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Stylus (Rio de Janeiro)
Print version ISSN 1676-157X
Stylus (Rio J.) no.34 Rio de Janeiro Jan./June 2017
ESPAÇO ESCOLA
AEscola
The School
Vera Iaconelli
RESUMO
A autora busca discutir alguns efeitos recolhidos em decorrência da sua nomeação como Analista de Escola e o trabalho, que retorna para Escola, na tentativa de elaborá-los. Discute a inevitabilidade dos efeitos imaginários decorrentes de qualquer nomeação dentro de uma instituição e a função do AE de problematizá-los, devolvendo para a comunidade os ecos de sua mensagem.
Palavras-chave: Psicanálise; Escola; Analista de Escola; nomeação.
ABSTRACT
The author of this text aims to discuss some effects collected as a result of her appointment as School Analyst and the work, which returns to the School, in an attempt to elaborate them. The article tackles the inevitability of the imaginary effects arising from any appointment within an institution and the role of the SA to problematize them by returning the echoes of their message to the community.
Keywords: Psychoanalysis; School; School Analyst; appointment.
A análise lacaniana teve efeitos profundos na minha escuta clínica. Fui em busca de saber sobre isto que me afetava como analisante, embora fosse membro de uma instituição um tanto fóbica em relação a Lacan. Sendo minha analista integrante do Fórum do Campo Lacaniano, fica claro que a escolha que fiz por entrar no Fórum, dentre as muitas instituições que existem em São Paulo voltadas ao estudo de Lacan, se deu na esteira desta transferência analítica.
Assim que cheguei ao Fórum-SP, espaço do qual confesso, esperava uma certa sisudez, surpreendi-me com o acolhimento. Comecei a frequentar os Módulos de Leitura, e a condução dos encontros revelava que se tratava de um engajamento mútuo, não cabendo o lugar passivo do aluno à espera do papai-sabe-tudo. Nos encontrávamos diante dos textos de Freud e Lacan, numa proposta que implicava uma leitura literal, verdadeiro mãos à obra ao pé da letra. Reconheci que diante da riqueza infinda da obra desses autores, cabia compartilhar no laço solidário que se formava ali, a busca insistente pela formalização de nossas experiências.
Logo na chegada sou informada de um imperdível Café Cartel. Cheguei de novata nesta atividade, na qual se sentavam lado a lado para ler seus textos, recém-formados e autores reconhecidos falando de suas inquietações nos cartéis, seja lá o que fosse um cartel. O clima era de mostra o seu, que eu mostro o meu...
Debatia-me com a questão: quando é que eu vou aprender esta coisa!? Resposta que me dou hoje: nunca! Porque não se trata de a prender, mas de deixar deslizar seus efeitos. De quebrar a cabeça na intelecção de um conceito para colocar no papel, ao mesmo tempo em que a escuta já mudou. Não se espera saber o que é o amor para sair amando, mas tentar dizer o que é o amor produz a ciência, a arte, a religião. Sigamos dizendo e amando, ainda que não o possamos prender, sigamos fazendo nossa ciência e arte, mas não religião, no sentido do dogma e da mestria.
Conto este pequeno trajeto para explicar que logo me senti como alguém de dentro do Fórum, compartilhando questões e reconhecendo as mudanças na escuta, o deleite com as descobertas, as frustrações e a insistência. Assídua e entusiasmada.
Ao final de minha análise, aciono o dispositivo do passe, e sou pega de surpresa nas entrevistas iniciais com o fato de que sou considerada de fora, pois participante e não membro de Fórum ou de Escola. De fora como?
A transmissão é uma questão para mim, sendo a psicanálise em extensão tão empolgante, quanto em intensão. E havia adorado que, naquela terça-feira gorda de Carnaval, recém-chegada do impacto estético de Inhotim (MG) tenha recebido um telefonema de Colette Soler dizendo que havia acontecido a transmissão de uma análise e que eu estava convidada a falar sobre isso em Medellín. Na mesma frase, ela me informava que eu tinha sido nomeada AE. Ato contínuo, recebo parabéns por vários e-mails. Ao encontrar com as pessoas, reconheço olhares de alegria, mas também de preocupação.
