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Stylus (Rio de Janeiro)

Print version ISSN 1676-157X

Stylus (Rio J.)  no.27 Rio de Janeiro Oct. 2013

 

DIREÇÃO DO TRATAMENTO

 

O que a psicanálise contemporânea pode nos falar sobre a histeria masculina

 

What contemporary psychoanalysis can tell us about male hysteria

 

 

Gilda Pitombo Mesquita*

Internacional do Fórum do Campo Lacaniano do Rio de Janeiro da Escola de Psicanálise dos Fóruns

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Trata-se de um caso sobre histeria masculina que ilustra com muita clareza a divisão subjetiva do analisante na cena sexual. Necessita sempre da presença de um terceiro: swing ou objeto sexual. Também demonstra com seu sintoma histérico – urinar compulsivamente – seu estado de excitação sexual "arma-dura". Sendo assim, denuncia a sexualidade perversa que remove o véu do recalque.

Palavras-chave: Histeria masculina, Homossexualidade, Afirmação fálica, Swing.


ABSTRACT

This is a case of male hysteria which illustrates very clearly the subjective division of the patient in the sexual scene. He always requires the presence of a third person: swing or sexual object. He also demonstrates with his hysterical symptom - urinating compulsively – his state of sexual excitement – "hard weapon". This way, he denounces the perverse sexuality that removes the veil of repression.

Keywords: Male hysteria, Homosexuality, Phallic assertion, Swing.


 

 

Para esse encontro,1 cujo tema central é a clínica, apresento alguns fragmentos de um caso no qual trabalho com a hipótese diagnóstica de histeria masculina. Paulo esteve três anos e meio em análise, interrompeu uma vez e agora retornou novamente. Na primeira sessão, afirma que seu desejo era o de ser penetrado por um homem, ideia que agradava sua mulher. Então, eles resolvem praticar o ménage à trois, o que lhe proporciona muita satisfação. Conta que a fantasia de imaginá-lo transando com outro homem também provoca muita excitação em sua mulher. Porém, algo parece tolhê-lo e reprimi-lo na medida em que torna-se tímido na cena sexual. É retraído com os homens, apesar do desejo. Em relação às mulheres, diz experimentar muita excitação ao ser visto transando pela sua própria esposa.

Mais tarde, confessa que toda sua narrativa buscava impressionar a analista, pois queria ser considerado um paciente incrível e muito especial por não ter nenhum preconceito, já que imaginava que a maioria dos homens negava tal desejo. Ele, no entanto, acredita ser diferente por enfrentar sem negação, despojado de defesas seu forte desejo de ser penetrado por um homem. Queixa-se muito de estar sempre atento aos outros, o que o leva a dizer exatamente o que pensa que o outro quer ouvir, sentindo-se sem espontaneidade no laço social. Se esconde quando se mostra. Gostaria de trabalhar essa "arma-dura" que afirma possuir e que muito lhe atrapalha profissionalmente. Aqui, escuto um pedido de análise: histericamente, ele é refém do Outro.

Paulo retoma a questão amorosa-sexual inicial, reafirmando seu desejo de ser penetrado por um homem. Interrompe o tratamento alegando que a analista era preconceituosa por não aceitar o ménage à trois. Após seis meses, retorna e deixa claro como coloca o Outro no lugar da resistência. Diz que sua esposa não organiza mais os encontros de swing por sentir-se gorda. Além disso, revela que eles não transavam havia alguns meses. Interrompe as sessões com frequência para urinar, fato que relaciona ao tesão contido. Além disso, associa seu urinar compulsivo a cenas da infância, quando acordava urinado e dirigia-se à mãe para que ela o levasse ao banheiro, o que ela fazia amorosamente, inclusive beijando-lhe na boca. Um dia, ele a manda interromper os beijos por causa de seu mau hálito.

