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Revista Psicologia Política
Print version ISSN 1519-549X
Rev. psicol. polít. vol.13 no.28 São Paulo Dec. 2013
Senso comum: possibilidades para a construção de uma psicologia política
Common sense: possibilities for the construction of a political psychology
Sentido común: posibilidades para la construcción de una psicología política
Common sense: possibilités pour la construction de la psychologie politique
Leandro Amorim Rosa
Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP, Brasil. Pesquisador do Grupo de Estudos e Pesquisas em Psicologia Política, Políticas Públicas e Multiculturalismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil. psi_doug@yahoo.com.br
RESUMO
O presente artigo tem como objetivo principal abordar um referencial ainda pouco conhecido no Brasil: a psicologia política fundada sobre o conceito de senso comum. A partir da concepção de senso comum exposta no texto, propõe-se uma psicologia política que possibilite a integração de diversos referenciais tanto da própria psicologia política como da psicologia social. Entende-se, a partir principalmente do pensamento gramsciano, o senso comum como polissêmico, polimórfico e contraditório. Assim sendo, o senso comum não deve ser visto apenas como "uma zona negra de ignorância", mas como detentor de potencialidades de crítica e de mudança social. O referencial aqui proposto não objetiva ser uma concepção universal e/ou definitiva, mas sim contribuir com o processo de desenvolvimento da psicologia política.
Palavras-chave: Senso comum, Psicologia política, Gramsci, Subjetividade, práxis.
ABSTRACT
This article aims to address a benchmark still little known in Brazil: the political psychology founded on the concept of common sense. From the conception of common sense exhibited in the text, we propose a political psychology that enables the integration of several references of political and social psychology. It is understood, mainly from the Gramscian thought, common sense as polysemic, polymorphic and contradictory. Therefore, common sense should not only be seen as just a "black area of ignorance", but as having potential of criticism and social change. The framework proposed here is not intended to be a definitive and/or a universal conception, but rather contribute to the development process of political psychology.
Keywords: Common sense, Political psychology, Gramsci, Subjectivity, Praxis.
RESUMEN
Este artículo tiene como objetivo hacer frente a un punto de referencia importante aún poco conocido en Brasil: la psicología política fundada en el concepto de sentido común. Desde la concepción del sentido común expuesto en el texto, se propone una psicología política que permite la integración de varios puntos de referencia en la psicología política y la psicología social. Se entiende, principalmente del pensamiento gramsciano, el sentido común como polisémico, polimórfico y contradictorio. Por lo tanto, el sentido común no sólo debe ser visto simplemente como una "zona negra de la ignorancia", pues tiene potencial de la crítica y del cambio social. El marco aquí propuesto no está destinado a ser una concepción definitiva y/o universal, sino más bien contribuir al proceso de desarrollo de la psicología política.
Palabras clave: Sentido común, Psicología política, Gramsci, Subjetividad, Práxis.
RÉSUMÉ
Cet article vise à répondre à une référence encore peu connu au Brésil : la psychologie politique fondée sur la notion de sens commun. De la conception de bon sens affiché dans le texte, propose une psychologie politique qui permet l'intégration de plusieurs benchmarks propre psychologie politique et la psychologie sociale. Il est entendu, principalement à partir de la pensée gramscienne, le sens commun comme polysémique, polymorphe et contradictoire. Par conséquent, le sens commun ne doit pas seulement être considéré comme un simple « zone noire de l'ignorance », mais parce que le potentiel critique et titulaire de changement social. Le cadre proposé ici ne vise pas à être une conception universelle et / ou finale, mais contribuent plutôt au processus de développement de la psychologie politique.
Mots clés: Le sens commun, Psychologie politique, Gramsci, Subjectivité, Praxis.
Introdução
O senso comum não é um conceito novo. Ele perpassa a nossa história já há tempos e se modifica a depender do contexto e período. Buscamos nesse artigo apresentar uma forma específica de se entender o senso comum. Ao contrário de grande parte das concepções sobre ele, privilegiaremos aqui os seus potenciais críticos e o seu possível papel em ações que visem à transformação social.
Nosso caminho até a conceituação gramsciana de senso comum perpassará um breve percurso sobre a psicologia política, assim como, um pequeno histórico sobre o próprio senso comum. Pretendemos com isso contextualizar minimamente o leitor antes da apresentação de nossa proposta, a qual é predominantemente ancorada nos trabalhos de Colucci (1998, 1999, 2002, 2007) e Colucci e Camussi (1998). Não visamos defender uma conceituação que se proponha definitiva, mas consideramos que o olhar aqui proposto sobre o senso comum pode gerar debates enriquecedores para o campo da psicologia política.
Notas sobre a História da Psicologia Política
Podemos identificar dois clássicos da psicologia social europeia como também precursores da psicologia política: Le Bon e Freud (Colucci & Camussi, 1998; Montero, 2009; Silva, 2012a).
