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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.16 no.1 São Paulo Apr. 2014

 

PSICOLOGIA SOCIAL

Preparação para a adoção: grupo de apoio para candidatos

 

Support group for adoptive parents: an experience psychosocial

 

Grupo de apoyo para los futuros padres adoptivos: una experiencia psicosocial

 

 

Vania Conselheiro SequeiraI; Claudia Stella
I Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo – SP – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

A Lei da Convivência Familiar é a atual legislação sobre a adoção no país. Ela cria a obrigatoriedade da habilitação prévia para adotar e considera necessária a preparação psicossocial e jurídica do candidato a adotante. Este artigo busca refletir, a partir de uma experiência em grupo de apoio a candidatos à adoção, sobre a possibilidade de o grupo de apoio ser uma ferramenta de prevenção de conflitos com a criança a ser adotada. Para que possam acolher um filho, os pais precisam entender as filiações, as heranças e os desejos deste, e o grupo de apoio pode ser uma forma de sensibilização e preparação dos candidatos à adoção para temas que permeiam o processo de filiação.

Palavras-chave: adoção; grupo de apoio psicossocial; psicologia jurídica; filiação; psicanálise


Abstract

The Law of Family Living is the current law on adoption in the country. It creates an obligation of previous qualification to adopt and considers necessary to prepare adoptive parents in psychosocial and legal ways. This paper reflects, from an experience of support group to prospective adoptive parents, about the possibility of support group works as a tool to conflict prevention between parents and the child to be adopted. We can conclude, that to welcome a child, parents need understand their own filiations, inheritances and desires and the support group can be a form of awareness and preparedness of the adoptive parents for themes that permeate the filiation process.

Keywords: adoption; psychosocial support group; legal psychology; filiation; psychoanalyze


Resumen

La Ley de la Coexistencia Familiar es la actual ley de adopción en el país. Ella establece la obligación de licencia previa para adoptar y considere necesaria la preparación psicosocial y legal del candidato adoptante. En este artículo se reflexiona, a partir de una experiencia de grupo de apoyo para los futuros padres adoptivos, sobre la posibilidad de un grupo de apoyo como una herramienta para la prevención de los conflictos con el niño para ser adoptado. Se puede concluir que para dar la bienvenida a un niño requiere que los padres entiendan sus filiaciones, herencias y deseos, y el grupo de apoyo puede ser una forma de conocimiento y preparación de los candidatos a la adopción para los temas que permean el proceso de filiación.

Palabras clave: adopción; grupo de apoyo psicosocial; psicología jurídica; filiación; psicoanálisis


 

 

Este artigo busca refletir sobre a necessidade de se efetivar uma preparação para os candidatos à adoção, evitando assim dificuldades vinculares com a criança a ser adotada, geralmente relacionadas a conteúdos mal elaborados referentes às motivações para adoção. Para Yamaoka (2009), a adoção envolve o encontro de duas partes que viveram ou ainda vivem situações de sofrimento intenso (geralmente perdas e dor pela infertilidade, de um lado, e negligência, abandono, abusos ou maus-tratos, de outro). Por isso, é fundamental cuidar do encontro dessas pessoas, geralmente fragilizadas pelos sofrimentos anteriores a esse encontro.

O preparo dos pretendentes à adoção envolve a discussão de aspectos psicossociais e jurídicos, culturais, educativos e a reflexão sobre os preconceitos e as discriminações que permeiam o imaginário social. Este trabalho não deve ter o objetivo de analisar ou avaliar os candidatos, mas de prepará-los para lidar com as questões do processo, da espera, do acolhimento e da construção dos vínculos afetivos que podem levar à integração da criança adotiva na família (Yamaoka, 2009).

Com a experiência no grupo, os pretendentes podem ressignificar conflitos e afetos, trabalhar sentimentos e emoções despertados pelo processo de adoção, além de trocar vivências com outras pessoas que passam pela mesma situação, desmistificando alguns conteúdos, revendo preconceitos, o que contribui para alterar a diferença entre o perfil de crianças que os candidatos buscam com o perfil de crianças a serem adotadas.

Scorsolini-Comin, Amato e Santos (2006) indicam temas relevantes para serem discutidos nos grupos: o medo da revelação, a angústia gerada pelo longo tempo de espera, a revolta com a burocracia da justiça brasileira, o medo de perder o filho para a família biológica, a adoção de bebês ou crianças pequenas, entre outros. Esses autores acreditam que o grupo rompe com a sensação do candidato de ser diferente, de estar sozinho nesse sofrimento, gerando melhoras na autoestima e redução de estigmas relacionados às crianças a serem adotadas, e concluem que houve ampliação do repertório de significações sobre a adoção e a filiação.

