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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.14 no.3 São Paulo Dec. 2012

 

ARTIGO ORIGINAL

 

Famílias recasadas: mudanças, desafios e potencialidades

 

Remarried families: changes, challenges and potentialities

 

Famílias recasadas: cambios, desafíos y potencialidades

 

 

Juliana Monteiro Costa; Cristina Maria de Souza Brito Dias

Universidade Católica de Pernambuco, Recife – PE – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O objetivo desta pesquisa foi investigar a experiência de pessoas que tinham, no mínimo, dois anos de recasamento. Participaram cinco mulheres e três homens, residentes na cidade do Recife e com filhos do casamento anterior, quer fossem biológicos ou adotivos. Foi utilizada uma entrevista semidirigida, a partir de um roteiro estabelecido. Analisaram-se seis temas de acordo com a técnica de análise de conteúdo temática: motivação para o recasamento, tempo decorrido entre as uniões, adaptação dos filhos à nova família, administração da família, sentimentos experimentados e expectativas para o futuro. Pode-se concluir que os quatro primeiros anos de convivência são bastante delicados, exigindo do casal e dos seus filhos maior flexibilidade e paciência para alcançar uma integração familiar. Embora os membros dessa nova configuração apontem dificuldade quanto ao exercício de seus papéis, as famílias recasadas apresentaram grandes potencialidades como unidades promotoras de saúde e satisfação para seus integrantes.

Palavras-chave: casamento; interação pais-filhos; família reconstituída; composição familiar; relacionamento familiar.


ABSTRACT

The aim of this research was to investigate the experience of people who were remarried for at least two years. Participants were five women and three men with biological or adopted children from a previous marriage, who lived in Recife city. A semi-structures interview was applied following a pre-established guide. Six themes were analyzed according to Thematic Content Analysis Technique: motivation to remarriage; time between unions; children adaptation to the new family; family administration; experienced feelings and future expectations. Can be conclude that the four first years of living together are especially delicate, demanding greater flexibility and patience from the couple and their children in order to achieve family integration. Although members in this new configuration point to difficulties regarding their roles, remarried families present great potentialities as health and satisfaction promoting units for these people.

Keywords: marriage; parent-child interactions; reconstituted family; family composition; family relationship.


RESUMEN

El objetivo del trabajo fue investigar la vivencia de personas que tenían, por lo menos, dos años de recasamiento. Participaron cinco mujeres y tres hombres, radicados en Recife y con hijos del casamiento anterior, tanto biológicos como adoptivos. Fue utilizada una entrevista semi– dirigida, a partir de un guión establecido. Fueron analizados seis temas según la técnica de análisis de contenido temático: motivación para el recasamiento; tiempo transcurrido entre las uniones; adaptación de los hijos a la nueva familia; sentimientos experimentados y expectativas para el futuro. Se puede concluir que los cuatros primeros años de convivio son muchísimo delicados, exigiendo de la pareja y de sus hijos una mayor flexibilidad y paciencia para lograr la integración de la familia. Aunque los miembros de esa nueva configuración muestren una dificultad relacionada al ejercicio de sus papeles, las familias recasadas presentaron grandes potencialidades como unidades que promueven salud y satisfacción para sus integrantes.

Palabras clave: casamiento; interacción padres-hijos; familia reconstituida; composición familiar; relación familiar.


 

 

Introdução

Tanto a psicologia quanto outras áreas das ciências humanas vêm discutindo as mudanças que estão ocorrendo na família, principalmente nas últimas décadas, uma vez que se tinha como referencial histórico o modelo da família tradicional, ou seja, aquela constituída pelo casal parental e filhos – pai, mãe, filhos/irmãos. Denominamos de novas configurações familiares outras formas de se relacionar e de viver juntos que, necessariamente, implicam uma ampliação da concepção de família, como consequência das mudanças ocorridas na sociedade ocidental, principalmente a partir do movimento feminista. Entre elas, podemos citar: a inserção das mulheres no mercado de trabalho, a liberdade sexual, as mudanças nos papéis de gênero e parentais, o número de divórcios e separações, entre outras.

Todos esses fatores interferiram nos relacionamentos amorosos, de modo que hoje necessitamos criar uma desconstrução do conceito de casamento atrelado à constituição de uma família, já que o desenvolvimento da ciência possibilita a concepção in vitro, o que gera novos padrões de estruturas familiares. Atualmente, a visão do casamento encerra um movimento paradoxal que consiste no fato de os indivíduos continuarem se casando, a despeito das separações, e recasando.

Com base no exposto, novas configurações familiares se constituem uma realidade. É o caso das famílias recasadas, que apontam para um redimensionamento de seus limites e para o surgimento de uma nova dinâmica nos vínculos estabelecidos entre seus membros (COSTA, 2008; AMARAL, 2010).

