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Revista Psicologia Política

On-line version ISSN 2175-1390

Rev. psicol. polít. vol.19 no.44 São Paulo Jan./Apr. 2019

 

EDITORIAL

 

História Social da Psicologia e Psicologia Política

 

Social History of Psychology and Political Psychology

 

Historia Social de la Psicología y Psicología Política

 

Histoire sociale de la psychologie et psychologie politique

 

 

Ana Maria Jacó-VilelaI; Cristiana FacchinettiII; Hugo KlappenbachIII; Elio Rodolfo ParisiIV

IEditora convidada. UERJ. Brasil
IIEditora convidada. FIOCRUZ/UFRJ/UERJ. Brasil
IIIEditor convidado. Universidad Nacional de San Luis. Argentina
IVEditor convidado. Universidad Nacional de San Luis. Argentina

 

 

Nas últimas décadas, tem sido de consenso geral que a história da psicologia política tem, como a psicologia em geral, uma origem policêntrica. Pelo menos, diferenças importantes foram notadas no que diz respeito à origens na França e nos Estados Unidos.

Em relação à França, Émile Boutmy, publicou em 1901 Essai d'une psychologie um politique du peuple anglais au XIXe siècle e no ano seguinte os Élements d'une psychologie politique du peuple américain. Em 1910, por sua vez, Gustave Le Bon publicou uma obra que alcançou grande impacto, denominada Psychologie Politique et Defense Sociale (Silva, 2015).

Em relação aos Estados Unidos, tem sido apontado que, em relação à década de 1920, Charles Merriam e seu discípulo Harold Lasswell iniciaram o acoplamento entre política e psicologia. As contribuições de Lasswell reconheciam os postulados psicanalíticos e se centraram em temas como motivação, conflitos, dinâmica de grupo e considerações psicopatológicas que afetavam o comportamento político (Nesbitt-Larking, Kinnvall, Capelos & Dekker, 2014).

William McGuire, uma das referências clássicas nos estudos sobre a persuasão e a resistência à persuasão, propôs, há mais de vinte anos atrás, que na historiografia do cruzamento entre psicologia e política haveria três grandes fases. A primeira, predominante nas décadas de 1940 e 1950, teria sido dominada pelos temas da "personalidade e cultura". A segunda, presente nos anos de 1960 e 1970, teria discutido a questão das "atitudes e charme dos eleitores". Na terceira, predominante das décadas de 1980 e 1990, o eixo teria estado direcionado para a "ideologia e a tomada de decisão" (McGuire, 1993). Ainda que a abrangência e complexidade do campo da psicologia política se ressinta das limitações da periodização delineada por McGuire, ele foi capaz de descrever algumas diretrizes centrais que orientaram as preocupações dos pesquisadores da área nesses períodos.

Por outro lado, podemos apontar as limitações na periodização de McGuire. A primeira, obviamente, diz respeito à temporalidade. Sua análise foi produzida há um quarto de século e, naturalmente, ele não podia prever os desenvolvimentos posteriores da psicologia política e da historiografia na produção de sua narrativa. a segunda é geográfica e possivelmente ideológica, já que se limita quase exclusivamente à psicologia política anglo-saxônica.

O trabalho de Juan Carlos, um discípulo proeminente de McGuire em Yale, John Jost, juntamente com Jim Sidanius, da Suécia, observaram que, já em McGuire estaria presente uma quarta fase, mais voltada para a dinâmica das relações interpessoais e intergrupais (Jost & Sidanius, 2004). E é nessa perspectiva que este número especial muito especialmente enfatiza o lugar ocupado pela inter-relação entre psicologia e política na América Latina.

Com apoio de ensaios advindos do final do século XIX e início do século XX em muitos países latino-americanos, é possível identificar na América Latina desenvolvimentos no campo da psicologia política que, ao menos parcialmente, poderiam coincidir com os temas identificados por McGuire, mas, que buscavam responder a outros problemas e demandas, referentes tanto às especificidades da sociedade regional como às da própria disciplina. Alessandro Soares da Silva (2015) é bastante preciso quando se refere às diferenças entre a psicologia política da América do Norte e a psicologia política latino-americana. Embora em 1978 a Sociedade Internacional de Psicologia Política (ISPP) tenha sido organizada, a participação da América Latina era desconfortável:

