Introdução
Muito embora a Perícia Médico Previdenciária (PMP) seja apenas um dos diferentes espaços de atuação do profissional médico, ela se tornou o segmento mais conhecido da comunidade médica e da população em geral ao longo da história da previdência social brasileira pelo seu crescimento significativo, além de em virtude da estrutura previdenciária e das demandas de trabalhadores lesionados pelo trabalho (Ribeiro, 2018 ).
Conforme explica Cherem ( 2018 ), a PMP é um tipo de perícia administrativa realizada pelo profissional médico enquanto perito médico federal, que atua consubstancialmente para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Aborda características constatáveis no segurado requerente a benefícios assistenciais ou previdenciários, comuns ou acidentários, que lhe permitam reconhecer ou não o direito a eles, ou seja, aos direitos previstos pela Lei n. 8.212, de 24 de julho de 1991, que dispõe sobre a organização da Seguridade Social brasileira.
Para o Conselho Federal de Medicina (CFM), a PMP é uma atividade realizada também no âmbito do INSS, e se presta a verificar a incapacidade laborativa dos trabalhadores segurados e lhes conceder (ou não) benefícios por incapacidade para o trabalho. No entendimento de Gonzaga ( 2004 ), essa é uma atribuição exclusiva dos médicos peritos previdenciários.
O texto que se desenvolve a seguir, após a descrição da metodologia com ênfase em História Social do Trabalho, apresenta os resultados do objeto do estudo, isto é, a tentativa de construção de uma História da constituição das PMP no Brasil, que são as que visam estabelecer o nexo entre o agravo à saúde apresentado pelo trabalhador(a) e o seu trabalho e versam sobre a incapacidade laboral.
Metodologia
O delineamento do estudo que resultou neste artigo parte do método histórico-dialético (Paulo Netto, 2011 ) e historiográfico (Certeau, 1982 ), e envolve um trabalho de pesquisa bibliográfica e documental que objetivou esboçar a gênese e constituição das PMP no país, ressaltando seu conteúdo crítico.
A pesquisa bibliográfica “. . . não é mera repetição do que já foi dito ou escrito sobre certo assunto, mas propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras” (Lakatos & Marconi, 2003 , p. 183). Tal como descrito por Gil ( 2008 ), foi desenvolvida em Ribeiro ( 2018 ) a partir da consulta a livros, artigos, teses, anais, dissertações, periódicos e outros. Já a pesquisa documental visou explorar: documentos de primeira mão, ou seja, que não receberam qualquer tratamento analítico, tais como leis, emendas constitucionais, portarias, decretos, normativas, medidas provisórias, regulamentos, petições, súmulas, orientações jurisprudenciais, acórdãos, reportagens de jornal; e documentos de segunda mão que, de alguma forma, já foram analisados, tais como relatórios, tabelas estatísticas, anuários e publicações oficiais de órgãos governamentais, especialmente da Previdência Social. O documento se torna um acontecimento ao dar textualidade ao fato ocorrido. De forma paradoxal, ele só existe por causa do acontecido e o acontecimento só existe a partir de sua textualização. Assim, os textos e documentos levantados tanto na pesquisa bibliográfica quanto na etapa documental compreendem o período de meados do século XIX até 2020, anos anteriores à pan(sin)demia de covid-19 (Ribeiro, 2018 ). Em linhas gerais, de acordo com Certeau ( 1982 ), o próprio recorte da documentação está sujeito às ações do lugar social no qual o pesquisador está inserido.
Valemo-nos da Análise de Conteúdo (AC) (Bardin, 2004 ) enquanto um procedimento sistemático de descrição do expresso no material coletado e analisado, o que possibilitou pensar indicadores que permitiram inferir conhecimentos relativos à sua produção e espaços de circulação. Cumpriram-se as etapas da AC e, em seguida, os dados brutos foram codificados, permitindo atingir uma representação do seu conteúdo e dando seguimento a um processo dedutivo. Nesse momento da análise, construímos os núcleos temáticos segundo critérios relativos ao referencial teórico e aos objetivos da pesquisa.
Este manuscrito é produzido com os dados parciais da pesquisa de pós-doutoramento intitulada “Ações intersetoriais na construção das perícias em Saúde do Trabalhador”, que foi aprovada junto ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) sob CAAE n. 92261318.1.0000.5505 e amplia os achados de Ribeiro ( 2018 ). Valendo-nos do método histórico-dialético (Paulo Netto, 2011 ) expressado neste artigo na elaboração da pesquisa, buscou-se: (1) uma análise diacrônica sobre a gênese e desenvolvimento das PMP no Brasil enquanto um campo de poder, lutas e (dis)tensões, ou seja, enquanto um processo social e historicamente determinado porém ainda em curso, num movimento constante de transformações no interior de suas contradições e que influenciam tais experiências intersetoriais; e (2) uma análise sincrônica, pensando sua estrutura e função social e sublinhando o papel conservador que têm se assumido ao negar acesso a direitos pelos trabalhadores, tais como os benefícios por incapacidade laborativa como é próprio da contradição entre capital e trabalho. Mesmo que se parta de uma visão interdisciplinar, a prática historiográfica também tem um limite, dado pela disponibilização de documentos e métodos para os seus estudos. Nossa visão se baseia na construção e desconstrução, no paradigma de tese-antítese-síntese, de modo que faz parte do cotidiano da “operação historiográfica” a ação do “conteúdo” sobre “a forma” (Certeau, 1982 ).