Costa (2008) assinala que o reinvestimento que caracteriza a nova união conjugal e as relações familiares que derivam desta aparecem na denominação dos novos núcleos familiares a partir do recasamento. Corroborando essa ideia, Wagner (2002) aponta que as diferentes nomenclaturas que têm tentado definir esses núcleos são usadas com o prefixo re, oriundo do latim, sugerindo a ideia de "novo", "outra vez", "repetição"; daí os termos: famílias misturadas, família com padrasto/madrasta, famílias refeitas, recasadas, reconstituídas, reorganizadas, reestruturadas.

Neste trabalho, optamos pelo termo recasada, pois o foco é o novo casamento contraído por um ou ambos os parceiros. Dessa maneira, decidimos utilizar a definição de família recasada proposta por Visher e Visher (1988 apud MCGOLDRICK; CARTER, 1995, p. 8), por ser, ao mesmo tempo, abrangente e objetiva, a saber: "definimos uma família recasada como um lar onde vive um casal e pelo menos um dos parceiros tem um filho do casamento anterior".

De acordo com Travis (2003), embora a expressão "família recasada" seja utilizada de forma geral para definir um formato de família, a complexidade estrutural e a diversidade de configurações possíveis não nos permitem falar de uma família recasada típica. Stewart (2005) e Sweeney (2007) constataram que, se levados em conta fatores como sexo, casamentos anteriores de ambos os parceiros, a existência de filhos residentes ou não, existem vários arranjos possíveis para as famílias recasadas. Novos fatos como o nascimento de um filho dentro do recasamento aumentam esse número.

Segundo Cano et al. (2009), reconstruir um ambiente num contexto de um novo casamento nos convida a repensar a dinâmica familiar dessa nova configuração. Homens e mulheres necessitam conciliar uma gama de relações potencialmente conflituosas: prole de uniões distintas, a nova relação conjugal e a permanência do contato com a(o) ex-parceira(o) em função dos filhos em comum.

Autores enfatizam a tendência das novas formações de família para repetir antigos padrões relacionais, trazidos das famílias anteriores, até progressivamente chegar à criação de uma nova identidade familiar singular. Muitas tomam como modelo a família nuclear (WAGNER, 2002; TRAVIS, 2003; RIBEIRO, 2005).

Essa comparação que ocorre tanto socialmente como por parte de profissionais coloca a família recasada numa posição pouco privilegiada e soma-se às possíveis dificuldades de interação entre os seus membros (COSTA, 2008).

Para compreendermos a família recasada, apoiamo-nos na interdisciplinaridade dos pressupostos epistemológicos do novo paradigma da ciência pós-moderna, inspirado no pensamento sistêmico subsidiado por Bertalanffy (2008), Capra (1996) e Vasconcellos (2002), e na transversalidade com outros autores sistêmicos.

Entender a família recasada como um sistema nos remete à compreensão das partes e do todo na premissa de suas interações e relações dinâmicas. Um todo coeso, porém composto por partes interdependentes que se movem em direções diferentes, mas circulares e dinâmicas, para manter o equilíbrio da unidade familiar, de forma hierárquica e organizada. Nesse sentido, sendo a família recasada uma unidade, precisamos compreendê-la na dinamicidade de articulação e interação de seus subsistemas entre si e com os demais sistemas.

O pensamento sistêmico surgiu, então, como uma linguagem comum que permite a transdisciplinaridade, razão pela qual pode ser apresentado como o novo paradigma da ciência, que sai da simplicidade para ampliar seu foco de observação, atingindo, assim, a complexidade (VASCONCELLOS, 2002). O paradigma da complexidade aspira ao conhecimento multidimensional, mas o conhecimento completo é impossível. Nesse sentido, estamos de acordo com Morin (1991) quando destaca a "inteligência cega" como aquela que destrói os conjuntos e as totalidades, isolando todos os objetos em sua volta sem perceber o elo inseparável entre o observador e a coisa observada. A complexidade é o conjunto de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações e acasos que constituem o nosso mundo. A complexidade enlaça os aspectos da instabilidade e da intersubjetividade.

Cano et al. (2009) consideraram que ainda existem lacunas a serem preenchidas e sugeriram a realização de pesquisas que focalizem as diferentes fases do ciclo vital da família, bem como as peculiaridades dos relacionamentos nos diversos tipos de configuração familiar. Garbar e Theodore (2000, p. 163), por sua vez, referem que as uniões sucessivas estão cada vez mais frequentes e "colocam todo um conjunto de problemas práticos, jurídicos, econômicos e psicológicos, tanto para as crianças como para os adultos".

Acreditamos que a ampliação do conhecimento teórico-prático relativo às características específicas das famílias recasadas contribuirá para a compreensão do funcionamento dessas famílias e de seus membros, como também fornecerá subsídios aos profissionais que lidam com elas.

À luz do pensamento sistêmico, esta pesquisa, de natureza qualitativa, teve como objetivo geral investigar a experiência de pessoas que tinham, no mínimo, dois anos de recasamento. Especificamente, visamos compreender as motivações que levaram ao recasamento, o processo de adaptação entre seus membros e as expectativas em relação ao futuro.

