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Revista da SBPH

Print version ISSN 1516-0858

Rev. SBPH vol.25 no.2 São Paulo July/Dec. 2022

https://doi.org/10.57167/Rev-SBPH.v25.480 

PARTE II - INTERVENÇÕES PSICOLÓGICAS EM CUIDADOS PALIATIVOS

 

"Prefiro estar assim do que não estar": videochamadas como instrumento de humanização em Cuidados Paliativos

 

"I'd rather be like this than not be": video calls as an instrument of humanization in Palliative Care

 

 

Mabel Viana KriegerI; Mariana de Abreu MachadoII; Livia Costa de OliveiraIII; Karla Santos da Costa RosaIV; Alessandra Gomes SimõesV; Fernanda Araújo GonçalvesVI

IInstituto Nacional de Câncer - Rio de Janeiro/ RJ - mabelkrieger@gmail.com
IIInstituto Nacional de Câncer - Rio de Janeiro/ RJ - mariana.de.abreu.machado@gmail.com
IIIInstituto Nacional de Câncer - Rio de Janeiro/ RJ - Nutricionista - lillycostaoliveira@gmail.com
IVInstituto Nacional de Câncer - Rio de Janeiro/ RJ - kcostarosa@gmail.com
VInstituto Nacional de Câncer - Rio de Janeiro/ RJ - alessandra.servicosocial@gmail.com
VIInstituto Nacional de Câncer - Rio de Janeiro/ RJ - fernandapsi.goncalves@gmail.com

 

 


RESUMO

INTRODUÇÃO: A pandemia de Sars-Cov-2, disseminando globalmente a COVID-19, impactou radicalmente as estratégias de assistência à saúde. Nos Cuidados Paliativos oncológicos exclusivos, as restrições impostas pelos protocolos de controle da COVID-19 afrontaram diretamente alguns dos preceitos fundamentais desta prática, especialmente a participação da rede sociofamiliar nos cuidados à pessoa adoecida, bem como a prestação de cuidados da equipe assistencial às famílias
OBJETIVOS: analisar a percepção de familiares acerca da oferta de videochamadas com pessoas internadas em regime de isolamento por COVID-19
MÉTODO: foram realizadas entrevistas semiabertas via contato telefônico com 23 familiares. Os dados audiogravados foram trabalhados pela Análise de Conteúdo de Laurence Bardin e discutidos a partir de referenciais teóricos de humanização em saúde coletiva e da psicologia hospitalar
RESULTADOS: o material estudado resultou em quatro categorias de análise, "Percepção da Relação com a Instituição Através da Atividade de Videochamadas", "Os Sentidos na Relação de Cuidado", "Sentimentos Acerca da Experiência: Hospitalização, isolamento e Videochamada", e "Tempo e Despedida"
CONSIDERAÇÕES FINAIS: O estudo apontou para a relevância da inserção da psicologia no contexto multidisciplinar em Cuidados Paliativos. Foi constatada a possibilidade de, através de videochamada mediada por psicóloga paliativista, assegurar valores de humanização dos cuidados, permitindo integração e acolhimento familiar

Palavras-chave: cuidados paliativos; covid-19; humanização da assistência.


ABSTRACT

INTRODUCTION: The Sars-Cov-2 pandemic, globally spreading the coronavirus disease, radically impacted health care strategies. In exclusive oncological Palliative Care, the restrictions imposed by the COVID-19 control protocols directly affronted some of the practice's fundamental precepts, especially the participation of social and familiar network in the care of patients, as well as the heatlh professionals support of the families
OBJECTIVES: analyze the perception of family members about the offer of video calls with hospitalized patients in isolation by COVID-19
METHOD: semi-open interviews were conducted via telephone calls with 23 family members. The audio-recorded data were analyzed using Laurence Bardin's Content Analysis and discussed based on theoretical references of humanization in public health and hospital psychology
RESULTS: the studied material resulted in four categories of analysis, "Perception of the Relationship with the Institution through the Video Call Activity", "The Senses in the Care Relationship", "Feelings About the Experience: Hospitalization, Isolation and Video Call", and "Time and Farewell"
FINAL CONSIDERATIONS: The study pointed to the relevance of psychologists insertion in the multidisciplinary context of Palliative Care. It verified the possibility, through a video call mediated by a palliative psychologist, to assure values of humanization of care, allowing integration and care for the families

Keywords: palliative care; covid-19; assistance humanization.


 

 

Introdução

Desde março de 2020, o mundo encontra-se em estado de pandemia, declarado pela OMS, em virtude da disseminação global da doença COVID-19 (Coronavirus Disease 2019) causada pelo vírus Sars-Cov-2. O Brasil registrou seu primeiro caso da doença em fevereiro de 2020, e, desde então, o número de casos confirmados no país segue avolumando-se, superando, no período de dois anos, a casa dos 29 milhões de casos.

Por ser uma nova doença e inicialmente pouco compreendida, esforços tanto no sentido de investigação científica quanto de adaptações e ajustes nas práticas em saúde tornaram-se urgentes em todo lugar. Uma das prioridades destas investigações foi buscar entender o impacto da infecção pelo Sars-Cov2 sobre pessoas portadoras de outras doenças preexistentes, principalmente do rol de doenças crônicas. Reconhecendo o câncer como uma doença crônica que muitas vezes requer tratamentos mais agressivos, o paciente oncológico torna-se parte de um grupo mais suscetível a quadros moderados ou graves de Covid-19, aumentando também a taxa de mortalidade deste grupo.