Resultados
A periodização histórica, apresentada nesta seção, configura os núcleos temáticos em que se apresenta a diacronicidade, ou seja, a gênese e o desenvolvimento das PMP no bojo das práxis em trabalho-saúde no Brasil, e a sincronicidade, pensando sua estrutura e função (Paulo Netto, 2011 ). Os períodos históricos/núcleos temáticos foram assim organizados: (1) do Brasil Império à Redemocratização pós-Estado Novo; (2) Ditadura Civil-Militar (1964-1985); (3) da “Nova República”, a Constituinte e a Nova Constituição, até o primeiro governo Dilma (2010-2014) e; (4) Do 2º governo Dilma (2014-2016), período Temer (2016-2018) e primeiros anos do governo Bolsonaro (2018-2020).
O surgimento e institucionalização da instância médico-pericial no Brasil: do Império à Redemocratização pós-Estado Novo
De acordo com Franca ( 1987 ), a primeira publicação de caráter médico-pericial no Brasil ocorreu em 1814, em Minas Gerais. Seu autor foi o médico e senador do Império, Gonçalves Gomide. Intitulou-se “Impugnação analítica do exame feito pelos clínicos: Antônio Pedro de Souza e Manuel Quintão da Silva, em uma rapariga que julgaram santa, próxima da Vila Nova da Rainha de Caeté, comarca de Sabará, oferecida ao Dr. Manuel Vieira da Silva” (Franca, 1987 ) . Vê-se, curiosamente, que o relato da primeira perícia médica de que se tem registro descreve uma meta-perícia, ou seja, a contestação de uma perícia na qual Gomide questiona o ato médico de seus colegas A. P. de Souza e M. Q. da Silva.
Franca ( 1987 ) aponta que foi somente em 1850, a partir do “Regulamento 737” baseado no Direito português, que a perícia médica é oficialmente tratada no Brasil, e que em 1854 foram dados os primeiros passos no sentido de se regulamentar a prática médico-pericial na perspectiva da Medicina Legal. Assim, a atenção dispensada ao ensino da Medicina Legal dentro das Faculdades de Medicina a partir desse período não se dá por acaso.
Desde meados do século XIX se vivia a chamada “era bacteriológica”, quando acontece um deslocamento de cunho ideológico da abordagem eminentemente social da causalidade das doenças pela medicina para a abordagem das causas específicas das doenças. No que tange às doenças relacionadas ao trabalho, sua causalidade era imputada a agentes químicos, físicos ou biológicos. Nessa perspectiva, a Medicina Legal assume, historicamente, o caráter de uma subciência médica dedicada ao estudo dos nexos causais específicos entre determinado agravo à saúde e a ocupação exercida pelo indivíduo, pressupondo a exposição aos referidos agentes e sendo aliada, portanto, aos pressupostos da Medicina do Seguro, que busca a reparação pecuniária dos “infortúnios” do trabalho (Mendes & Waissmann, 2013 ).
Muñoz et al. ( 2010 ) apontam que obviamente não poderia haver perícia médica de cunho trabalhista, objeto deste texto, antes do aparecimento da legislação que regulava tais questões. A proteção acidentária é anterior ao próprio nascimento da Previdência Social em 1923, quando o governo brasileiro editou o Decreto n. 3.724 em 15 de janeiro de 1919, que instituiu a indenização às vítimas de acidentes em que se pontue que a modalidade “por morte” era correspondente a três anos de trabalho (Todeschini, 2000 ). Em 1934 se estabelece, conforme decreto do Departamento Nacional do Trabalho (DNT) ligado ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, a obrigatoriedade da comunicação da ocorrência de acidentes de trabalho à autoridade policial, em que também se previa a imposição de multas administrativas ao empregador do acidentado. No mesmo ano, são nomeados pelo então Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio os primeiros inspetores-médicos do trabalho. Assim, desde o início dos anos 1930 se observa o surgimento de leis tratando do assunto, e a Medicina Legal e a chamada “Polícia Médica” assumem papel central nessa empreitada.