Basicamente neste começo não estava entendendo nada. Credito este primeiro espanto à passagem do privado e protegido do dispositivo do passe ao escancarado da transmissão pública dentro do Fórum. Comecei a ficar preocupada.
Não haviam meus colegas passado pelo mesmo antes de mim? Não. Fiquei bem chocada com esta informação. De repente, havia uma expectativa sobre mim, de produzir, de transmitir, de aceitar convites e uma curiosidade sobre o que seria um AE, afinal. Também tenho esta curiosidade. Uma conhecida da terapia corporal me interpela: soube que você venceu um concurso dificílimo! Ao que respondi, sim! De beleza.
A nomeação de AE me deu acesso a um mundo paralelo do campo de gozo dentro da Escola. Temi pela perda da relação que tinha até então com o Fórum, de entusiasmo e descoberta.
Uma comunidade de experiência
O passe se refere à Escola, mas o Fórum orbita em volta dele, criando um campo de desafios e tensões, como vim a descobrir depois da nomeação. É claro que não faltaram informações desde as entrevistas de acolhimento, sobre a estrutura do Fórum e da Escola. Mas não se trata de ter acesso a um "organograma da instituição", mas do que faz questão na relação entre Fórum e Escola, de se perguntar quem transmite, o que, para quem e onde. A transmissão é contingencial e fruto de uma aposta, cujos efeitos só se darão a saber a posteriori. Tentamos, atentamos e encaramos as tentações.
As fantasias sobre o que seria o final de uma análise para alguns, a apreensão sobre o que eu levaria a público para outros, e ainda, o desejo de prevenir efeitos imaginários de disputas fálicas eram visíveis e chegavam para mim como mensagens confusas. Nunca tinha sido convidada para tantos "cafezinhos" e "bater um papinho". Segundo Dunker (2014, pp. 69-70):
Por meio dele (o dispositivo do passe) uma experiência privada, idiossincrática e culturalmente específica de tratamento pode ser publicamente reconhecida, nomeada e inscrita institucionalmente. A nomeação como AE (Analista de Escola) é um evento de considerável falicização, mas ela seria compensada pela orientação para a transferência de trabalho, para a crítica do funcionamento da escola e para a desconstrução dos sintomas identificatórios convencionais, gerados pelo conflito fálico entre analistas.
A "incompreensão" dos efeitos não era ingenuidade de minha parte, mas suposição de saber dirigida à instituição, que considero como resto transferencial de minha análise. Descubro só depois que o Fórum era suposto por mim como lugar de exceção das projeções narcísicas, com seu detector de bombas do imaginário na admissão de seus integrantes. Tendo como correlata a ilusão de que eu estaria imune a estes efeitos; como se o fim da análise revelasse um atestado de garantia contra efeitos imaginários e suposições de saber. Como se houvesse garantia da garantia.
Só que não. Diante do che vuoi? que eu formulava no Outro, o Fórum se apresentava como boneco de Olinda, desfilando em pleno carnaval, me fazendo correr o risco de esquecer dos carnavalescos, cada um com sua fantasia, com seus trapos e brilhos e suas singulares formulações do real e do gozo.
Mas se tem algo que uma análise pode alcançar ao seu final é a rápida mudança de direção no circuito infernal da demanda, a cada vez que ele se organiza, ainda que não possamos dele nos "vacinar", posto que o grafo do desejo/sujeito permanece operando, enquanto houver desejo/sujeito. Então, o mal-estar se apresentava não para ser encoberto e disfarçado, como nas instituições regidas por outros discursos que não o do analista, para voltar sintomaticamente em atuações grotescas, mas para ser escutado e promover outras voltas. Basicamente: trabalho a realizar, analisar.
Primeiro, me perguntava: mas se se trata de uma cadeia de eventos de uma transmissão, por que a nomeação de um? Pois se temos: os AMEs, que indicam os passadores; os entrevistadores, que acolhem o pedido e acionam o dispositivo; os passadores sorteados; o passante; o cartel do passe, não seria o caso de simplesmente convidar estas pessoas a falarem que acontecimento se deu nesta transmissão? Ficar com a primeira parte do telefonema:
- Vera, gostaríamos que falasse em Medellín sobre o percurso de sua análise. Ao que responderia:
- Com muito prazer, madame Soler.