Em situações em que as terapêuticas de combate ativo à doença oncológica são contraindicadas, seja pelo avanço da doença a despeito do tratamento, seja pelo agravo das condições clínicas, os Cuidados Paliativos ganham importância e constituem a estratégia terapêutica adequada. Esta modalidade assistencial tem como objetivo oferecer cuidados proporcionais, integrais e multidisciplinares para o alívio do sofrimento e da dor, além de outros problemas de ordem física, psicossocial e espiritual acarretados pelo adoecimento. Ela é utilizada em várias partes do mundo, comumente nos serviços que adotam o modelo hospice1. No Brasil, dentre os serviços que oferecem Cuidados Paliativos, o Hospital do Câncer IV, do Instituto Nacional de Câncer - INCA/HCIV - no Rio de Janeiro, é a instituição nacional com o maior número de leitos hospitalares, além de oferecer cuidados ambulatorialmente ou em assistência domiciliar para os pacientes encaminhados das diversas clínicas oncológicas do INCA.

Pacientes em Cuidados Paliativos podem ter maior ou menor sobrevida, de acordo com o tipo de câncer e grau de avanço da doença. Alguns estudos sugerem que a implementação precoce dos cuidados paliativos, complementar ao tratamento ativo de combate à doença, pode contribuir para uma melhor sobrevida (Temel et al., 2010). Contudo, diante da evolução da doença, observa-se um aumento da necessidade de hospitalização para suporte especializado com possível evolução para cuidados ao fim de vida. A equipe paliativista possui expertise técnica para manejar as necessidades características deste momento de vida das pessoas, possibilitando dignidade do processo de morrer. Diante disto, faz-se necessário o apoio de uma equipe especializada de profissionais com ênfase nesta modalidade de cuidados, com objetivo na humanização da assistência e do suporte na internação hospitalar e, em especial, no processo de morte (WHO, 2018). A associação da infecção por Sars-Cov-2 ao quadro de câncer avançado aumenta significativamente para esse grupo o risco de uma sobrevida ainda menor (Thuler & Melo, 2020).

A pessoa portadora de câncer avançado em Cuidados Paliativos necessita e possui o direito de ser bem acolhida e cuidada, e de ter suas necessidades físicas, emocionais e psicossociais atendidas (FIOCRUZ, 2020). Contudo, a incidência do adoecimento por COVID-19 implicou na exigência de medidas que, por vezes, se contrapõem diretamente aos princípios dos Cuidados Paliativos. A díade paciente-família constitui a unidade de cuidados em Cuidados Paliativos. É importante "usar uma abordagem interdisciplinar para acessar necessidades clínicas e psicossociais dos pacientes e suas famílias, incluindo aconselhamento e suporte ao luto" (INCA, 2021). A atuação da Psicologia em Cuidados Paliativos é reconhecida, valorizada e estimulada, uma vez que pode contribuir para a integralidade da assistência baseada nestes princípios.

O confinamento a que pacientes têm de ser submetidos, inclusive em fase de fim de vida, em virtude das exigências sanitárias impostas pela pandemia de COVID-19, impactam tanto na resposta emocional dos pacientes quanto na de seus familiares e cuidadores. A maior vulnerabilidade gerada por uma doença crônica associada a uma aguda, pouco conhecida e acrescida da imposição de condições de isolamento social exigiu a reformulação de práticas no âmbito dos Cuidados Paliativos, visando à garantia, por um lado, do respeito à dignidade e ao vínculo afetivo produtor de cuidado em saúde, e, por outro, à oferta de modalidades de contato seguro entre pacientes e familiares como uma das medidas adotada pelos hospitais para evitar a propagação do vírus no ambiente hospitalar (Freitas et al. , 2020).

É crescente o número de estudos e publicações que investigam e descrevem como instituições e serviços de saúde tem utilizado as Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) com o objetivo de melhorar a eficiência, a segurança e a qualidade do atendimento clínico. A maioria dos estudos sobre o tema aborda os benefícios das TICs no âmbito da telessaúde, o que abrange o uso destas tecnologias tanto para serviços assistenciais quanto para atividades de capacitação e treinamento das equipes multidisciplinares (Leung K et al., 2019; Allsop, Taylor, Mulvey, Benett, Bewick, 2015). A partir do estado de pandemia, grande parte dos serviços de saúde precisou formular estratégias de atendimento remoto, a fim de minimizar a distância física imposta pelas medidas de distanciamento social (Grange et al., 2020; Wakan, Montgomery, Biesterveld, Brown, 2020). Desta forma, a discussão sobre o papel deste recurso para a humanização dos cuidados em saúde no ambiente hospitalar é um campo recente, mas que vem ganhando relevância.