Le Bon (1910) defende que a psicologia política é a "ciência do governo". Seria ela um conjunto de conhecimentos fundamentais para qualquer um que pretendesse desempenhar algum cargo de poder político. O autor francês também destaca o caráter irracional e passional das massas e como essas, conduzidas por lideranças que saibam controlá-las, são capazes de realizar atos inimagináveis a um indivíduo isolado. Atos esses tanto de extrema violência como de grande altruísmo (Le Bon, 1895/1947). Freud (1921/1974a) por sua vez, influenciado por Le Bon, destaca o caráter libidinal do engajamento de um indivíduo em determinado grupo. Segundo o pensador austríaco, um grupo, no caso uma "massa", se daria quando diversos indivíduos colocassem seus ideais de ego em um mesmo objeto, gerando assim uma forte identificação entre esses membros. Freud e Le Bon desempenharão grande influência, direta ou indiretamente, naqueles que pretendem pensar a relação psicologia e política até os dias atuais.
Colucci e Camussi (1998) defendem a existência de dois principais caminhos iniciais de pesquisa em psicologia política. O primeiro desses caminhos se relaciona aos estudos da personalidade dos políticos - em geral das lideranças políticas. Esses estudos são em sua maioria dirigidos a partir de um referencial psicanalítico, o qual busca entender as determinações psíquicas das ações políticas. Por sua vez, o segundo caminho inicial diz respeito aos estudos sobre opinião pública e comportamento político, com especial foco no que se refere ao processo eleitoral (Rosa & Silva, 2012). Desde seu principio essa segunda corrente se constitui como antecipadora de questões, teorias e métodos que ainda hoje podem ser considerados atuais nos estudos psicossociais relacionados à política: cognição social, estereótipos, papel da ideologia, entre outros.
Os estudos centrados nas personalidades das lideranças políticas tem seu momento de maior influência entre os anos trinta e começo da década de sessenta. Um autor que pode ser considerado clássico nesta abordagem é Erikson (1963) e seus estudos sobre a juventude de Lutero e sobre a "lenda da infância de Hitler". Erikson busca em seu trabalho articular categorias da psicanálise com outras disciplinas, em especial história, sociologia e antropologia.
Nos anos quarenta e cinquenta do século passado desenvolveram-se muitos estudos focados no papel dos fatores de personalidade no exercício do poder político. O comportamento político era entendido como relacionado a traços e necessidades estáveis da personalidade, os quais teriam sua origem na primeira infância, sendo o referencial psicanalítico muito influente nessa época. Lasswell (1948), por exemplo, localiza a origem do engajamento do político em negócios públicos em suas necessidades de reafirmação externa para dissipar ansiedades egóicas não resolvidas e remediar baixa autoestima.
Os métodos adotados nos estudos que relacionam personalidade e política eram tanto qualitativos como quantitativos. Enquanto qualitativos, eram usadas histórias de vida e análises psicobibliográficas. Como exemplo de tal abordagem podemos citar Barber (1985) que estudou as histórias de vida de presidentes norte-americanos. Já a metodologia quantitativa era aplicada frequentemente a pesquisas de grandes amostras, as quais buscavam investigar a relação entre as visões políticas e as personalidades dos cidadãos em geral e não apenas de lideranças. Grandes representantes nesse campo dos estudos quantitativos são Adorno, Brunswick, Levinson e Sanford (1965) e seus estudos sobre a personalidade autoritária.
No entanto, muitos dos autores que se utilizam deste referencial não realizam trabalhos abrangentes como os de Erikson (1963) e em distonia com a obra do próprio Freud (1921/1974a, 1929/1974b), seu precursor, acabam por personalizar excessivamente o fenômeno político, perdendo assim o seu âmbito social mais amplo. De forma geral, a psicobibliografia de políticos pode ser considerada uma abordagem obsoleta pelo seu excesso de personalização e pela pouca relação entre o psíquico e o ambiente concreto em suas pesquisas, em suma, pela não articulação complexa e multidisciplinar que o estudo do fenômeno político exige.
Por sua vez, a segunda abordagem inicial posta por Colucci e Camussi (1998) se relaciona, desde sua origem, a problemas que ainda hoje parecem de grande atualidade: opinião pública e comportamento político e eleitoral. Os principais conceitos utilizados aqui, como citado anteriormente, são de cognição social e política, representações sociais e coletivas, estereótipos e papel da ideologia. Pode-se considerar como um dos pioneiros dessa abordagem Lippmann (1922), o qual antecipa futuros estudos da perspectiva cognitivista, entendendo que não interagimos diretamente com a realidade, mas sim, por meio de representações que nós mesmos construímos desta.
Entre as décadas de 60 e 70 do século passado, houve um acentuado aumento do número de pesquisas sobre opinião pública e padrões de voto. Trabalhos em grandes amostras demonstravam como as escolhas políticas são em grande parte guiadas "irracionalmente", ou seja, que tais escolhas não são o simples resultado de um cálculo econômico como defenderiam outros referenciais - por exemplo, McCarthy e Zald (1977). Nessa fase as decisões políticas são em grande parte atribuídas ao processo de socialização, em especial, à socialização familiar (Sabucedo, 1996). Destacam-se também nesse período o uso de teorias dominantes, como o funcionalismo e o "cognitive style", para se buscar entender o comportamento político.