Favero ( 1958 ) descreve que a Medicina Legal age e deve agir na aplicação dos conhecimentos médico-biológicos, visando a elaboração e execução das leis que deles carecem. E é justamente no âmbito dessa disciplina que se observa o desenvolvimento significativo de uma produção e divulgação científica importante para subsidiar as ações médico-periciais previdenciárias. Não obstante, nos anos 1950 e 1960, o capital adentra sua era monopolista de exploração intensiva do trabalho, conforme salienta Ribeiro ( 2010 ), em que se predominavam os acidentes e doenças do trabalho “típicas”, mais conhecidas como doenças profissionais ou ocupacionais, ou seja, aquelas em que o nexo de causalidade era direto e relacionado com determinados agentes e fatores patogênicos. Nesse momento, a Medicina do Trabalho (MT) e a Saúde Ocupacional (SO) explicavam e apreendiam a realidade mediante a noção de risco probabilístico e a ação dos agentes de risco (Breilh, 2008 ; Lacaz, 1996 ).
Para Mendes ( 1980 ), é da Medicina Preventiva que emergem as bases para a enunciação da SO pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) ao adotarem termos como prevenção, proteção, riscos e adaptação na perspectiva de intervir na saúde dos trabalhadores. É na SO que a Medicina Legal vai buscar apoio, mesmo se sabendo que a concepção francesa da Inspeção Médica do Trabalho, orientada pela Medicina Legal, dá lugar à “escola norte-americana” da Higiene Industrial e da Saúde Ocupacional (Lacaz, 1996 ).
Muñoz et al. ( 2010 ) relatam que em 1962 é formada a Ordem dos Peritos Médicos do Brasil, com a finalidade de congregar os profissionais da área. Na ocasião, discutiram o ensino da especialidade e elaboraram dois programas de Medicina Legal: um para ser lecionado nas faculdades de medicina e outro para as faculdades de direito. Na formação médica, os cursos deveriam tratar de questões cíveis e criminais de deontologia e identidade, bem como de traumatologia, tanatologia, sexologia e da assim chamada Medicina Social, que incluía, para os peritos médicos, a infortunística que tratava das perícias de doenças e acidentes ocorridos no trabalho. Além disso, tais cursos deveriam tratar de temas relacionados às perícias previdenciárias e administrativas ao lado de temas da Criminologia e da Psicopatologia.
Ditadura Civil Militar (1964-1985)
Em 1967 é fundada a Sociedade Brasileira de Medicina Legal, que veio a substituir a Ordem dos Peritos Médicos do Brasil (Ribeiro, 2018 ). Essa entidade se filiou à Associação Médica Brasileira (AMB), passando, com o aval dessa, a emitir o título de especialista em Medicina Legal, reconhecido pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pela Comissão Nacional de Residência Médica do Ministério da Educação como especialidade médica. Mais tarde passou a se designar Associação Brasileira de Medicina Legal (ABML).
Em 1968, é criada a Associação Nacional de Medicina do Trabalho (ANAMT), que já contava com um respaldo legislativo. O setor estava se ampliando e os médicos brasileiros relacionados à área que compareciam aos congressos internacionais sentiram a necessidade de uma associação na qual pudessem se reunir para atualizar e trocar conhecimentos.
Como consequência, as perspectivas para a então recém-criada ANAMT crescem resultando, nos anos seguintes, em ações de sua diretoria de se dedicar a formar núcleos regionais, as chamadas Federadas, percorrendo os estados brasileiros e criando departamentos de Medicina do Trabalho em associações médicas. Uma semana após seu surgimento, a entidade foi reconhecida em ato oficial e registrada em cartório como Departamento Científico da AMB.
A busca pela expansão do atendimento médico no âmbito da Previdência teria ocorrido somente com a criação do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (INAMPS), em 1977. Esse instituto se constituiu com o propósito de prestar atendimento médico aos trabalhadores contribuintes da Previdência e seus dependentes, estando vinculado o Sistema Nacional de Previdência e Assistência Social (SINPAS) que congregava outras instituições, como o próprio INPS (Matos, 2016 ). Segundo Motta (2019), em 1992, com a edição da Lei n. 8.455, esses requisitos seriam retirados e o atendimento passaria a ser universal. De acordo com Almeida ( 2012 ), entre 1976-1977 e 1983-1984 a perícia se torna prática reconhecida pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e passa a ser exercida por médicos do antigo Instituto Nacional da Previdência Social (INPS).