O processo de adoecimento e a necessidade de hospitalização geram sentimentos de ansiedade e medos, que mobilizam respostas de defesa, adaptação e ajustamento (Botega, 2012). A internação hospitalar engendra estresse e a presença de familiares e/ou cuidadores durante esse período favorece a amenização do mesmo. Sendo assim, no contexto dos Cuidados Paliativos, a permanência de familiares/cuidadores durante a hospitalização sempre foi incentivada. Todavia, em decorrência das condições sanitárias que impõem o isolamento dos pacientes hospitalizados, o uso de TICs para a realização de videochamadas entre pacientes internados e familiares/cuidadores pode oferecer um recurso capaz de tranquilizar ambos os sujeitos da unidade de cuidados, promover redução do estresse emocional, além de garantir a proteção de privacidade se utilizado adequadamente (Nardo et al., 2021). Negro et al. (2020) apontam que a comunicação eficaz melhora a satisfação da família, a confiança na equipe e o bem-estar psicológico dos membros familiares.

Com o advento da pandemia, o HCIV/INCA procurou manter como premissa de cuidados a rotina assistencial de avaliação multidisciplinar para todos os pacientes em isolamento. Buscou-se, com isso, sustentar o princípio de integralidade do cuidado, oferecendo para estes pacientes não apenas a atenção, básica e essencial, médica e de enfermagem, mas também a avaliação e a abordagem psicológica, que constituiu um dos pilares da estratégia das videochamadas.

Desta forma, foi possível identificar o desejo de pacientes e familiares em estabelecerem contato entre si durante o período de internação, bem como também puderam ser avaliadas as condições de viabilidade desta comunicação através de chamadas de vídeo - condições clínicas do paciente, recursos para a realização desta atividade (equipamento, profissionais disponíveis e treinados, etc.) As videochamadas passaram a ser oferecidas às famílias e aos pacientes em isolamento, e, diante do aceite e da possibilidade de viabilizar a ligação, agendados dia e horário para a chamada via aplicativo de vídeo.

Neste contexto, a equipe de psicologia em atuação interdisciplinar assumiu papel mediador na estratégia de comunicação com as famílias dos pacientes em situação de isolamento devido à COVID-19, bem como entre a tríade família-paciente-equipe multiprofissional. As videochamadas entre pacientes e familiares foram mediadas pela psicóloga de referência da enfermaria, identificando a indicação e benefícios possíveis desta estratégia para cada unidade de cuidado - paciente e família - e para intervenção de apoio quando necessário.

Diante do exposto, o presente estudo teve por objetivo avaliar o uso de TICs como ferramenta de comunicação entre familiares e pacientes com câncer avançado em cuidados paliativos internados no HCIV/INCA em isolamento devido à suspeita ou confirmação de infecção da COVID-19, para a promoção da humanização do cuidado e redução do sofrimento possível.

 

Método

Este estudo é o resultado de um dos eixos do projeto de pesquisa intitulado "Incorporação de Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) pela realização de chamadas via aplicativo de vídeo como componente da humanização da assistência a pacientes com câncer avançado internados com a COVID-19 numa Unidade de Cuidados Paliativos exclusivos", cadastrado no sistema CEP/CONEP sob o CAAE 31053220.0.0000.5274 e aprovado pelo Comitê de Ética do INCA no parecer de n° 4.025.454 de 13 de maio de 2020. Este projeto teve caráter multi e interdisciplinar, com a participação de diversos profissionais envolvidos nos cuidados diretos aos pacientes com o perfil estudado.

O que ora apresentamos trata-se do resultado do eixo qualitativo desta pesquisa, conduzido majoritariamente por profissionais de psicologia, serviço social e nutrição. Além da relevância temática do estudo em si, este trabalho apresenta a inserção da profissional de psicologia em uma discussão de caráter interdisciplinar a partir da atuação hospitalar construída na interlocução com as categorias profissionais envolvidas.

A intervenção estudada neste âmbito da pesquisa foram videochamadas realizadas para pacientes em situação de isolamento durante internação hospitalar e seus familiares, atividade implementada pela psicóloga do setor. Com a necessidade de adaptações na rotina de atendimentos para garantir a integralidade do cuidado, a atuação da psicologia neste contexto acentuou seu caráter mediador das relações de cuidado no hospital. Para organização das videochamadas, a primeira ação relevante é o contato com os demais profissionais da equipe para recolher informações sobre as condições gerais dos pacientes, de modo a auxiliar as famílias, durante as chamadas de vídeo, a compreender aquilo que estão observando. Em segundo lugar, a avaliação presencial dos pacientes em isolamento e por teleatendimento dos familiares envolvidos, do ponto de vista psicológico, emocional e afetivo, para compreender a dinâmica relacional entre eles, e identificar o desejo de cada um por este tipo de contato, bem como acessar, de forma segura, possíveis benefícios ou prejuízos da realização deste contato virtual - contraindicando a intervenção quando necessário.

Este estudo foi realizado, portanto, para avaliar a percepção dos familiares de pacientes internados em regime de isolamento devido à COVID-19 em relação ao uso de TICs (videochamadas realizadas por meio de tablets) para a comunicação entre eles. Para esta pesquisa de caráter qualitativo, foram elegíveis todos os familiares de pacientes internados no HCIV/INCA em regime de isolamento, no período de março a julho de 2020, com síndrome respiratória aguda grave (SRAG) e/ou outros sintomas associados, suspeitos ou confirmados de infecção pela COVID-19, e que tenham se comunicado com os pacientes por meio de videochamada mediada pela psicóloga da equipe.