 

Método

Participantes

Participaram oito pessoas (cinco do sexo feminino e três do sexo masculino), residentes na cidade do Recife. A escolha dos participantes não implicou preferência por sexo, faixa etária ou condição socioeconômica. Porém, todos os entrevistados deveriam ser recasados pela primeira vez e há pelo menos dois anos, uma vez que Dahl et al. (1987 apud MCGOLDRICK; CARTER, 1995), ao pesquisarem famílias recasadas, constataram que o sentimento de "pertencer" na família recasada demorou de dois a quatro anos.

A média do tempo de recasamento foi de nove anos e a idade dos entrevistados variou entre 39 e 74 anos. Dos oito participantes, sete possuíam terceiro grau completo e apenas um tinha segundo grau completo. Muito embora todos residissem em Recife, a origem de nascimento dos entrevistados foi bastante diversificada: cinco eram de Pernambuco, dois do Rio Grande do Sul e um da Paraíba. A religião também se mostrou variada: cinco eram católicos, um ateu, um agnóstico e um luterano. Em relação à situação profissional, dois participantes eram aposentados, dois funcionários públicos estadual, um empresário, um consultor, um advogado e um psicólogo e professor. Dos oito entrevistados, seis tinham filhos biológicos do casamento anterior, e apenas dois, filhos adotivos. Ressaltamos ainda que nenhum dos participantes era viúvo e que todos haviam se separado do cônjuge no primeiro casamento.

Instrumento e procedimento de coleta de dados

Inicialmente, o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da universidade onde se desenvolveu o estudo, sob o número CEP-119/2006. O acesso aos participantes da pesquisa se deu de forma proposital ou intencional, por conhecimento pessoal ou indicação dos próprios entrevistados. Após um primeiro contato com a pesquisadora, um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), contendo as informações sobre o estudo e as condições de participação, foi apresentado aos participantes conforme a Resolução nº 196/96 do Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 1996). Na pesquisa de campo, utilizou-se a entrevista semidirigida, organizada a partir de um roteiro previamente elaborado, a qual foi gravada e transcrita. Os nomes dados aos participantes são fictícios para preservar suas identidades.

Procedimento de análise de dados

As informações foram analisadas de acordo com a técnica de análise de conteúdo temática, que se desenvolve segundo as fases de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados obtidos e interpretação (MINAYO, 2006). Dessa forma, foram levantados os temas que fizeram parte do roteiro de entrevista e analisados com base na literatura consultada.

 

Resultado e discussão

A seguir serão apresentados e discutidos os seis temas predominantes, a saber: motivos que levaram ao recasamento, tempo decorrido entre as uniões, adaptação dos filhos à nova família, administração da família, sentimentos experimentados por fazer parte de uma família recasada e expectativas para o futuro.

Motivos que levaram ao recasamento

Nesse tema, a intenção foi compreender as razões que levaram as pessoas entrevistadas ao recasamento. Ramos (2003) e Féres-Carneiro e Ziviani (2009) admitiram que a grande dificuldade de ser casal está no fato de este conter duas individualidades (duas histórias de vida) que necessitam conviver com uma conjugalidade (um desejo conjunto). Para esses autores, só é possível predizer o ajustamento conjugal de um novo casal quando se consegue perceber os motivos da união e, ainda mais, as circunstâncias nas quais ela ocorre.

Foram vários os motivos elencados pelos participantes: desejo de ser apoiado, de companhia, de ter um filho biológico, de ser feliz após um fracasso anterior. O sentimento expresso por Ivan mostra o quanto ele esperava tanto do casamento em si quanto da parceira. Ele buscava encontrar apoio, proteção, cuidado e, sobretudo, desejava que sua mulher fosse capaz de atender à sua expectativa: o desejo e o projeto de ter um filho biológico.

[...] o principal motivo mesmo é que eu tinha muita expectativa de ter um filho, de ter um filho que fosse meu. E eu vi que naquela relação que eu estava eu não iria ter um filho, porque ela não queria ter, tanto é que ela fez questão de adotar quatro filhos de uma outra pessoa. Quando eu vi que eu realmente tinha condições de ter um filho e que tinha encontrado também uma pessoa que me fez ver isso aí, então eu achei por bem deixar o meu casamento (Ivan, 54 anos).

O comentário desse participante ilustra o pensamento de Ramos (2003) e Diniz (2009) quando pontuaram que, diante do desafio constante, ao qual o homem e a mu lher contemporâneos são submetidos, a busca da realização pessoal é tida como valor prioritário, mesmo implicando um certo sofrimento para as pessoas que amamos.

Outro entrevistado admite ter partido para um segundo casamento por sentir falta da intimidade e do companheirismo de uma mulher. Esse dado também foi mencionado por Waldemar (1996) e Kunrath (2006) ao afirmarem que a maioria dos que se separam casa novamente porque o ser humano tem a necessidade básica de laços e conexões. Roberto deixa isso bem claro na seguinte fala:

Primeiro é extremamente difícil você que se habituou uma vida inteira a viver em família passar a viver separado. Assim, era indispensável a mim encontrar uma companheira, refazer meu núcleo familiar e continuar vivendo dentro desse ambiente (Roberto, 74 anos).