A Associação Nacional dos Grupos de Apoio à Adoção (Angaad) relaciona mais de cem grupos de apoio à adoção no Brasil. Existem muitos trabalhos com objetivos, propostas e métodos bem diferenciados, entretanto não é objetivo deste artigo traçar um estudo comparativo entre os diferentes grupos. O propósito do grupo de apoio à adoção é propiciar uma reflexão sobre as motivações para adoção, criando um espaço para que conteúdos referentes à parentalidade possam emergir a partir dessa provocação, desse chamado.

Defende-se, neste artigo, o espaço privilegiado do campo grupal como uma estratégia diante da tarefa de preparar candidatos à adoção, porque nele se processam dois âmbitos distintos: um consciente, que diz respeito ao fato de o grupo se voltar para uma tarefa proposta, uma atividade a ser realizada e um plano inconsciente, em que habitam desejos reprimidos, ansiedades e defesas que emergem na dinâmica grupal, fazendo-a permanentemente oscilatória entre esses conteúdos (Zimerman, 2000).

No segundo âmbito, campo grupal, circulam ansiedades provenientes de conflitos internos ou de frustrações impostas pela realidade, o que faz dele uma caixa de ressonância com ansiedades, defesas e identificações como uma “galeria de espelhos, onde cada um pode refletir e ser refletido nos e pelos outros [...] o que configura uma possibilidade de discriminar, afirmar e consolidar a própria identidade” (Zimerman, 2000, p. 86).

 

Método

Selecionamos um grupo de apoio a candidatos à adoção para analisar neste artigo. Esse grupo ocorreu em 2012, com 11 candidatos, sendo cinco casais e uma candidata solteira. Os grupos são coordenados por alunos do quinto ano de Psicologia supervisionados semanalmente. A duração de cada encontro é de duas horas, e são realizados aproximadamente 12 encontros em cada semestre. Os candidatos são encaminhados pelas diversas comarcas da Grande São Paulo e estão em diferentes etapas do processo de adoção, geralmente em sua fase inicial, entregando documentos e realizando avaliações com as equipes técnicas dos foros. Não há contatos com os foros no que se refere aos conteúdos trazidos pelos candidatos, de forma a garantir a espontaneidade e liberdade de expressão dos candidatos durante o processo grupal. Quando é percebida pelos coordenadores alguma dificuldade emocional nos candidatos, eles são orientados a procurar um processo terapêutico individual para trabalhar determinado conteúdo.

O projeto está estruturado em torno dos seguintes temas: mitos e preconceitos em relação à adoção; aspectos legais; diferença entre dar um filho para quem não tem e dar um lar para uma criança; perfil das crianças abrigadas no Brasil; realidade e cotidiano dos abrigos; principais motivos dos abrigamentos de crianças no Brasil, motivação para a adoção; projeto de vida: com e sem filhos; maternidade e paternidade responsável, filiação como ato simbólico; criança ideal versus criança real; ansiedade no tempo de espera para adoção; revelação da adoção; rede familiar; filhos biológicos versus filhos adotivos; educação de filhos; direitos das crianças e dos adolescentes.

No primeiro encontro, sempre solicitamos aos participantes que digam quais temas querem discutir com o grupo e, a partir desse levantamento de temas com cada grupo, montamos as atividades a serem realizadas, no sentido de atender às necessidades de cada grupo, embora as temáticas listadas façam parte de um eixo organizador do trabalho a ser desenvolvido.

O trabalho foi realizado em dupla: um aluno ficou responsável por coordenar o grupo, e o outro aluno, por observar o grupo e registrar a sessão grupal. Este aluno pode intervir no grupo, mas sua responsabilidade principal é ajudar na observação, no registro, na leitura do processo grupal e no planejamento do próximo encontro.

 

Resultados

O objetivo do primeiro encontro foi estabelecer o contrato de trabalho com número de reuniões, horário, duração e sigilo para garantir que as pessoas podiam expor seus conflitos e confusões de forma natural. No segundo encontro, abordou-se o perfil das crianças a serem adotadas, com o propósito de discutir as expectativas dos candidatos e também confrontá-los com a realidade das crianças abrigadas no país.