A primeira abordagem com os familiares para fins deste estudo foi feita por meio de ligações telefônicas onde as pesquisadoras explicaram a proposta da pesquisa, seus objetivos e os convidaram para uma entrevista. Aqueles que aceitaram ser entrevistados, deram sua autorização por meio do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e tiveram agendamento de dia e horário para sua realização.

Em seguida, foram realizadas entrevistas semiabertas por pesquisadoras treinadas, por meio de ligações telefônicas audiogravadas, no período pós-alta ou óbito dos pacientes, ao longo dos meses de julho e agosto de 2020. As entrevistas foram guiadas por roteiro constituído por cinco perguntas sobre o impacto das videochamadas na perspectiva dos familiares.

O total da amostra perfez 40 famílias. Após explicação da pesquisa e convite para participação, 23 familiares aceitaram/consentiram em ser entrevistados. Dentre os demais familiares incluídos no estudo, dois (02) aceitaram e logo após retiraram o aceite, quatro (04) recusaram sem motivos, outros quatro (04) recusaram alegando que não gostariam de participar por ligação de áudio; ao saberem ser pesquisa sobre Covid; demonstraram insegurança para participação na pesquisa; ou por estar bastante mobilizado pela perda do familiar. Ainda outros três (03) após aceitarem o convite para a pesquisa não responderam mais as ligações; com dois (02) não foi possível nenhum contato e dois (02) familiares estavam com número de telefone incorreto na ficha de contato.

Para o tratamento dos dados colhidos nas entrevistas utilizamos as ferramentas metodológicas da Análise de Conteúdo conforme Bardin (1977). As informações levantadas pela pesquisa puderam ser discutidas de modo a favorecer as reflexões e entendimento dos usuários do serviço de saúde sobre as condições experimentadas durante a internação hospitalar relacionada à COVID-19. No quadro abaixo apresentamos a relação dos achados da pesquisa com as inferências realizadas a partir das categorias de análise levantadas.

 

Quadro 1

 

Resultados e Discussões

O campo das ciências biomédicas assistiu a um intenso desenvolvimento tecno-científico, já posto em andamento em meados do século XIX, e cada vez mais acelerado e valorizado ao longo do século XX. O debate sobre as práticas da biomedicina levantado por autores como Canguillem (1966/2009), a partir da década de 1960, serviu como um ponto de partida para discussões que denunciam o distanciamento nas relações interpessoais entre profissionais de saúde e pacientes como um processo de 'desumanização' das práticas de cuidado em saúde, nas quais o profissional clínico passou a ser treinado para considerar mais o ponto de vista fisiológico e o seu próprio conhecimento técnico-científico sobre o tema do que o ponto de vista, a narrativa, do próprio paciente. Desta forma, a discussão acerca da humanização em saúde tem como pano de fundo o desenvolvimento de práticas de cuidados em saúde que, historicamente, voltaram seu olhar para as capacidades e potências das tecnologias duras (Merhy, 1997), negligenciando, em um ou mais níveis, a relação que se estabelece entre profissionais de saúde, pacientes e seus familiares, juntamente a seus aspectos sociais, psicológicos e subjetivos.

Deslandes (2006) aponta para fatores de ordem estrutural que podem contribuir para este processo de desumanização em saúde. Estes fatores têm suas raízes na lógica da ciência biomédica, que organiza tanto a formação técnico-científica dos diversos atores no campo da saúde, quanto os próprios serviços de atenção em saúde. Afirma a autora:

As propagadas neutralidade e objetividade biomédica, que teriam a função de prover melhor discernimento na tomada de decisões, poderiam gerar interações frias e distanciadas com os pacientes (...) 'Tratar as pessoas como coisas', vê-las 'como problemas' e tratá-las de forma objetiva e distanciada são consequências evidentes de uma racionalidade científica específica, manifesta no modo como a medicina constrói seu objeto e sua identidade como prática social. (Deslandes, 2006, p.39).

Devemos considerar ainda o conceito de humanização como fundamento de políticas públicas em saúde na organização social do nosso país. Estabelecida como uma política orientadora para o SUS, a Política Nacional de Humanização (PNH) estabelece a humanização em saúde como um "eixo norteador das práticas de atenção e gestão em todas as instâncias do SUS" (Brasil, 2004). No texto desta diretriz "Humanizar é, então, ofertar atendimento de qualidade articulando os avanços tecnológicos com acolhimento, com melhoria dos ambientes de cuidado e das condições de trabalho dos profissionais" (Brasil, 2004, p. 6).

Na medida em que os protocolos de segurança biológica exigidos em caráter emergencial pelo advento da pandemia de COVID-19 poderiam resultar em desumanização da assistência prestada a pacientes e familiares, a reorganização de um serviço de cuidados paliativos oncológicos exclusivos com a inclusão de videochamadas entre pacientes em isolamento e seus familiares, e mediadas pela equipe de saúde, mostrou-se em consonância com as definições e premissas do que se entende por humanização das práticas em saúde. Este entendimento foi avaliado pela pesquisa ora apresentada, cujo material pôde, após tratamento analítico, ser conformado em quatro grandes categorias, como apresentamos a seguir.