Passa a falar de sua atração pela analista e a urinar bem menos no horário das sessões, demonstrando que, para ele, há uma relação entre a afirmação fálica e a contenção sexual, o que o leva a valorizar a verbalização de sua excitação ali na análise. A armadura da qual se queixava tanto estava relacionada à compulsão ao urinar, pois, quando inseguro, histriônico, urinava sem parar. Lembro-me aqui dos dois modos do ato de urinar que aparecem no filme Pai Patrão, dos irmãos Taviani (1977). Nesse filme, o filho, ao ser retirado pelo pai da sala de aula de maneira autoritária e estúpida para trabalhar no campo, urina-se todo. Mais tarde, em busca de seu desejo, ele usa o ato de urinar como vingança. De um trem em movimento, urina sobre o campo onde vivia. Eis duas posições subjetivas opostas referidas ao mesmo ato. Na primeira, a depreciação total; na segunda, exalta-se o júbilo fálico de forma radiante e eufórica. Trabalhamos em análise a compulsão de urinar como afirmação fálica, o que nos remete ao texto freudiano "A aquisição e o controle do fogo" (FREUD, 1932 [1931]).

Na lenda de Prometeu – aquela em que o herói traz o fogo aos homens, tendo-o roubado dos deuses e escondido num pau oco – o elemento fogo é considerado análogo à paixão, um símbolo da libido. O calor que irradia do fogo evoca a mesma sensação que acompanha o estado de excitação sexual. A forma e os movimentos de uma chama sugerem o falo em atividade. O homem primitivo tentou apagar o fogo com sua própria água. Tal ato teve o significado de uma luta prazerosa com um outro falo. A antítese entre as duas funções pode levar-nos a dizer que o homem apaga o seu próprio fogo com sua própria água. Parece que Paulo ensaiava essa antítese ali na análise: urinando, ele conseguiria apagar seu fogo. Freud (1932[1931], p. 233) cita o poema de Heine: O que o homem usa para mijar, também usa para criar o seu semelhante.

A cena fantasmática aponta também para esta antítese: ele penetrando em si mesmo sob o olhar do outro, o que relança à questão do phallus como afirmação erótica. O atrelamento do phallus com o órgão em seu sintoma fica bem marcado. De vez que uma neurose, segundo Freud (1923 [1922]), em Uma neurose demoníaca do século XVII, só pode originar-se de um conflito entre duas tendências, é tão justificável enxergar a causa de "toda" neurose no protesto masculino quanto vê-la na atitude feminina contra a qual o protesto é feito. Neste sentido, o texto freudiano remete à imagem do demônio com traços femininos. Esses dois textos freudianos ilustram a reversão da libido no seu oposto como um dos destinos da pulsão.

É na medida em que a questão imaginária passa a ser elaborada, como na cena infantil em que ele acorda todo urinado e dirige-se ao quarto dos pais, que o sentido desatrelou do sintoma, permitindo um deslocamento do gozo. Surge então fortemente uma questão relativa aos cachorros. Morar com o pai foi muito traumático, o medo, o terror eram constantes, acordava à noite para urinar e seu pai o obriga a enfrentar um cachorro, o que o fazia morrer de medo. Era completamente passivo e submisso na infância ao pai-castrador (e adestrador), que tanto o aterrorizava. Há um fato importante por volta de seus doze anos, que envolve o cachorro preferido do pai, um rottweiler, o qual termina mordendo o braço do pai que, neste transe, mata-o com um tiro na cabeça, sem o que perderia o braço. Ainda quando morava com o pai, havia um homem que trabalhava no canil, esfregava-se nele, sem penetração, tendo despertado seu interesse em ser penetrado desde então. Esta é uma promessa de prazer que aponta para uma questão histérica.

Queixa-se de estar "estacionado". Destaco a palavra "estacionar" e peço que desenvolva esta queixa. Diz então que a única coisa que o incomoda verdadeiramente é a compulsão em urinar. Percebe-se como um menino e que precisa ser um homem para enfrentar sua profissão. Avalia a possibilidade de seguir uma carreira solo como produtor musical. Prefere gastar dinheiro em coisas que lhe proporcionem mais prazer que a análise. Implico-o nesta fala mostrando como é difícil um menino pagar a sua análise.

Posteriormente, conta-me que havia encontrado uma fita cassete em que sua mãe imitava os sons de uma cachorrinha e dizia-lhe que estava ali para obedecer aos seus comandos. O significante cachorro/cachorra é alvo de diversas associações. Começa a se dar conta de que, em sua casa atual, tudo também gira em torno de seus dois cachorros, cujos cuidados exigem muita dedicação do casal. Nas suas memórias infantis, há sempre referência a um cachorro.

