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Psicologia: teoria e prática

Print version ISSN 1516-3687

Psicol. teor. prat. vol.16 no.3 São Paulo Dec. 2014

 

DESENVOLVIMENTO HUMANO

Gestantes tardias de baixa renda: dados sociodemográficos, gestacionais e bem-estar subjetivo

 

Low-income late-age pregnant women: sociodemographic, gestational data and subjective well-being

 

Embarazadas tardías de bajos ingresos: datos sociodemográficos, gestacionales y bienestar subjetivo

 

 

Maria Aurelina Machado de OliveiraI; Welyton Paraíba da Silva SousaI; Julianne Dantas de Oliveira PimentelI; Kadidja Suelen de Lucena SantosI; George Dantas de AzevedoI; Eulália Maria Chaves MaiaI
I Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal – RN – Brasil

Endereço para correspondência

 

 


Resumo

Estudo transversal descritivo e correlacional cujos objetivos foram traçar o perfil sociodemográfico e gestacional, avaliar o bem-estar subjetivo (BES) e relacionar os indicadores do BES com as variáveis idade, escolaridade e renda. Participaram 80 gestantes com 35 anos ou mais (grávidas tardias) de baixa renda. Os instrumentos de pesquisa foram questionário estruturado e escala de bem-estar subjetivo. Os dados são apresentados na forma de análises descritivas e correlacionais, conforme a natureza das variáveis. A maioria das gestantes vivia com o companheiro, não tinha renda pes­soal, pois tratava-se de donas de casa, e não planejou a gestação; e o bem-estar subjetivo apresentou valores equivalentes às médias para cada indicador (afetos positivos, afetos negativos e satisfação com a vida), enquanto as correlações significativas obtidas foram fracas. Conclui-se que, para o grupo avaliado, a baixa escolaridade e a baixa renda familiar foram variáveis associadas à satisfação com a vida das gestantes entrevistadas.

Palavras-chave: gravidez tardia; bem-estar subjetivo; apoio familiar; renda familiar; unidades básicas de saúde


Abstract

Descriptive and correlational cross-sectional study whose objectives were to delineate sociodemographic and gestational profile, to assess the subjective well-being (SWB) and to relate the indicators of SWB with the variables age, education and income. The study included 80 low-income with 35 or more years old (late-age pregnant women). The research tools were structured questionnaire and the subjective well-being scale. Data are presented as correlation and descriptive analysis according to the nature of the variables. The majority of pregnant women lives with a partner and has no personal income. They are housewives and did not plan the pregnancy; the subjective well-being index was equivalent values to the mean for each indicator (posi­tive emotions, negative emotions and life satisfaction), while significant correlations were weak. The conclusion is that low scholarship and low familiar income were varia­bles associated to the life satisfaction in the assessed pregnant women.

Keywords: late-age pregnancy; subjective well-being; family support; family income; health units


Resumen

Estudio descriptivo y correlacional de corte transversal que tuvo como objetivos delinear el perfil sociodemográfico y embarazos anteriores, evaluar el bienestar subjetivo (BS) y relacionar los indicadores de lo BS con las variables: edad, nivel de educación e ingreso. Participaron 80 mujeres embarazadas con 35 años o más (tardías) de bajos ingresos. Los instrumentos de investigación fueron cuestionario estructurado y escala de bienestar subjetivo. Los datos son presentados como análisis descriptivas y correlaciones, de acuerdo con la naturaleza de las variables. La mayoría de las mujeres embarazadas vivían con el compañero, no tenía ingresos personales, porque eran amas de casa y no planearan lo embarazo; y el bienestar subjetivo tuve valores equivalentes a las medias para cada indicador (afectos positivos, afectos negativos y satisfacción con la vida), mientras las correlaciones significativas fueran débiles. La conclusión es que para el grupo evaluado el bajo nivel de educación y bajos ingresos fueron variables asociadas a la satisfacción con la vida de las embarazadas entrevistadas.