Ao contrário dos homens que parecem ir mais rápidos e decididos para um segundo casamento, as mulheres, de modo geral, mencionaram que o recasamento ocorreu de forma natural, imprevista, sem que algo tenha sido planejado, como é o caso de Tereza:

Sabe, eu nem pensava em casar novamente. Nunca nem me passava pela cabeça. Eu conheci Roberto e aí a gente foi se conhecendo e depois decidimos viver juntos, mas não teve um motivo específico que me levou a recasar. Foi uma coisa que aconteceu naturalmente, sem nenhuma busca desesperada para que aquilo acontecesse. Foi uma coisa que veio, apareceu e deu certo (Tereza, 58 anos).

Observando o conteúdo do relato seguinte, constatamos que as mulheres, em geral, são mais cautelosas quando pensam em se casar novamente. A existência de filhos condiciona fortemente as decisões das mulheres, aumentando a hesitação e alongando o tempo que medeia entre a hipótese e a decisão propriamente dita (RADUAN; ARAÚ- JO, 2009). Chamamos a atenção para o fato de que as mães temem o abuso psicológico e sexual dos filhos por parte dos novos parceiros, conforme está implícito na fala de Elza:

Não se pode colocar qualquer tipo de homem dentro de casa, porque é uma coisa de extrema responsabilidade. A gente vê aí o tempo todo os padrastos que entram na família abusando sexualmente das crianças, independente de ser menina ou menino. Então é um cuidado grande que eu tive. Eu passei seis meses só observando, vendo o que pensava da religião, o que pensava da vida, até poder colocar dentro de minha casa (Elza, 47 anos).

Tempo decorrido entre as uniões

Nesse tema, procuramos conhecer o intervalo de tempo entre as duas uniões e como se posicionam homens e mulheres. Percebemos que houve uma diferença relacionada ao gênero, consistindo no fato de que os homens recasam mais rápido que as mulheres. Ilustramos essa afirmação com a fala de um participante.

Entre o término do primeiro casamento e a união do segundo casamento, eu acho que foram uns oito meses, mais ou menos. Se você considerar da dissolução do primeiro casamento até a formalização do segundo, foi um ano e meio, mais ou menos, dois anos. Já se a gente considerar que eu já estava morando com minha atual esposa desde fevereiro, então foram oito meses (José, 42 anos).

Esse relato demonstra que José levou pouco tempo para construir um novo casamento, o que confirma os achados de Ribeiro (2005) e Féres-Carneiro e Ziviani (2009) de que a maioria dos divorciados caminha, em geral, para o recasamento, sendo os homens mais rapidamente que as mulheres. Compartilhando dessa mesma posição, Costa (2008) e Araújo (2009) pontuaram que os homens voltam a se casar em pouco tempo, com a convicção de que o primeiro divórcio aconteceu por uma escolha errada de parceiro ou por algum problema emocional pessoal ou familiar, e não devido a alguma falha da instituição matrimonial em si. Muitos deles acreditam que casar de novo lhes dará a oportunidade de retomar as expectativas originais em relação ao casamento e à família.

Diferentemente dos homens, as mulheres entrevistadas aparentaram ser mais contidas quando o assunto é recasamento e, por isso, o postergaram por mais tempo. A fala de Nayana confirma o que foi dito:

Eu penso que eu estava separada há uns dez anos, mais ou menos dez anos até eu casar novamente. Passei dez anos sozinha e eu realmente não tinha a intenção de casar novamente. Mas você chega num ponto em que começa a sentir falta de um companheiro. Eu penso que nós fomos feitos para viver a dois. A gente precisa da outra parte. E aconteceu naturalmente. Foi muito bom e foi um processo bastante natural, nada planejado, ele simplesmente aconteceu (Nayana, 42 anos).

Adaptação dos filhos à família recasada

Nesse terceiro tema, buscamos descrever como decorreu a adaptação por parte dos membros da família recasada e, especialmente, dos filhos. Em geral, as falas mostraram que cada membro se adapta no seu ritmo e são necessários tempo, paciência, tolerância para que os diferentes personagens comecem a se considerar uma família, como exemplifica a fala de Roberto:

[...] a adaptação desse novo núcleo familiar que criei foi penosa, foi dolorosa [emociona-se]. Eu não cronometrei esse tempo de adaptação, mas minha consciência me faz lembrar que foi um período muito doloroso e que durou, seguramente, de três a quatro anos para poder as coisas se encaixar e passarem a ser vistas de forma natural (Roberto, 74 anos).

O relato desse participante mostra que a adaptação dos membros na sua família recasada foi lenta, delicada e dolorosa. Essa nova família é que "inventará" sua forma de funcionar e de se articular, despendendo muito tempo e energia na busca da determinação de suas linhas de conduta e da organização do dia a dia familiar. A fala desse participante confirma o que Dahl et al. (1987 apud MCGOLDRICK; CARTER, 1995) encontraram em seus estudos, ao constatarem que o sentimento de "pertencer" na família recasada demorou de dois a quatro anos para a maioria de seus membros.

