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Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva

Print version ISSN 1517-5545

Rev. bras. ter. comport. cogn. vol.16 no.1 São Paulo Apr. 2014

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

A especificação do responder contingente do terapeuta na psicoterapia analítica funcional

 

Specifying the therapist contingent responding in the functional analytic psychotherapy

 

 

Juliana Maria Bubna Popovitz*; Jocelaine Martins da Silveira**

Universidade Federal do Paraná

 

 


RESUMO

O responder contingente do terapeuta aos comportamentos clinicamente relevantes (CRB) do cliente consiste no mecanismo de mudança clínica na Psicoterapia Analítica Funcional (FAP). Os procedimentos clínicos são resumidos em cinco regras para o terapeuta, que têm o objetivo de maximizar a frequência de ocorrência de CRBs. A interação lógica da FAP apresenta as cinco regras desdobradas em 12 passos, os quais descrevem as respostas do terapeuta e seus efeitos no comportamento do cliente. Apesar dos avanços no refinamento da descrição da FAP e da validação empírica de seu mecanismo de mudança clínica, a tarefa de especificar o responder contingente do terapeuta permanece inacabada. O objetivo deste artigo é apresentar a interação lógica e discuti-la propondo alternativas de operacionalização do responder contingente do terapeuta aos comportamentos clinicamente relevantes relacionados ao problema clínico. O método consistiu em examinar os passos da interação lógica da FAP para hipotetizar alternativas de ação para o terapeuta em resposta ao comportamento problema que ocorre na sessão. Quatro alternativas de resposta do terapeuta são listadas e exemplificadas com verbalizações extraídas de registros de interações terapeuta/cliente. Discutem-se os possíveis efeitos indesejáveis provocados pela descontinuidade do reforço ao comportamento problema e sugerem-se questões para estudos futuros.

Palavras-chave: FAP; análise comportamental clínica; mecanismo de mudança clínica; psicoterapia analítica funcional (FAP).


ABSTRACT

The therapist contingent responding to clinically relevant behaviors (CRB) corresponds to Functional Analytic Psychotherapy (FAP) mechanism of change. The clinical procedures are summarized in five rules to therapists, which aim to maximize the frequency of CRBs. FAP logical interaction presents the five rules deployed in 12 steps, which describe therapist's behaviors and their effects on client's behaviors. Despite of the advances reached through refinement in FAP description and the empirical validation of FAP' mechanism of change, the task of specifying therapist contingent responding is still unfinished. The purpose of this paper is to present FAP logical framework and discuss proposing an operationalization alternative to the therapist contingent responding to clinically relevant behaviors related to the clinical problem. The methods consisted in examining FAP logical framework steps to elucidate courses of actions for the therapist in response to the clinical problem. Four courses of action for the therapist are listed and illustrated with verbalizations extracted from recordings of client-therapist interactions. Possible undesirable effects caused by the discontinuing of reinforcement are discussed and questions for future studies are suggested.

Key-words: FAP; clinical behavior analysis; mechanism of change; functional analytic psychotherapy (FAP).


 

 

O papel desempenhado pelo terapeuta na Psicoterapia Analítica Funcional (FAP; Busch et al., 2008; Callaghan, Naugle & Follette, 1996; Kanter et al., 2006; Kanter, Tsai & Kohlenberg 2010; Kohlenberg & Tsai, 1991/2007; Tsai, Kanter et al., 2009) tem sido alvo de reflexão e tem inspirado questões empíricas para investigações (Callaghan, Summers & Weidman, 2003; Kanter et al., 2006; Vandenberghe, 2008; Vandenberghe, 2009; Vandenberghe & Silveira, 2012).

