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Revista Psicologia Política

Print version ISSN 1519-549XOn-line version ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.16 no.36 São Paulo May/Aug. 2016

 

ARTIGOS

 

Percepções de Adolescentes Escolares sobre as Relações entre Violência Doméstica e Bullying

 

Perception of School Adolescents about the Relationships between Domestic Violence and Bullying

 

Percepciones del Adolescente Escolar sobre las Relaciones entre la Violencia Doméstica y el Acoso Escolar

 

Perceptions des Adolescents Scolarisés sur la Relation entre la Violence Familiale et L'intimidation

 

 

Grazielli FernandesI; Maria Angela Mattar YunesII; Lirene FinklerIII

IMestra em Educação e Doutoranda em Educação pela Universidade La Salle (Bolsista Capes/Prosuc). Graduada em Letras Português e Literaturas de Língua Portuguesa pela Universidade Federal de Santa Maria. Unilasalle, Canoas, RS, Brasil. graziellifernandes@gmail.com
IIPsicóloga. Mestre em Psicologia, University of Dundee, Escócia. Doutora em Educação: Psicologia da Educação (PUC-SP), Pesquisadora do CNPq. Professora permanente no Programa de Pós- Graduação em Psicologia da Universidade Salgado de Oliveira, UNIVERSO, Niterói, RJ, e colaboradora no Programa de Pós- Graduação em Educação da Universidade La Salle, Unilasalle/ Canoas. Coordenadora do Centro de Referência e Atenção às Famílias e Profissionais Sociais – CRAFPS/ Universo. Unilasalle, Canoas, RS, Brasil. mamyunes@yahoo.com.br
IIIPsicóloga. Mestre e Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pósdoutora em Educação pela Universidade La Salle (Unilasalle). Atua na Política de Assistência Social em Porto Alegre. Unilasalle, Canoas, RS, Brasil. lirenefinkler@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

Este estudo teve por objetivo conhecer a percepção de adolescentes de uma escola pública municipal da região metropolitana do Rio Grande do Sul sobre as relações entre violência doméstica e bullying. Trata-se de um estudo qualitativo que teve por base metodológica a Entrevista Reflexiva. Por meio de duas etapas anteriores, foram selecionados como participantes oito estudantes que declararam sofrer violência doméstica e serem autores e/ou alvos de bullying. Resultados indicaram que os adolescentes percebem a associação entre os microssistemas escola e família diante das vivências de violências. Sendo vítimas de violência doméstica, alguns tornam-se alvos de bullying, pois demonstram fragilidade; outros, autores, por seguirem os exemplos negativos ou direcionarem a raiva a colegas. Estes achados destacam a necessidade de se implementarem projetos de intervenção e políticas públicas de combate a essas violências, que associem escolas e famílias.

Palavras-chave: Puberdade, Violência na Família, Bullying, Risco, Experiências de Vida.


ABSTRACT

This study aimed to know the perception of adolescents from a public school in the metropolitan region of Rio Grande do Sul about the relationships between domestic violence and bullying. It is a qualitative study that was based on Reflexive Interview as the methodological approach. By means of two previous stages, eight students were selected as participants, who declared that they suffered domestic violence and were authors and /or targets of bullying. Results indicated that adolescents perceive the association between school and family microsystems from the experiences of violence. Being victims of domestic violence, some become targets of bullying because they show fragility; others, authors, by following the negative examples or directing anger to their peers. These findings highlight the need to implement intervention projects and public policies to combat this violence, which associate schools and families.

Keywords: Puberty, Family Violence, Bullying, Risk, Life Experiences.


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo conocer las percepciones de los adolescentes de una escuela pública en la región metropolitana de Rio Grande do Sul, sobre las relaciones entre la violencia doméstica y bullying. Se trata de un estudio cualitativo que tuvo por base metodológica la Entrevista Reflexiva. Por medio de dos etapas anteriores, se seleccionaron como participantes ocho estudiantes que declararon sufrir violencia doméstica y ser autores o víctimas de bullying. Los resultados indicaron que los adolescentes perciben la asociación entre los microsistemas escuela y familia ante las vivencias de violencias. Siendo víctimas de violencia doméstica, algunos se convierten en víctimas de bullying, pues demuestran fragilidade; otros, autores, por seguir los ejemplos negativos o dirigir la rabia a colegas. Estos resultados destacan la necesidad de implementar proyectos de intervención y políticas públicas de combate a esas violencias, que asocien escuelas y familias.

Palabras clave: Pubertad, Violencia Doméstica, Bullying, Riesgo, Experiencias de Vida.