“Nova República”, a Constituinte e a Nova Constituição até o primeiro governo Dilma (2010-2014)
Com a nova Constituição Federal aprovada em 1988, a previdência passa a ser considerada (ao lado da saúde e da assistência social) um conjunto integrado, denominado de Seguridade Social (Batich, 2010 ). Nesse contexto, em 1989 ocorre a fundação da Sociedade Brasileira de Perícias Médicas (SBPM). Congregaram-se a ela, posteriormente, os médicos peritos da Previdência Social e médicos que executavam outros tipos de perícias, tornando-a cada vez mais forte e representativa no campo pericial. Contudo, devido a uma ainda incipiente qualificação profissional na área pericial, no então renomeado INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) estavam profissionais médicos sem qualificação específica, talhados peritos pela própria prática cotidiana e virtualmente sem treinamento promovido pela autarquia previdenciária. Concorriam com eles os chamados “credenciados”, médicos da iniciativa privada igualmente sem formação específica e que atuavam em consultórios particulares, em que emitiam laudos para o INSS.
Almeida ( 2012 ) enfatiza que, devido ao fato de a categoria médico-pericial ser ainda jovem no mercado de trabalho, no início dos anos 2000 não existia uma legislação específica, o que não implicava que não fossem realizadas perícias médicas nesse período. Em 2001, o INSS contava com cerca de 3.500 médicos peritos credenciados e cerca de 2.500 médicos peritos próprios. A insuficiência de profissionais no quadro da instituição para a realização de perícias médicas levou a contratação de médicos terceirizados, cujos laudos deveriam ser homologados pelos que atuavam no INSS. No entanto, nesse mesmo ano a necessidade dessa homologação passou a não ser mais uma exigência, o que teria gerado um “descompromisso” maior dos médicos terceirizados no processo de avaliação e concessão de benefícios (Matos, 2016 ).
Santos Júnior e Cherem ( 2013 ) apontam que somente entre 2001 e 2002 houve um crescimento de 62,3% na concessão dos auxílios-doença previdenciários e acidentários por parte dos peritos-médicos previdenciários, que ultrapassaram a soma de dois bilhões de reais. Devido à alta demanda, a quantidade de auxílios-doença emitidos passou a crescer de forma muito rápida. A partir de meados de 2002 e de modo a estabelecer maior controle e gestão, a Diretoria de Benefícios do INSS, lança no mesmo ano, o Manual Técnico de Perícia Médica, documento que dá diretrizes ao perito médico na realização de seu trabalho. Em 2003, a resolução 133/03 implementa o Sistema de Administração de Benefícios por Incapacidade (SABI), um software computacional que integra o laudo médico pericial, os dados administrativos, e automaticamente já processa o benefício e emite o Comunicado de Decisão, chamado de CRER. Entre 2004 e 2007, o SABI é implantado nas mais de 1.100 Agências da Previdência Social (APSs) espalhadas pelo Brasil.
Ribeiro ( 2018 ) aponta que, como forma de resistência aos novos sistemas de controle do trabalho médico pericial implantados, os médicos peritos fundam o blog “Perito.Med” na internet, com cerca de oitocentos mil acessos por mês computados entre médicos peritos ou não. O blog funciona como uma espécie de comunidade virtual na qual se aglutinam os médicos peritos previdenciários de todo o país, em que eles compartilham notícias sobre a categoria, trocam experiências profissionais visando normatizar a doutrina técnica para servir de diretrizes norteadoras ao trabalho, e funciona enquanto um espaço de troca para se posicionarem criticamente quanto às formas de gestão da alta administração do INSS e do governo federal.
Em decorrência das insatisfações supracitadas, em 2003 a Associação Nacional de Médicos Peritos (ANMP) empreende um movimento nacional apoiado pelo CFM, pela AMB, pela Federação Nacional dos Médicos (FNM), pelo Ministério Público Federal (MPF) e pela Frente Parlamentar da Saúde da Câmara Federal (para citar apenas entidades nacionais), e recorrem à uma greve com duração de 89 dias que os faz conquistar a Lei n. 10.876, de 2 de junho de 2004, a qual cria a carreira de Perícia Médica da Previdência Social. A partir de 2005, são admitidos 3.373 médicos peritos, perfazendo 5.047 peritos ativos. Em 2001, havia pouco mais de 2.000 médicos peritos no quadro e 3.500 terceirizados que atuavam em consultórios privados. A demanda chegou a estar 73% fora do INSS.
Argolo e Lima ( 2007 ) concordam que a referida lei estabelece parâmetros legais da atividade médico-pericial e é fruto da luta da própria categoria, que até então estava em uma classificação geral de médicos do Serviço Público Federal sem o reconhecimento de suas prerrogativas e incapaz de contribuir com os processos decisórios da autarquia em assuntos que tecnicamente diziam respeito a avaliações médicas. Fato esse que Muñoz et al. ( 2010 ) discordam, pois entendem que as divergências ideológicas dentro da especialidade ainda hoje consistem no maior desafio a ser enfrentado dentro da área.
