pelo indivíduo com DM1 é a necessidade continuada de obtenção de insumos para realizar as tarefas relativas ao tratamento. No Brasil, a Lei Nº 11.347 (Brasil, 2006) garante ao diabético o fornecimento gratuito pelo Sistema Único de Saúde (SUS) das medicações e dos materiais necessários para a aplicação de insulina, assim como os insumos para a aferição glicêmica. Segundo a Portaria Nº 2.583 (Ministério da Saúde, 2007), as insulinas disponibilizadas são a NPH e a insulina humana regular, ambas injetáveis. As seringas com agulha, as tiras reagentes e as lancetas para punção digital (a partir do glicosímetro) também são fornecidas gratuitamente.

Mesmo com a obrigatoriedade legal do fornecimento de insumos para indivíduos com DM1, estudos nacionais apontam que às vezes ele é falho. No estudo de Almeida et al. (2002), 58,73% dos participantes relataram não realizar a aferição da glicemia na frequência recomendada pois não recebiam as fitas reagentes regularmente; enquanto que no de Zanetti et al. (2001), a maior parte das mães (56,7%) de crianças com DM1 relatou que precisava arcar com as despesas da insulinoterapia.

Apesar de a seringa com agulha ser o instrumento mais utilizado no Brasil, a literatura aponta que o uso da caneta aplicadora de insulina apresenta mais vantagens – principalmente para crianças e adolescentes – apesar do custo mais elevado se comparado ao da seringa (Maia & Araújo, 2002). Com a caneta, as doses são mais exatas e a picada menos dolorosa devido ao tamanho menor da agulha acoplada ao dispositivo, o que pode favorecer melhor adesão à insulinoterapia (Schmid, 2007).

A partir do exposto pela literatura, observou-se que as mudanças de comportamento necessárias para a gestão do diabetes apresentam alto custo de resposta para os pacientes, os familiares e os profissionais da saúde. Tais mudanças têm implicações na prática clínica, na elaboração de programas educacionais, na qualidade de vida do paciente e de seus familiares, além do custo do tratamento para os órgãos públicos, principalmente quando não se dispõe de recursos e de profissionais capacitados para a lida com o DM1 (Zanetti et al., 2001). Verificou-se também a escassez de estudos sistemáticos abordando adesão ao tratamento em crianças com DM1, o que pode dificultar o planejamento de políticas públicas.

O objetivo principal do presente estudo foi caracterizar pacientes com DM1 na faixa etária de 9 a 12 anos, em atendimento no ambulatório de endocrinologia de um Hospital Universitário (HU) referência na região Norte para o atendimento a indivíduos com diabetes, quanto à adesão e ao apoio familiar ao tratamento a partir do relato destes pacientes. Os específicos foram realizar o levantamento da história clínica e dos comentários da equipe de saúde sobre a adesão dos participantes ao tratamento a partir dos registros em prontuários; analisar o conhecimento dos participantes sobre a função da insulina e a sua forma de aplicação; investigar a prática de mensuração da glicemia pelos participantes; e caracterizar o apoio familiar ao tratamento segundo relato dos participantes.

 

Método

Foi realizado um estudo descritivo, com delineamento transversal.

Participantes

Participaram dez (N=10) pacientes com DM1 na faixa etária de 9 a 12 anos com no mínimo seis meses de acompanhamento pelo serviço de endocrinologia de um HU, com prescrição para o uso de insulina, atendidos no período de setembro a dezembro de 2013. Selecionou-se essa faixa etária em função de a literatura apontar que, nesta idade, a maioria dos pacientes com DM1 teria repertório comportamental suficiente para realizar com autonomia as tarefas relativas ao tratamento, como o manuseio e a autoaplicação da insulina, realizar o teste de glicemia, relatar hipoglicemias, entre outras (Dall'Antonia & Zanetti, 2000; Ekim & Pek, 2010; Wysocki et al., 1990). Também se considerou que nessa faixa de idade as crianças já apresentariam um repertório básico de leitura, interpretação e escrita, de modo a estarem aptas a compreender as perguntas feitas a partir dos instrumentos.