Percepção da Relação com a Instituição Através da Atividade de Videochamadas.

De acordo com Deslandes (2006), a humanização da saúde pode ser entendida nos termos de um movimento instituinte do cuidado e que promove a valorização da intersubjetividade das relações. No âmbito do Sistema Único de Saúde brasileiro (SUS) essas relações atravessam vários níveis, desde as relações 1:1, pessoa a pessoa, envolvendo o cuidado direto da profissional de saúde à paciente, até as relações que pacientes e familiares estabelecem com as instituições onde seus tratamentos se desenvolvem.

No contexto hospitalar, a psicóloga investiga os aspectos psicológicos em torno do adoecimento, ou seja, analisa as manifestações da subjetividade diante da doença, tais como sentimentos, pensamentos, comportamentos, desejos, fantasias, crenças, sonhos, valores, conflitos, estilos de vida e estilos de adoecer (Simonetti, 2011). Angerami-Calmon (2010) aponta para o papel mediador da profissional de psicologia nas relações que se estabelecem entre os diversos atores no contexto hospitalar. Desta forma, no que diz respeito à inserção das TIC's na rotina hospitalar através da atuação da psicologia e alavancada pelo advento da pandemia no Brasil em 2020, nossa pesquisa demonstrou impacto significativamente positivo sobre as relações de pacientes e familiares com as profissionais envolvidas nos cuidados das pessoas em situação de isolamento. Isto aparece de forma evidente nas falas das entrevistadas:

"mesmo que tenha poucos... eh... funcionários, né, enfermeiros, mas eu acho que foi um ponto muito positivo pra....pras pessoas que...que tão aí internadas... e... como eu falei, mesmo não tendo pessoas suficientes, sendo muitos pacientes internados, eh... foi uma ótima ideia e uma ótima iniciativa" (E15)

Além disso, ficou expressa a influência desta atividade sobre a percepção da relação das famílias com a instituição como um todo, enquanto gerente e agenciadora da promoção deste cuidado, conforme constatamos em inúmeros relatos:

"Eu achei que isso é um procedimento que vocês devem permanecer independente de pandemia. () Mas eu me senti... assim... eu senti que o hospital deu muita importância em dar satisfação ao familiar () eu acho que vocês deviam permanecer com isso independente de pandemia, porque tem muita gente que tem familiar longe, né?" (E1)

Ainda dentro desta categoria de análise, podemos também destacar a valorização das famílias sobre esta atividade, invariavelmente apontando para a necessidade de que seja dada continuidade a esta estratégia de cuidado.

Se, por um lado, a entrada das tecnologias na esfera dos cuidados em saúde já foi muitas vezes denunciada como agente de desumanização (Maciel-Lima & Paraná, 2004), na medida em que estas tecnologias foram sendo usadas como substitutas das relações interpessoais, foi possível, através das videochamadas, ressignificar o uso das TIC's para uma proposta de reaproximação entre os envolvidos no processo de produção de cuidado em saúde. A tecnologia, neste sentido, ainda ocupa um lugar de mediadora das relações, porém não atuando como elemento de distanciamento, mas como um recurso que viabiliza o contato, a proximidade, que reestabelece a relação e valoriza os vínculos afetivos.

"Acho uma oportunidade ímpar, né? Graças a Deus nós temos a tecnologia a nosso favor e nos devemos aproveitar. () Eu acho a videochamada muito boa, muito interessante. Achei que foi muito bem feita, muito bem planejada. Ligaram antes pra gente se programar, pra gente ter tempo de achar um lugar correto, todo muito tranquilo... se preparar pra aquele-, pra aquele momento, né, que é impactante. Eu acho que foi perfeito. Perfeito. Eu não tenho nada a acrescentar de melhora. Pra mim foi ótimo. (E9)"

Os Sentidos na Relação de Cuidado

A dimensão ideológica do conceito de humanização em saúde toma como condições necessárias à humanização que se considere o valor intrínseco da vida humana, que as pessoas sejam consideradas em sua integralidade e que seja reconhecida a insubstituibilidade de cada ser humano. Dentro desta perspectiva emerge, ao longo da análise do material colhido nas entrevistas desta pesquisa, questão relativa ao papel dos sentidos nas relações de cuidados, com acentuado destaque para a visão e a audição.

"Eu tenho certeza que ela ouviu, né, mas não podia se expressar. Mas, eu tenho certeza que ela ouviu tudo o que a gente pode falar na videochamada. Tenho certeza que ela descansou agora e sabe, né, que como eu falei pra ela na videochamada que eu ia cuidar de tudo, que ela poderia descansar em paz. () Foi um contato que a gente pôde ver a minha mãe, pôde ver que ela tava /(estava)/ ainda respirando, pode ver que ela ouviu o que a gente passou pra ela na videochamada. Foi muito importante, né? () pra poder se sentir um pouco ali presente junto com aquela pessoa, né, mesmo que a pessoa, o paciente não esteja vendo, né, não esteja podendo se movimentar, sei lá, eh, ter um contato mais físico, mas esteja ouvindo, né, pelo menos, a voz do familiar e saber que não está sozinho, né. Então, isso foi muito importante pra minha família, sim" (E4)

Relações de cuidado, especialmente no contexto de doença oncológica avançada, usualmente envolvem maior grau de dependência e intimidade entre a pessoa cuidada e suas cuidadoras. É grande o tempo que passam em situações que pressupõem estímulos sensoriais múltiplos; no ato de alimentar o outro, nos cuidados higiênicos com o corpo, no auxílio à locomoção, no sentar-se e no deitar-se, estão em jogo os sentidos, especialmente o tato e a visão. O contato corporal é frequente, a escuta deve permanecer atenta aos detalhes, para atender às necessidades. A cuidadora torna-se, muitas vezes, a sustentação da pessoa cuidada, garantindo-lhe segurança e proteção.