Palabras clave: gestación tardía; bienestar subjetivo; apoyo familiar; ingreso familiar; unidades de salud


 

 

A gravidez com base em uma perspectiva biológica é um evento natural na vida da mulher que implica mudanças físicas, fisiológicas e emocionais e que interfere também no cotidiano de toda a família (Benute et al., 2011). A psicologia do desenvolvimento compreende a gestação como uma etapa do ciclo vital feminino, e a psicologia da gravidez, como um período repleto de mudanças fisiológicas, psicossociais, de identidade e que requer novas definições de papéis. Ambas as perspectivas teóricas consideram a gravidez como um fenômeno permeado por vivências complexas, influenciado pela história pessoal da gestante e por seu passado obstétrico, no qual o contexto da gravidez, a idade, o vínculo com o parceiro e o momento atual são essenciais para compreender o ciclo grávido-puerperal (Maldonado, 2002; Papalia, Olds, & Feldman, 2009). Essas perspectivas teóricas citadas subsidiaram este trabalho.

Assim, falar sobre gravidez tardia significa fazer uma associação direta com a idade materna, pois a denominação para esse tipo de gestação centra-se no fato de a mulher estar grávida com 35 anos ou mais. Esse conceito foi convencionado segundo o Conselho da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia, em 1958 (Andrade et al., 2004). A idade materna, geralmente, é o ponto mais salientado nas publicações, de forma que, no âmbito nacional, os destaques são para os aspectos biológicos ou aqueles que perpassam fatores obstétricos, perinatais, fetais e/ou os problemas no transcurso da gravidez, especialmente riscos adversos tanto para o feto como para a mãe (Andrade et al., 2004; Santos, Martins, Sousa, & Batalha, 2009).

A maioria dos artigos nacionais contempla os riscos adversos (hipertensão gestacional, risco de aborto e parto prematuro) associados à gestação tardia (Andrade et al., 2004; Gravena, Sass, Marcon, & Pelloso, 2012; Magalhães et al., 2006). Ressalta-se que poucos estudos nacionais abordam características vantajosas, como enfrentamento
da gestação de forma saudável (Oliveira, Galdino, Cunha, & Paulino, 2011; Parada & Tonete, 2009). Na literatura internacional, as informações sobre o tema são variadas, não focando apenas as condições desfavoráveis da gravidez tardia, abordando, por exemplo, a maturidade e as percepções positivas da gestação (Carolan, Davey, Biro, & Kealy, 2011; Cooke, Mills, & Lavender, 2010).

A gravidez tardia é um fenômeno que vem aumentando. No Brasil, o índice está em torno de 10,89%, de acordo com estatísticas vitais do Sistema de Informações de Nascidos Vivos [Sinasc] (2013). Possíveis explicações giram em torno de uma prioridade da mulher no investimento de uma carreira profissional e na busca por estabilidade financeira, além dos novos arranjos familiares ou mesmo de uma simples opção pessoal de ter filhos com uma idade um pouco "mais madura" (Santos et al., 2009; Gravena et al., 2012). Salienta-se que tais justificativas ainda são utilizadas atualmente e mais direcionadas ao público de classe média ou alta. Talvez a consolidação de novas uniões conjugais seja um dos fatores citados observado em gestantes de baixa renda (Parada & Tonete, 2009).

No intuito de abordar outros aspectos do fenômeno, ou seja, ir ao encontro das publicações que contemplam os riscos adversos, optou-se por estudar o bem-estar subjetivo (BES), considerando que a gravidez tardia também é permeada por aspectos positivos (Carolan et al., 2011; Santos et al., 2009), pois se compreendem as gravidezes nessa faixa etária de 35 anos ou mais como fruto de um contexto histórico-cultural no qual a mulher tem investido mais, seja na carreira profissional, seja em uma condição econômico-financeira mínima para ter filhos.

Esses fatores podem ter relação com o que cada gestante pensa e acredita ser suficiente para sua vida; tais elementos são considerados elementos constituintes do BES. A maioria dos estudos verificou associações positivas entre gravidez tardia e satisfação pessoal em grupos de mulheres com níveis elevados de escolaridade e renda familiar, de forma que são escassas as pesquisas que focam o fenômeno da gravidez tardia em populações de baixa renda. Logo, as possíveis justificativas da literatura para o fenôme­no não caracterizam de forma suficiente as gestantes de baixo nível socioeconômico.