Ambiente

A coleta de dados foi realizada em sala de espera do ambulatório de endocrinologia de um HU.

Instrumentos

Utilizou-se: (a) Jogo de Adesão ao Tratamento (JAT), elaborado por Ribeiro (2004), do qual foi utilizada somente a primeira questão cujo objetivo é investigar a adesão ao tratamento quanto à aplicação da insulina em jejum; (b) Roteiro de Entrevista sobre Insulina, elaborado para este estudo, com o objetivo de verificar se o participante já possuía o comportamento de autoaplicação da insulina e se este foi modelado pela equipe de saúde, bem como investigar o seu conhecimento sobre insulina, incluindo as justificativas para uso diário e sobre o modo de aplicação (seringa ou caneta, com ou sem supervisão); (c) Inventário de apoio familiar ao tratamento, desenvolvido por La Greca e Bearman (2002), foi traduzido livremente para este estudo com autorização dos autores, aplicado com o objetivo de identificar se o paciente recebia ou não apoio da família ao tratamento nas áreas de administração da insulina, exame de glicemia, dieta, atividade física e apoio emocional; e, (d) Protocolo para análise do prontuário, construído para este estudo com o objetivo de coletar informações registradas no prontuário do paciente, sob a guarda do HU.

Procedimento

Após aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisas envolvendo Seres Humanos (Protocolo no. 334.525 CEP/NMT/UFPA/2013), as crianças e seus respectivos acompanhantes que estivessem aguardando atendimento de rotina no ambulatório de endocrinologia do HU foram convidados a participar da pesquisa, por meio dos termos de assentimento e de consentimento livre e esclarecido. Em seguida, eram iniciadas as entrevistas, gravadas em áudio. Inicialmente, era aplicado com a criança o JAT, seguido do Roteiro de Entrevista sobre Insulina. Posteriormente, o Inventário de Apoio Familiar ao Tratamento e por último, era feita a análise do prontuário de cada criança.

 

Resultados

Na Tabela 1 estão apresentadas as principais características dos participantes deste estudo

 

 

Nove participantes eram do sexo feminino. O tempo médio de diagnóstico dos participantes foi de aproximadamente 45 meses, ou seja, três anos e nove meses. A criança com menor tempo de diagnóstico foi P4, com nove meses. As com maior tempo de diagnóstico (seis anos) foram P9 e P10.

A frequência às consultas no ambulatório era feita, em sua maioria (n=8), em intervalos de três a quatro meses (amplitude entre dois e cinco meses). Oito dos dez participantes já haviam sido hospitalizados em decorrência de descontrole glicêmico, predominando, entre estes, uma única hospitalização (n=6), de acordo com os registros observados nos prontuários (P5 foi o participante com o maior número de hospitalizações – quatro, no intervalo de três anos).

Quanto aos valores de A1c, somente três (P4, P7 e P10) apresentaram os três últimos valores dentro dos padrões indicados para controle do DM1, isto é, igual ou abaixo de 8%. O participante com maiores valores de A1c foi P1, cujas três medidas foram iguais ou acima de 11%. Não foi possível coletar os valores de A1c de P5, pois os mesmos não estavam registrados no prontuário deste participante.

Comparando-se o tempo de diagnóstico com os valores de A1c, observa-se que tanto participantes com menor tempo de diagnóstico (P1, P8) quanto participantes com maior tempo de diagnóstico (P2, P3, P9) apresentaram valores de A1c acima do recomendado.

Na Tabela 2 estão as respostas dadas pelos participantes à primeira questão do Jogo de Adesão ao Tratamento (JAT) e sua correspondente pontuação.