A resposta contingente do terapeuta aos comportamentos clinicamente relevantes é o mecanismo de mudança da FAP. A avaliação empírica do responder do terapeuta como mecanismo de mudança tornou-se possível graças ao refinamento propiciado pela Functional Analytic Psychotherapy Rating Scale (FAPRS; Callaghan & Follette, 2008; Callaghan, Follette, Ruckstuhl & Linnerooth, 2008) e, mais recentemente, pela interação lógica da FAP (Holman, Kohlenberg & Tsai, 2012; Tsai, Kanter, et al., 2009; Weeks, Kanter, Bonow, Landes & Busch, 2011). Estudos como os de Kohlenberg, Bolling, Kanter, e Parker (2002), Callaghan (2006) e Kanter et al. (2006) já haviam proposto o responder contingente como mecanismo hipotético de mudança da FAP, no entanto, apenas com o desenvolvimento da FAPRS, estudos empíricos documentaram e comprovaram essa hipótese (Aguayo, Garcia, Kohlenberg, & Tsai, 2011; Callaghan, 2006; Follette & Bonow, 2009; Oshiro, Kanter, & Meyer, 2012; Xavier, Kanter, & Meyer, 2012).

Apesar desses avanços, ainda há pouca especificação do que constitui o responder contingente. Em geral, a descrição de como o terapeuta pode responder aos comportamentos clinicamente relevantes resume-se a orientações vagas. Isto pode ser observado nas cinco regras da FAP (Kanter, et al., 2009). Maior ênfase é dada às respostas do cliente, que são detalhadas na conceituação de caso usualmente adotada (Busch et al., 2008; Callaghan et al., 2008; Kanter, et al., 2009).

O método do presente estudo consistiu em adotar a interação lógica da FAP, recentemente publicada em doze passos (Weeks et al., 2011) para hipotetizar cursos de ação do terapeuta em resposta ao comportamento problema do cliente que ocorre na sessão. Então, quatro alternativas de ação são propostas e exemplificadas com verbalizações de interações terapeuta/cliente.

 

A CONCEITUAÇÃO DE CASO NA FAP

Para viabilizar a aplicação clínica da FAP, propõe-se a formulação de caso em termos de comportamentos problema e classes de respostas concorrentes, dentro e fora da sessão (Busch et al., 2008; Callaghan et al., 2008; Kanter, et. al., 2009). Essa conceituação é essencial para o trabalho clínico, uma vez que, devido à idiossincrasia dos problemas apresentados pelos clientes, o estabelecimento de metas terapêuticas depende do entendimento de quais respostas são alvo da intervenção, tanto visando à sua redução, quanto à modelagem de respostas concorrentes (Bonow, Maragakis, & Follette, 2012; Garcia, Aguayo & Bermúdez, 2009; Parra & García, 2006).

Na conceituação de caso da FAP, os comportamentos clinicamente relevantes (CRBs) são descritos idiossincraticamente. Eles são respostas que ocorrem durante a sessão, embora comportamentos com a mesma função possam acontecer fora da terapia (Kohlenberg & Tsai, 1994, 1995; Kohlenberg, Yeater & Kohlenberg, 1998). Os CRBs são o foco do trabalho clínico e dividem-se em duas classes distintas, os CRB1 e CRB2 (Hayes, Kohlenberg & Melancon, 1989; Kohlenberg & Tsai, 1991/2007; Kohlenberg, Hayes & Tsai, 1993). Os CRB1s são comportamentos que se referem ao problema do cliente; ao passo que os CRB2s relacionam-se com a melhora clínica.

A conceituação estabelece, ainda, duas classes, relacionadas ao CRB1 e CRB2, que ocorrem fora do contexto da terapia. Essas respostas, chamadas de outside, ou "Os", indicam a ocorrência de respostas com a mesma função que os CRBs em outros relacionamentos da vida do cliente (Busch et al, 2008; Callaghan & Follette, 2008; Callaghan, Summers & Weidman, 2003; Bonow et al., 2012; Garcia, et al., 2009; Parra & García, 2006). Nesse modelo de conceituação, os CRBs e Os são especificados com o objetivo de facilitar a observação e a análise realizadas pelo terapeuta e direcionam o trabalho clínico.

A Tabela 1 apresenta o esqueleto da conceituação de caso, conforme proposta por Kanter, et al. (2009). Além dos CRBs e Os, a conceituação lista os eventos relevantes da história de vida do cliente, variáveis mantenedoras dos comportamentos problema, pontos fortes e fracos do cliente e comportamentos do terapeuta que podem facilitar ou dificultar a relação terapêutica.