O BES, variável avaliada neste estudo, é um fenômeno conhecido como avaliação subjetiva da qualidade de vida. Geralmente, é estudado com base em duas dimensões: 1. afetiva ou emocional, composta pelos afetos positivos e negativos; 2. cognitiva, representada pelos julgamentos globais de satisfação com a vida e avaliações sobre a vida tanto de forma geral como com aspectos sociais específicos, tais como trabalho e família (Guedea et al., 2006; Albuquerque & Tróccoli, 2004).

Os afetos positivos compreendem os estados de ânimo considerados benéficos, tais como contentamento, alegria, prazer, otimismo, serenidade, esperança e encantamento. Os afetos negativos englobam os sentimentos negativos, como pessimismo, desinteresse, apatia, raiva, desesperança, medo, repulsa, tristeza e desgosto (Diener & Diener, 1996). Ambos são sentimentos transitórios e representam mais um estado de ânimo que um julgamento cognitivo, sendo esperado um balanço entre emoções positivas e negativas (Albuquerque & Tróccoli, 2004).

A dimensão cognitiva é caracterizada pelo que a pessoa pensa sobre sua própria vida (presente, passado e futuro), e esse aspecto considera o quanto a pessoa acredita já ter alcançado ante seus objetivos pessoais; logo, pode ser compreendida como a avaliação global de uma pessoa sobre a própria vida (Guedea et al., 2006). Ainda contempla um julgamento cognitivo de domínios específicos na vida da pessoa, como amizades, trabalho e relacionamentos íntimos, familiares e com os colegas de trabalho, entre outros (Albuquerque & Tróccoli, 2004).

Com o BES, busca-se o entendimento do ser humano a partir de suas potencialidades, e não apenas de suas fraquezas, de forma que a intenção é diferen­ciar os níveis de bem-estar que as pessoas conseguem alcançar na vida (Diener & Diener, 1996; Park, Peterson, & Seligman, 2004). Partindo da perspectiva de potencialidades e se voltando para o bem-estar, os objetivos desta pesquisa foram: traçar o perfil sociodemográfico e gestacional de grávidas tardias, avaliar os indicadores (afetos positivos e negativos e satisfação com a vida) do BES, além de relacionar os indicadores do BES com as variáveis idade, escolaridade e renda.

 

Método

Participantes

Foi feito um estudo de corte transversal descritivo e correlacional, do qual participaram 80 gestantes tardias (com 35 anos ou mais). A quantidade de participantes foi definida com base no número de nascidos vivos por idade da mãe com 35 anos ou mais, referente ao ano de 2010, pois se supôs que tais dados estariam completamente compilados. Esses dados foram utilizados como suposta quantidade de gestantes tardias, e, com o auxílio do software GraphPad Statmate, versão 1.01i, com poder estatístico de 80% e alfa de 5%, efetuou-se o cálculo para amostra probabilística finita. O resultado foi uma amostra de 70 gestantes; 10% foram acrescentados ao número final, de forma a cobrir eventuais perdas durante a pesquisa. Logo, o tamanho amostral final foi definido em 80 grávidas tardias.

A amostra foi distribuída em termos de porcentagens pelos distritos sanitários de Natal, de acordo com o número de nascidos vivos por idade da mãe, dados fornecidos pela Secretaria Municipal de Saúde do Estado. As porcentagens obtidas nos distritos de nascidos vivos por idade da mãe e, consequentemente, de supostas gestantes tardias foram de 32,4% no norte, 29% no oeste, 22% no sul e 17% no leste. Dessa forma, participaram 26 gestantes nos bairros que compõem o distrito norte, 23 gestantes no distrito oeste, 18 no sul e 13 no leste.

Optou-se por utilizar dados referentes ao número de nascidos vivos, pois os dados da listagem do Sistema de Acompanhamento do Programa de Humanização no Pré-Natal e Nascimento (SisPreNatal) não estavam atualizados, logo não foram considerados confiáveis para representar a realidade de grávidas tardias da cidade do estudo.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, com protocolo n. 105/10, Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) n. 0120.0.051.000-10 e parecer n. 235/2010.