A Lei n. 11.430, de 26 de dezembro de 2006, introduz a figura do Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) nas PMP. Esse se estrutura na correlação entre o CNAE (Classificação Nacional de Atividade Econômica) da empresa e o CID (Código Internacional de Doença) apresentado pelo trabalhador (à exceção da indústria automobilística nacional, excluída de referente cruzamento de dados desde a gênese do NTEP), e que pode lhe conceder, na qualidade de segurado, o benefício acidentário decorrente de acidente de trabalho ou doença profissional, garantindo de imediato ao empregado a estabilidade provisória no art. 118 da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991.
Ribeiro ( 2007 ) é oportuna ao observar que a visão da perícia médica, ao determinar o reconhecimento do NTEP, passa a não ser mais individualista, e sim coletivista, salientando que a empresa deverá elaborar o que Minardi ( 2010 ) denomina “Balanço Hominal”, ou seja, declarar formalmente, em determinado lapso temporal, os sistemas de prevenção de acidente e doenças relacionadas ao trabalho que implementou, a quantidade de trabalhadores lesionados, e quais medidas está tomando para reverter esse quadro negativo. O NTEP, portanto, invoca o método epidemiológico como um instrumento para coletivizar as experiências vividas individualmente, algo que outrora foi defendido pelo Departamento Intersindical de Estudos e Pesquisas de Saúde e dos Ambientes de Trabalho (Diesat), por exemplo.
Tal medida inverte o ônus da prova em alguns casos ao determinar o registro automático como doença relacionada ao trabalho de certas patologias em função de altas incidências em ambientes de trabalho específicos (Jacques, 2007 ). Noutras palavras, Silva-Junior ( 2018 ) explica que o NTEP é aplicável conforme a lista construída a partir de análise da significância estatística entre doenças motivadoras da incapacidade entre trabalhadores e as atividades econômicas nas quais os beneficiários estavam vinculados no momento do requerimento do benefício.
De acordo com Coiro et al. ( 2010 ), a crítica dos peritos médicos quanto ao NTEP perpassa a questão de atualmente o INSS ser uma gestão primordialmente preocupada com números, contrapondo-se aos interesses desses profissionais e inclusive dificultando a capacitação dos próprios. Além de que quanto a sua idealização, discussão e implantação, os peritos pouco participaram desse processo de concepção, ficando praticamente alijados dessa etapa e restando-lhes apenas o papel de responsáveis pela aplicação cotidiana da ferramenta. A autora também aponta que o diagnóstico de uma doença não cabe ao perito médico, mas sim à análise da documentação apresentada a ele, o exame do trabalhador e a conclusão com base nos elementos objetivos dos quais dispõe. Contudo, o julgamento quanto a um diagnóstico com o NTEP, ou ao menos a veracidade de um já preestabelecido, se faz presente no cotidiano de trabalho dos peritos.
Em 2013, é sancionada a Lei n. 12.842, de 10 de julho de 2013, do chamado “Ato Médico”, que declara em seu inciso II do art. 5º que a “perícia e auditoria médicas” são atividades privativas de médico, o que advoga maior poder à classe. São também aprovadas outras tantas leis e decretos que ocasionam em contraofensivas por parte dos médicos peritos, por meio da representação da ANMP e encabeçados pelas demais representatividades da classe médica como a Associação Brasileira de Medicina Legal e Perícias Médicas (ABMLPM), o CFM, a Federação Nacional dos Médicos (Fenam) e a AMB. A categoria vinha de uma greve de 84 dias contra a alta administração da Previdência Social e que tivera sido derrotada em 2010 pelo governo federal mediante interposição judicial. A aludida greve conseguiu apenas o acordo informal da redução de carga horária de quarenta para trinta horas, sendo seis horas de atendimento diárias e outras duas horas diárias dedicadas à avaliação de documentos e diligências externas.
O 2º governo Dilma (2014-2016); período Temer (2016-2018) e primeiros anos do governo Bolsonaro (2018-2020)
O governo Dilma editou medidas que são tidas como impopulares adiante da ANMP: (1) A Lei n. 13.135, de 17 de junho de 2015, chamada “Lei dos Atestados”, corroborada pelo Decreto n. 8.691, de 14 de março de 2016, que regulamenta o processo de concessão de benefícios por incapacidade e possibilita aos médicos da rede SUS realizarem perícias médicas, o que rapidamente é visto pela ANMP como uma represália por parte do governo federal à greve do ano de 2015, que durou cerca de 140 dias e obteve conquistas à categoria; e (2) O Decreto n. 8.725, de 27 de abril de 2016, que institui a Rede Intersetorial de Reabilitação Integral com vistas à integração e à articulação permanente entre serviços e ações das políticas de saúde, da previdência social, do trabalho, da assistência social, da educação, entre outras, em consonância com os pressupostos, as diretrizes e os objetivos da Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho (PNSST) instituída pelo Decreto n. 7.602, de 7 de novembro de 2011 e que, consequentemente, põe em xeque o modelo “perito-dependente” (Ribeiro, 2018 ) da Previdência Social.