A intervenção na FAP envolve a modelagem direta das respostas do cliente no aqui/agora da sessão, portanto pode-se presumir que sua eficácia dependa da resposta do terapeuta ao CRB (Baruch et al., 2009, Weeks et al., 2011; Bolling, Parker, Kanter, Kohlenberg & Tsai, 1999; Callaghan et al., 1996; Kohlenberg & Tsai, 1991/2007; Parra & Garcia, 2006; Tsai, Plummer, Kanter, Newring & Kohlenberg, 2010). Assim, quanto mais próxima a resposta do terapeuta ao CRB, mais eficaz tende a ser a intervenção.

Dessa forma, as cinco regras da FAP orientam o terapeuta no trabalho clínico, de modo que as sessões sejam propícias à emissão e modelagem de comportamentos clinicamente relevantes (Aguayo, et al., 2011; Bolling et al., 1999; Kohlenberg & Tsai, 1991/2007). Elas orientam o terapeuta a: 1) estar atento aos CRBs; 2) evocá-los; 3) responder a eles; 4) avaliar o efeito de seu responder no cliente e 5) fornecer interpretações e estratégias de generalização.

A interação lógica da FAP, por sua vez, destaca as cinco regras e exemplifica respostas do terapeuta e do cliente, de maneira a guiar o terapeuta em uma situação na qual os CRBs são evocados e modelados (Weeks et al., 2011). A Figura 1 apresenta os 12 passos da interação lógica.

A interação lógica agrega as regras com a especificação de comportamentos do terapeuta e seu efeito no cliente. Dessa forma, têm-se doze passos, que apresentam diretrizes de uma interação ideal na FAP. Essa forma de apresentação das regras potencializa o efeito da terapia, tornando a interação terapeuta/cliente mais evocativa e, consequentemente, fértil para enfraquecer CRB1 e fortalecer CRB2 (Holman et al., 2012; Tsai, Kanter, et al., 2009; Weeks et al., 2011).

A partir da conceituação de caso, são estabelecidas as instâncias de CRBs, às quais o terapeuta passa a observar na interação com o cliente (Bonow et al., 2012; Garcia, et al., 2009; Parra & García, 2006). O terapeuta pode estabelecer um paralelo entre alguma situação externa e um episódio da interação com o cliente (passos 1 e 2). Em seguida, o terapeuta passa a evocar CRBs (Callaghan et al., 1996; Kohlenberg, Tsai & Kanter, 2009), na sequência envolvendo os passos 3 e 4. O responder natural e contingente do terapeuta ao CRB corresponde ao passo 5.

É esperado que, à medida que o cliente passe a se engajar em mais CRB2 (passos 6, 7 e 8), a frequência e variabilidade dessa classe aumente. Assim, o terapeuta precisa notar se seus comportamentos têm servido para o propósito de enfraquecer CRB1 e fortalecer CRB2 (passos 9 e 10). Observar mudança na frequência dessas respostas e fazer perguntas diretas são formas de saber se o impacto do terapeuta no cliente está consistente com as metas terapêuticas (Kohlenberg et al., 2009).

Para ajudar o cliente a identificar variáveis mantenedoras e facilitar a generalização e discriminação de respostas modeladas em sessão, é sugerido que o terapeuta forneça análises de contingências de reforço dos comportamentos do cliente. Uma explicação funcional auxilia o cliente a responder perguntas sobre a razão que o leva a agir de uma determinada forma, colocando ênfase na história e na funcionalidade do comportamento (Abreu, Hubner, Lucchese, 2012; Kohlenberg et al., 2009). Para isso, estabelecem-se paralelos entre comportamentos dentro e fora da sessão (passo 11) e solicita-se lição de casa (passo 12).

 

O RESPONDER CONTINGENTE DO TERAPEUTA AO CRB1

A fonte de reforço natural disponível em um processo psicoterapêutico são as respostas interpessoais do terapeuta aos comportamentos do cliente (Kohlenberg & Tsai, 1991/2007). A regra três da FAP prevê que o terapeuta responda aos CRBs (García, Aguayo & Bermúdez , 2007; Gosch & Vandenberghe, 2004; Tsai et al., 2009; Aguayo et al., 2011), contudo, não há orientação de como fazê-lo. Em geral, a recomendação é que se reforce naturalmente o CRB2 e que se responda ao CRB1 com cautela (Tsai et al., 2009). Em ambos os casos, a descrição sobre o que o terapeuta pode fazer para atingir esses objetivos é vaga. As primeiras publicações na área, portanto, tenderam a fazer apontamentos mais amplos da FAP, provendo as regras para o terapeuta, sem, contudo, especificar como aplicá-las (Kanter, Manos, Busch & Rusch, 2008; Kohlenberg & Tsai, 1991/2007, 1994, 1995; Kohlenberg, Tsai, Parker, Bolling & Kanter, 1999).