RÉSUMÉ

Ce texte vise à compreendre la perception des étudiants adolescents d'une école publique sur les relations entre violence familiale et l'intimidation. Ceci est une recherche qualitative qui avait comme base méthodologique l'entretein réflexif. Huit étudiants qui se sont déclarés victimes de violence familiale et étaient auteurs et /ou cibles d'intimidation ont été sélectionnés comme participants à la recherche. Les résultats de cette recherche indiquent que les adolescents perçoivent l'association entre les microsystèmes scolaires et familiaux face à des expériences violentes. Ceux qui sont victimes de violence familiale deviennent des cibles d'intimidation principalement parce qu'ils sont fragiles. D'autres élèves deviennent des intimidateurs simplesment en suivant des tendances négatives ou en dirigeant leur colère vers des collègues. Ces résultats soulignent la nécessité de mettre en oevre des projets d'intervention et des politiques publiques de lutte contre l'intimidation impliquant les écoles et les familles.

Mots clés: Puberté, Violence Familiale, L'intimidation, Éxperiences de vie.


 

 

Introdução

As crianças e os adolescentes têm o direito fundamental de viver livres de qualquer forma de violência, o que é assegurado em diferentes documentos internacionais, como a Convenção sobre os Direitos da Criança, ou nacionais, como o artigo 227 da Constituição Federal (Brasil, 1988), o Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990), a Lei nº 13.010/2014, conhecida como Lei da Palmada (Brasil, 2014) e o Programa de Combate à Intimidação Sistemática (Bullying), instituído pela Lei nº 13.185/2015 (Brasil, 2015). Mesmo assim, anualmente, milhões de crianças, em todo o mundo, são vítimas ou testemunhas de maus-tratos físicos, emocionais e sexuais, seja dentro ou fora do contexto familiar (Fundo das Nações Unidas para a Infância, 2014, 2016).

Uma das formas de violência praticada contra crianças e adolescentes é a violência doméstica, caracterizada como ação ou omissão que prejudica o bem-estar, a integridade física e psicológica, a liberdade e o pleno desenvolvimento. Esta pode ser praticada dentro ou fora de casa por algum membro da família, incluindo pessoas que assumem funções parentais (Ministério da Saúde, 2002). Segundo a Fundação das Nações Unidas para a Infância (2014), a cada ano, seis a cada 10 crianças e adolescentes são vitimizados pela violência doméstica, número que pode ser ainda maior, tendo em vista que muitos casos não são notificados.

No ambiente escolar, o público infanto-juvenil também pode conviver com o bullying, prática violenta e intencional que causa dor, angústia e sofrimento às vítimas e um sentimento de satisfação no autor (Fante, 2012; Olweus, 1993; Schultz e col., 2012). Para Olweus (1993), há a existência de bullying quando um estudante é vitimizado ou agredido, estando exposto repetidamente e ao longo do tempo a ações negativas por parte de um ou mais alunos (denominados bullies), gerando consequências negativas para todos os envolvidos.

Segundo pesquisadores, os envolvidos com o bullying podem exercer papéis distintos: alvo, alvo/provocador, alvo/autor, autor e testemunha. O alvo é quem não tem condições de se defender. É caracterizado da seguinte forma: ser alguém frágil; ter coordenação motora, visual ou auditiva deficiente; ter baixa autoestima; ser tímido, sensível e inseguro; ser bom aluno ou ter dificuldades de aprendizado; falar com sotaque diferente dos demais membros do grupo; vestir-se de maneira diferente do grupo ou estar acima ou muito abaixo do peso. O alvo/provocador é aquele que provoca o autor e não consegue lidar com a situação. Quando atacado ou insultado, tenta se defender, normalmente, de maneira ineficaz. Pode ter como características: hiperatividade, inquietação, nervosismo, agressividade e, devido a esse perfil, acaba por causar tensões no ambiente escolar. O alvo/autor é aquele que reproduz os maustratos sofridos em alguém mais frágil que ele, o que faz aumentar o número de vítimas. Pode ter como características: baixa autoestima, agressividade, além de prováveis alterações psicológicas, procurando humilhar os colegas para encobrir suas limitações. Por fim, a testemunha é aquela que não participa diretamente das agressões, mas as presencia e cala-se por medo de ser a próxima vítima. Nesse grupo, pode estar aquele que não participa diretamente do ataque e manifesta apoio ao autor (Fante, 2012; Olweus, 1993; Schultz e col., 2012).

Apesar de a violência doméstica e o bullying serem fenômenos com características distintas, pesquisadores propõem-se a estudar as relações entre ambos, a fim de demonstrar que as ações praticadas ou sofridas em um ambiente podem se refletir em outros; portanto, caracterizados como relacionais e sistêmicos (Fante, 2012; Pinheiro & Williams, 2009). Como exemplo, citamse duas pesquisas. No ano de 2003, em entrevista com 450 alunos de 5ª a 8ª séries de uma escola pública do estado de São Paulo, Fante (2012) concluiu que, dos envolvidos em episódios de bullying, 81% repetiram os comportamentos agressivos recebidos em casa. No cenário norteamericano, Bauer e col. (2006), ao pesquisarem 112 crianças e adolescentes, apontaram que 97% dos autores de bullying já foram expostos à violência doméstica.

A Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano, ou Bioecologia do Desenvolvimento Humano, modelo teórico proposto por Urie Bronfenbrenner (1996, 2011), estuda as relações humanas de forma contextualizada com tudo o que as rodeia, seja de forma direta ou indireta. O centro dessa teoria é o conceito de processos proximais, definidos como processos de interação recíproca entre uma pessoa em atividade com outras pessoas, em diferentes ambientes, por determinados períodos de tempo.

Os ambientes, ou contextos ecológicos, são caracterizados por Bronfenbrenner (1996, 2011) como: microssistema, mesossistema, macrossistema e exossistema. O microssistema refere-se a sistemas próximos, de relações face a face, como a família e a escola. O mesossistema envolve as relações entre dois ou mais ambientes nos quais a pessoa participa ativamente (por exemplo, as relações entre família e escola). O exossistema envolve as ligações e processos entre dois ou mais contextos, nos quais, em pelo menos um deles, a pessoa em desenvolvimento não está presente, mas é influenciada de forma indireta (trabalho dos pais/responsáveis, por exemplo). O macrossistema é a união das características do micro, meso e exossistemas de determinada cultura ou contexto social mais amplo.

A partir desses conceitos, a Teoria Bioecológica propõe um modelo composto por quatro núcleos: Processo, Pessoa, Contexto e Tempo (PPCT), que influenciam os processos proximais. Processo é a dinâmica entre o indivíduo e o contexto, contemplando as mudanças e continuidades do desenvolvimento humano; Pessoa é a pessoa em desenvolvimento, integrando características biológicas, cognitivas, emocionais, comportamentais e aquelas construídas na interação com o ambiente; Contexto são os ambientes entrelaçados; Tempo são as mudanças e continuidades da pessoa em desenvolvimento ao longo do tempo (Bronfenbrenner, 2011; Bronfenbrenner & Morris, 1998; Senna, 2011).

Com o aporte da Bioecologia do Desenvolvimento Humano, entende-se que as pessoas vivemem uma rede de relações (Bronfenbrenner, 1996), que se inicia no ambiente familiar. É na família que a criança encontra os primeiros "outros", com os quais aprende a existir no mundo, o qual passa a ter um significado, a partir das trocas intersubjetivas, construídas pelo afeto (Szymanski, 2004). Com o passar dos anos, as crianças passam a estabelecer novos vínculos e assumem novos papéis sociais nos ambientes em que circundam, como a escola (Bronfenbrenner, 1996, 2011; De Antoni & Koller, 2000). Esse ambiente escolar propicia o aprendizado de novas habilidades sociais; nele, são construídos vínculos de amizade e companheirismo, pois representa a abertura para o espaço social fora do lar (Hoppe & Ramos, 2012).

Tanto na escola quanto na família, as pessoas podem estabelecer vínculos positivos e negativos. Os processos de risco (interações negativas) aumentam a possibilidade de a pessoa apresentar problemas físicos, sociais ou emocionais (Marzol, Bonafé & Yunes, 2012). Nas situações estressoras ou diante de fatores de risco, a pessoa em desenvolvimento pode adotar estratégias de coping, um conjunto de esforços cognitivos e comportamentais intencionais que auxiliam a lidar com tais eventos negativos e que, quando bem-sucedidos, podem aliviar essas vivências (Lazarus & Folkman, 1984).

Dentre os processos de risco, destacam-se exposição à violência doméstica e o bullying. É consenso entre pesquisadores que ambas as formas de violência geram danos de diferentes intensidades em crianças e adolescentes, como o isolamento, a depressão e, até mesmo, o suicídio (Fante, 2012; Ministério da Saúde, 2002; Pinheiro & Williams, 2009). Devido à gravidade dos problemas causados pelas duas formas de violência, desenvolveu-se este estudo, de caráter qualitativo, que tem por objetivo compreender as percepções de oito adolescentes do Ensino Fundamental de uma escola pública do Rio Grande do Sul sobre as possíveis relações entre violência doméstica e bullying.

Assis e Avanci (2004) destacam que familiares, profissionais de saúde, educadores e responsáveis pelas políticas públicas devem atentar para a visão que os adolescentes têm de si mesmos e do meio em que vivem, a fim de auxiliá-los nesse período tão importante de suas vidas. Assim, acredita-se que esta pesquisa - por meio da qual se ofereceu aos adolescentes um espaço importante para que falassem e refletissem sobre as suas vivências de violências - pode ser um importante subsídio para o desenvolvimento de programas de intervenção e políticas públicas que integrem, especialmente, escola e família.

 

MÉTODO

A base metodológica deste estudo foi a Inserção Ecológica do pesquisador no ambiente pesquisado (Cecconello & Koller, 2003), o que pressupõe um olhar atento e direcionado aos aspectos do modelo PPCT de Bronfenbrenner & Morris (1998). Para Cecconello e Koller (2003), é importante que o pesquisador tenha conhecimento do ambiente pesquisado, para que perceba as interações que nele acontecem. Este estudo, de delineamento qualitativo, associa estas estratégias metodológicas: análise das fichas escolares dos alunos e Entrevista Reflexiva.