No terceiro encontro, abordaram-se aspectos relacionados ao processo de adoção na perspectiva legal. A dinâmica escolhida foi a da caixa temática, que leva, em seu interior, papéis como “nova lei da adoção”, “abandono”, “o ato de adotar”, “os tipos de adoção”, “segredos”, “motivações”, “revelação”, “perfil das crianças abrigadas”, “destituição de poder familiar”, “habilitação”, “aval dos candidatos” e “devolução de crianças”. No quarto encontro, mobilizaram-se as fantasias inconscientes dos participantes sobre o adotar.

O quinto encontro buscou aprofundamento sobre as expectativas e angústias presentes na adoção. Durante esse encontro, o grupo pensou acerca das necessidades concretas que a criança a ser adotada teria, bem como refletiu sobre as possíveis maneiras de desenvolver suas potencialidades e de educá-la de maneira adequada.

No sexto encontro, o grupo refletiu sobre o perfil diferente de algumas crianças a serem adotadas ou de famílias adotantes. Questões relacionadas ao principal objetivo da nova lei da convivência familiar (Brasil, 2009) – dar um lar para uma criança – foram abordadas pelo grupo com maior clareza, além dos cuidados envolvidos no processo de adoção.

No sétimo encontro, cujo tema era a “filiação simbólica”, promoveu-se um debate sobre o sentimento de pertença afetiva e os medos sobre a origem da criança.

O oitavo encontro trabalhou a idealização da família, pois a fantasia de cada pessoa sobre a família ideal nem sempre equivale à dinâmica assumida na realidade, uma vez que as dificuldades reais abrem espaço para frustrações, desentendimentos e mal-entendidos. Em casos com adoção, pode parecer que o problema veio da adoção, o que não costuma ser verdadeiro.

O nono encontro teve como finalidade aprofundar alguns temas que surgiram em outros momentos do grupo, tais como adoção tardia, adoção inter-racial, filiação simbólica, preconceitos, entre outros.

No décimo encontro, o objetivo foi discutir a construção da identidade de uma pessoa como estratégia para que os candidatos percebessem a importância de algumas pessoas na formação da identidade das crianças, não necessariamente somente os pais. Para aquecimento, solicitou-se que cada um contasse para o grupo a origem de seu nome, por que ele foi escolhido.

No décimo primeiro encontro, abordou-se a revelação da adoção.

No décimo segundo encontro, o último da série, cada participante fez uma avaliação de todo o processo realizado, e o grupo, depois de debate sobre o percurso dos temas, concluiu que os objetivos foram alcançados e considerou importante a participação de candidatos em grupos de apoio psicossocial.

O tema da adoção é interdisciplinar por excelência, envolve campos como psicologia, assistência social e direito, e exige uma intersecção de suas práticas e saberes. A nova lei da convivência familiar (Brasil, 2009) é um avanço para o país, já que as crianças brasileiras ficavam abrigadas por muitos anos, passando a infância e adolescência institucionalizadas. Estipular um tempo máximo para reintegração familiar ou colocação em família substitutiva é um avanço, porém essa fixação do prazo envolve outras áreas, incluindo políticas públicas de garantia de direitos à família que, ao perder a guarda de seus filhos, deveria ser incluída em programas e serviços que possibilitassem seu desenvolvimento, evitando a perda do poder familiar. No Brasil, a maioria das crianças acolhidas tem laços familiares, e o principal motivo para o acolhimento está ligado à negligência, o que merece uma análise crítica. As escolas brasileiras são de meio período, e os pais e/ou responsáveis trabalham, em sua maioria, em tempo integral, o que por si só é um fator de negligência, já que estes ficam fora de casa mais tempo que as crianças. O Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990) preconiza que nenhuma criança deve ser retirada de sua família por questões econômicas, entretanto, como a política pública de amparo às famílias é escassa, percebe-se que os principais motivos de abrigamento no país estão relacionados a fatores socioeconômicos (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2004).

Além de aspectos sociais e políticos ligados à proteção da infância, temos os aspectos emocionais envolvidos na adoção, tanto por parte das crianças que sofrem o abrigamento e depois a destituição do poder familiar, quanto dos candidatos à adoção que são mobilizados por conteúdos e desejos inconscientes, nem sempre fáceis de lidar.