A fundação do ISPP em 1978 não foi suficiente para gerar um espaço associativo que reunisse profissionais e pesquisadores latinoamericanos, já que seus modelos de leitura teórica da realidade e de intervenção eram bastante diferentes daqueles usados nos Estados Unidos. Quando os latino-americanos participaram das reuniões do ISPP, tinham dificuldade, portanto, de interagir com essa outra abordagem, que era hegemônica e se pretendia neutra. Além disso, os trabalhos latino-americanos eram comumente menosprezados e considerados como uma produção científica pouco séria. Isso se agravou em uma reunião da Cidade do México, na qual Maritza Montero foi eleita presidente do ISPP. Naquele período, ficou claro que duas formas de posicionar-se e se colocar diante da Psicologia Política estavam entrando em disputa e desejavam se impor, seja para manter o poder - no caso da posição euro-americana, seja para resistir ao silenciamento - a posição Ibero-latinoamericana (Silva, 2015, p.28).

Foi neste contexto de diferenciação, que em 2011 em Medellín, no 33° Congresso Interamericano de Psicologia, se organizou a Rede Latino-Americana de Psicologia Política, e um ano mais tarde, em Córdoba, a Associação Americana de Psicologia Política (Brussino, 2016)

Não surpreende, então, que Maritza Montero e Ignacio Martín Baró, poucos anos antes de McGuire, também tenham produzido uma periodização da psicologia política latino-americana com diferentes marcos temporais. Os três recortes temporais propostos, ainda que eventualmente coincidissem com o proposto por Mc Guire para a América do Norte, tinham evidentes diferenças em sua proposição. Montero e Martin Baró (1987) consideravam que o primeiro período, que circunscrevería os anos de 1956 e 1967 aproximadamente, teriam se caracterizado por estudos de psicologia política inconsciente ou implícita. Ou seja, trabalhava-se a partir de psicologia social com fenômenos diretamente relacionados à política, mas sem que se tivesse consciência plena disso. Numa segunda fase, entre 1968 e 1982, aproximadamente, teria predominado nesse campo de estudos a política consciente e explícita, ainda que os pesquisadores do campo se considerassem ainda pertencentes ao campo da psicologia social. Na terceira fase, depois de 1983 é que os autores consideravam haver se instalado uma psicologia propriamente política. Seria a partir desta fase que se buscou o desenvolvimento teórico e metodológico, bem como a circunscrição mais bem delimitada do campo da psicologia política na região (Montero & Martin-Baro, 1987).

Com relação ao campo da psicologia política, as diferenças entre a variedade de tradições não foram menores. Já de início surgiu uma importante crítica aos estudos de atitudes prototípicos da psicologia política norte-americana e do seu papel nas pesquisas eleitorais, consideradas atomistas (Hur, Sabucedo & Alzate, 2018). Já o que interessa na América Latina era justamente politizar a psicologia, entendendo que isso implica a consideração das variáveis políticas e econômicas que afetam o comportamento, e que por isso buscava-se um nível de análise superior à análise psicofisiológica e até mesmo do que a psicossocial.

Hoje, a psicologia política não é apenas entendida como um campo em separado da psicologia social, mas principalmente como um nível superior de análise e de interpretação da realidade, nos quais são utilizadas conceituações psicossociais mas também políticas, históricas, ideológicas, filosóficas e econômicas. Tudo isso -quando realizamos a interpretação desse modo - é resultado de uma síntese que absorve e integra os dados psicológicos e sociológicos do ambiente político pelo qual se encontra atravessada a subjetividade, tanto individual quanto coletiva (Rodríguez Kauth, 2001, p. 41).

O desenvolvimento da psicologia política na América Latina, então, pode ser entendido como relacionado a esforços crescentes para se alçar esses níveis de análise mais macros e abrangentes da subjetividade e do comportamento, ainda que advindos de referenciais teóricos e de matrizes diferenciados. E é nessa chave que se enquadra o interesse da Associação Brasileira de Psicologia Política de produzir uma edição especial dedicada à história da psicologia política, número para o qual o Grupo de Trabalho História Social da Psicologia da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP) foi contatado e nomeou uma equipe para a editoria desse número - dois brasileiros e dois argentinos.

A recepção dos manuscritos foi capaz de apontar que a historicização do campo não poderia ser mais ampla, heterogênea e descentrada. Os artigos selecionados para esta edição especial demonstram precisamente a origem policêntrica do campo, que opera o cruzamento de campo da psicologia e da política, produzindo aí também diferentes dimensões.