Instrumentos

- Fichas escolares: são documentos que apresentam informações importantes sobre a vida dos alunos, quando de conhecimento da escola. O registro é realizado principalmente pelo Orientador Escolar. A partir dessas fichas, as pesquisadoras puderam conhecer melhor a realidade dos oito adolescentes, o que serviu de suporte à pesquisa. Assim, antes de a pesquisadora iniciar a Entrevista Reflexiva com um participante, foi realizada a leitura atenta das fichas escolares.

- Entrevista Reflexiva: de caráter qualitativo e composta por dois encontros, é empregada em pesquisas como "[...] uma solução para o estudo de significados subjetivos e de tópicos complexos demais para serem investigados por instrumentos fechados num formato padronizado" (Szymanski, Almeida & Prandini, 2002:10). A Entrevista Reflexiva originalmente parte de um contato inicial com uma questão norteadora, que depende dos objetivos do trabalho, a partir da qual se espera que o entrevistado discorra livremente. A questão norteadora desta pesquisa foi: "Então, diante do que contou sobre sua vida na família e na escola [com base nas duas fases de seleção anteriores], gostaria de saber se tu achas que a forma como tu te relacionas com tua família influencia na escola, ou a forma como tu te relacionas na escola influencia na família. Como tu percebes a ligação entre esses dois lugares em que tu vives, a partir das situações de violência doméstica e bullying por ti vivenciadas? Fale sobre isso".

De forma gradativa, o entrevistador apresenta a sua compreensão do discurso do participante, momento em que surgem questões secundárias (Szymanski, Almeida & Prandini, 2002). O segundo encontro ocorre logo após a pré-análise dos dados, para que uma relação reflexiva seja efetivamente construída e se configure numa Entrevista Reflexiva (Yunes & Szymanski, 2005).

Participantes

A partir do objetivo da pesquisa, as pesquisadoras selecionaram oito adolescentes com as seguintes características: ser vítima de violência doméstica e, ao mesmo tempo, ser alvo e/ou autor de bullying. Para isso, foram realizadas duas etapas de seleção destes participantes.

Na primeira etapa de seleção, aplicaram-se dois instrumentos de caráter quantitativo: a) Questionário sobre bullying (Bandeira, 2009), que permitiu identificar alvos e/ou autores de bullying; b) parte do Questionário Juventude Brasileira (Dell'Aglio, 2011), que permitiu investigar situações de violência vivenciadas pelos participantes no contexto familiar.

Participaram desta primeira etapa 112 adolescentes de uma escola pública da região metropolitana de Porto Alegre. Adotou-se como critério de seleção: ser vítima de violência doméstica e autor/alvo de bullying, conforme cruzamento de informações dos dois questionários. A partir disso, selecionaram-se 15 adolescentes (dez meninas e cinco meninos) para a segunda etapa.

Na segunda etapa de seleção, utilizou-se o Mapa dos Cinco Campos, instrumento desenvolvido por Samuelsson, Thernlund e Ringströn (1996) e adaptado no Brasil por Hoppe (1998). De caráter quantitativo e qualitativo, o Mapa permite ao pesquisador avaliar o funcionamento da rede de relações dos participantes, observando a quantidade e a qualidade dos vínculos estabelecidos em diferentes contextos (Siqueira, Betts & Dell'Aglio, 2006). Para este estudo, o foco foi avaliar as relações dos adolescentes em dois campos: Escola e Família.

A partir dos dados da segunda etapa, foram selecionados oito adolescentes, entre 12 e 17 anos, sendo seis meninas e dois meninos, estudantes de uma única escola pública municipal da região metropolitana de Porto Alegre, vítimas de violência doméstica e alvos e/ou autores de bullying. São eles (nomes fictícios): - Bela: tem 15 anos e está no 9º ano do Ensino Fundamental. Informou que sofreu violência

sexual por parte de um tio e sofre violência física e psicológica por parte da mãe. Declarouse alvo/autora de bullying. - Caio: tem 13 anos, está no 7º ano e reprovou um ano escolar. Declarou sofrer violência física e psicológica por parte do pai. Identificou-se como alvo/autor de bullying.

- Cíntia: tem 16 anos, está no 9º ano escolar e reprovou dois anos. Declarou que sofre violência sexual por parte do primo e violência psicológica por parte do pai e da mãe. Declarou-se alvo de bullying.

- Emília: tem 15 anos e está no 9º ano escolar. Declarou que sofre violência física e psicológica por parte do irmão e violência psicológica por parte da mãe. Declarou-se alvo/autora de bullying.

- Gisele: tem 17 anos, está no 7º ano escolar e repetiu três anos. Informou que sofreu violência sexual por parte do tio materno e declarou-se alvo de bullying.

- Guilherme: tem 15 anos, está no 9º ano escolar e repetiu um ano. Declarou que sofre violência física e psicológica por parte do pai e negligência por parte do pai e da mãe. Identificou-se como alvo/autor de bullying.

- Karina: tem 12 anos, está no 6º ano escolar e repetiu um ano. Informou que sofreu violência sexual por parte do tio e declarou-se alvo de bullying. Não conseguiu se expressar; por isso, no decorrer destes resultados, não constam relatos da adolescente.