As pesquisas baseadas na cognição política - conceito advindo da cognição social - obtiveram grande destaque nos anos 70 e 80 e ainda hoje possuem significativa relevância. Tal referencial defende que as escolhas políticas não devem ser entendidas como irracionais ou racionais de forma geral. A abordagem racional de tais escolhas se daria a partir da capacidade de processamento de informação (information-processing capability) de cada sujeito individual. Jost e Amodio (2012) identificam as ideologias políticas como uma forma de cognição social. Segundo os autores, pesquisas realizadas já no século XXI tem entendido a ideologia como funcional a determinadas necessidades e motivações. As ideologias forneceriam sistemas de referencia com os quais poderíamos diminuir nossos níveis de incerteza, ansiedade e medo diante da complexidade do real e de seus infinitos estímulos.
Segundo Catellani (1996), as tendências da psicologia política surgidas a partir da década de noventa são mais genuinamente sociais que a cognição política poderia ser. Os estudos de cognição social e política tratam as dimensões sociais e políticas como objetos da percepção e não como dimensões que influenciam a pessoa que percebe. Assim os processos intrapessoais acabam por ganhar mais destaque que os processos interpessoais e grupais. Além disso, entende-se que o estudo da psicologia política não pode ser confinado a dimensão micro. Os processos psíquicos devem ser relacionados com as realidades sociais e políticas abordando problemas que não se limitem a processos mentais básicos.
Construindo uma Proposta de Psicologia Política
Surge então o problema de buscar uma teoria que possa conectar diversos conceitos e âmbitos empíricos, tanto da psicologia social como da política, para buscar entender de forma mais ampla e coerente a complexidade dos fenômenos estudados pela psicologia política.
Colucci e Camussi (1998) defendem que a psicologia cognitiva pode oferecer significativas contribuições à psicologia política. No entanto, destacam a necessidade de tal abordagem cognitiva não reproduzir leituras reducionistas dos sujeitos, leituras essas que em grande parte das vezes possuem vieses racionalistas e economicistas. Os autores argumentam que o sujeito deve ser entendido não a partir de categorias cognitivistas ou comportamentais universais e generalizantes, mas sim em sua concretude. Ou seja, deve ser entendido como sujeito concreto que age e luta em situações reais, movido por emoções e intenções, profundamente influenciado por crenças ideológicas, mas também capaz de críticas racionais a tais ideologias. A complexidade do fenômeno político não pode ser abarcada em sua totalidade apenas pelo cognitivismo. É necessário que sejam realizados estudos que abordem outros campos, em especial o da psicologia social de forma mais ampla.
A relação entre psicologia política e psicologia social defendida por Colucci e Camussi (1998) não se identifica, mas possui semelhanças com o que Montero (1991) define como psicologia social da política. Os autores italianos buscam em sua proposta instrumentalizar a psicologia política por meio de categorias e conceitos da psicologia social, no entanto não limitam a primeira apenas a um âmbito de aplicação da segunda.
Tais autores entendem que a relação entre a psicologia política e a psicologia social precisa ser observada com cuidado. É comum e relevante que esses dois campos tenham intersecções de temas e métodos, porém a aproximação de ambos pode se dar de modo improdutivo quando não feita de forma devida. Faz-se necessário assim que seja elaborada uma teoria capaz de conectar de forma produtiva diversos conceitos e âmbitos de pesquisa presentes tanto no campo da psicologia social como no da psicologia política. Tal tarefa tem como ponto de partida a necessidade de se buscar uma definição de política em relação à psicologia. A definição aqui buscada de política em relação à psicologia deve evitar a fragmentação da psicologia política. Como dito anteriormente, a psicologia política não pode ser entendida como apenas um âmbito de aplicação da psicologia social (Silva, 2012ab). A psicologia política precisa buscar sua própria definição, definição esta que só pode ser feita a partir de um entendimento anterior do que é o "político" (Colucci & Camussi, 1998).
De acordo Colucci e Camussi (1998), os dois elementos que podem ser considerados próprios do âmbito do político são a mudança e o conflito. Segundo os autores italianos:
[...] tem-se que a mudança no tempo geralmente gradual, mas às vezes radical e inesperada, e o conflito desta derivado podem ser indicados como o próprio da política [...] a luta pela mudança do existente em um futuro que se imagina, se sonha e se quer melhor, e os conflitos gerados por tal luta constituem a expressão mais alta e mais autêntica da atividade política. (Colucci & Camussi, 1998:110; tradução do autor)
Assim pensado o político, a teoria que busca uma perspectiva tendencialmente não fragmentária da psicologia política deve ter como prioritário o entendimento do conflito e da mudança (Colucci & Camussi, 1998).