Apenas mais recentemente, com o detalhamento das regras, por meio da interação lógica da FAP (Holman et al., 2012; Tsai et al., 2009; Weeks et al., 2011), tornou-se possível começar a identificar os comportamentos do terapeuta que podem ser efetivos no trabalho clínico. Apesar disso, a tarefa de especificar a resposta contingente do terapeuta é complexa, uma vez que os CRBs podem assumir várias topografias (Bolling et al., 1999; Busch et al., 2008; Follette & Bonow, 2009; Koerner, Kohlenberg & Parker, 1996). Uma alternativa é voltar à interação lógica e descrever operações e processos que reduzem a frequência do CRB1 e aumentam a frequência do CRB2.

Com o objetivo de especificar o que o terapeuta pode fazer para responder ao CRB1, deve-se inicialmente descrever o que constitui esse CRB1. Em geral, essa é uma classe de respostas de fuga ou esquiva (Busch et al., 2009; Callaghan, 2006; Callaghan et al., 2003; Callaghan et al., 2008; Garcia, Aguayo & Motero, 2006; Kanter et al., 2006; Kohlenberg & Tsai, 1994; Kohlenberg et al., 2002; Wagner, 2005). O que torna essas classes particularmente importantes para o trabalho clínico é que sua emissão frequente restringe o acesso do organismo a novas fontes de reforço (Sidman, 1989). Um exemplo de esquiva é uma cliente que apresenta assuntos prontos para a sessão e responde que está tudo bem, quando questionada pelo terapeuta (CRB1). Essas respostas fazem parte de uma classe de evitação de contato com eventos aversivos na relação íntima com alguém, como abandono, desprezo ou desaprovação. No cotidiano da cliente, essas respostas têm função de evitar esses eventos, mantendo os relacionamentos da cliente de forma superficial (O1).

A literatura destaca a importância de intervenções em comportamentos de fuga e esquiva do cliente (Tsai, Kanter, et al. 2009) e alguns autores citam o bloqueio como forma de responder ao CRB1 (Busch et al., 2009; Follette & Bonow, 2009; López, 2002; Kanter et al., 2008; Kohlenberg et al., 2002; Vandenberghe, 2007; Wagner, 2005; Weeks et al., 2011). Parece que, em casos nos quais o CRB1 envolve uma classe de respostas de fuga/esquiva, um procedimento terapêutico pode ser a exposição aos eventos aversivos. Contudo, os estudos indicam de modo vago a aplicação desse procedimento.

Como alternativa de resposta contingente do terapeuta ao CRB, a literatura costuma enfatizar o reforço ao CRB2, apesar de, também nesses casos, as orientações serem vagas. Tanto no caso da resposta ao CRB1, quanto ao CRB2, o que a literatura fornece é a sugestão de que o terapeuta deva responder de forma natural, evitando o uso de reforço arbitrário, a fim de garantir a generalização para outros contextos (Busch et al., 2009; Koerner et al., 1996; Kohlenberg & Tsai, 1994, 1995).

Retomando a interação lógica da FAP, pode-se começar a especificar o que constitui o responder contingente do terapeuta ao CRB1. Os passos ímpares e o passo 12 correspondem aos comportamentos do terapeuta, aos quais se credita a mudança clínica. Colocados dessa forma, eles guiam o trabalho terapêutico e a identificação de variáveis para pesquisa, à medida que é possível isolar respostas do terapeuta e testar seu efeito. Assim, cada passo da interação lógica pode ser isolado e analisado.