- Tatiana: tem 15 anos, está no 9º ano escolar e repetiu um ano. Informou que sofreu violência física e psicológica por parte do pai (assassinado devido ao tráfico de drogas), sofre violência física e psicológica por parte do irmão e negligência por parte da mãe. Identificou-se como alvo/autora de bullying.

 

Procedimentos

Coleta de dados

Os dois encontros da Entrevista Reflexiva aconteceram em sessões individuais, nas dependências do local de pesquisa, uma escola pública municipal da região metropolitana de Porto Alegre. Os locais utilizados foram salas de aula e a biblioteca, quando não havia aula ou outras atividades.

Análise dos dados

Para a pré-análise e análise dos dados da Entrevista Reflexiva, foi utilizada a grounded-theory, ou teoria fundamentada nos dados, que permite a produção de uma teoria a partir da experiência estudada (Strauss & Corbin, 2008; Charmaz, 2009).

Segundo a grounded-theory, é necessária uma interação profunda entre o pesquisador e os dados coletados, para, então, serem efetuados estes procedimentos: 1º) codificação aberta, que é o exame linha por linha das transcrições, para que as falas sejam nomeadas e rotuladas (como se fossem resumos das falas); 2º) codificação axial, processo em que o pesquisador agrupa as falas dos participantes que se assemelham. Nesse momento, o pesquisador descobre as categorias (conceitos que derivam dos dados) e as subcategorias (conceitos que explicam as categorias); 3º) codificação teórica, que se trata do agrupamento final das categorias e subcategorias referentes ao mesmo fenômeno, que é um problema, questão, fato ou acontecimento definido como importante na pesquisa. As três etapas não são estanques, ou seja, o pesquisador, em interação com os dados, pode voltar a uma etapa anterior para realizar modificações (Charmaz, 2009; Strauss & Corbin, 2008).

A partir dos procedimentos propostos pela grounded-theory, é possível ao pesquisador descobrir temas que emergem dos próprios dados durante a análise. Esse processo de leitura, releitura, escrita e reescrita, além da escuta constante das gravações realizadas junto aos participantes, propicia a descoberta do fenômeno, categorias e subcategorias (Charmaz, 2009; Strauss & Corbin, 2008).

Considerações éticas

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética, seguindo-se todas as normas sugeridas, sob Processo nº 43694215.2.0000.5307. Todos os adolescentes entregaram, devidamente assinados, o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido.

Durante os dois encontros da Entrevista Reflexiva, o maior desafio foi manter a calma e a serenidade diante dos relatos dos adolescentes. Todos eles foram orientados que poderiam manter o silêncio ou desistir da Entrevista no momento em que desejassem. Apenas uma participante quase não falou, o que foi respeitado. Em muitos momentos, a pesquisadora que conduziu a Entrevista fez pausas para que eles se acalmassem, sempre relembrando que poderiam desistir quando desejassem.

Em relação aos casos de violência que não eram de conhecimento da escola e/ou da família, ao final da Entrevista, a pesquisadora conversou com cada participante e pediu autorização para contar à escola, a fim de tomar as medidas cabíveis. Entretanto, algumas meninas não sentiram segurança em contar. Especialmente, as meninas vítimas de violência sexual tinham receio de serem vistas como mentirosas (apenas dois casos eram de conhecimento da família); mesmo assim, contaram a pessoas da família que eram de sua confiança ou buscaram ajuda psicológica. Sabe-se que crianças e adolescentes vitimizados pelo abuso podem sofrer danos psicológicos graves por atitudes mal encaminhadas pelos adultos; por isso, conduzir a situação com cuidado é fundamental (Furniss, 1993).

 

RESULTADOS

Os relatos dos adolescentes acerca da sua percepção sobre as relações entre violência doméstica e bullying proporcionaram a elaboração do fenômeno "Violência doméstica, bullying e as relações entre ambos" e de uma categoria de análise, conforme apresentado na Figura 1.

 

 

A Figura 1 representa a categoria "Relações entre violência doméstica e bullying", cuja subcategoria foi denominada "Tentativas de dissociar as vivências", que se divide em outras duas subcategorias: a) "Dificuldades em dissociar as vivências", b) "Normalização das vivências". A partir dessas dificuldades, concluiu-se que os participantes exercem dois papéis: ser vítima de "violência doméstica e autor de bullying" e ser vítima de "violência doméstica e alvo de bullying". Para cada uma dessas situações, foram apresentadas palavras ou expressõeschave, representadas pelos retângulos, que são sínteses das falas dos adolescentes.

As falas dos participantes não se repetem entre as subcategorias; entretanto, um mesmo adolescente pode compor, em diferentes momentos, as duas divisões: "Dificuldades em dissociar as vivências" e "Normalização das vivências", ou "violência doméstica e alvo de bullying" e "violência doméstica e autor de bullying". O método de análise da Entrevista Reflexiva não determina a quantidade de falas para cada subcategoria. Neste estudo, optou-se por selecionar os diálogos mais representativos, com base no objetivo da pesquisa.