A psicologia historicamente desempenha um importante papel no que se refere ao entendimento e explicação de conflitos, sejam esses conflitos entre grupos, interpessoais ou mesmo inconscientes. No entanto, não é raro a psicologia privilegiar prioritariamente os modelos homeostáticos. Nesses modelos a mudança não é abordada ou quando é possui explicações não satisfatórias. Por exemplo, os processos de persuasão em grande parte das vezes são entendidos como maneira de manter o status quo e não como possibilidade de mudança da posição dos sujeitos. Como exceções a esses modelos hegemônicos podemos citar Lewin (1946) e sua pesquisa-acão; Moscovici (1976/2011a, 1984/2011b) e sua pesquisa sobre minorias ativas e representações sociais; Tajfel (1981) e sua teoria sobre comportamento de grupos; e Leontiev (Engeström, Miettinen, & Punamäki, 1999) e sua Teoria da Atividade.
Lewin (1946) visa com sua pesquisa-ação produzir, por meio da participação ativa de seus sujeitos, mudanças em situações sociais reais. Por sua vez, Tajfel aborda a questão dos conflitos realizando um importante trabalho referente a estereótipos e preconceitos (Álvaro & Garrido, 2006).
Moscovici (1976/2011a) realiza estudos que buscam entender os processos nos quais uma minoria ativa pode gerar grandes transformações sociais. O autor critica os estudos anteriores da psicologia social que em grande parte possuem como foco a conservação e não os processos de mudança da sociedade. Além disso, o teórico franco-romeno é reconhecido pelo seu legado relacionado à teoria das Representações Sociais. Segundo Moscovici (1984/2011b), os psicólogos americanos, em sentido geral, entendiam o homem como um ser que pensa como um estatístico. Assim, seu principio único seria estabelecer a coerência da informação que recebe do meio ambiente. Por outro lado, aqueles que estudam as representações sociais entenderiam o homem em toda sua diversidade. "Diversidades de indivíduos, atitudes e fenômenos, em toda sua imprevisibilidade e estranheza. Seu objetivo é descobrir como os indivíduos e grupos podem construir um mundo estável, previsível, a partir de tal diversidade" (Moscovici, 1984/2011b:79).
Outro teórico que pode ser considerado contra hegemônico no campo da psicologia é Leontiev. É atribuída a Leontiev a chamada Teoria da Atividade. Pela complexa relação entre a atividade concreta local e as análises sociais mais amplas, o referencial deste autor soviético é considerado como possuidor de forte valor explicativo. A Teoria da Atividade reconhece dois processos básicos agindo continuamente em todos os níveis das atividades humanas: a internalização (relacionado à reprodução da cultura); e a externalização (relacionada à criação de novos artefatos e a possibilidade de transformação da cultura). A internalização e a externalização se constituem a partir de um processo dialético que coloca o sujeito em relação com o objeto por meio da atividade transformadora e intencional, a práxis ou Tätigkeit (Engeström, Miettinen, & Punamäki, 1999).
Ainda que não abordados diretamente por Colucci e Camussi (1998), podemos citar alguns pensadores latino-americanos que se aproximam de sua proposta de psicologia política, ou seja, que possuem teorias nas quais o conflito e a mudança ocupam papel de grande relevância. Entre tais autores destacamos Martín-Barò (1996, 1998) - que propõe caminhos para uma psicologia da libertação - e Montero (1991, 2000), a qual desenvolve trabalhos fundamentais sobre a psicologia política e a psicologia social latino-americanas. Ambos os autores defendem a necessidade do psicólogo de reconhecer, entender e se posicionar diante dos conflitos (sociais, econômicos e políticos) que permeiam a realidade da América Latina. Além disso, escrevem sobre o significativo papel que a psicologia política e social deve desempenhar nos processos de mudança social em curso nesse contexto.
Após esse breve percurso, evidencia-se a necessidade de uma teoria que consiga relacionar modelos não homeostáticos conectando suas diferentes concepções sobre a mudança e o conflito. Essa teoria deve conceber o homem não como isolado e dominado por processos de busca por equilíbrio estático, mas sim, como capaz de participar e gerar processos de mudança, capaz de ser ativo na construção de seu próprio futuro e história. Essa teoria seria fundada no conceito de Senso Comum, o qual, assim como a política, possui o conflito - a luta, a contradição - e a mudança como categorias fundantes (Colucci & Camussi, 1998).
Percurso Histórico do Senso Comum
Segundo Colucci e Camussi (1998), a história do conceito de senso comum é fortemente marcada por definições diversas e muitas vezes contraditórias. Tais definições oscilam no que diz respeito à repercussão social do senso comum entre os polos da conservação do status quo e o questionamento das normas estabelecidas.