Foi possível perceber que o grupo ofereceu um espaço de reflexão sobre a decisão de adotar, possibilitando que ele entrasse em contato com diferentes conteúdos, inclusive inconscientes, ligados ao desejo de ter filhos, que nem sempre corresponde ao desejo por crianças, mas a um desejo de criança, ou seja, a fantasias inconscientes de reparação de aspectos vivenciados durante sua infância (Hamad, 2002).

A possibilidade de os candidatos serem escutados fora do espaço jurídico faz com que o processo ganhe uma humanização, já que eles se sentem acolhidos em suas questões e encontram apoio do grupo, seja para enfrentar a longa fila de espera pela criança, seja para compartilhar dores da infertilidade ou da impossibilidade de gerar filhos biológicos. Isso tem um efeito terapêutico, na medida em que os candidatos se sentem acolhidos e amparados para prosseguir com o processo de adoção.

É muito frequente uma avaliação positiva dos candidatos no sentido de compartilhar dúvidas, medos, ansiedades e descobertas durante os grupos. Percebemos as mudanças dos candidatos por meio das argumentações feitas, pela abertura ao diálogo e pela reflexão. Dessa maneira, o efeito terapêutico do grupo é colocado em segundo plano em relação à tarefa de aprendizagem, já que a atitude fundamental a ser desenvolvida é a de que os indivíduos aprendam a aprender (Osorio, 2003).

O fato de manifestarem frequentemente mudanças de ponto de vista em relação aos temas abordados, como o perfil da criança a ser adotada e as expectativas com relação aos futuros filhos, aponta indícios de que o grupo atingiu seu objetivo fundamental: a superação de ideias fixas e estereotipadas, e a criação de questionamentos dialéticos: “O objetivo transcendente do que chamamos ideologia dos grupos operativos é, pois, passar da imobilidade e resistência à mudança para o movimento e propensão aos câmbios” (Osorio, 2003, p. 30).

Nos trabalhos grupais, o objetivo principal é promover reflexões que tenham efeitos preventivos no sentido de evitar conflitos com a criança adotada, oriundos de dificuldades não relacionadas diretamente a ela, mas ligadas aos novos papéis sociais de pai e mãe que ocorreriam inclusive se o filho não fosse adotado. Lidar com questões que auxiliem na elaboração da impossibilidade de se ter um filho biológico e no processo de aceitação da condição de esterilidade pode ajudar a abrir passagem para a adoção plena, no sentido do querer de fato uma criança e tudo que vem junto com ela.

Isso é coerente com a proposta de Paiva (2004) de que o grupo de apoio psicossocial seja um espaço para a gestação simbólica da criança, aspecto ilustrado na fala de uma das integrantes do grupo, Z. (29 anos), que considera que o processo de adoção funciona “como uma gestação, a gente se prepara para se tornar mãe”. Alguns casais relataram mal-estar ao preencherem o cadastro com o perfil da criança a ser adotada. Nessa etapa do processo, os candidatos indicam, em uma ficha, a idade e o sexo da criança. Além disso, devem manifestar claramente se aceitam crianças com problemas de saúde, problemas mentais ou alguma deficiência, entre outros. De acordo com R. (44 anos): “me senti um monstro, desejando ‘a criança perfeita’”. Essa fala deu a passagem ao grupo para a discussão legal da nova lei de adoção, a qual preconiza um lar para uma criança, e não um filho para os que não podem tê-lo. Abordou-se ainda a disponibilidade necessária para se ter um filho e o que isso significa, pois, como ocorre com o filho biológico, problemas podem aparecer a qualquer momento, e é impossível ter o filho perfeito porque a criança perfeita é a imaginária. A criança real traz consigo características diversas de personalidade, físicas ou emocionais diferentes das imaginadas e desejadas pelos pais.

O descontentamento com o processo legal é frequente, e os candidatos sempre reclamam da demora e dos procedimentos. Em depoimento, R. (29 anos) alegou um sentimento de inadequação quando lhe foi solicitado o atestado de saúde mental e questionou se os pais biológicos precisam fazer testes antes de engravidarem. Essa discussão do processo legal da adoção leva a outro assunto importante: a adoção à brasileira, como se a criança fosse filha biológica de pais que na verdade são adotivos. Em todos os grupos, surgem comentários de pessoas que conhecem crianças adotadas assim, e que esse sistema era “melhor, mais fácil, mais seguro” (W., 43 anos) do que o processo atual. A morosidade da justiça é uma das justificativas para a busca por adoções ilegais, segundo A. (34 anos): “nós estamos aqui, cheios de energia, de amor para dar, e a justiça nos priva daquilo que mais queremos”. Mas, em um grupo, tivemos relatos de adoções à brasileira com problemas, uma acusação de rapto conforme relatado por M. (50 anos) ou famílias que “combinaram de dar a criança e depois desistiram, e a família já tinha ajudado com dinheiro, viajado para outro Estado para buscar o bebê” (C., 44 anos).