Instrumentos

Para coletar os dados, utilizaram-se um questionário estruturado com informações sociodemográficas (idade, naturalidade, escolaridade, renda, estado civil e profissão) e gestacionais (período gestacional, número de gestações anteriores, existência e tipo de aborto e planejamento da gravidez) e a escala de bem-estar subjetivo (Ebes), validada para o contexto brasileiro por Albuquerque e Tróccoli (2004), com resultados favoráveis de validade de construto, mediante análise dos componentes, análise fatorial e análise de itens pela teoria de resposta ao item.

A escala é composta de duas subescalas; a primeira parte engloba 47 palavras, que se referem aos afetos positivos e negativos, respondidas com base numa escala Likert que varia de 1 (nem um pouco) a 5 (extremamente); e a segunda parte compõe-se de 15 sentenças também respondidas com base numa escala Likert, variando de 1 (discordo plenamente) a 5 (concordo plenamente). Ambas avaliam a satisfação com a vida. O tempo para responder aos instrumentos foi, em média, de 10 minutos. Em 5% das participantes, os dados foram coletados mediante autoaplicação, e nos 95% restantes, o formato adotado foi de entrevista.

Procedimentos

Os critérios de inclusão foram ter idade mínima de 35 anos e realizar o pré-natal em unidades de saúde. O critério de exclusão consistiu em existência de um quadro de gravidez de alto risco, tipo de gestação com probabilidade maior de evolução desfavorável, tanto para a mãe quanto para o feto. Nessa condição, a grávida padece de alguma doença, sofreu algum agravo ou desenvolveu problemas, como condições clínicas preexistentes, como hipertensão arterial, exposição a teratogênicos e doença obstétrica na gravidez atual, como eclampsia (Ministério da Saúde, 2010). Devido à possibilidade de intensificação de tal quadro com a participação no estudo, como falar de afetos negativos que poderiam levar à rememoração de fatos que mobilizassem a gestante a ponto de sentir algum mal-estar, foram excluídas gestantes com histórico de doenças psiquiátricas, conforme orientações para a aplicação da escala utilizada.

Depois da aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa, a pesquisadora responsável selecionou as unidades de saúde em cada distrito com base na maior incidência de gestantes na faixa etária indicada na listagem do SisPreNatal. As gestantes foram convidadas a participar do estudo nas unidades de saúde em que estavam realizando o acompanhamento pré-natal. Ao todo, foram selecionadas 20 unidades de saúde e uma maternidade, distribuídas da seguinte forma: sete na região norte, quatro na sul, seis na oeste e três na leste. A maternidade também se localiza na região Leste. Após os esclarecimentos sobre a pesquisa e o sigilo das informações e a obtenção do consentimento livre e esclarecido por escrito de cada participante, estas responderam às informações contidas nos instrumentos da pesquisa.

Os resultados são apresentados na forma de estatísticas descritivas (informações referentes ao perfil sociodemográfico e gestacional) e inferenciais. Usou-se a correlação de Pearson para testar possíveis associações entre as variáveis idade, escolaridade, renda e os indicadores do BES. Para realizar tais análises, fez-se uso de um software de planilhamento eletrônico (Statistical Package for the Social Science – SPSS 18.0). O nível de significância adotado foi de 5% para o erro alfa, logo a hipótese nula foi rejeitada quando p ≤ 0,05.

 

Resultados

As informações sociodemográficas são apresentadas na forma de média ou porcentagem, expondo apenas as mais citadas pelas grávidas. A média da idade das gestantes foi de 36,99 (DP ± 2,24), das quais 87,50% eram naturais do Estado do Rio Grande do Norte. Acerca da escolaridade, 67,50% concluíram o ensino médio (15 anos de estudo), e, quanto à renda, 55% apresentaram renda menor que um salário mínimo. No tópico religião, prevaleceu a católica, com 66,25%. Na caracterização do estado civil, houve predominância da união consensual: 51,25%. A profissão mais citada foi "do lar", 31,25%.

Acerca das informações sobre a idade gestacional, a média foi de 23,23 semanas (DP ± 9,01). Sobre a quantidade de gestações anteriores, a média foi de 2,52 gestações (± 1,51). De todas as gestantes tardias pesquisadas, apenas 8,8% eram primigestas, sendo 91,2% multigestas. Sobre o número de abortos, é necessário salientar o fato de 30 das 80 gestantes tardias terem admitido a ocorrência de algum tipo de aborto. Quanto ao tipo, 96,67% foram espontâneos, e apenas 3,33%, provocados. Sobre o planejamento da gestação, 67,50% das participantes afirmaram não ter planejado.