Quando conheceu sua mulher, ela apresentou-se como uma "cachorra". Ela era promíscua, o atraiu e quase mantiveram relações sexuais no mesmo dia em uma boate. Diz o seguinte: "a cadela da minha mulher pode transar com outro homem. Isto é o que mais me excita no swing". Entre o casal, o sexo é posto fora da relação, sempre adiado, devendo ser experimentado com terceiros. Amam-se muito, mas não transam. Questiono essa harmonia e procuro causar equívocos em suas verdades. Então, ele me diz que "comer strogonoff todos os dias não dá". Tenta convencer-se de que a relação é maravilhosa sem o sexo. Após algum tempo, ele resolve conversar com a esposa, indicando-lhe que ambos inibidos na relação conjugal precisavam fazer algo para salvar o casamento. Nesse momento, descreve detalhadamente a cena sexual entre eles: ele não a penetrava, só a masturbava e, então, ela penetrava um vibrador nele. Quando o machucava, ele preferia fazê-lo sozinho na presença dela.

Em seu fantasma, ele é penetrado sob o olhar da sua mulher. Seu gozo fálico inclui a depreciação do outro (ele mesmo), o que remete ao lugar passivo/ativo na cena sexual e na transferência. É importante ressaltar que, antes de revelar esta cena sexual, ele teve um sonho comigo, onde me dá uma carona e acabamos nos beijando. Depois de algumas sessões, ele decide interromper a análise para saber se sentirá falta. Torna-se arrogante, colocando uma secretária entre nós, sempre ocupado, cheio de viagens e sem horário.

Relata que, em São Paulo, contratou uma garota de programa que era estudante de psicologia. Eles conversaram e ele perguntou-lhe como ela enganava os homens. Questiono essa enganação, o que não gera muitos efeitos. Ele me paga o que devia e diz estar fazendo uma experiência. Não faço objeção à saída dele, apenas digo-lhe que houve um trabalho e que ainda haveria questões a serem trabalhadas.

O que sustenta o sujeito em análise é o querer saber. Parece que Paulo endereça este pedido à prostituta, aquela que sabe enganar os homens. Introduzindo um terceiro entre nós, me substitui por uma "cachorra-psicóloga": investe libido, paga e quer saber. Não precisa mais de mim.

Seu sintoma se deslocou, houve uma redução do ato urinário. A questão fantasmática está atrelada ao imaginário, na medida em que Paulo narra a cena infantil quando acordava urinado e sua mãe incestuosamente o limpava. Ele, então, manda-lhe se afastar. Algo se moveu em relação ao seu sintoma de urinar compulsivamente.

É curioso que, transferencialmente, a analista foi afastada a ponto de ser substituída por uma prostituta (= phallus).

Retomando a questão da histeria masculina na contemporaneidade, o que gostaria de indicar é que, diante das ofertas de tudo gozar num sistema capitalista perverso, o histérico denuncia a sexualidade perversa, retirando o véu do recalque. Viver uma sexualidade sem recalque é essencialmente denunciador. A psicanálise aí responde com o Ato que barra a desmedida do gozo.

 

Referências

FREUD, S. (1923 [1922]). Uma neurose demoníaca do século XVII. Trad. sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1987. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. 19).         [ Links ]

__________. (1932[1931]). A aquisição e o controle do fogo. Trad. sob a direção de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1987. (Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud, v. 22).         [ Links ]

PAI PATRÃO. Direção de Paolo Taviani e Vittorio Taviani. Produção de Giuliani G. de Negri. Itália, 1977. 1 DVD (114 min), son., color.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
E-mail: gildamesquita@yahoo.com.br

Recebido: 17/02/2013
Aprovado: 30/04/2013

 

 

* Psicanalista, Psicóloga, Mestre em Psicanálise, Saúde e Sociedade. Membro da Internacional do Fórum do Campo Lacaniano do Rio de Janeiro da Escola de Psicanálise dos Fóruns.
1 Este artigo baseia-se na apresentação realizada na ocasião do VII Encontro Internacional – "O que responde o psicanalista? Ética e clínica", que ocorreu entre os dias 6, 7 e 8 de julho de 2012, no Rio de Janeiro.