No início dos encontros, há um incentivo para que os candidatos tragam detalhes sobre os motivos que os levaram à adoção. Entre os motivos mais recorrentes, está a infertilidade do casal. O objetivo desse questionamento é trabalhar o que Levinzon (2000) chama de decepções narcísicas para tentar criar um espaço para o desejo de ter um filho e não só, de negar a infertilidade. O sofrimento com tentativas de reprodução assistida também é relatado com muita frequência. A candidata K. (32 anos) relatou a culpa que sentiu por não poder dar ao marido um filho, sentimento compartilhado por várias outras mulheres. Outra candidata, MI. (39 anos), contou para o grupo que, em um período anterior à decisão de adotar, ofendia abertamente o marido por conta de sua esterilidade, culpando-o por sua infelicidade. É importante oferecer aos casais um espaço de reflexão que os convide a elaborar a impossibilidade de ter filhos biológicos, para que de fato possam encarar essa frustração e avaliar se querem ou não filhos, para que a adoção possa ocorrer plenamente, no sentido de uma abertura para a maternidade e paternidade.

A desidealização da maternidade, da paternidade e da criança é um tema central trabalhado durante todo processo grupal. Quando se trabalham com o grupo aspectos referentes à maternidade e paternidade, aborda-se a realidade concreta do dia a dia e da nova rotina que a família deve ter com a chegada do bebê. Segundo alguns candidatos, como A. (33 anos), “tudo se encaixará quando o bebê chegar”, enquanto candidatos sabem que terão que abrir mão de coisas e do tempo dedicado a si, ao trabalho ou ao casal para acolher o novo membro, “que isso será difícil, tem casal que não segura essa barra e se separa” (C. 44 anos). A diversidade de experiências e histórias de vida faz com que um candidato contribua para ampliar a visão de um outro aspecto para outro candidato, sem que para isso o sujeito receba uma orientação direta para repensar seu momento, o que ocorre naturalmente no processo grupal.

Um assunto recorrente é o medo relacionado aos aspectos hereditários e/ou congênitos que a criança adotiva pode trazer consigo. Esses conteúdos aparecem pela nomea ção de “sangue ruim” ou “má índole”, com a premissa de que há transmissão geracional de aspectos negativos constituintes da personalidade da criança por meio dos genes da família de origem, a qual sempre aparece na fantasia dos candidatos como problemática pelo uso de drogas, álcool ou envolvimento com a criminalidade. Muitas vezes, M. (50 anos) compartilhou com o grupo a experiência de ter observado, durante uma visita ao fórum, uma criança supostamente “maliciosa” no trato carinhoso com uma senhora, para que ela resolvesse adotá-lo. A fala da criança, segundo M., apresentava indícios de falsidade, bajulação e manipulação. Por sua vez, C. (44 anos) compartilhou com o grupo a história de um casal que temia que o filho adotivo se tornasse um “vagabundo” e “puxasse alguém da família biológica”. O candidato B. (27 anos) relatou um caso de análise espiritual de uma criança adotiva que tinha antepassados indígenas e, por isso, não se adaptava na casa de uma família branca.

Essas falas dos candidatos servem para ilustrar esse lugar de estranho, de estrangeiro que a criança adotada ocupa, ela vem de outro lugar e, portanto, traz consigo todos os males do mundo e é ameaçadora porque se depositam nela conteúdos rejeitados pelo grupo familiar. Isso acontece também com filhos biológicos, porque é preciso ocorrer também um processo de adoção na filiação biológica, no sentido de que uma criança concreta que chega sempre é muito diferente da criança imaginada e idealizada pelos pais. Nesse aspecto, a diferença entre o biológico e o adotivo é que não dá para questionar a origem do filho biológico, embora muitos casais façam esse jogo de identificar a origem dos defeitos do filho na família biológica do cônjuge: quando, por exemplo, a criança tira dez na prova, ela é da família, puxou o pai ou a mãe, mas, quando a nota é zero, é do outro... Os filhos carregam o peso das esperanças dos pais para depois, muitas vezes, arrastarem, também, o fardo das próprias frus trações (Schettini, 1998).