A respeito do BES, a média dos afetos positivos foi de 68,98 (± 13,50). Nesse quesito, os valores estabelecidos para o mínimo são 21 pontos e máximo 105; para os afetos negativos, 53,58 (± 20,08), com mínimo de 26 e máximo de 130; e para satisfação com a vida, 47,54 (± 4,54) mínimo 15 e máximo 75. Com tais dados, realizaram-se análises com correlação de Pearson com todos os indicadores do BES e em todas as variáveis anteriormente abordadas que eram do tipo contínuas. Contudo, somente as variáveis idade, escolaridade e renda pessoal obtiveram valor de p significativo, cujos dados são apresentados na Tabela 1.

 

As análises indicaram valores estatisticamente significativos para afetos positivos e renda com correlação positiva fraca, afetos negativos e idade apresentaram correlação negativa fraca, e satisfação com a vida e escolaridade indicaram correlação positiva fraca. No tópico subsequente à discussão dos dados, salienta-se que os demais coeficientes de correlação entre os resultados da escala de BES e as variáveis citadas não foram estatisticamente significativos. A discussão dos dados foi direcionada para os resultados que se destacaram, bem como para as análises que foram estatisticamente significativas.

 

Discussão

Os dados deste estudo acerca da média de idade observada estão de acordo com indicadores sociodemográficos do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE] (2010). Em 2010, o censo realizado pelo IBGE identificou mudanças na fertilidade da mulher brasileira, de forma que, nos grupos acima dos 30 anos de idade, observou-se um aumento da participação em relação à taxa de fecundidade em comparação com os do censo de 2000. Assim, os dados deste estudo sinalizam que a gestação tardia também é uma realidade em grávidas de baixa renda.

Sobre esse fato, autores afirmam que engravidar nessa idade constitui um fenômeno­ crescente não somente nos países desenvolvidos (Austrália, Grã-Bretanha e Estados Unidos), mas também naqueles em desenvolvimento (Brasil e Chile); e esse "envelhecimento"­ da idade materna levanta algumas questões interessantes e dilemas para o atendimento clínico (Carolan et al., 2011). Assim, este estudo aponta a gravidez tardia como fenômeno que ocorre na capital Natal e no Brasil, num contexto de baixa renda, pois o número de nascidos vivos por idade da mãe com 35 anos ou mais, gestantes assistidas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) (baixa renda) nessa cidade, é de aproximadamente 12%. Esse índice é maior que a porcentagem do país, que é de 10,89% (Sinasc, 2013). A partir desses dados, infere-se a quantidade de gestações tardias.

Em relação à naturalidade, mais de 80% das entrevistadas eram do Rio Grande do Norte, o que demonstra que a assistência pré-natal oferecida pelo SUS vem sendo prestada às mulheres do próprio Estado. Para a categoria religião, observou-se a predominância da católica, dado que reflete o contexto brasileiro, visto que essa religião é seguida pela maioria da população brasileira. Desse modo, os achados desta pesquisa estão em consonância com dados do IBGE (2010).

As gestantes pesquisadas apresentaram baixa escolaridade. Sobre tal fato, estudos apontam a importância do grau de instrução como indicador do nível socioeconômico e da qualidade de vida (Costa et al., 2011). Dessa forma, a relação entre o nível de escolaridade e a gravidez pode interferir na fecundidade da mulher e no conhecimento sobre o uso de métodos contraceptivos (Teixeira, Rocha, Moraes, Marques, & Villar, 2010). Ainda faz parte desse quadro o fato de as gestantes considerarem que é mais difícil engravidar acima de 35 anos e, portanto, não precisarem mais usar métodos contraceptivos.