 

 

Observa-se que as respostas de cinco participantes (P4, P5, P6, P7 e P9, 50% da amostra) estavam de acordo com as regras para o uso da insulina ao acordar, equivalendo a três pontos no crivo de correção do JAT. Dois participantes (P3 e P10) apresentaram respostas aceitáveis, equivalentes a dois pontos, enquanto dois participantes (P1 e P8) apresentaram respostas menos compatíveis com as regras, obtendo somente um ponto. Um participante (P2) declarou que não emitia o comportamento de aferição da glicemia ao acordar; neste caso, não havia pontuação equivalente descrita no crivo de correção, sendo considerado como comportamento de alto risco para o tratamento.

Quanto à aplicação de insulina, seis participantes indicaram utilizar somente a caneta (P1, P2, P4, P7, P8 e P10), enquanto dois (P5 e P9) utilizavam caneta e seringa, e os outros dois (P3 e P6) somente a seringa. Oito declararam que se aplicavam insulina sem supervisão (P1, P2, P4, P5, P6, P7, P9 e P10), e dois que recebiam o auxílio da mãe para este procedimento (P3 e P8). Dentre os oito participantes que declararam autoaplicação, a maioria (n=6) relatou que aprendeu diretamente com um dos cuidadores (P1, P2, P6, P7, P9 e P10). Somente dois relataram ter aprendido sobre autoaplicação de insulina com profissionais de saúde, sendo um com uma nutricionista (P4) e o outro com uma enfermeira (P5).

Segundo o relato dos participantes, o número de doses de insulina aplicadas variou entre duas e quatro por dia, sendo que sete utilizavam o regime intensivo de aplicação de insulina, com três (P2, P6, P9 e P10) ou quatro (P1, P4 e P5) doses diárias. Dos sete participantes que faziam esquema intensivo de aplicação de insulina, quatro (P4, P5, P6 e P10) apresentavam crises hipoglicêmicas, de acordo com os comentários da equipe de saúde registrados no prontuário. Apenas um participante realizava insulinoterapia convencional (P7), aplicando duas doses ao dia. Todos nomearam as insulinas as quais estavam utilizando; porém, apenas quatro participantes (P4, P6, P9 e P10) relataram corretamente qual era o tipo das insulinas (se rápida, ultrarrápida, intermediária ou lenta/longa) e qual a sua função.

Quanto à mensuração da glicemia, apenas um participante declarou que fazia a aferição com o auxílio da mãe (P10); os demais afirmaram já ter autonomia neste procedimento. A frequência das medidas variou de duas a cinco vezes ao dia. Dois participantes indicaram entender a importância de aferir mais vezes, porém relataram não possuir as fitas reagentes em número suficiente para este procedimento (P5: há quatro meses; P7: há três meses), afirmando a necessidade de economizá-las priorizando a medida em jejum.

Três participantes (P4, P5 e P8) disseram ter recebido as instruções sobre o procedimento de medição da glicemia a partir de profissionais de saúde (médicas e enfermeira), enquanto os demais relataram que aprenderam a aferir com os cuidadores primários (mãe e/ou pai), do mesmo modo que ocorreu com relação à autoaplicação de insulina. Apenas P1 não soube descrever a importância de aferir a glicemia regularmente. Os demais participantes demonstraram conhecer a importância de mensurar a glicemia com o objetivo de controlar a aplicação da insulina, verificando a dose que deve ser tomada de acordo com o valor aferido.

Quanto ao apoio familiar ao tratamento, a partir dos dados obtidos com o Inventário, observou-se que as áreas de apoio familiar que obtiveram escores mais elevados foram as de apoio emocional (86,5%) e de apoio social à dieta (80,4%), seguidas pelo apoio social ao exame de glicemia (72,5%). As com escores mais baixos foram apoio na administração de insulina (60,6%) e, por último, apoio nas atividades físicas (55,7%).

 

Discussão

Os resultados obtidos por meio do JAT demonstraram que a maioria soube ordenar de maneira correta as imagens do jogo, indicando assim que os participantes tiveram acesso às regras para o uso da insulina no desjejum. Contudo, a maioria das crianças não apresentava um bom controle glicêmico, de acordo com os três últimos resultados do exame de A1c registrados no prontuário, independentemente do tempo de diagnóstico, confirmando estudos que apontam para a dificuldade no controle do DM1 em crianças (Armstrong et al., 2011; Hilliard et al., 2010; Lewin et al., 2006; Vesco et al., 2010).