Quando convidados a pensar nas relações entre violência doméstica e bullying, a partir da pergunta norteadora da Entrevista Reflexiva, os adolescentes declararam que há "Tentativas de dissociar as vivências" entre escola e família. Para isso, adotam algumas atitudes. A participante Cíntia afirma:

Tentei não mostrar pra ninguém o que eu tava sofrendo dentro de casa, tentei ficar, eu fico quieta, não mostro. Eu não sou aquela pessoa de tá falando do que tá acontecendo dentro de casa. Ai, eu tento diferenciar um do outro.

Nesse mesmo sentido, Emília disse:

Na minha cabeça, assim, tudo eu levo [de casa para a escola], mas eu não demonstro muito. Eu tento agir naturalmente pras pessoas não ficar perguntando.

Alguns adolescentes acreditam que conseguem, em alguns momentos, dissociar as vivências entre os microssistemas analisados. Assim, outra categoria que emergiu dos dados foi denominada de "Normalização das vivências", da escola em relação à família.

Para Tatiana, "Na escola, não influencia muito em casa porque acontece às 8 da manhã ao meio-dia a gente resolve". Caio também consegue normalizar suas vivências: "Aí eu aqui na escola, a pessoa tá sofrendo bullying e chega em casa e aí fica normal.".

Apesar dessas tentativas, os participantes acreditam que há "Dificuldades em dissociar as vivências". Por isso, na escola, podem se sentir-se mal, não prestar atenção nas aulas ou ter prejudicado seu convívio com os colegas, conforme relatos a seguir.

Tem vezes que, de tanto a gente guardar uma coisa pra nós, por dentro, assim, de agressão, e coisas que mexe com o sentimento, sabe, eu não consigo separar às vezes. Eu fico muito mal, de não conseguir me concentrar nas coisas, de... É difícil tu separar uma coisa da outra, agressão física ou pedofilia ou bullying, não tem como... Tudo, uma coisa liga a outra. (Bela)

Eu acho que o que acontece em casa às vezes a gente acaba trazendo pra escola e prejudicando muitas vezes nosso convivimento com as pessoas. Muitas vezes a gente não consegue prestar atenção muito na aula quando acontece alguma coisa em casa. (Caio)

Quanto à violência sexual, três meninas dizem que a situação refletiu negativamente em seu convívio na escola, seja por meio de "choro", "afastamento" dos colegas ou o fato de sentir-se "mal". Para Bela, os choros na escola eram em decorrência do abuso sexual sofrido: "Acho que é por causa disso, porque não tinha como contar pra ninguém, e minha vó parece que fechou os olhos pra aquilo". Assim como Bela, Gisele se sente "Mal".

A participante Cíntia diz que leva para a escola todas as suas vivências familiares:

Sim, eu sofro dentro de casa, se eu sofri esse ato dentro de casa, eu trago pro colégio, eu acabo cortando quem quer me ajudar. Eu não tô consigo separar o meu namoro do que acontece na sala de aula e o que acontece dentro de casa.

A partir de suas próprias reflexões, os adolescentes compreendem as relações entre "Violência doméstica e alvo de bullying". Tornaram-se vítimas de bullying porque estavam mais "isolados", "frágeis", "afastados", conforme relatado por Caio:

Eu tentava ficar muito quieto, eu quase não falava com ninguém, eu pegava e me isolava nos canto [quando sofria agressão por parte do pai]. Aí as pessoas via e fazia bullying e eu me sentia mais mal ainda.

Tatiana igualmente afirma:

Eu passei a sofrer bullying porque eu me afastei, eu fiquei um pouco mais, entre aspas, antissocial porque as pessoas paravam pra conversar comigo e eu não queria conversar [sobre a violência sofrida no ambiente familiar]. Eu queria guardar pra mim e ficar quieta, só isso. Eles falavam mal de mim. Era muita fofoca, e isso me incomodava.

Alguns adolescentes percebem que passaram a praticar bullying devido à violência doméstica sofrida. Desse modo, outra subcategoria emergente dos dados denomina-se "Violência doméstica e autor de bullying", cujas motivações são "descontar a violência sofrida", "tentar se defender", "seguir algum exemplo", "estar nervoso", como narrado por Guilherme.

Por vários motivos [praticava bullying], muitos familiares. Tentavam [parentes] jogar na cara que eu não morava com a minha mãe, que a minha mãe me abandonou, coisa assim. Aí eu ficava nervoso.

Caio acredita que praticava bullying por também sofrer e por seguir o exemplo do pai:

Era porque eu mesmo sofrendo bullying eu achava que tinha o mesmo direito de praticar com as pessoas. Praticava bullying com as outras pessoas. Por eu tá seguindo o mesmo exemplo que o meu pai, mesmo eu não querendo a gente acaba praticando.