Trata-se de um conjunto de nove artigos. Três deles lidam com proposições teóricas presentes no campo, de diferentes vieses. Gisele Toassa e Deborah Guimarães apresentam as Distorções de Pavlov: ciência soviética e psicologia entre 1948 e 1953. Seu artigo é seguido por um outro, que se utiliza do pensamento de Foucault, de Rômulo Ballestê Marques dos Santos e Francisco Teixeira Portugal, e denominado O Panóptico e a Economia Visual Moderna: do Panoptismo ao Paradigma panóptico; finalmente, Hildeberto Vieira Martins enlaça proposições pós-coloniais com a questão do racismo em uma análise denominada Psicologia, colonialismo e ideias raciais: uma breve análise.

Como um campo em que a preocupação com a realidade é central, foram selecionados outros artigos dedicados a discutir a prática psicológica na sua relação com a política. Nesse eixo estão os trabalhos de Larissa Soares Baima e Raquel Souza Lobo Guzzo, Psicologia e a questão social: considerações sobre projetos políticos da Psicologia Comunitária ao longo de sua trajetória histórica no Brasil, bem como Uma breve revisão da reforma psiquiátrica no Brasil e seus desdobramentos na saúde mental, psicanálise e psicologia, de Ana Cristina Costa de Figueiredo.

Finalmente, um último grupo de artigos apresenta alguns caminhos que dão visibilidade ao forte vínculo entre psicologia e política, como o artigo Maira Allucham Goulart Neves Trevisan Vasconcellos, que se refere a Algumas repercussões do posicionamento político-ideológico na carreira profissional de Eliezer Schneider; outro, de André Vieira y Filipe Milagres Boechat, que trata da Crise social e história social crítica: a vida e a obra histórica de Kurt Danziger. Um terceiro artigo tece representações dessa articulação em tempos de ditadura - Ditadura e imprensa: a criação da imagem de terrorista da psicóloga Pauline Reichstul, de Juberto Antonio Massud de Souza e Ana María Jacó-Vilela. Finalmente, fechando esse número, o artigo de Luciano Nicolás García nos apresenta Utopía y pensamiento científico: reflexiones a partir del caso de la psicologia soviética.

Nós começamos e terminamos essa edição com artigos sobre psicologia na antiga União Soviética, em que se sublinha um grande desenvolvimento da psicologia na época, muito pouco conhecidos entre nós. Esses dois, assim como os outros artigos desse número, representam, sem dúvida, um aporte importante para a compreensão da relação histórica entre psicologia e política. Esperamos, deste modo, que os trabalhos aqui apresentados possam contribuir para o adensamento das análises no campo.

Rio de Janeiro, março de 2019

 

Referências

Brussino, S. (2016). El desarrollo histórico de la psicología política en Latino-América y Argentina. En Brussino, S. (Ed.) Políticamente. Contribuciones desde la Psicología Política en Argentina (pp. 13-36). Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (CONICET).         [ Links ]

Hur, D. U., Sabucedo, J. M. & Alzate, M. (2018). El giro político de la Psicología Política Latinoa-mericana: crítica, rol social y proyecto ético-político. Revista Electrónica de Psicología Política, 41 (16), nov./dez., p. 1-30. Descargado de http://www.psicopol.unsl.edu.ar/Anio16-Numero41-125-Diciembre2018-Articulo1.pdf        [ Links ]

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McGuire, W. J. (1993). The Poly-Psy relationship: three phases of a long affair. In Iyengar, S. & McGuire, W. J. (Eds.), Explorations in political psychology (pp. 9-35). Durham-Londres: Duke University Press.         [ Links ]

Montero, M. & Martín-Baró, I. (1987). Presentación. En M. Montero (Ed.), Psicología Política Latinoamericana (pp. v-xi). Caracas: Panapo.         [ Links ]

Nesbitt-Larking, P., Kinnvall, C., Capelos, T., & Dekker, H. (2014). Introduction: Origins, developments and current trends. In Nesbitt-Larking, P., Kinnvall, C., Capelos, T. & Dekker, H. (Eds.), The Palgrave Handbook of Global Political Psychology (pp. 3-16). Basingstoke, England: Palgrave Macmillan.         [ Links ]

Rodríguez Kauth, A. (2001). La Psicología Social y la Psicología Política Latinaomericana: ayer y hoy. Psicología Política, 22, p. 41-52. Descargado de https://www.uv.es/garzon/psicologia%20politica/N22-2,pdf.         [ Links ]

Silva, A. S. (2015). A psicologia política: ser/estar nos interstícios das disciplinaridades. Em Soares da Silva, A. & Corrêa, F. (Eds.), No interstício das disciplinaridades: a psicologia política (pp. 13-38). Curitiba: Editora Prismas.         [ Links ]

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