O passo cinco indica o responder contingente do terapeuta ao CRB1. Esse ponto da interação é crucial, visto que retrata a transição de um comportamento problema para um comportamento de melhora. Quando isso acontece, presume-se que a resposta contingente do terapeuta tenha assumido uma de duas possíveis funções: a de extinção ou a de punição. Nota-se que o reforço de um CRB1 é inadequado, segundo as regras da FAP, uma vez que significa fortalecer uma resposta relacionada ao problema do cliente. Além disso, apesar das frequentes críticas acerca do uso da punição no contexto clínico, entende-se que o termo se refere ao processo no qual a probabilidade de ocorrência de uma resposta é diminuída (Catania, 1998/1999). Na presente discussão, ela é considerada simétrica ao reforçamento, que é o processo no qual a probabilidade de uma resposta é aumentada.

Assim, apesar das reservas e da cautela com o uso da punição (Boren, Sidman & Herrnstein, 1959; Sidman, 1958; Sidman & Boren, 1957), seu efeito de reduzir a frequência de uma resposta pode ser benéfico ao processo terapêutico, uma vez que, à medida que um CRB1 é interrompido, se aumenta a oportunidade de ocorrência de um CRB2.

Quanto aos procedimentos do terapeuta, considerando a função de extinção, referem-se às ações de ignorar CRB1 e reforçar diferencialmente CRB2 e Os. Já os procedimentos relacionados à função de punição, como operação ou processo que diminui a probabilidade da resposta (Catania, 1998/1999), referem-se a ações que interrompem ou desencorajam a emissão do CRB1. Os procedimentos relacionados à punição, de interromper ou desencorajar CRB1, são as ações típicas de bloqueio de fuga/esquiva.

Portanto, pode-se hipotetizar duas formas de o terapeuta responder contingentemente ao CRB1: por meio de bloqueio de comportamentos de fuga/esquiva ou por reforço diferencial de CRB2. No primeiro caso, a ação do terapeuta interrompe deliberadamente um CRB1 em curso, enquanto que, no segundo caso, ignora, ou permite o curso do CRB1 até que uma resposta concorrente apareça, no caso, um CRB2. A Figura 2 representa o desdobramento do passo cinco em exemplos de ações possíveis do terapeuta ao CRB1. Como o reforço diferencial de outros comportamentos (DRO) é uma prática consideravelmente difundida na clínica comportamental, o presente estudo enfatizou a análise dos cursos de ação do terapeuta, quando bloqueia comportamentos de fuga/esquiva. Na Figura 2, os cursos de ação do terapeuta no DRO e no bloqueio de fuga/esquiva são apresentados, porém somente as quatro alternativas de bloqueio são discutidas e ilustradas.

 

 

O bloqueio de fuga/esquiva pode se traduzir em ações do terapeuta como: a) reapresentar uma verbalização, em uma pausa do cliente ou interrompendo-o; b) descrever efeito da resposta do cliente ou c) solicitar que o cliente descreva seu comportamento. A seguir, são apresentados exemplos de interações nas quais essas alternativas foram empregadas.

a) Reapresentar a pergunta/afirmação, na pausa do cliente

[Cliente Alice relata sua conversa com uma colega, sobre estar perto de terminar a faculdade e não se sentir segura para atuar na área. Na conceituação de caso, levantou-se que a cliente tem dificuldade em expressar sentimentos "ruins" e tende a amenizar situações de conflito. Nesse caso, nomear um sentimento é considerado o CRB2. O objetivo do terapeuta, nesse fragmento, portanto, foi manter o foco na descrição do sentimento, apesar da evitação da cliente em entrar em contato com isso]

T: E como você se sente com relação a isso, de ter que fazer um trabalho e receber por ele? [Terapeuta apresenta uma situação potencialmente aversiva - ECRB1]

C: Meu plano é fazer um curso de especialização e um estágio, eu acho que isso vai me ajudar a sentir mais preparada para trabalhar na área. [Cliente engaja-se em CRB1]

T: Mas, qual é o sentimento que vem quando você pensa em terminar a faculdade e ter que começar a trabalhar? [Terapeuta reapresenta a pergunta]

C: Não sei dizer. [Cliente engaja-se em mais CRB1]

T: Você consegue me dar uma palavra que resume isso? [Terapeuta reapresenta a pergunta]

C: Eu não sei qual o sentimento... [Cliente continua emitindo CRB1]

T: Você sente alguma coisa agora? [Terapeuta reapresenta a pergunta]

C: Eu tenho medo, de me frustrar, de decepcionar as pessoas. [Cliente responde com CRB2, nomeia o sentimento]

b) Reapresentar a pergunta/afirmação, interrompendo o cliente

[Durante toda a sessão, a terapeuta tenta mudar o foco para as metas terapêuticas, porém a cliente mantém-se em relatos tangenciais. Na conceituação de caso da cliente Margarete, levantou-se como CRB1 falar sobre assuntos secundários ao processo terapêutico e ignorar as falas da terapeuta.]