 

DISCUSSÃO

A partir da pergunta norteadora da Entrevista Reflexiva, os estudantes relataram suas experiências de violências e analisaram como essas vivências transpõem os limites do microssistema em que ela é praticada. Três participantes abordaram, num primeiro momento, que tentaram não demonstrar na escola o que sofriam no ambiente familiar. Ao relembrar o primeiro abuso sofrido, Cíntia procurou não mostrar aos colegas, ficando mais quieta. Emília enfatizou que "tudo leva" para a escola, entretanto, tentou não demonstrar para os colegas não perguntarem. Nesse mesmo discurso, Bela, ao discorrer sobre os problemas enfrentados no ambiente familiar, tentou não aparentar a violência doméstica sofrida, devido à vergonha de os colegas descobrirem e rirem da situação.

Tais comportamentos das adolescentes podem ser considerados estratégias de coping, que são esforços cognitivos e comportamentais adotados de forma intencional, com o intuito de administrar situações estressoras (Lazarus & Folkman, 1984). Há, nessa dinâmica, uma tentativa de se aliviar os processos negativos provocados pelo estresse advindo das situações de violência. A adolescência é um período de grandes transformações, e é nessa fase da vida que os adolescentes começam a buscar sua independência como membros de grupos de pares, a fim de consolidar sua própria identidade (Wagner e col., 2002). Por isso, na sua visão, transparecer aos seus pares a violência vivida no ambiente familiar pode significar "fraqueza".

No entanto, por mais que tentassem, muitas vezes, os adolescentes não conseguiam dissociar suas vivências entre os dois ambientes - família e escola; assim, a tendência era exteriorizar suas angústias, decepções e medos. Para Bela, "uma coisa liga a outra", "é difícil separar agressão física, de pedofilia e bullying" e, em decorrência disso, ficava mal, não conseguia se concentrar em suas atividades. Cíntia disse que, ao sofrer bullying, revoltava-se com seus familiares, como forma de descontar a raiva. Caio relatou que levava para a escola as vivências familiares, prejudicando seu convívio com as pessoas e seu desempenho em sala de aula, ao ficar mais agitado.

Das seis participantes do sexo feminino, quatro relataram que sofreram violência sexual. Cíntia não conseguia separar seus sentimentos advindos desse abuso, e isso estava prejudicando seu relacionamento afetivo e a convivência em sala de aula; Gisele sentia-se mal; Bela acreditava que seus choros na escola foram em decorrência do abuso, pois não podia contar para ninguém o que sentia. Outra vítima da violência sexual é Karina, que quase não se expressou. O silêncio demonstra o quanto a violência sexual afetou sua vida e as relações com seus pares. As consequências para quem sofre abuso sexual são inúmeras, como depressão, autoagressão, ideias suicidas, agressão, fugas, pesadelos, além de problemas escolares e de aprendizagem (Kendall-Tackett, Williams & Finkelhor, 1993). Embora nem todas as vítimas fiquem perturbadas psiquiatricamente, de alguma forma, todas elas são afetadas e ficam confusas pelos efeitos do abuso, com danos que podem se prolongar por muito tempo, caso de Karina (Furniss, 1993; Fundo das Nações Unidas para a Infância, 2016).

A partir destas reflexões, alguns adolescentes entenderam que sofreram bullying devido às suas atitudes na escola em decorrência da violência no ambiente familiar. Para Caio, os atos de bullying eram praticados contra ele porque se isolava na escola após as agressões praticadas pelo pai. Tatiana acreditava que, por afastar-se dos colegas para não falar sobre a violência sofrida, tornou-se alvo de bullying. Por outro lado, a violência doméstica pode gerar autores de bullying. Guilherme afirmou que praticava bullying porque fica nervoso com os familiares, os quais "jogam na cara" do menino que a mãe o abandonou. Caio diz que praticava bullying por seguir o exemplo de violência de seu pai e por também ser uma vítima.

Há, nesses relatos, três tipos de personagens no fenômeno bullying: o alvo típico, que demonstra, por meio de algum indício (isolamento, tristeza), sua fragilidade para o autor, o qual, aproveitando-se da situação, passa a agredi-lo sistematicamente; o alvo/autor, que é aquele que reproduz os maus-tratos sofridos em alguém mais frágil que ele; o autor, definido

por pesquisadores como alguém violento, ansioso, impulsivo e que, possivelmente, não desenvolveu habilidades de se relacionar afetivamente com outras pessoas, possivelmente por conviver em um ambiente com práticas violentas (Fante, 2012; Olweus, 1993; Schultz e col., 2012).