Outro ponto abordado foi a renda pessoal. Analisar esse aspecto é importante, visto que representa um indicador de saúde, já que menores condições econômicas remetem a uma maior restrição de acesso aos serviços de saúde e recursos de prevenção (Teixeira et al., 2010). Assim, a renda é um fator que poderá influenciar no planejamento da gestação, bem como na realização do pré-natal. Estudo com mulheres economicamente mais carentes encontrou correlação positiva entre baixa qualificação e sobrecarga de funções domésticas, que implica mais dificuldades, seja em conseguir um emprego, seja em manter-se empregada (Parada & Tonete, 2009). Essa assertiva apresenta-se como possibilidade para a compreensão do predomínio de gestantes "do lar" na pesquisa, haja vista que esta se voltou para o público de baixa renda.

De acordo com dados do IBGE, a porcentagem de mulheres economicamente ativas sem nenhuma ocupação nos anos de 2010 e 2011 é de, respectivamente, 54,1% e 53,7%, índices que estão em consonância com o fato de a profissão "do lar" ter sido a mais citada. Acerca desse resultado, também se destaca a relação entre a baixa escolaridade das entrevistadas e o tipo de ocupação a que se dedicam: as gestantes do setor público são, em geral, donas de casas (Gomes et al., 2011).

A predominância da união consensual demonstra que a presença de um parceiro constitui fator importante para que as gestantes tardias pesquisadas considerem relevante realizar o pré-natal, além de ser fator protetivo quanto a efeitos adversos para o bebê (Sabroza, Leal, Gama, & Costa, 2004). Além disso, está de acordo com os dados do censo da população brasileira, no qual a união consensual é preponderante. Conforme o Censo demográfico 2010 (IBGE, 2010), houve um aumento expressivo das uniões consensuais (de 28,6% para 36,4% do total) e uma redução dos casamentos.

É importante considerar fatores como a história pessoal da gestante e seu passado obstétrico, o contexto da gravidez, sua idade e vínculo com o parceiro, assim como conhecer a idade gestacional, pois esses fatores acarretam transformações não apenas no desenvolvimento do bebê, mas também no da mãe, visto que cada trimestre é permeado por mudanças físicas e psicológicas na vida da mulher (Maldonado, 2002). E o período durante ou após a gravidez implica ainda que a gestante passe por uma espécie de ajustamento psicológico e social para lidar com o bebê e dispor dos cuidados necessários.

A maioria das gestantes tardias estudadas eram multigestas, com número de gestações anteriores em conformidade com análises do IBGE (2010), que ressalta o declínio dos níveis de fecundidade em todas as grandes regiões brasileiras. Embora a maioria das gestantes fosse multípara, o número médio de filhos é próximo ao encontrado no país. Tal informação tem ligação direta com o que afirmam os autores estudados sobre o fato de ter tido filhos estar associado ao risco de a gravidez não ser planejada (Prietsch, González-Chica, Cesar, & Mendoza-Sassi, 2011), fato reconhecido como reflexo do perfil social, no qual gestantes com padrão socioeconômico mais baixo tendem a apresentar maior número de gestações e partos no Brasil (Gomes et al., 2011).

Das tardias, 30 gestantes, das 80 entrevistadas, afirmaram ter realizado algum tipo de aborto. Tais dados estão em conformidade com o fato de a maior porcentagem de aborto ocorrer na faixa etária de 20-34 anos. Assim, a tendência é um aumento do número de abortos ao longo dos anos (Silva & Vieira, 2009). A partir dessa perspectiva, pode-se inferir uma tendência de gestantes tardias apresentarem um maior índice de aborto. Quanto ao tipo de aborto, mais de 90% foram classificados como espontâneos,­ ou seja, a perda do feto não foi oriunda de manipulação voluntária. Os motivos que levam à interrupção da gravidez envolvem aspectos particulares e individuais, questões sociais, econômicas e emocionais, além do fato de o aborto poder contribuir para o processo de infertilidade futura (Silva & Vieira, 2009).

A cada ano, pelo menos 80 milhões de mulheres em todo o mundo passam pela experiência de uma gravidez não planejada. A ocorrência desse fenômeno é responsável por um risco adicional no número de abortamentos e, além do episódio em si, aumenta o risco de morbidade e mortalidade ligadas ao aborto (Prietsch et al., 2011). Diante do exposto, deve-se considerar que há as dificuldades de atendimento nos serviços de saúde, especialmente no que tange à ocorrência do planejamento familiar ou ao acesso a ele pelas mulheres que fazem parte de uma parcela da população de baixo nível socioeconômico.