Entretanto, podemos verificar também que a adaptação entre os filhos na mesma faixa de idade é mais fácil, conforme está presente nas considerações desta entrevistada.

[...] os três filhos de meu esposo se deram muito bem com os meus dois filhos. Os cinco são mais ou menos da mesma faixa etária, então cresceram juntos dividindo tudo, portanto não houve nenhum problema de adaptação (Lorena, 39 anos).

Travis (2003) e Hackener, Wagner e Grzybowski (2006) relataram que a capacidade de a criança lidar com a crise que a separação deflagra vai depender, sobretudo, da relação que se estabelece entre os pais. É imprescindível que eles possam distinguir, com clareza, a função conjugal da função parental, para que assim transmitam aos filhos a certeza de que as responsabilidades parentais de proteção e cuidado, aliadas ao amor, serão sempre mantidas. A fala de José exemplifica o que foi pontuado, a saber:

Eu costumo dizer que é preciso ficar muito claro para os filhos que você vai se separar, vai deixar de morar com a mãe deles, mas que a gente nunca vai deixar de amar e de ser pai ou mãe. Isso é fundamental para eles se sentirem seguros (José, 42 anos).

Ao contrário do relacionamento entre os irmãos do recasamento, que parece ser mais fácil quando ainda são crianças, a adaptação entre os filhos adolescentes e adultos parece ser mais complicada e difícil. Esse fato foi evidenciado por Oliveira (2005), Brito (2007) e Guimarães e Amaral (2009) quando relataram que, apesar da dor da perda que toda separação provoca, é importante ressaltar que os filhos pequenos, quase sempre, são mais capazes de enfrentar a separação dos pais do que estes podem imaginar.

No nosso caso, eles eram adultos [com exceção do filho adotivo de 2 anos], e a gente deveria imaginar que, sei lá, eles são adultos, então eles se entendem. Mas não, aconteceu um estranhamento no grupo de filhos. [...] Sempre havia, da parte deles, uma vontade de bagunçar um pouco, criar algum tipo de dificuldade, de confusão, de me colocar em saia justa, de me testar, testar os limites que nem criança pequena faz. Todo mundo ficou pequeno. [...] Acontece essa coisa do estranhamento no início, mas hoje não, sabe? Isso se diluiu, mas eu tive que dar os limites, tive que mostrar que aqui a casa era minha e as coisas eram do meu jeito (Suzy, 54 anos).

O relato de Suzy revela a necessidade de compreender a importância do laço de sangue para a determinação das relações de parentesco, uma vez que ele representa um vínculo perpétuo tanto dos pais para com seus filhos como destes para com seus pais. O laço de afinidade estabelecido pelo recasamento define um tipo de comprometimento do(a) homem/mulher com os filhos que não são dele(a), que está atrelado ao contexto da nova aliança conjugal (STEWART, 2005; ALARCÃO, 2006; SWEENEY, 2007).

Garbar e Theodore (2000) referem que, enquanto o laço biológico é simples, claro e evidente, o laço afetivo ou emocional é um tanto confuso e subjetivo. Contudo, para Ribeiro (2005), isso não impede que se criem laços afetivos entre os cônjuges e os filhos de cada um, que terminam por configurar uma "adoção emocional".

Outro dado que foi enfatizado pelos participantes diz respeito à tentativa de manter uma relação harmoniosa entre os membros da família. Segundo os entrevistados, é de fundamental relevância que cada um dos envolvidos construa seu próprio relacionamento com os outros membros do recasamento.

[...] logo que eu me casei eu ficava muito aperreada porque minha filha mais velha "peitava" muito meu marido e tinha aquela coisa de dizer: "Você não é meu pai, o que você está fazendo aqui?". E eu ficava no meio, de um lado para o outro. Até que um dia em que eu vi que aquilo não era bom pra ninguém, então sabe de uma coisa, se resolvam. Eu deixei que cada um construísse seu relacionamento do jeito que achasse melhor e pronto. Foi a melhor coisa que eu fiz na minha vida, porque hoje eles se dão superbem (Lorena, 39 anos).

A despeito das nuanças que identificamos na resposta dessa entrevistada, podemos associá-las ao mito do "amor instantâneo" apontado por Gameiro (1998). Isso significa que os cônjuges não podem esperar que seus filhos aceitem o(a) novo(a) parceiro(a), bem como os(as) filhos(as) deste(a), imediatamente. Na fase inicial do recasamento, o papel parental deve ser desenvolvido pela figura parental biológica, e o padrasto ou a madrasta deve estar preparado(a) para ser um(a) precioso(a) auxiliar. Não obstante, com o passar do tempo e com a idade dos enteados, e também com base no posicionamento dos pais biológicos, esse papel pode se tornar mais ativo.