Entre as primeiras medidas do governo Temer, além da reestruturação organizacional do setor previdenciário como um todo e a emenda constitucional (EC) n. 95, de 15 de dezembro de 2016, que limita os gastos públicos em vinte anos, destacam-se: (1) a Portaria n. 152, de 27 de março de 2016, que consolida a “alta programada”, pela qual o perito médico “estima” uma provável data de recuperação do trabalhador e assim fixa o prazo de término do benefício previdenciário, dispensando a realização de nova perícia; (2) a decisão do Conselho Nacional de Previdência Social de 17 de novembro de 2016, pela qual o INSS dispensa as empresas de comunicar os acidentes de trajeto e os acidentes de trabalho que não impliquem afastamento superior a 15 dias, como previsto na Súmula n. 282 do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e no art. 60º §3º da Lei n. 9.876, de 26 de novembro de 1999; e (3) a revisão dos benefícios pagos INSS, previsto pela Medida Provisória (MP) n. 739/2016 e pela Lei n. 13.846, de 18 de junho de 2019, que convocou desde setembro de 2016 mais de 1,18 milhão de beneficiários que recebiam o auxílio-doença e aposentadorias por invalidez para passarem por perícias médicas no INSS, visando revisar e passar um “pente-fino” nos benefícios até então concedidos aos segurados. Frisa-se que o benefício era cancelado automaticamente caso o trabalhador não comparecesse à convocação.
No total foram realizadas 1.185.050 perícias entre julho de 2016 e 31 de dezembro de 2018 por 3.864 médicos peritos, que ganhavam R$60,00 por perícia realizada além da meta prevista devido ao Bônus Especial de Desempenho, conforme apontam Pinheiro e Gueiros ( 2017 ). Com a medida, o governo Temer, que estimava uma “economia” de R$ 4,3 bilhões aos cofres públicos, obteve, às custas de uma brutal retirada de direitos sociais, R$ 14,5 bilhões. Peres ( 2020 ) expõe que, em 2016, um total de 190 segurados teve o auxílio-doença previdenciário e acidentário cessado pelo motivo “não atendimento a convocação do posto”, enquanto em 2017 esse número sofreu uma ampliação de 434% (total de 824 benefícios) e, em 2018, de 1369% (11.277 benefícios). Assim, no período compreendido entre 2017 e 2019, 26.876 trabalhadores e trabalhadoras tiveram seu benefício cessado pela razão elencada.
Dando continuidade à “operação pente-fino”, o governo Bolsonaro adotou, em 18 de janeiro de 2019, a MP n. 871/2019, convertida posteriormente na Lei n. 13.846/2019, dispondo sobre o chamado “Programa Especial para Análise de Benefícios com Indícios de Irregularidade”, que define as hipóteses em que qualquer processo interposto junto à Previdência Social deve ser considerado com indícios de irregularidade. A tal programa se alia o “Programa de Revisão de Benefícios por Incapacidade”, que teve duração até 31 de dezembro de 2022.
Entre outras providências, a Lei n. 13.846/2019 altera a Lei n. 8.212/1991, determinando que o INSS mantenha programa permanente de revisão da concessão e da manutenção dos benefícios por ele administrados a fim de apurar as ditas irregularidades ou erros materiais. Tal lei tem o efeito ideológico de funcionar como uma “ação moralizadora”, com vistas a melhorias na organização do INSS e visando corrigir distorções legais e coibir fraudes, enquanto se alinha as vigências da contrarreforma da Previdência (Lourenço et al., 2017 ) a partir da EC n. 103, de 21 de agosto de 2019.
A Lei n. 13.846/2019 instituiu também o Bônus de Desempenho Institucional por Perícia Médica em Benefícios por Incapacidade (BPMBI), no valor de R$61,72 por perícia extraordinária realizada a ser pago para médico perito. A lei também renomeou o cargo de Perito Médico Previdenciário para Perito Médico Federal, medida que apenas corrobora ainda mais o “modelo peritocêntrico” (Ribeiro, 2018 ) que o órgão previdenciário adota, ao que se soma o caráter meramente econômico fiscal das medidas adotadas.
Frise-se que a Lei n. 13.846/2019 também tem como fins últimos que a operação “pente-fino” agora se dê de forma contínua no tempo. De acordo com Quintanilha ( 2021 ), quase 60% dos auxílios por incapacidade temporária que passaram pelo “pente-fino” do INSS foram cortados. A insatisfação com a negativa administrativa impulsiona os trabalhadores a judicializarem a questão. Quando o trabalhador requere, no Poder Judiciário, a reativação de seu benefício, comumente o INSS antecipa as despesas do exame pericial, que nem sempre reavia, mesmo ganhando o processo. Agora, a autarquia previdenciária provocou a discussão e pede que quem perde a ação, mesmo pobre, tenha responsabilidade pelo custeio de honorários periciais, adiantados pelo órgão.