Num contexto de adoecimento em que a dupla morbidade - câncer avançado e infecção por COVID-19 - gera uma ruptura abrupta desta relação íntima e sensorial de cuidado, em virtude da exigência do isolamento, identificamos em nossa pesquisa como o recurso de videochamadas via TIC's tornou-se uma estratégia de resgate desta possibilidade de contato, em que os sentidos da visão e da audição tomaram caráter preponderante na percepção da qualidade do cuidado às pessoas isoladas.

"Então, quando você não vê o ente querido, realmente, eh..., você fica muito aflito e a possibilidade de ver, né, pode ser pra você ficar mais tranquilo vendo a pessoa ali, porque passa várias coisas na sua cabeça" (E9)

Outro aspecto significativo que emergiu nas falas das familiares entrevistadas diz respeito à sensação de segurança e de confiança no cuidado realizado pela equipe hospitalar, estimulada pela possibilidade de ver as condições em que a pessoa internada em isolamento se encontrava. A segurança apareceu frequentemente associada a sentimentos como alívio e tranquilidade no relato das famílias.

Por fim, frequentemente, familiares associaram a experiência de ver e ouvir, e de serem vistas e ouvidas pelos pacientes a repercussões positivas sobre a saúde tanto física quanto mental dos pacientes, promovendo bem-estar, alívio de sofrimento, sentimento de amparo e melhora na resposta aos tratamentos médicos. A imagem e a voz de familiares aparecem como um recurso de fortalecimento e estímulo ao enfrentamento positivo do período de hospitalização em isolamento.

"Eu achei muito importante, eh... principalmente... de ouvir a voz de uma pessoa da família, de um parente, né? E... eu acho que foi importante pra ele, mesmo ele não podendo... responder, por estar muito debilitado. () Eh... na videochamada eu comentei, que era para ele se manter forte, esperançoso, que tudo ia dar certo, passei muita positividade. Eu acho que isso é muito importante pro paciente já que ele não pode ver ninguém da família, nem ouvir a voz de uma pessoa conhecida, né? () E também pro familiar que pode... ver como ele tá e passar pros outros o que achou dele, como ele estava, como ele reagiu... Eu acho que isso foi muito importante". (E15)

Sentimentos Acerca da Experiência: Hospitalização, isolamento e Videochamada.

Seguindo com as definições de humanização e desumanização da saúde que viemos adotando nesta discussão, entendemos que o próprio processo de hospitalização, em qualquer circunstância, pode ser em si mesmo já um mecanismo produtor de desumanização, na medida em que envolva ambientes estáticos e estéreis, e que comporte práticas baseadas no modelo biomédico, que negam a subjetividade da pessoa adoecida, focando exclusivamente no adoecimento, ou pior, na doença que a pessoa carrega em si.

Práticas hospitalares assim conformadas abordam as pessoas não em sua integralidade, mas as tomam como 'problemas', destituindo-as de seu valor intrínseco, singular, e fragmentando as estratégias de cuidado, dentro de uma lógica mecanicista que olha apenas para as partes, ignorando o funcionamento sistêmico da totalidade da pessoa humana e de sua interrelação com o meio e com a cultura. Neste contexto, o isolamento e as restrições de convívio afetivo que muitas vezes são características de determinadas situações de hospitalização são percebidas por pacientes e familiares como situações desumanizadoras.

Os Cuidados Paliativos propõem uma abordagem holística, cujo cuidado centra-se no binômio paciente-família, compreendendo a participação familiar nas estratégias de produção de cuidado como fundamental e indispensável, mas também, considerando as familiares cuidadoras como beneficiárias do cuidado oferecido por uma equipe interdisciplinar. Portanto, a experiência do grupo familiar acerca do adoecimento e da situação de hospitalização se torna elemento significativo na organização da estratégia de cuidado a ser oferecida. As visitas virtuais através das videochamadas aliviam a solidão dos pacientes internados em isolamento e a preocupação das famílias, bem como ajudam na construção de uma relação de confiança com a equipe de saúde (Ficher et al. 2021).