Cícero, na cultura romana antiga, defende que o grande orador não deve se distanciar do linguajar e das experiências cotidianas das pessoas. Ou seja, tal pensador fala da possibilidade de a partir dos sentidos e lugares comuns partilhados entre as diversas pessoas - o que podemos aqui entender como senso comum - gerar uma alteração ou fortalecimento de determinado ponto de vista (Colucci & Camussi, 1998). Como Billig (1991) destaca, o senso comum assim entendido tem a potencialidade de embasar argumentações opostas sobre um mesmo tema. Essa definição colocada pelos antigos retóricos e retomada por Billig demonstra a natureza contraditória inerente ao senso comum e expressa as possibilidades de mudança nele presentes.
Sêneca, por sua vez, entende que a filosofia tem a função de confirmar as ideias já presentes no senso comum. E Vico, retomando a definição romana de senso comum, escreve:
"O senso comum é um juízo proveniente de toda uma ordem, de todo um povo, de toda uma nação ou de todo o gênero humano" (Vico citado por Colucci, 1998:35; tradução do autor). Além disso, Vico ainda identifica no senso comum ('sapienza volgare') funções criativas e coloca-o na origem do direito natural (Colucci, 2007).
Thomas Reid (Reid citado por Billig, 2008), autor conhecido pela sua "Filosofia do Senso Comum", defende que a base do conhecimento humano possui uma dimensão social e não meramente individual. Segundo ele, o conhecimento possuiria alicerces sociais na medida em que o seu substrato, o senso comum, possui uma natureza fundamentalmente partilhada entre os homens (Billig, 2008). Contra o ceticismo de Hume, Reid coloca o senso comum como "faculdade das primeiras verdades". Verdades primeiras na medida em que não são derivadas de nenhum principio anterior. Essa será a definição que se manterá a mais popular na filosofia e ciências humanas: o senso comum como substancialmente a capacidade natural comum a todos os homens, porque dotados de razão, de compreenderem as verdades primeiras e, ao mesmo tempo, o consenso dos homens sobre tais verdades. Essa concepção é fundada em um principio de autoridade do senso comum, o qual estaria baseado em verdades naturais, das quais somos dotados por Deus. No que tange às verdades do senso comum, todos os homens teriam a mesma capacidade. Desta forma todos os homens possuiriam uma capacidade racional compartilhada, e assim, todos poderiam se manifestar contra determinadas ações que fossem contrárias às verdades primeiras (Colucci, 1998).
Descartes (Descartes citado por Colucci & Camussi, 1998), por sua vez, toma como pedra angular da sua filosofia uma constatação de senso comum ("penso, logo existo"). No entanto, o próprio Descartes, também defensor da concepção de uma razão partilhada entre os homens, defende a existência de pessoas loucas, as quais estariam fora de tal senso comum e, assim sendo, não compartilhariam dessa capacidade racional humana anteriormente tida como universal. Descartes será uma das referencias que os enciclopedistas franceses Diderot e D'Alembert usarão para construir seu entendimento de senso comum. Os enciclopedistas dedicam uma parte de seu trabalho ao senso comum, na qual eles escrevem que "todos os homens são filósofos" (Colucci & Camussi, 1998).
Voltaire trará uma concepção de cunho desviante sobre o senso comum. Segundo o pensador francês, o senso comum seria uma capacidade geral de raciocinar, que se não for pervertida pelo medo imposto pela autoridade, seria capaz de refutar as crenças supersticiosas. A concepção de Voltaire é radicalmente desviante, pois ele defende a capacidade dos homens poderem pensar por si mesmos, ou seja, criticar e superar as tentativas de ilusões impostas pelo poder. Voltaire, com seu senso comum, diz respeito também a opiniões e crenças dominantes em determinada época e cultura. Tais crenças e opiniões, quando supersticiosas e impostas pelo poder, estariam passivas da crítica e recusa do núcleo são do senso comum, o "bom senso" (Colucci & Camussi, 1998).
Por fim, destacaremos o escritor Tom Paine. Paine (Paine citado por Colucci, 2002) desempenhou um importante papel intelectual nas Revoluções Americana e Francesa. Ele defende que "todos os homens" sejam de fato todos: mulheres, loucos, escravos. Ele escreve em seu livro (Common Sense, 1776) sobre o absurdo da monarquia hereditária e da dependência dos EUA de uma pequena ilha na Europa. Em síntese, defende o absurdo da desigualdade entre os homens. Ele desenvolve a sua argumentação sem se referir a nenhum sistema filosófico elaborado, Paine usa apenas o conhecimento partilhado no senso comum. Escreve que mais correto do que falar de revolução em tal período histórico seria falar sobre a regeneração do homem. Segundo Colucci (2002), o movimento da Revolução Francesa por igualdade envolve não só os intelectuais, mas também as camadas mais humildes da população. O autor defende que a ideia de igualdade existente desde tempos remotos no senso comum vai aos poucos se tornando mais forte e passa à filosofia e à ideologia. Podemos entender a partir dessa posição que a filosofia e a ideologia não apenas influenciam o senso comum, mas também são por ele influenciadas. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (e toda a filosofia e ideologia impregnadas em tal documento) sem dúvidas influenciou o senso comum, no entanto, também é necessário considerar o movimento inverso, o qual demonstra que elementos do senso comum podem influenciar e mudar conjuntos filosófico-ideológicos.