Tal lide deriva da Lei n. 13.876, de 20 de setembro de 2019, que dispõe sobre honorários periciais em ações judiciais em que o INSS figure como parte. Em resumo, os agora Peritos Médicos Federais podem receber honorários duplamente ao negarem o benefício durante a vigência do “pente-fino” e revisando-o judicialmente. De forma a “acelerar” o “pente-fino”, em julho de 2019 o INSS completou a digitalização de seus serviços, de modo que pela internet ou telefone os trabalhadores requisitam, acompanham o andamento, recebem um benefício e até recorrem se discordarem da decisão da autarquia previdenciária. Brigatti e Muzzolon ( 2019 ) afirmam que, com a medida do “pente-fino”, o governo Bolsonaro estimou uma “economia” de 9,8 bilhões aos cofres públicos. Foram gastos cerca de R$ 14,5 milhões por mês com a força-tarefa dos “pentes-finos”, segundo cálculos da própria equipe econômica do governo.
Discussão
Freidson ( 1978 ) postula que o mundo do trabalho médico se organiza sob três princípios: (1) o do mercado, baseado na ideologia do consumo e da escolha dos consumidores (no caso dos peritos médicos, capital e trabalho visam o consumo do produto “saúde”); (2) o burocrático, baseado na ideologia gerencial (o poder de controle do processo saúde-doença pautado no modelo hegemônico por parte do perito); e (3) o ocupacional, baseado na ideologia do profissionalismo cujo aspecto central é servir de forma independente (a falsa ideia de que o perito é um agente neutro apenas mediador do conflito capital versus trabalho). O referido autor pensa que o que determina a divisão social do trabalho em nossa sociedade é o conhecimento formal, ou seja, aquela categoria de conhecimentos altamente especializados que é restrita a um grupo de especialistas fechado. Para nós, tal conhecimento formal está intimamente presente na lógica da racionalização instrumentalizada. Essa identificação encontra um primeiro limite no fato de que o médico não provém de todo o corpo social, mas só de uma de suas partes. A seleção classista, que se opera em todos os degraus da instituição, cria para os médicos um filtro com malhas mais estreitas do que para outras profissões, conforme apontado por Berlinguer ( 1983 ), no qual a preparação prática prevalece sobre a formação social. Também, por outro lado, o trabalho do médico está hoje numa fase precária, determinada pela ruptura de um equilíbrio e pela superação de uma figura social tradicional, sem se ter chegado a um novo equilíbrio da figura profissional e científica diferente da do passado. Os médicos estão numa fase de transição com vantagens e prejuízos, da qual são protagonistas, testemunhas e vítimas ao mesmo tempo (Berlinguer, 1978). Portanto, é necessário analisar a formação e o papel do médico no conjunto social em que ele atua, tal como fizemos neste texto. Afinal, mesmo conhecendo melhor as causas das doenças, o médico tem sempre a menor possibilidade de influir sobre elas, agindo na periferia dos fenômenos mórbidos que não pode controlar pois, para tanto, precisaria mudar as relações sociais e agir no equilíbrio homem-natureza, que é mediado pelo conjunto socioeconômico e cultural (Berlinguer, 1978).
Com a atual fragilidade dos movimentos sindicais e sociais, aliada à postura pouco engajada da academia e o sucateamento crescente dos serviços públicos, com o desenvolvimento de políticas reducionistas no que tangem direitos sociais conquistados historicamente pela classe trabalhadora, estabelece-se um cenário de enorme retrocesso no campo Saúde do Trabalhador 4 que, nos dizeres de Lacaz ( 2007 ), se faz urgente combater, partindo do resgate dos pressupostos do campo e da crítica aos reducionismos perpetrados pela SO, mesmo ainda notando a prevalência hegemônica de seu discurso no fazer pericial composto substancialmente pela classe médica em sua (quase) totalidade.
As PMP são, em geral, um ato médico com contexto e finalidades sociais e históricas determinadas e delimitadas. A abordagem biologizante do processo saúde-doença, enquanto expressão ideológica, continua forte nas escolas médicas, nos meios acadêmico e corporativo e entre tais profissionais da saúde. A despeito do esforço de pesquisadores em ampliar o olhar para além das células, os peritos médicos têm, em seu fazer no âmbito do INSS, um ofício imbuído de significados que irão delinear o conceito de SO e MT nos quais a Previdência Social se ancora e reproduz. Em outras palavras, é como se os conflitos essenciais de classe, sob o prisma biologizante da saúde, estivessem ocultos na instrumentalização de tal práxis historicamente.