Sobre o BES, a média dos afetos positivos foi quase 6 pontos acima do valor médio da escala. Quanto aos afetos negativos, a média obtida foi de 24 pontos abaixo do valor médio, e a média da satisfação com a vida foi 2,5 pontos acima. Os estudos pontuam que, com o aumento da idade, a tendência é de que os afetos positivos diminuam; entretanto, os afetos negativos e a satisfação com a vida tendem a aumentar (Diener & Diener, 1996; Koo, Rie, & Park, 2004).

Nas gestantes tardias pesquisadas, apenas o valor da satisfação com a vida está de acordo com a literatura, enquanto os outros indicadores foram contrários. Isso ratifica que a gestação tardia não contempla apenas fatores adversos, como a maioria dos estudos nacionais sinaliza; afinal, os escores tanto de afetos positivos como de satisfação com a vida apresentaram valores além da média, justamente o contrário do que as referências pontuam acerca desses indicadores quando se considera o fator idade.

Sobre os dados da correlação de Pearson entre os indicativos do BES e as variáveis idade, escolaridade e renda, expostos na Tabela 1, o valor de p foi significativo com correlação positiva fraca entre afetos positivos e renda, o que significa que valores altos de afetos positivos tendem a ser associados com altos valores da renda. Tais achados são confirmados por Luhmann, Hofmann, Eid e Lucas (2011) que indicaram que a relação entre renda e afetos (positivos ou negativos) é fraca, pois os afetos são fortemente associados à prosperidade psicológica social; assim, a relação é forte entre renda e satisfação com a vida.

Desse modo, o fato de essas gestantes tardias viverem em condição de baixa renda parece não ter influenciado tanto seus afetos com o aumento da idade, como estudos anteriores já citados indicaram. Portanto, a renda foi associada aos afetos positivos nas grávidas tardias pesquisadas, mas sua influência parece não se destacar, já que a modalidade de correlação foi fraca. Talvez outras variáveis não contempladas, como condições clínicas de mãe e bebê e as condições emocionais da mãe para lidar com as demandas emocionais oriundas da gestação, possam ter contribuído para a renda não se relacionar de maneira significativa aos afetos (Gomes, Donelli, Piccinini, & Lopes, 2008).

A correlação foi negativa fraca entre afetos negativos e idade. Assim, quanto maior a idade, menores os afetos negativos. Sobre tal fato, os achados na literatura são contrários, pois a idade geralmente é considerada um preditor significativo para mudanças tanto nos afetos positivos e negativos como no BES de forma geral, já que o afeto negativo tende a aumentar com a idade (Koo et al., 2004).

Supõe-se que os resultados tenham sido diferentes em decorrência do contexto social das grávidas estudadas, que talvez não diferenciasse as gestantes pela idade. Cita-se, como exemplo, classificar a gestação nessa idade como de risco durante o período de realização do pré-natal dessas grávidas. Tal tendência geralmente é observada nos serviços de saúde, cujos profissionais consideram apenas a variável idade para classificar uma gestação de risco, quando existem outros fatores que precisam ser considerados, como existência de doenças anteriores ou decorrentes do período gestacional, história reprodutiva anterior – aborto habitual, entre outros (Ministério da Saúde, 2010).

Sobre a satisfação com a vida, a correlação foi negativa fraca apenas com a variável escolaridade, isto é, a satisfação com a vida tende a aumentar à medida que os valores referentes à escolaridade diminuem. Tais dados não estão de acordo com autores que salientam que índices altos de escolaridade são associados com altos índices de satisfação com a vida (Koo et al., 2004). Então, para as gestantes tardias pesquisadas, os resultados foram diferentes, pois a menor escolaridade esteve relacionada à maior satisfação com a vida.

Assim, para o grupo de gestantes tardias pesquisado, a baixa escolaridade foi uma variável associada à satisfação com a vida, de forma que se supõe que variáveis não pesquisadas podem ter influenciado, por exemplo, o apoio social, conforme estudo que ressalta que o contexto de baixa renda tem como característica um bom nível de apoio social (Guimarães & Melo, 2011).