Entretanto, a definição mais complexa de senso comum elaborada na contemporaneidade, segundo nosso entendimento, se deve a Gramsci. O pensador italiano será influenciado principalmente pelos iluministas para criar uma concepção de senso comum profundamente dialética, polimórfica e polissêmica. Será essa a definição que abordaremos no tópico a seguir.
Conceito de Senso Comum Gramsciano
Na forma como o senso comum é aqui entendida, sua função primaria, utilizando os termos de Moscovici (1984/2011b), é transformar o opus alienum, ou universo reificado, em opus nostrum, ou universo consensual. No entanto, diferentemente do autor franco-romeno, nosso referencial dará maior atenção às potencialidades de mudanças presentes no senso comum mesmo reconhecendo a prevalência de mecanismos homeostáticos e adaptativos. Também entendemos que não há uma divisão tão demarcada entre o mundo da ciência e o mundo do senso comum. Pelo contrário, essas duas dimensões possuem uma íntima relação na qual há um movimento de influência bidirecional, ou seja, não são apenas os conceitos científicos que são "adaptados" ao senso comum, mas também existem elementos do senso comum que passam a compor o mundo da ciência e da filosofia, como aborda Colucci (2002).
Gramsci (2007) baseado nos iluministas, e em especial retomando Voltaire, apresenta a teoria contemporânea mais completa e sistemática do senso comum. O autor italiano entende o senso comum como sendo uma "filosofia" profundamente vivida, aprendida assim como elaborada em tantos momentos singulares do viver cotidiano. O senso comum, em geral, se manifesta sem que as pessoas se deem conta de sua existência, sem conhecerem a sua generalidade, ele é vivido como se apresenta na práxis do dia-a-dia. Apresenta-se como flexível e fluido: "O senso comum não é alguma coisa rígida e imóvel, mas se transforma continuamente, enriquecendo-se das noções cientificas e filosóficas entradas no costume" (Gramsci, 2007:2271; tradução do autor). Essa "filosofia cotidiana" é o estrato médio entre o folclore e a filosofia, a ciência, a economia dos cientistas. É o folclore da filosofia e a filosofia do folclore. Cada estrato social possui seu senso comum e seu bom senso, os quais se fundam sobre a concepção de vida e de homem mais difundida.
Segundo Gramsci (2007), todos são filósofos - mesmo que de forma "inconsciente", pois todos manifestam uma atividade intelectual e possuem uma concepção de mundo - e há uma "filosofia espontânea", de "todo mundo", que está:
1) Na linguagem em si, que é um concentrado de conceitos e noções determinadas (possuem uma concepção de mundo em si) e não apenas um conjunto de palavras vazias.
2) No senso comum e no bom senso;
3) No folclore.
O senso comum possui na linguagem a sua primeira e mais importante manifestação. É onde convivem desde as crenças e tradições mais antigas de determinado grupo social, até as modernas teorias científicas e filosóficas. O senso comum possui, segundo Gramsci (2007), um núcleo são, o qual ele chama de "bom senso". Retomando Voltaire, Gramsci defende que a partir do bom senso é possível ao homem comum assumir uma postura crítica diante do mundo que o circunda e, assim, ter um papel ativo nas mudanças empreendidas nesse mundo. Por sua vez, o folclore se destaca por sua rigidez e pode ser definido como
[...] um aglomerado indigesto de fragmentos de todas as concepções do mundo e da vida que se sucederam na história, da maioria das quais, aliás, somente no folclore é que podem ser encontrados os documentos mutilados e contaminados que sobreviveram. (Coutinho, 2011:151)
O senso comum, o bom senso e o folclore comporiam juntos a subjetividade em formas diversas, sendo que em cada momento ou sujeito específico um aspecto mais do que outro pode ser predominante. Gramsci também reconhece e teoriza sobre o caráter polissêmico e polimórfico do senso comum e sobre a coexistência ao interno deste de aspectos contraditórios e controversos (Colucci & Camussi, 1998).
O conceito de senso comum, em articulação com as categorias de práxis e hegemonia, possui centralidade na teoria de Gramsci. O marxista italiano atribui um papel ativo aos homens em geral. O autor escreve
Todo homem, na medida em que é ativo, isto é, vivo, contribui para modificar o ambiente social em que se desenvolve (para modificar determinadas características dele ou para conservar outras), isto é, tende a estabelecer "normas", regras de vida e de conduta [...]. [Assim] como todos são "políticos", todos são também "legisladores". (Coutinho, 2011:260)
E diante das teorias que pregam um sociologismo que desresponsabiliza o sujeito, Gramsci escreve:
Se esse conceito fosse verdadeiro, o mundo e a história seriam sempre imóveis; Se de fato o indivíduo, para mudar, precisa que toda a sociedade seja mudada antes dele, mecanicamente por alguma força extra-humana desconhecida, nenhuma mudança ocorreria jamais. A história, ao invés, é uma continua luta de indivíduos e de grupos para mudar aquilo que existe em cada momento determinado [...]. (Gramsci, 2007:1879; tradução do autor)
A partir do exposto acima, Colucci e Camussi (1998) defendem que tal concepção de senso comum deve desempenhar um papel central na psicologia política. Entende-se que há uma relação dialética entre a situação política objetiva ou histórica e a subjetividade. Tal subjetividade, expressando-se como senso comum, como formação psicológica ao mesmo tempo individual e compartilhada, possui em si a contradição entre o real e o irreal, ou seja, entre os dados concretos já postos e as possibilidades de mudança, as utopias, os sonhos, que podem ser construídos a partir desse real concreto.