Ao se obscurecer o conflito capital-trabalho existente no âmbito das perícias previdenciárias, a discussão sobre o “como fazer” tende a eliminar a questão do “porquê fazer”, ressaltando o caráter instrumentalizado dessa prática (Gaulejac, 2007 ) uma vez que “nasce” de pressupostos da Medicina Legal-Policial e da Medicina do Seguro. Ou seja, tais desígnios da atuação do campo pericial se colocam universais a toda classe de peritos, principalmente os médicos, tal qual uma receita de bolo a ser seguida, desprezando a subjetividade desse profissional e visando tão somente, em maior instância, a alienação dele no entendimento/controle/manejo/domínio de seu fazer, bem como lhe imputando a seguinte dúvida: O que faz, é de fato, medicina? Promove o cuidado?
Com tantas atribuições cartorárias, o que faz esse profissional que seja realmente próprio à medicina em consonância ao entendimento de Codo ( 2013 ), que diz ser óbvia a semelhança de seu fazer à da personagem fictícia Sherlock Holmes dos escritos de Sir Arthur Conan Doyle? Pois o papel que o perito médico-previdenciário vem exercendo, no entendimento do autor, é semelhante ao de um detetive. O que realiza em seu trabalho cotidiano se caracteriza mais por uma investigação do que por um cuidar (Codo, 2013 ). Inclusive, o autor chega a pontuar que o perito-médico previdenciário seria, ao mesmo tempo, um(a) “antimédico(a)”, pois, no momento da avaliação pericial, não busca a cura e não se compadece do sofrimento de seu paciente, mas atua como curador e fiscal. Es sa representação do perito como um fiscal (nesse caso, do Estado) está associada ao papel que ele desempenharia em relação ao controle dos recursos públicos e sobre as tentativas de fraudes. De fato, o trabalhador não é tratado enquanto paciente. Não há uma relação de cuidado-cura ou mesmo mercadológica em que o cliente paga por um serviço mas o contrário. Na visão de muitos dos peritos médicos, o “segurado” visa justamente subtrair um valor que o(a) médico(a) perito(a) “protege”.
A própria literatura médica ressalta que o ato médico-pericial não é prover uma assistência curativa ao periciando. Se antes o juramento de Hipócrates (460-377 a.C.) apregoava o caráter teleológico do exercício da medicina ao imputar ao médico “aplicar os registros para o bem do doente segundo seu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém” (Hippocrates, 1927 ), a prática médico-pericial no âmbito da previdência se coloca em ordem inversa desde seus primórdios. Devido ao estranhamento do processo, do objeto e do produto de seu trabalho, esse profissional cada vez mais se distancia de ser um expert , um sábio e habilidoso médico na concepção hipocrática, mas se torna perito técnico em cumprir normas, regulamentos e legislações, lhe cabendo não mais o “bem do doente”, mas apenas avaliar se a esse enfermo há condições de aptidão para continuar trabalhando ou não. Ou seja, quanto mais se aproxima prática e ideologicamente da visão de SO, mais se afasta do trabalho enquanto práxis social e se afina com o trabalho enquanto techné .
Considerações finais
Partimos da “operação historiográfica” de Certeau ( 1982 ) aliada ao método dialético (Paulo Netto, 2011 ), buscando a relação entre história e práticas cotidianas e compreendendo a interpretação como uma parte essencial do processo historiográfico. A distinção entre “estratégia” como práticas de poder e “tática” enquanto ações individuais e criativas nos serviu para explorar como as PMP se relacionam com as estruturas de poder. Partindo de uma análise diacrônica e sincrônica do papel, do lugar e da função social das PMP, impregnadas de uma visão conservadora, nos permitimos afirmar que sequer tal campo de poder tem relação com qualquer resolução dos problemas em Saúde do Trabalhador, pois o paradigma da causalidade dos agravos à saúde se dá pela precedência das condições de trabalho, em uma visão a-histórica e descontextualizada das relações econômicas, políticas, ideológicas e sociais que influem nos nexos entre trabalho e saúde/doença.
Ressalta-se as limitações do estudo no que tange às recentes transformações das PMP durante e após a pandemia de covid-19. Contudo, considera-se os impactos dos achados aqui presentes, importantes para se pensar a genealogia das PMP no contexto trabalho-saúde no Brasil. Nos leva ainda a elucubrar que, para construirmos perícias alinhadas aos pressupostos do campo Saúde do Trabalhador, não se faz necessário “reinventar a roda”, mas sim a legítima apropriação do modelo de Vigilância em Saúde do Trabalhador (Visat) como uma “perícia ampliada” (Ribeiro, 2018 ). Nos parece mais adequado e caminha no sentido de uma investigação ainda mais aprofundada dos processos de desgaste que caracterizam as coletividades humanas e não sumariamente os indivíduos, em que se parta, primariamente, da incorporação não-instrumentalizada do saber dos trabalhadores em tal processo.