Salienta-se que as outras correlações dos indicadores do BES com as variáveis idade, escolaridade e renda não apresentaram coeficientes estatisticamente significantes. Tais resultados sinalizam que o indicador do BES e a variável sociodemográfica (idade, escolaridade ou renda) não estavam relacionados nas grávidas estudadas.

Os fatores do BES, especialmente a satisfação com a vida e os afetos positivos, são bons preditores da autopercepção em saúde. Estudos indicam que indivíduos mais satisfeitos com a vida e que experienciam frequentemente mais emoções positivas tendem a exercer tais sentimentos de forma mais regular e relataram melhor autopercepção de saúde, o que, por sua vez, destaca a relevância da autoavaliação da saúde decorrente da relação positiva entre BES e mortalidade (Wiest, Schüz, & Webster, 2011).

Logo, estar satisfeito e sentir-se bem é indiscutivelmente importante não somente para o momento presente na vida da entrevistada, pois as implicações de índices de médio a alto do BES têm efeitos num espectro mais amplo, devido à associação positiva com a esperança de vida, independentemente de idade, sexo, religião, escolaridade, situação socioeconômica e saúde física. Pessoas que relataram maior satisfação com a vida e afetos positivos tendem a viver mais tempo (Wiest et al., 2011).

As publicações que abordam gestantes com 35 anos ou mais têm se voltado para aspectos de riscos (pré, peri ou pós-natal) adversos decorrentes dessa gestação, isto é, a idade tem sido vista como um fator determinante para o desenvolvimento de uma gestação de risco (Gravena et al., 2012; Magalhães et al., 2006). Todavia, os resultados deste estudo sugerem que características positivas, como o BES – visto como indicador da qualidade de vida –, também são presentes em tais gestantes.

Nesta pesquisa, o efeito da idade parece ainda não ter um teor estigmatizado para essas gestantes tardias, pois as médias dos indicadores do BES foram próximas aos valores médios. Quando se efetuaram análises com variáveis consideradas relacionadas, as correlações foram fracas, algumas com resultados contrários ao que a literatura pontua. Isso indica que as gestantes tardias pesquisadas apresentaram bons valores de BES, além de idade, escolaridade e renda não influenciarem de forma tão significativa esse fenômeno.

O trabalho cumpriu seus objetivos, que foram traçar o perfil sociodemográfico e gestacional, e aferir os valores do BES e ainda possíveis relações do BES com as variáveis idade, escolaridade e renda. A limitação consiste na impossibilidade de generalização dos dados, pois as informações apresentadas se referem às participantes do estudo, não podendo ser utilizadas como um todo para grávidas brasileiras. Porém, tais resultados podem ser úteis para reflexão acerca da conotação dada à variável idade em gestantes com 35 anos ou mais, pois existe a possibilidade de, com uma idade avançada, a gestante contemplar maturidade, repertório de experiências de vida e um bom nível de BES.

Apesar de o grupo estudado apresentar uma série de fatores que poderiam influenciar de maneira negativa, como contexto de baixa renda, gestação não planejada e profissão com renda menor que um salário mínimo, os resultados encontrados na pesquisa podem estar relacionados tanto com uma maior maturidade quanto com a experiência anterior de ser mãe, de modo que a idade das grávidas pesquisadas pode ser vista como um fator que contribuiu positivamente para os escores de BES.

Portanto, este estudo tem fundamental relevância, visto que aborda uma temática com crescimento considerável no mundo – o aumento da idade gestacional feminina. Esses resultados podem subsidiar a atenção à saúde no que concerne a políticas voltadas ao público de gestantes nessa faixa etária, com a intenção de proporcionar uma assistência à saúde que almeje desmitificar alguns preconceitos acerca da idade, além de incrementar a atenção básica e a capacitação dos profissionais que trabalham com esse público, para auxiliá-los com conhecimentos e práticas sobre esse fenômeno.

 

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Endereço para correspondência:
Maria Aurelina Machado de Oliveira
Rua das Orquídeas, 782, ap. 303, Capim Macio
Natal – RN – Brasil. CEP: 59078-170
E-mail: maria.aurelina@yahoo.com.br

Submissão: 30.1.2014
Aceitação: 8.9.2014

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