Gramsci (citado por Coutinho, 2011) articula os objetivos do sujeito político às possibilidades dadas pela realidade histórica ao escrever sobre a mudança social. O autor italiano cita o político como aquele que modifica o conjunto das relações sociais nas quais está inserido. No entanto, essa modificação não se manifesta no vazio, "o político em ato é um criador, um suscitador, mas não cria a partir do nada nem se move na vazia agitação de seus desejos e sonhos" (Coutinho, 2011:245). Segundo Gramsci é preciso elaborar um "deve ser" a partir da realidade efetiva. O político precisa ser capaz de fazer seu projeto (seu "deve ser") tendo como base a realidade social e histórica com suas potencialidades e limites concretos. Dessa forma "o 'deve ser' é algo concreto, ou melhor, somente ele é interpretação realista e historicista da realidade, somente ele é história em ato e filosofia em ato, somente ele é política" (Coutinho, 2011:245).
Segundo nosso referencial, a psicologia política deve se ocupar em primeiro lugar do agir político, mas esse agir político não será aqui entendido como sendo reservado aos lideres políticos ou sendo feito de forma "irracional" pelas massas. O agir político será entendido como ação intencional, ou práxis em Gramsci, desempenhado por todos os sujeitos, os quais podem possuir um papel crítico, consciente e ativo diante do mundo e não serem apenas escravos da ideologia dominante.
O senso comum deve ser entendido como um sentimento-pensamento-conhecimento, que pelo seu caráter polimórfico e polissêmico, é transformado em cultura, folclore, tradição, representações sociais, experiências pessoais. Essa proposta de senso comum está baseada na concepção dialética entre sentimentos, pensamentos e ações: a ação deve ter sentimentos e pensamentos que a guiem, assim como tal ação também deve agir sobre esses pensamentos e sentimentos. Os três elementos (pensamento, sentimento e ação) serão entendidos como ao mesmo tempo coletivos, e de cada um dos indivíduos concretos (Colucci & Camussi, 1998).
O entendimento do senso comum como polimórfico, polissêmico e contraditório, supera a dicotomia entre um sujeito "econômico racional" e "irracional afetivo". De acordo com a concepção aqui apresentada de senso comum, em cada personalidade há uma complexa relação entre esses dois pólos. Ambos existem e se manifestam em cada um de nós, muitas vezes quase simultaneamente. A manifestação prioritária da racionalidade ao invés da emotividade (ou vice-versa), a priorização do presente dado ao invés da priorização das possibilidades do por vir (ou vice-versa) se dão em consonância com cada personalidade e situação concreta específicas.
Em coerência com essa diversidade possível de manifestações da subjetividade, podemos encontrar argumentos em Gramsci (Ghiro, 2012) e na psicologia histórico-cultural (Vigotski, 2000, 2007, 2009). Consideramos também pertinentes as contribuições de Billig (1991) e sua psicologia retórica. O autor inglês entende que nosso pensar se manifesta de forma retórica, ou seja, que nossa subjetividade possui potenciais contraditórios e que a todo o momento estamos realizando "debates internos" sobre os mais diversos temas. Ele defende que o senso comum também possui uma estrutura contraditória e que nele é possível encontrar elementos opostos sobre um mesmo objeto. Dessa forma, busca-se demonstrar como o senso comum, e consequentemente sua expressão no sujeito individual, possui potenciais diversos, ou seja, não é imóvel ou inalterável.