Administração da família

Essa temática refere-se à percepção dos entrevistados em relação à administração da família, isto é, tentamos apreender como o casal administra as atividades de casa, as visitas, a autoridade, entre outros fatores. Pretendemos verificar também quais são os paralelos, as diferenças e as comparações feitos ou sugeridos pelos participantes em relação à sua concepção de família do primeiro e segundo casamentos.

Eu sempre disse aos meus filhos que aquela pessoa que estava entrando na nossa vida seria nosso grande amigo, uma pessoa que eu ia tentar me restabelecer novamente, e pra eles seria um grande amigo. Eu fiz muito essa separação pra que não houvesse interferência da vida de um com o outro. Nem os meninos cobrarem dele como pai porque não era, nunca foi e nem ele querer ser pai dos meus filhos, porque não podia acontecer isso também. [...] É esse equilíbrio que existe entre nós, sabe? É o que entrou sabendo que não é o pai, e é o que saiu sabendo que existe ex-marido, mas não existe ex-pai. E você, enquanto mãe, vai orientando seus filhos, dizendo a eles que o pai continua a existir e que o atual é como se fosse uma proteção paterna substituta, mas que é um amigo (Elza, 47 anos).

Nessa fala, percebemos que, da mesma maneira que ocorre na família nuclear intacta, os pais biológicos, no recasamento, buscam (se possível com a ajuda do ex-cônjuge) resolver e/ou assumir os problemas dos seus próprios filhos, porque são eles que sinalizam a autoridade.

A fala de Elza confirma os achados de Brun (2004), quando a autora assinalou que pais, mães e avós nunca se tornam "ex", porque o único laço que não se desfaz é o sanguíneo. Schabbel (2005), Alarcão (2006) e Magalhães (2009) apontaram que, num sistema recasado funcional, a responsabilidade de cuidar dos filhos dele e dos dela deve estar dividida de maneira que não exclua ou combata a influência dos pais biológicos. Dessa maneira, o relacionamento que será estabelecido entre os filhos e o padrasto/ madrasta será, então, definido e elaborado a partir de fatores como: idade, re sidência principal dos filhos, circunstâncias do divórcio e desejo de todos os envolvidos.

Não podemos deixar de abordar também o fato de que a função de padrasto e madrasta é sempre permeada/mesclada por grande ansiedade, porque normalmente eles não têm um modelo de identificação com o papel que irão assumir, conforme explicita José:

[...] você vê comportamentos inadequados dos enteados, mas o padrasto não pode fazer nada, porque isso é papel do pai e da mãe. Se o pai da criança decide em conjunto com a mãe que a criança vai estudar no colégio A ou B, num colégio mais conservador ou num colégio mais moderno, o padrasto não tem absolutamente nenhum poder pra dá um "pitaco". No entanto, você vai se afligir do mesmo jeito, porque pra você o enteado é como se fosse um filho. Isso é bastante angustiante (José, 42 anos).

Esse depoimento nos remete às pontuações de Brito (2007), Galina (2009) Raduan e Araújo (2009) que mencionam que o vínculo conjugal deve se constituir de forma vigorosa. Os parceiros devem estar conscientes de todas as adversidades que irão enfrentar e tentar promover a coesão e o entendimento grupal. Poderão e deverão exercer as funções parentais, desde que não invadam o espaço reservado ao legado familiar de cada novo componente desse grupo. Os referidos autores acreditam que há espaço para a criação de uma nova representação afetiva, histórica e socioeconômica para esse vínculo atual.

Constatamos também que, apesar das transformações ocorridas em relação à mulher e à sua inserção no mercado de trabalho, e à concepção de família, parece que se mantém cristalizado o fator transmissão cultural, consistindo na atribuição da manutenção econômica da família ao gênero masculino e o cuidado com o lar e os filhos ao gênero feminino.

A casa tem uma estrutura de uma família convencional. O pai que é o principal provedor, mas não é o único provedor. A mãe que está mais envolvida com a organização da casa, embora ela tenha também que trabalhar e conduzir a vida profissional dela, e a divisão dos papéis é bem clara neste aspecto, certo? (José, 42 anos).

Nesse sentido, a fala de José está de acordo com Osório (2002) e Osório e Valle (2009) de que atribuir à mulher o papel de cuidar do lar e ao homem o de provedor não só representa um modelo arcaico, como também soa hoje como um estereótipo.

Outro fato importante diz respeito à criação dos filhos num segundo casamento que exige paciência, respeito, flexibilidade e muita maturidade do casal, caso contrário, haverá um prejuízo na relação, como expressou Suzy:

O que acontece é um processo muito complexo de adoção. São duas famílias que se adotam, então não é fácil, leva um tempo, mas é possível. O casal tem que ter maturidade pra colocar a relação deles acima dessas "querelazinhas" que acontecem. A gente tem que saber administrar isso. [...] Eu penso que, se o casal consegue encontrar o respeito na relação, o respeito um ao outro aliado à maturidade e ao afeto, é impossível não dar certo. Eu não tenho dúvida nenhuma quanto a isso porque é possível, é possível mesmo (Suzy, 54 anos).