De acordo com Koltai (1998, p. 111), “quando nos damos conta de que somos impelidos por algo que nos é estrangeiro [...] poderemos, quem sabe, modificar em profundidade nossa relação singular com o outro e abandonar a eterna procura de um bode expiatório”. Nessa perspectiva, defendemos o grupo de apoio psicossocial como um espaço privilegiado de reflexão sobre a decisão de adotar, suas motivações, fantasias, medos e, a partir disso, a aposta em uma condição melhor de elaboração desses conteúdos por parte dos candidatos que poderão, a partir da “gestação simbólica”, se implicar na relação com os filhos adotivos e evitar situações de conflitos com a criança adotiva por questões que não sejam da relação com ela. O grupo é só um disparador, um convite para essa reflexão, ele não consegue atingir com profundidade as questões presentes em cada candidato, mas possibilita apontamentos, o que pode mobilizar o início de um engajamento.

Para que a adoção dê certo, é preciso que o enxerto funcione, é preciso que a criança crie raízes na árvore de acolhida, sua história precisa ser tecida na relação com os pais adotivos (Dolto & Hamad, 1998). E para acolher um filho, é preciso que os pais acertem contas com suas filiações, heranças e desejos.

É comum uma idealização da família que se tornaria completa com a chegada da criança, repleta de harmonia, amor e respeito. Por isso, é tão importante trabalhar no processo grupal a desidealização da família e da adoção propriamente dita. O objetivo fundamental do grupo de apoio foi sensibilizar os pais para as diversas questões presentes na filiação, com conflitos e dificuldades inerentes aos relacionamentos entre pais e filhos, para que eles possam se preparar para essa nova fase da vida familiar. Queiroz (2004), que também realizou grupos com candidatos à adoção, percebeu que, quando o filho adotivo tem dificuldades, isso costuma produzir uma recusa, um arrependimento da adoção. Questões como a herança genética e a família de origem aparecem, assim como o fato de os pais não se implicarem nos sintomas dos filhos, porque não se reconhecem como pais, desejando devolver a criança e destituí-la do lugar de filho.

No grupo de apoio, são realizadas atividades que levem os sujeitos a se deparar com a história deles, com a herança material e imaterial que carregam para que possam, ao assumirem o desejo por um filho, incluí-lo na família porque “o que constitui família é essa operação de subjetivação que permite à criança inscrever-se simbolicamente numa linguagem [...]” (Hamad, 2002, p. 93). Nesse sentido, o papel da família diz respeito à acolhida da criança adotiva, ofertando-lhe pertencimento e filiação simbólica (Sequeira, 2007).

A criança adotada é estranha duplamente: foi abandonada pela família de origem e é estranha ao grupo adotivo. Encontramos situações de culpabilização das crianças: são elas que não se adaptam, são agressivas, não se vinculam, apresentam atitudes interpretadas como mais complicadas do que deveriam apresentar. Em vez de tentarem escutar o que a criança está dizendo, uma vez que é comum a criança adotiva testar o vínculo, ter comportamentos e atitudes para ver se os pais a aceitam e/ou se irão suportá-la, os candidatos acreditam que fracassaram e tendem a rejeitar a criança pelas dificuldades vinculares que apresentam.

Por isso, é tão importante preparar os pais para lidarem com essas situações e com os seus sentimentos e os da criança. O grupo de apoio se mostrou interessante no processo de reflexão sobre a escolha de adotar e sobre as mudanças na vida decorrentes dessa escolha, além de contribuir para uma desidealização da família, fazendo com que os candidatos pudessem compreender a família real como espaço de conflitos e crises, que contribuem para o fortalecimento dos vínculos e do desenvolvimento das pessoas. A técnica do grupo operativo que fundamentou o trabalho no grupo de apoio também se mostrou eficaz como recurso técnico norteador do trabalho.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Vania Conselheiro Sequeira
Curso de Psicologia (CCBS), Laboratório de Estudos da Violência e Vulnerabilidade Social (LEVV)
Rua Piauí, 181, 7º andar, Consolação
São Paulo – SP – Brasil. CEP: 01241-000
E-mail: vaniacsequeira@gmail.com

Submissão: 17.4.2013
Aceitação: 5.11.2013