"Eh... pra o familiar que fica longe do ente querido, é uma experiência agonizante, terrível mesmo. () Foi uma experiência muito boa, muito satisfatória pra minha família [o contato através da videochamada]. () É um sentimento conflitante, né?" (E9)

Com a imposição de manterem-se distantes fisicamente de seus familiares internados, e alijadas da possibilidade de lhe oferecerem um cuidado direto, presencial, as famílias experienciam uma grande ambiguidade de sentimentos com relação à oportunidade de contato por videochamada com pacientes em isolamento. Familiares que têm pessoas internadas em regime de isolamento experimentam angústia, referem incerteza diante do tipo de cuidado que pode estar sendo oferecido ao seu parente, e um misto de culpa e apreensão por não ser ela ou ele a pessoa que está diretamente responsável pelos cuidados. Fantasiam acerca da percepção dos pacientes sobre a situação, imaginando que estes se acreditam desamparados, abandonados pela família, o que intensifica o sofrimento de todos.

Além disso, em virtude das relações hierarquizadas entre os profissionais de saúde e as famílias, muitas vezes as comunicações se dão sem que o familiar cuidador consiga as respostas que efetivamente deseja sobre as condições da pessoa internada. Algumas familiares apontam para uma discrepância entre o que lhes é dito - informações de caráter clínico, dadas de forma objetiva e normativa - e o que realmente gostariam de saber - aspectos subjetivos da experiência de internação e isolamento de seu familiar: reações emocionais, menções à família, atitudes e comportamento. O relato a seguir sintetiza de forma clara e abrangente os sentimentos experimentados pelas familiares diante desta situação:

"E... a sensação que você tem quando te é tirada a possibilidade de vivenciar, de vê-la, de falar com ela, é de que ela foi... abandonada e de que ela tá sem atendimento, você não sabe se... se ela tá sendo tratada e... se as informações que você tem são reais ou se tão sendo escondidas algum tipo de informação do estado dela. Então poder vê-la, além de...da...do contato, da saudade, né... é uma segurança de que ela está sendo cuidada () Então, eh...assim... a possibilidade de... desse contato, realmente, foi tudo. Fez a diferença... eh... eu acho que foi a primeira noite que eu dormi, eh...foi depois dessa chamada, porque eu não consegui dormir, imaginando o que tava acontecendo, acordava pensando se ela tava com frio, tava sem meia, tava sem comer, enfim...e... e que-... só aquela ligação de alguns minutos, acho que mudou a minha vida, sério. Foi...essencial () Então, eu acho que a minha vida vivia muito em torno de ter informações dela, de saber como ela tava. E, nem sempre, eh... porque às vezes, assim, a resposta que vinha era bem médica, olha, ela tá estável, os exames, a temperatura, né, os sinais vitais estão bem e... você não, assim, eh... você não consegue...eh... ter uma...uma...uma informação de como é o que a gente quer...a família. Como é que ela tá, sabe? Ela dormiu? Ela tá comendo? Como é que ela tá passando o dia? Ela tá conseguindo dormir? Ela tá contida? () E... então, isso vai gerando uma angústia... porque... eu, enquanto filha, não quero só saber como é que ela tá... respondendo ao tratamento, eu quero saber como ela tá... emocionalmente, como é que ela tá sendo tratada, como é que ela tá...qual é o conforto que ela tem, entendeu?" (E5)

A partir dos relatos colhidos com estas familiares foi possível estabelecer a importância desta estratégia de cuidado - a mediação da comunicação entre pacientes em isolamento e seus familiares por videochamada - como um recurso de cuidado ao binômio paciente-família, com efeito terapêutico sobre sintomas como angústia, ansiedade e insônia, que foram comumente relatados pelas familiares cuidadoras.

Tempo e Despedida.

Uma última categoria elaborada a partir da análise dos relatos diz respeito à percepção da temporalidade para os pacientes e suas famílias. Uma vez que recebem o diagnóstico de incurabilidade da doença oncológica, é comum que pacientes e familiares passem a orientar suas relações em função do tempo: quanto tempo mais teremos juntos? Quanto tempo há para realizar o que desejo? Para resolver pendências? Para acompanhar os momentos significativos de minha família? Nascimentos, casamentos, formaturas, etc, terão a presença daquela pessoa que amamos?

Muitas vezes o diagnóstico oncológico e o prognóstico de doença limitadora da continuidade existencial vem antecedido justamente de um período de hospitalização, em que parte ou mesmo toda a família não pode estar presente acompanhando a pessoa nesta fase do adoecimento. A situação de isolamento na internação hospitalar imposta pelas condições da pandemia veio agravar o impacto deste distanciamento sobre pacientes e famílias, em alguns casos aumentando enormemente o tempo em que ficaram incomunicáveis entre si, em outros, impondo uma ruptura da rotina de cuidados, antes integralmente executada pela cuidadora familiar, que então se via impossibilitada sequer de estar ao lado da pessoa familiar adoecida.

Além do tempo passado sem contato com a pessoa internada, a condição da terminalidade impõe nesses casos uma preocupação adicional: a da despedida. Diante de um quadro suspeito ou confirmado de COVID-19 para pacientes em cuidados paliativos oncológicos exclusivos, num contexto em que o índice de morbimortalidade relativo à pandemia é notoriamente alto, estas famílias se deparam com o risco da perda iminente, antecipando o processo de luto.