C: deixa eu te contar, aprendi uma receita de panquecas nova, uma delícia e super saudável! [cliente passa a contar sobre a receita. Essa resposta pode ser considerada um CRB1, na medida em que mantém o foco da sessão em temas secundários]

T: [interrompe a cliente, falando junto desta] Margarete, eu sei que você está bem preocupada com a sua saúde e que essa receita vai te ajudar a manter uma dieta gostosa e saudável, mas eu acho que estamos fugindo um pouco do nosso foco. Lembra o que conversamos semana passada, sobre como é importante para você conseguir organizar sua rotina, conversar com a sua mãe, conseguir uma promoção no seu trabalho?

C: Sim você tem razão. Tem um monte de coisas acontecendo na minha vida e eu fico fugindo delas, tentando ser agradável para todo mundo. Eu fico me enganando... [Cliente engaja-se em CRB2]

c) Oferecer descrição do efeito da resposta do cliente no terapeuta

[Cliente Margarete relata discussão no trabalho. Na conceituação de caso, hipotetizou-se que um O1 da cliente seria apresentar soluções para conflitos no trabalho ou em casa, porém, deixar de cumprir o combinado. Como CRB1, levantou-se a resposta da cliente de apresentar fala prolixa e desconexa, deixando de responder às perguntas da terapeuta e tornando a interação superficial. Nesse fragmento, o foco da terapeuta foi oferecer uma descrição do efeito daquela resposta].

T: E você acha que conseguiu ser mais clara com as pessoas no seu trabalho? [Terapeuta responde a relato da cliente sobre eventos externos]

C: Não sei. No outro dia, meu chefe me chamou para ver o novo projeto, que vai ser implantado no final do mês. Ele quer que eu faça parte da equipe de implantação, mas eu não sei, não gosto da coordenadora, nossos santos não cruzaram... E, no dia do meu aniversário, minha mãe fez um show na frente dos meus amigos, ela começou a gritar comigo e eu nem sei porquê! [Cliente engaja-se em CRB1]

T: Eu queria que você prestasse atenção em uma coisa que está acontecendo agora. Eu te perguntei se você percebia alguma mudança lá fora, você passou a me relatar uma série de coisas sem referência com a minha pergunta, e eu fiquei pensando "por que a Margarete está me contando essas coisas?". Quando você faz isso, eu sinto certa distância de você e uma impotência em te ajudar a resolver seus problemas Você concorda que está fazendo isso? [Terapeuta descreve o comportamento da cliente]

C: Uhum... É como se eu ficasse andando em círculo no mesmo assunto, mas sem chegar onde realmente importa. Eu acho que faço isso com os outros também, por isso ninguém me escuta, as pessoas não entendem onde eu quero chegar... [Cliente confirma descrição da terapeuta, nesse caso, essa resposta pode ser considerada um CRB2]

d) Pedir para que o cliente descreva seu próprio comportamento

[Na conceituação de caso da cliente Alice, estabeleceu-se como instância de CRB1 fazer relatos superficiais sobre situações aversivas e sentimentos. O foco desse trecho foi a cliente descrever seu sentimento, ao relatar uma briga com a mãe]

T: Eu estou sentindo você um pouco ausente na nossa sessão hoje [Terapeuta evoca CRB1]

C: eu estou mais quieta só [Cliente engaja-se em CRB1]

T: Você consegue me descrever o que está acontecendo dentro de você agora? [Terapeuta responde ao CRB1, pedindo para a cliente descrever o comportamento em curso]