Com base nesse relato, verificamos que as dificuldades do funcionamento familiar não estão, necessariamente, associadas à sua composição, mas sim às relações que se estabelecem entre seus membros. Féres-Carneiro e Ziviani (2009) pontuaram que há uma complexidade maior na constituição da família recasada, portanto esta precisa de muita flexibilidade e originalidade para lidar com tudo isso. Todavia, é importante não interpretar a complexidade das relações que se estabelecem nessas famílias como disfuncionalidade, já que ser uma família diferente não significa ser deficiente.

Sentimentos experimentados por fazer parte de uma família recasada

Nesse tema, analisamos os sentimentos vivenciados pelos participantes a partir da separação e sua inserção numa família de segundo casamento. Apesar de o divórcio ser, às vezes, a melhor solução para um casal que não consegue mais superar suas dificuldades, ele é sempre vivenciado como uma situação profundamente estressante e dolorosa (GALINA, 2009). A fala de Elza demonstra isso:

Olhe, não é fácil, é muito difícil. A separação traz uma culpa, um sentimento de culpa horrível. Cada um tem sua parcela de culpa. [...] Quando você se separa, a família se afasta e é muito difícil se manter unida. [...] A única tristeza que eu tenho da separação foi isso, que pra mim foi muito negativo. Mas o recasamento me fez feliz, eu sou feliz. Estou do lado de uma pessoa que se preocupa muito comigo, que quer saber se eu estou bem, e, se eu tenho alguma dificuldade, ele se movimenta pra me ajudar. Agora, saber administrar essa família recasada, assim, de ter meu atual esposo bem com meus filhos e meus filhos bem com ele, você bem com você mesma e com ambos e com equilíbrio pra conversar com o ex-companheiro sem precisar brigar, não é fácil (Elza, 47 anos).

O depoimento de Elza é corroborado pelos estudos de Wagner (2002) e Kunrath (2006), no que diz respeito à dinâmica familiar. Segundo as autoras, reconstruir um ambiente familiar no contexto de um novo casamento significa, para homens e mulheres, ter que conciliar uma gama de relações potencialmente conflituosas, envolvendo prole das uniões distintas, a nova relação conjugal e a permanência do contato com a(o) ex-parceira(o) em função dos filhos em comum.

Constatamos que é imprescindível também lidar com grandes mudanças quando o assunto é recasamento. A literatura aponta que, para os membros de famílias recasadas, as mudanças e as perdas experimentadas são maiores em número e magnitude do que aquelas que ocorrem no período inicial de uma família de primeiro casamento (TRAVIS, 2003; ALARCÃO, 2006).

Eu me sinto como uma pessoa que teve que perder alguma coisa para poder mudar. Tive que ter forças para mudar, porque, se você não tem a ideia de mudar, você pode se acabar naquela relação. Eu sinto hoje que eu tinha uma relação errada e que eu tinha que partir para outra realmente. [...] Eu acho que vale a pena você ir para um segundo casamento, desde que você queira viver aquele segundo casamento como se fosse o primeiro (Ivan, 54 anos).

Observamos ainda que, no segundo casamento, o casal parece não cometer os mesmos erros do passado, porque as pessoas parecem estar determinadas a aprender com a própria experiência. O seguinte trecho da entrevista com Nayana ilustra essa afirmação:

[...] no segundo casamento, a relação é mais consistente, mais verdadeira, mais estruturada, mais robusta que a primeira. Assim não se comete mais os mesmos erros do primeiro casamento. Eu acho que é muito mais provável um segundo casamento dar certo do que um primeiro, até mesmo porque o primeiro é meio que loteria mesmo. Você não tem experiência e muito provavelmente a outra parte também não tem. [...] Mas é preciso saber que você vai mudar, que vão ter coisas que vão ficar diferentes, não obrigatoriamente melhores nem piores. E é uma mudança que você faz com mais conhecimento e causa, porque você já passou por isso (Nayana, 42 anos).

Outro dado interessante, mencionado por José, diz respeito à delimitação de fronteiras, que é maior no segundo casamento. Durante a pesquisa, constatamos que as famílias do recasamento se veem, em pouco tempo, envolvidas numa ampla rede de relacionamentos que demanda atenção e cuidado, já que existem vários níveis de ajuste ocorrendo simultaneamente nos subsistemas: o homem com a mulher; cada um com os filhos do outro; os filhos de ambos entre si e com o/a padrasto/madrasta. Tal fato torna essa organização bastante complexa, exigindo do casal um "jogo" de atenção a si mesmo, ao parceiro e à família que acontece de uma forma menos rígida e com mais conhecimento de causa.

[...] eu estou experimentando o meu segundo casamento de uma forma mais madura, sempre melhorando, no sentido de discutir os problemas de uma forma mais adulta, ou seja, trazer a melhor solução para a família. Então é sempre um jogo de você de vez em quando dar atenção só pra você, de vez em quando dar atenção ao casal e de vez em quando dar atenção à família. Isso com o segundo casamento é mais interessante, mais fácil, porque você sabe exatamente onde termina o direito do indivíduo e começa o do casal, e onde termina o do casal e começa o da família. Você delimita bem as fronteiras (José, 42 anos).