Os adolescentes perceberam suas mudanças comportamentais negativas na escola ou na família, em virtude da violência sofrida no outro microssistema. O modelo PPCT (ProcessoPessoa-Contexto-Tempo) de Bronfenbrenner (1996, 2011) permite analisar como ocorrem essas interações dos adolescentes com seus perpetradores de violência doméstica e seus pares no ambiente escolar. Tais interações, também denominadas de processos proximais, produzem efeitos na vida dessas pessoas. Esses efeitos podem ser negativos quando não houver estas três propriedades: a) reciprocidade, que é a influência positiva mútua entre duas ou mais pessoas; b) equilíbrio de poder, que são as influências de um membro sobre o outro, sendo significativo o seu estabelecimento entre as duas pessoas; c) relação afetiva, que são os sentimentos de uma pessoa em relação à outra, sendo o resultado das duas propriedades anteriores. No caso destes oito adolescentes, devido à presença dos fatores de risco (violência doméstica e bullying), essas interações negativas podem causar problemas físicos e psicológicos, observados por eles durante os dois encontros da Entrevista Reflexiva e anteriormente mencionados (Marzol, Bonafé & Yunes, 2012).

Pesquisadores nacionais e internacionais já comprovaram as relações entre violência doméstica e bullying, conforme estudos apresentados. Nesta pesquisa, o objetivo foi também corroborar essa relação, mas sob o olhar das vítimas, que, a partir de uma pergunta norteadora da Entrevista Reflexiva, puderam pensar sobre o que vivem dentro da família e da escola de uma forma sistêmica e relacional. Conclui-se que os adolescentes compreenderam como se estabelece a relação entre violência doméstica e bullying nos principais microssistemas de influência nas suas vidas; possuem uma visão sistêmica dos fenômenos sofridos por eles, assim como os efeitos negativos nas suas vidas, quando expostos às práticas de violência.

Para que crianças e adolescentes que sofrem qualquer forma de violência possam superar as dificuldades e reerguer-se, é imprescindível que tenham à sua disposição uma rede de apoio, que são sistemas e pessoas significativas que com elas estabelecem vínculos positivos (Brito & Koller, 1999). Assis e Avanci (2004) ressaltam que família e escola são como espelhos, nos quais crianças e adolescentes constroem a maneira como se veem no mundo; portanto, são também vistas como redes de apoio. Se as pessoas que circundam esses ambientes atentaremse para os indícios provindos da violência, não os tratando como mera indisciplina ou problemas típicos da idade, poderão contribuir para a superação das adversidades, desempenhando seu papel na construção da resiliência (Condorelli, 2015; Fernandes, Yunes & Tachetto, no prelo).

 

Considerações Finais

Os maus-tratos contra crianças e adolescentes são histórias comuns ao longo do tempo. Nas últimas décadas, aconteceram mudanças significativas, tanto culturais quanto nas legislações, que os valorizam e protegem contra qualquer forma de violência. Mesmo assim, todos os anos, milhões deles sofrem com a violência praticada dentro da família (Fundo das Nações Unidas para a Infância, 2014, 2016).

Diante dessa problemática, pesquisadores de todo o mundo têm realizado pesquisas a fim de estudar o fenômeno da violência que envolve crianças e adolescentes. Seguindo esse propósito, realizou-se esta pesquisa, cujo objetivo foi investigar a percepção de adolescentes acerca das possíveis relações entre violência doméstica e bullying, a partir de suas próprias experiências. Durante os dois encontros da Entrevista Reflexiva (Szymanski, Almeida & Prandini, 2002), os participantes apresentaram sua visão sistêmica acerca do tema. Para que as pessoas ao seu redor não percebessem sua condição de vítimas de violência, passaram a adotar, em algum momento, estratégias de coping, as quais, muitas vezes, não produziam o resultado esperado. A partir de então, tornaram-se alvos e/ou autores de bullying.

Como foi possível observar neste estudo, as duas formas de violência não podem ser analisadas isoladamente, tendo em vista seu aspecto sistêmico. Bronfenbrenner (2011) ressalta a importância de se pesquisar, conjuntamente, pelo menos dois microssistemas, pois, por meio de sua Teoria Bioecológica, demonstra que as vivências em um ambiente refletem no(s) outro(s), o que se comprova nesta pesquisa.

Ao final da pesquisa, realizou-se um projeto na escola. Criaram-se dois grupos de estudos com alunos, um em cada turno, que se reuniam semanalmente, durante três meses. Foram discutidos temas relacionados à violência doméstica e bullying e desenvolvidas ações de conscientização, como exposição de cartazes e distribuição de material informativo. Por fim, os alunos, com o aporte das pesquisadoras, ministraram palestras aos colegas.

Ainda que a pesquisa tenha sido limitada, devido ao número de participantes (oito) e à amostra não homogênea (seis meninas e dois meninos), acredita-se que ela permitiu analisar as dinâmicas da violência de uma forma integrada. Este estudo engajou-se no propósito de dar voz àqueles que são vitimizados pela violência doméstica e pelo bullying, que representam a situação atual de milhares de crianças e adolescentes em todo o mundo.

Acredita-se que, a partir destes resultados e da experiência com o projeto realizado na escola, podem ser implementados, na cidade pesquisada, programas de intervenção e políticas públicas que focalizem de forma associada os microssistemas escola e família. Entende-se que o futuro saudável destes adolescentes, que representam muitos outros, depende de práticas educativas associadas a não violência e à valorização da infância e adolescência por parte da sociedade.

 

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Recebido em 10/04/2017.
Aceito em 28/08/2017.

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