C: É uma pressão muito grande, que me dá até dor no corpo. Eu não sei de onde vem, mas eu queria poder controlar isso (pausa). Os meus pensamentos começam a ficar embaralhados, é uma confusão muito grande dentro da minha cabeça, eu começo a ter ideias, pensamentos, a analisar as coisas e aquilo que precisa ser mudado. De repente, eu só consigo pensar no que tá ruim e errado, é difícil perceber o que está bom. E aí, eu me fecho. [Cliente descreve o comportamento em curso. Nesse caso, a descrição pode ser considerada CRB2]

Como CRB1 tende a ocorrer com mais frequência que o CRB2, em certos casos, mesmo que o terapeuta ignore o CRB1 e busque evocar o CRB2, a emissão do CRB2 pode demorar demasiadamente. Assim, em alguns casos, interromper o CRB1 acaba sendo um procedimento indispensável para promoção do CRB2, o que remete ao procedimento que os terapeutas costumam chamar de bloqueio de fuga/esquiva. O reforço diferencial, por sua vez, implica ações como ignorar a emissão de CRB1 e reforçar CRB2 ou relatos de problemas ou melhoras em relação a eventos fora da sessão (O1 e O2).

Outro ponto importante nessa discussão é a recorrência do CRB1, quando seguido pela resposta do terapeuta, o chamado TCRB1. Frequentemente, após a resposta do terapeuta a um CRB1, o cliente emite novamente o CRB1 até que um CRB2 seja observado. Isso causa um efeito circular nos passos da interação, chamado de looping CRB1-TCRB1-CRB1. Esse fenômeno é ilustrado na Figura 3, representado pela flecha bidirecional:

 

 

O trecho a seguir demonstra uma sequência de interação terapeuta-cliente no qual ocorre o looping. O CRB1 da cliente envolvia respostas dar explicações (racionalizar), como forma de evitar o contato com sentimentos referentes a um aborto espontâneo e à morte do pai. O terapeuta utiliza três alternativas de bloqueio de fuga/esquiva (descrever o comportamento em curso, reapresentar a pergunta e pedir que a cliente descreva seu comportamento), contudo, a cliente continua a emitir CRB1s.

C: eu estava procurando na internet e vi que muitas vezes a má formação do feto provoca o aborto. Isso é bom, porque evita que nasça uma criança com problemas.

T: ouvir você falar dessa forma me deixa um pouco incomodado, porque parece que você está falando de uma coisa distante de você. Parece que perder o bebê não quis dizer nada.

C: mas é uma coisa da natureza! Não era para ser!

T: mas não quer dizer que você não possa estar triste com isso. Parece que você está usando essa explicação para desviar a atenção do seu sentimento, como você fez com relação à morte do seu pai, lembra?

C: são coisas diferentes, eu fiquei mal com a morte do meu pai porque eu o conhecia, ele era minha família, agora por que eu vou ficar triste por alguém que eu nem conheci?

T: você realmente não sente nada com relação ao aborto?

C: não!

T: me ajude a entender o que está acontecendo aqui. Você tocou no assunto do aborto, sem que isso tivesse qualquer relação com o que nós estávamos falando. Então você começa a me dizer o quanto isso é indiferente para você. Eu estou confuso. O que está acontecendo dentro de você agora?

C: (pausa) eu tenho pensado muito no aborto nos últimos dias. O quanto ele doeu, tanto fisicamente quanto emocionalmente. É como se um pedaço de mim tivesse sido arrancado. Eu penso que agora minha filha teria 6 meses. Penso em como ela seria e o que estaríamos fazendo, como nossa vida seria. Você tem razão. Eu fico dando explicações para tentar não pensar em quanto isso dói. Tem horas que eu me culpo, tem horas que penso numa razão lógica, tem horas que acho que estou sendo punida por alguma coisa. Mas é sempre assim, eu tentando não sentir essa dor.

Nesse exemplo, a sequência de interações foi resumida. Porém, a última fala da cliente, um CRB2, aconteceu depois de uma longa interação, na qual a cliente manteve-se emitindo CRB1s e o terapeuta adotou alternativas de bloqueio de fuga/esquiva. Esse exemplo demonstra que, apesar de o looping ser esperado, o progresso clínico na FAP acontece apenas quando o cliente passa a engajar-se em CRB2.