Segundo Billig (1991) a variabilidade de opiniões em um embate retórico não se dá somente pelas diferentes estratégias adotadas pelos debatedores, mas
Isso também representa a natureza própria do senso comum e seus temas contraditórios, os quais possibilita a oradores percorrer seus assuntos retóricos. As máximas do senso comum podem ser retoricamente colocadas uma contra a outra; coragem contra prudência; obediência contra originalidade; justiça contra misericórdia; e assim por diante. Desta maneira a questão do senso comum filosófico pode ser conduzida. Estereótipos opostos podem ser despertados, desta forma aqueles velhos adversários se enfrentarão um a outro em batalha mais uma vez. Sendo assim, como Gramsci defende, a linguagem não deveria parecer conter apenas uma única concepção de mundo. Ao contrário, como o autor italiano reconhece em outra passagem dos Cadernos do Cárcere, o senso comum expressa diferentes concepções de mundo [...]. Os elementos do senso comum podem ser utilizados para criticar o senso comum. Nesse sentido, ideologia não necessariamente evita argumentação, mas pode prover os recursos para o criticismo [...]. (Billig, 1991:21-22; tradução livre)
Agir no senso comum e potencializar suas contradições em busca de modificá-lo é uma práxis intrinsicamente ligada ao que Gramsci define como guerra de posição, ou seja, a batalha pela hegemonia cultural e ideológica em determinada sociedade. Coutinho (2007:147) escreve que em países ditos "Ocidentais":
[...] as batalhas devem ser travadas inicialmente no âmbito da sociedade civil, visando à conquista de posições e de espaços ("guerra de posição"), da direção político-ideológica e do consenso dos setores majoritários da população, como condição para o acesso ao poder de Estado e sua posterior conservação.
Segundo Colucci (2007) essa luta pela hegemonia possui também como meta criar um "senso comum livre e crítico", assim como, construir um "novo conformismo" (Coutinho, 2011), não mais imposto, mas agora proposto. Para atingir os objetivos buscados faz-se necessária a propagação de determinada concepção de mundo. Gramsci defende que tal propagação depende de elementos psicológicos (por exemplo, a autoridade da fonte), mas principalmente de questões históricas e sociais.
De acordo com Gramsci:
Enquanto historicamente necessárias, as ideologias têm uma validade que é validade 'psicológica': elas 'organizam' as massas humanas, formam o terreno no qual os homens se movimentam, adquirem consciência de sua posição, lutam etc. Enquanto são 'arbitrárias', não criam mais do que 'movimentos' individuais, polêmicas etc. (Coutinho, 2011:148-149)
A construção de um novo senso comum deve estar baseada em uma ideologia orgânica, historicamente necessária. Tal construção se dá em uma relação dialética entre teoria e prática. A atividade pedagógica necessária ao novo senso comum depende de sua ligação com a vida prática dos sujeitos. Para Gramsci, o conceito de hegemonia se liga à subjetividade de ambos, massas e sujeito individual, envolvendo o senso comum e a ação nas instituições da sociedade civil (Colucci, 1999).
Considerações Finais
Esperamos ter conseguido apresentar de forma clara, ainda que sinteticamente, a proposta de psicologia política fundada sobre o conceito de senso comum.
Entendemos que essa proposta, mesmo construída em um ambiente cultural e social diverso do latino-americano, possui significativos pontos de aproximação com nossa realidade, tanto no que diz respeito a elaborações teóricas, como no que concerne à análise de fenômenos sociais recentes.
Primeiramente no que diz respeito ao campo teórico, um exemplo de aproximação se dá com o pensamento de Martín- Baró. Assim como Colucci e Camussi (1998), o criador da psicologia da libertação também defende a necessidade de se atuar no senso comum buscando desideologizar as experiências cotidianas e desnaturalizar as condições de dominação, abrindo assim possibilidades para transformações sociais (Martín-Baró, 1998).
No que tange a fenômenos sociais recentes, Felice (2013) defende que o advento de novas tecnologias de comunicação e ação em rede produz alterações profundas nas formas de ser de movimentos sociais diversos. Entre tais movimentos, o autor cita as jornadas de junho de 2013 no Brasil e o "Yo soy 132" no México. Segundo Felice, essas formas de ativismos se caracterizam, entre outros aspectos, pela não hierarquização e pela recusa à institucionalização. Ao defender o potencial crítico e transformador presente em cada sujeito e legitimar a participação ampla de todos os cidadãos em ações políticas, a proposta de abordagem do senso comum aqui apresentada pode-se mostrar pertinente na análise desses atuais movimentos latino-americanos.
O senso comum, diferente de muitas concepções hoje hegemônicas, não pode ser estudado a partir de simulações computacionais ou experimentos controlados em laboratórios, mas sim a partir da vida real e de toda sua imprevisível dinamicidade (Colucci & Camussi, 1998). Aqui se entende o senso comum em uma relação dialética com a realidade histórico-social e as mudanças políticas. Tal proposta exige que o estudo do senso comum não se limite a aplicação de regras supostamente universais e generalizantes, mas se fundamente na concretude da vida fora dos laboratórios.
Entender o senso comum como meramente uma "zona negra de ignorância", acrítica e imóvel, legitima o isolamento entre o universo reificado e o universo consensual. Assim sendo, também se legitima o isolamento entre políticos profissionais e cidadãos em geral, reservando apenas aos primeiros reconhecido direito de participar dos processos políticos. Entender o senso comum em suas potencialidades de crítica e de mudança social faz coerente a defesa da capacidade - e quem sabe até do dever - da participação política de todos que dele compartilham, ou seja, de todos nós, humanos.
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Recebido em 13/11/2013
Revisado em 05/12/2013
Aceito em 14/01/2014