A maioria dos participantes desta pesquisa não apresentou índices de A1c adequados aos parâmetros propostos pelas Diretrizes da SBD (2013b) como saudáveis para crianças e adolescentes com DM1 (<8%). Por outro lado, a maioria relatou receber apoio da família para a realização do tratamento, principalmente no que diz respeito ao apoio emocional e à dieta. Entretanto, recebiam menos apoio para a administração da insulina e para a prática de atividade física. Embora os valores de A1c não possam ser considerados como únicos indicadores de uma boa adesão às orientações para o tratamento do DM1, como já apontado no estudo de Johnson (1994), os dados obtidos com a amostra indicam que os níveis glicêmicos dos participantes estavam acima do recomendado. Tais resultados sugerem que estas crianças e adolescentes precisariam receber maior atenção por parte de seus cuidadores para o controle do DM1, com supervisão para a aplicação da insulina, por exemplo, como sugerem Delamater (2007) e Nabors e Bartz (2013).

A maioria dos participantes declarou que se aplicava insulina sem supervisão dos cuidadores. Apenas dois disseram que recebiam o auxílio da mãe para a realização do procedimento. Considerando que a idade dos participantes variou entre 9 e 12 anos, esses dados são corroborados pela literatura nacional e internacional como sendo a faixa etária na qual as crianças já apresentam as habilidades necessárias para a autoaplicação das doses de insulina (Dall'Antonia & Zanetti, 2000; Ekim & Pek, 2010; Wysocki et al., 1990). Entretanto, devido ao baixo controle glicêmico apresentado pela maioria dos participantes, caberia investigar o processo de aprendizagem e de manutenção de comportamentos de seguir as regras para a aplicação correta da insulina, bem como a supervisão sistemática por parte dos cuidadores para este comportamento.

Verificou-se que a maioria dos participantes que declarou se autoaplicar a insulina relatou ter aprendido com a mãe, o que confirma os dados obtidos em pesquisas nacionais (Dall' Antonia & Zanetti, 2000; Paro et al., 2006). No presente estudo, apenas dois participantes relataram ter aprendido diretamente com um profissional da equipe de saúde. Estudos futuros poderiam investigar os efeitos de instruções de profissionais sobre o seguimento de regras para aplicação de insulina em crianças e adolescentes, pois estes profissionais representam figuras de autoridade, o que pode alterar a função da regra para o ouvinte, conforme tem sido apontado pela literatura acerca do controle do comportamento por regras (Albuquerque & Paracampo, 2010; Paracampo & Albuquerque, 2005).

Sete participantes relataram utilizar o regime intensivo de aplicação de insulina; logo, estavam de acordo com os padrões preconizados pela ADA (2012). Esses dados contrapõem os dados da literatura nacional, cujos resultados indicaram que, no Brasil, os regimes convencionais de insulinoterapia são mais comuns (Almeida et al., 2002; Dall'Antonia & Zanetti, 2000). Dentre os participantes que se submetiam ao regime de aplicação intensiva de insulina, a maioria apresentava crises de hipoglicemia de acordo com os comentários da equipe de saúde. Esse dado corrobora as considerações feitas pelo DCCT (1991; 1993) sobre regimes intensivos de aplicação de insulina, de que é comum que pacientes submetidos a essa terapêutica apresentem crises daquela natureza, necessitando de maior supervisão pelos cuidadores.

Apesar de todos os participantes terem nomeado corretamente as insulinas que estavam utilizando, apenas quatro relataram que sabiam descrever o tipo e a função das insulinas que utilizavam. Pode-se supor que esta faixa etária habilite a criança para o controle motor fino necessário ao manuseio dos instrumentos de aplicação da insulina; mas, ainda assim, não se pode descartar a necessidade de supervisão dos cuidadores e uma análise do repertório de comportamentos de cada criança, para avaliar suas demandas de aprendizagem especialmente para a aplicação de unidades variadas de insulinas ultrarrápidas (Nabors & Bartz, 2013).