"Inclusive, o último contato nosso, foi através de chamada de vídeo, entendeu? Então... pra mim foi bastante importante. () se não fosse esse vídeo, eu teria ficado mais de um mês sem falar com mamãe, nem ia ter a oportunidade de ter uma despedida." (E1)

Silva e Machado (2022, p.175) ressaltam que a realização de videochamada "contribui para que não se perca o foco na minimização do sofrimento evitável desses pacientes e de seus familiares e na promoção da qualidade de vida e de morte". As autoras também destacam que esse dispositivo pode ser a única chance de despedida entre eles, num cenário em que os familiares se deparam com a impossibilidade de realizar rituais fúnebres que contribuem para a elaboração da perda, deparando-se, portando, com um fator complicador para o processo de luto.

Franco (2021) afirma que, com a pandemia da COVID-19, o luto vivenciado no mundo assumiu proporções nunca imaginadas. A falta ou a severa restrição dos rituais fúnebres "representaram a ausência de um fechamento e de uma concretude tão necessários para esse processo" (Franco, 2021, p.42).

Muito tem-se discutido o impacto das condições de isolamento e das inúmeras restrições impostas pela pandemia que nos assola desde 2020 nos rituais de fim de vida da nossa sociedade, bem como no luto individual e coletivo. A proibição de alguns rituais afetivos e religiosos de despedida, que contribuem para a elaboração da perda por morte de alguém amada, pode ter efeitos deletérios significativos no processo de luto de familiares e amigos de pacientes que falecem em decorrência da COVID-19. Os ritos fúnebres, presentes desde as sociedades mais primitivas, "favorecem a mudança de papel e permitem a transição do ciclo de vida, além de contribuírem para a maturação psicológica, possibilitando a manifestação pública do pesar" (Oiveira, 2022, p. 104-5).

 

Conclusão

Podemos pensar o uso do dispositivo da videochamada na comunicação entre pacientes em isolamento devido à COVID-19 e suas famílias mediada por uma psicóloga como uma estratégia de intervenção clínica que visa à proteção à saúde mental dessa unidade de cuidado e à redução de danos diante da situação de grave crise sanitária representada pela pandemia.

Estudos iniciais sobre o impacto da pandemia da COVID-19 na saúde mental da população revelaram piora na qualidade do bem-estar mental, com aumento de sintomas depressivos, ansiosos e insônia (Gallucci-Neto, Brunoni e Valiengo, 2022). Cabe também ressaltar que os efeitos deletérios à saúde mental causados pela pandemia tendem a perdurar por bastante tempo.

Foi possível constatar a partir da narrativa das familiares entrevistadas efeitos positivos no tocante à construção de uma relação de confiança entre paciente-família e equipe multipriofissional, base para o alcance de um cuidado centrado nas reais necessidades do núcleo de cuidado, já profundamente ameaçado em sua integridade pela condição disruptiva representada pela pandemia.

Longe de esgotar o tema, as ideias discutidas neste artigo pretendem abrir espaço para a reflexão sobre estratégias de cuidado que contribuam para a promoção da dignidade do morrer, mesmo em contextos dramáticos como o da pandemia de COVID-19. O cenário pandêmico, que modificou o mundo presumido e balançou os alicerces dos cuidados em saúde, resultou no desenvolvimento de saídas inventivas para a continuidade da oferta da assistência integral e humanizada aos usuários dos serviços de saúde. A videochamada aparece como um dispositivo eficiente e acessível para a garantia de uma comunicação afetiva e cuidadosa entre paciente e familiares, fortalecendo os vínculos sociofamiliares. Acreditamos que, seu uso, como sinalizado por algumas entrevistadas, possa extrapolar o contexto da pandemia e beneficiar pacientes com outras patologias que não a COVID-19 e em diversas outras condições de hospitalização. Este recurso tecnológico contribuiu para aproximar as famílias das equipes de saúde e, assim, permitiu a construção de uma relação de confiança entre esses atores do processo de cuidado, outro elemento-chave para o fortalecimento da humanização em saúde. Consideramos que também seja uma ferramenta que contribui para a prevenção de complicação do processo de luto por permitir despedidas, resolução de alguns conflitos, assim como o testemunho e a legitimação do sofrimento por parte da psicóloga assistente.

 

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Mabel Viana Krieger - Psicóloga - Mestre em Bioética, ética aplicada e saúde coletiva - Fundação Oswaldo Cruz.
Mariana de Abreu Machado - Psicóloga- Mestre em Saúde Pública / Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca - Fundação Oswaldo Cruz.
Livia Costa de Oliveira - Nutricionista - Doutora em Ciências Nutricionais - Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Karla Santos da Costa Rosa - Nutricionista - Mestre em Oncologia/Programa de Pós Graduação em Oncologia - Instituto Nacional de Câncer .
Alessandra Gomes Simões - Assistente Social - Pós graduada em Terapia da Família (Universidade Cândido Mendes) e Especialista em Diretos Humanos e Saúde - Fundação Oswaldo Cruz.
Fernanda Araújo Gonçalves - Psicóloga - Graduação em Psicologia/Universidade Estácio de Sá. Bolsista de aperfeiçoamento do Instituto Nacional de Câncer.
1 O modelo hospice de cuidados, baseado na filosofia de mesmo nome, foi desenvolvido em sua forma contemporânea por Cicely Saunders. Para maiores informações, ver https://cicelysaundersinternational.org/

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