Expectativas para o futuro

Nesse último tema, procuramos analisar os planos e os projetos que os respondentes acalentam para o futuro. Ao falarem sobre os conflitos e as dificuldades que os afligiam, os participantes deixaram claro que possuem expectativas a respeito da nova família. Uma das entrevistadas mencionou o desejo de permanecer com seu atual companheiro por muito tempo.

Eu espero e desejo viver ao lado do meu marido e de minha filha por muitos anos. Também espero que o relacionamento com os filhos e os netos dele permaneça sempre assim e que melhore cada vez mais. No futuro, eu vou dizer que passei por uma experiência que não foi fácil, mas que eu consegui superar e que valeu a pena tentar [emociona-se] (Tereza, 58 anos).

Diante desse relato, recorremos às considerações de Ribeiro (2005), Kunrath (2006) e Diniz (2009) que assinalam que uma das melhores possibilidades que o novo casal tem de iniciar de forma saudável e construtiva a relação a dois é por meio da verdadeira intimidade, que é construída e obtida a partir dos conflitos e alegrias que vivenciam juntos e que são compartilhados. Nesse sentido, quanto antes o casal recasado conseguir ficar livre da ideologia do "casal perfeito" e dos preconceitos que cercam as novas configurações familiares, mais cedo poderá trabalhar a sua intimidade e realmente constituir uma família recasada.

A ampliação dos estudos, sabedoria e ascensão profissional também foram apontadas por Ivan como projetos para o futuro.

Minha expectativa é crescer profissionalmente. Eu tive meu filho aos 50 anos e estou me aperfeiçoando nos estudos e no trabalho. Eu sinto que eu já me realizei. Já cheguei num certo nível, num patamar que talvez muitas pessoas ainda não tenham chegado, mas meu sonho é ser juiz. Eu me formei em física, mas isso foi apenas um patamar para eu ter um cargo público. Depois me formei em Direito e eu afirmo e reafirmo que um dia eu serei juiz (Ivan, 54 anos).

 

Considerações finais

Neste trabalho, discorremos acerca das chamadas famílias recasadas, focalizando sua estrutura, suas tensões internas e conflitos, mas também sua sobrevivência e capacidade de reinvenção como unidades familiares complexas, ricas em contrastes.

Compreendemos que o esforço para que ocorra a preservação desse sistema conjugal e para que se mantenham fronteiras nítidas com os demais sistemas, principalmente o filial, demanda mais energia, paciência, dedicação e flexibilidade do que ocorre nas denominadas famílias intactas. Um fato que nos chamou a atenção foi os participantes se referirem sempre aos filhos dos relacionamentos anteriores (os "meus" e os "teus"). Em nenhum momento, o "nosso" foi mencionado nesse sentido.

A angústia sentida pelos participantes quanto ao desempenho do papel de padrasto ou madrasta exige uma melhor definição do que é esperado desses personagens que, a princípio, podem ser percebidos como intrusos pelos filhos. Constatamos, todavia, que passados os três ou quatro primeiros anos de convivência, o nível de "integração familiar" entre os membros das famílias recasadas aumenta, uma vez que eles se percebem como uma unidade.

Foi possível perceber, por meio das respostas de alguns entrevistados, a influência do modelo de família nuclear em suas relações familiares no recasamento. É importante ressaltar que as críticas expressas pelos pesquisadores sobre a influência do modelo de família nuclear em detrimento das outras configurações familiares não sugerem que estas sejam menos importantes. Portanto, é preciso desmistificar a família nuclear como o modelo a ser seguido e encarar as novas configurações como também capazes de promover o cuidado, a proteção e o desenvolvimento adequado de seus membros.

Apesar das dificuldades, os participantes demonstraram que conseguiram funcionar como promotores de cuidados para seus subsistemas (conjugal e filial) e para os demais sistemas. Como todo sistema, eles se movem na tentativa de se adaptar às necessidades impostas entre a estabilidade e a mudança, buscando o equilíbrio no meio relacional e se reorganizando cotidianamente. Esse dado aponta, portanto, que as famílias recasadas apresentam grandes potencialidades como unidades promotoras de saúde e satisfação para seus membros.

Enfim, a despeito da complexidade que permeia a dinâmica das famílias recasadas e sob o risco da intangibilidade em alcançar a sua essência, acreditamos que o pensamento sistêmico, pela sua integralidade, permitiu chegar mais próximo desse complexo universo. Estamos cientes de que a caminhada prossegue, pois, compreendendo a família como um sistema aberto e dinâmico e, como tal, em constante processo de mudança, isso exigirá de nós um continuum olhar sobre o devir, para uma maior compreensão e melhores formas de trabalho por parte dos profissionais que lidam com ela.

 

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Endereço para correspondência
Contato
Juliana Monteiro Costa
e-mail: jullymc@hotmail.com

Tramitação
Recebido em fevereiro de 2011
Aceito em junho de 2012