Sobre os instrumentos utilizados para a aplicação da insulina, os dados obtidos a partir do Roteiro de entrevista sobre a insulina não confirmam a tendência apontada pela literatura nacional de que, na população brasileira, o instrumento mais utilizado seria a seringa (Dall'Antonia & Zanetti, 2000; Souza & Zanetti, 2000). Nesta amostra, seis participantes relataram utilizar somente a caneta injetora, e somente dois declararam utilizar somente a seringa. Estes dados apontam para uma atualização do acesso aos instrumentos pelos pacientes da rede pública de saúde, uma vez que a aplicação da insulina via caneta é mais recomendada (Maia & Araújo, 2002; Schmid, 2007) pela eficácia na medida e aplicação da insulina de forma menos aversiva. Todavia, a Lei Nº 11.347 (que regulamenta a distribuição dos insumos pela rede pública nacional) ainda garante somente a gratuidade para a distribuição de seringas.

Apenas uma participante relatou precisar de ajuda para fazer a aferição da glicemia. Todos os demais já o faziam com autonomia, o que é esperado para a faixa etária desta pesquisa (Ekim & Pek, 2010; Wysocki et al., 1990). Entretanto, somente quatro participantes declararam realizar a medida da glicemia dentro dos padrões recomendados pela SBD (2013c) e pela ADA (2012), com quatro ou mais aferições por dia. Dentre os participantes que mediam a glicemia de duas a três vezes ao dia, dois relataram que assim o faziam porque precisam "economizar" as fitas reagentes compatíveis com os equipamentos os quais utilizavam para aquele procedimento. O motivo alegado por ambos foi a interrupção do fornecimento pelo SUS, acontecimento já apontado pela literatura nacional (Almeida et al., 2002; Zanetti et al., 2001).

Apesar de os dados obtidos neste estudo sobre a autonomia dos participantes na realização das tarefas relativas ao seu tratamento – a maior parte das crianças declarou que se autoaplicava insulina e que fazia aferição da glicemia sozinha, por exemplo –, a maioria também apresentou valores elevados de A1c. Desse modo, sugere-se a oferta de intervenções que visem aprimorar esses repertórios de autocuidado em crianças na faixa etária da amostra em questão, incluindo a participação de cuidadores.

Considerando as informações obtidas sobre os comportamentos de adesão ao tratamento das crianças com DM1 em atendimento neste HU, esses dados, em primeira instância, podem contribuir para dar um feedback à equipe de saúde sobre os serviços que estão sendo ofertados às crianças e suas famílias e acerca de sua eficácia. Em segunda instância, podem contribuir para a compreensão das reais necessidades de investimento por parte do setor público em insumos para o tratamento do DM1 e em capacitação dos profissionais para auxiliar criança e família no gerenciamento desta doença.

Apesar de esta pesquisa ter fornecido dados sobre o perfil da adesão ao tratamento na faixa etária selecionada, a amostra foi pequena, o que compromete a generalização dos resultados para outras populações. Sugerese, desse modo, que sejam realizados estudos multicêntricos que incluam vários hospitais da região norte, de modo a efetuar um mapeamento mais fidedigno das práticas de adesão nessa região, assim como das necessidades de investimento público.

 

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1 Psicóloga, especialista em atenção à saúde da mulher e da criança - Universidade do Estado do Pará – Belém – Pará. E-mail: alinemaues.ufpa@gmail.com
2 Psicóloga, doutoranda em Teoria e Pesquisa do Comportamento - Universidade Federal do Pará – Belém – Pará. E-mail: alanamoreira@globo.com
3 Psicóloga, professora associada IV, orientadora no Programa de Pós-graduação em Teoria e Pesquisa do Comportamento - Universidade Federal do Pará – Belém – Pará. E-mail: eleonora_arnaud@yahoo.com.br

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