A preocupação quanto à resposta contingente do terapeuta ao CRB1 parece estar relacionada ao seu possível efeito punidor. Kohlenberg e Tsai (1991/2007) recomendam que o terapeuta evite o uso da punição e pontuam alguns efeitos colaterais indesejáveis, como fuga e esquiva da própria terapia e a agressividade. Contudo, os autores admitem que, quando o CRB1 é uma classe de respostas de fuga/esquiva, há uma dificuldade maior em evocar e modelar CRB2s. Nesses casos, o bloqueio de esquiva, por meio da reapresentação da estimulação aversiva, é uma forma de evitar que o CRB1 seja indevidamente reforçado.

Ao bloquear respostas de fuga/esquiva, o terapeuta deixa o cliente em contato com estímulos aversivos. A preocupação ética pode explicar porque a literatura tem sido cautelosa com técnicas de bloqueio de fuga/esquiva. A condição para o uso de procedimentos aversivos é o respeito ao grau de tolerância do cliente a eles e aparentemente a resposta do terapeuta contingente a todos os CRB1s é contraproducente (Kanter et al., 2006). O estudo de Popovitz (2013) sugere que o bloqueio de fuga/esquiva pode ter efeito inicial no aumento da frequência de CRB1, o que indica que essa intervenção deve ser adotada com cautela. Porém, o mesmo estudo demonstra que o bloqueio pode tornar a sessão mais evocativa e potencializar as oportunidades de ocorrência de CRB2. Assim, ainda há muitos aspectos a serem esclarecidos quanto ao que o terapeuta deve fazer em resposta aos CRBs e espera-se que preconceitos quanto ao uso de controle aversivo não impeçam a descrição das ações do terapeuta que contribuem para o bem-estar do cliente.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A mudança clínica na FAP envolve a resposta contingente do terapeuta aos CRBs. Com o objetivo de tornar as sessões propícias à ocorrência desses comportamentos, são propostas as cinco regras para o terapeuta. A regra três sugere que o terapeuta responda natural e contingentemente aos CRBs, contudo, a literatura não especifica o que deve ser feito. O quadro lógico da FAP, ao detalhar o desenvolvimento de uma interação ideal constitui um esforço útil para a especificação do responder contingente do terapeuta.

Para especificar o responder do terapeuta, dois procedimentos são sugeridos. O primeiro é o reforço diferencial de respostas concorrentes com o CRB1. O terapeuta pode ignorar o CRB1 e responder apenas aos CRB2 e aos relatos do cliente (O1 e O2). O segundo procedimento consiste em interromper o CRB1. É provável que procedimentos que interrompem o CRB1 reduzam sua frequência e aumentem a de CRB2. Deve-se levar em conta nesse caso que a descontinuidade do reforço do CRB1 pode levar ao looping CRB1-TCRB1-CRB1.

A interação lógica da FAP, tal como considerada no presente estudo, sugere que a cada CRB1 ou CRB2 uma resposta contingente do terapeuta deva ocorrer. Entretanto, do ponto de vista prático, os terapeutas decidem qual CRB indica uma boa oportunidade de consequenciação, evitando que o bloqueio sistemático do CRB1 seja desgastante para a relação terapêutica ou resulte em loopings contraproducentes. Por isso, é extremamente recomendável ao terapeuta um monitoramento com supervisão na própria FAP (Vandenberghe, 2009) e uma atenção constante às próprias ações dentro da sessão desde as primeiras interações com o cliente (Vandenberghe & Silveira, 2012).

O objetivo desse estudo foi descrever ações do terapeuta no contexto da sessão que indiquem possíveis respostas contingentes ao CRB1. Estudos empíricos podem investigar o efeito relativo dos dois procedimentos do terapeuta aqui descritos em resposta ao CRB1. Espera-se que estudos futuros detalhem e avaliem empiricamente cada passo da interação lógica da FAP a fim de aumentar a compreensão sobre o seu mecanismo de mudança, por exemplo, procedimentos em resposta ao CRB2. Além disso, estratégias para promover a generalização do CRB2 podem ser avaliadas e implementadas.

 

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Recebido: 26/04/20013
Revisado: 16/07/2013
Aceito: 26/08/2013

 

 

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