Mas não era só isso. Ao final desta cadeia de eventos, temos o mais importante e que justifica a existência do dispositivo: os efeitos que a nomeação têm sobre a comunidade psicanalítica que à sua volta orbita. Efeitos que criam a Escola, pois ela é o movimento que se dá em volta mesmo deste furo.
Nesse processo, à medida que testemunho para a Escola do que se trata meu percurso singular, que pouco dirá dos que estão por vir ou dos que me antecederam, vou recolhendo o próprio conceito de Escola, cujos efeitos imaginários estão para serem escutados e encarados, posto que o fim de análise não erradica o sujeito de suas mazelas, mas o posiciona diante de sua inevitável condição. Ainda com Dunker (Ibid., p. 67): "Analista de Escola é exatamente a função daquele que deve fazer a crítica e concorrer para a superação dos impasses institucionais que acompanham a transmissão da psicanálise em uma dada comunidade".
Dou-me conta que o lugar do AE, de dar sustentação ao desejo de analista em ato dentro da Escola, implica no que Dunker chamou de um "complemento da ética da convicção, expressa pelo desejo do psicanalista, na ética da responsabili dade, atinente ao seu compromisso com a transmissão" (Ibid.). Daí, entendo que a passagem ao espaço público da transmissão ultrapassa o ato inaugural que aciona o dispositivo em direção à assunção de uma responsabilidade, ou seja, por definição: responder ao próprio ato.
Tomar para si as questões sobre a formação, a transmissão e o fim da análise é uma das bases do pertencimento à Escola, que impregna todo o campo do Fórum. Reconheço hoje que foi isso que fez me sentir inserida dentro da Escola desde o começo, pois são questões que compartilho como "simples" participante.
Bom, então quais efeitos recolho no só-depois, até aqui?
Que ao ser nomeada, se dou provas da possibilidade de transmitir a outros o percurso de minha análise pelo dispositivo do passe, redobro a aposta, mas também redobro a prova, pois a nomeação, ao passar ao público, causa.
Que a nomeação de um, no singular, põe a comunidade psicanalítica também à prova, pois escancara as fantasias de reconhecimento fálico e de bloco indiferenciado.
Que se existe um certo efeito "carnaval" em volta do AE, é porque este "carnaval" existe em volta da Escola, lugar para o qual se transfere um saber sobre a psicanálise, mas também sobre o inconsciente de cada um. Como se Escola pudesse responder quem somos. Nesse sentido, a fala de Colette Soler no XVIII Encontro Nacional em São Paulo, sobre o paradoxo do passante, cuja análise chegou ao fim, demandar uma resposta à Escola, na forma de nomeação, é uma questão crucial. A nomeação do AE encerra uma resposta, sim ou não, é ou não é, ou um produto, resíduo das operações internas que na Escola circulam? Resultado de uma massa crítica, expressão sugerida por Dominique Fingermann nesse mesmo Encontro, de trabalho que chega a seu ponto de transbordamento? Não seria este o sentido de dejeto a que o AE se presta ser?
O AE condensa em sua nomeação esta fantasia, imanta o mal-estar. Conforme descreve Lacan ao comentar a posição do AE no grafo da Escola como sendo S(A) e aplicar esta letra ao AE resta E, de Escola e Épreuve. Segundo Quinet (2009, p. 120), ao comentar esta passagem:
Épreuve também significa adversidade, provação, indicando que a Escola não é apenas local de bem-estar, já que acolhe o mal-estar da civilização - seu rebotalho, o objeto a - para que haja chance de o discurso do analista aí ocupar um lugar na circulação dos discursos.
Neste sentido, percebo que o AE expõe, com seu testemunho singular, aquilo que sustenta a comunidade de experiência, ao mesmo tempo em que obriga que se trabalhe incessantemente os efeitos de bloco, que a falta de uma nomeação no singular poderia mascarar.
O AE, ao sustentar o furo do saber sobre a análise, se empenha em permitir que a transferência analítica, que a Escola promove ou herda, venha a dar lugar à transferência de trabalho, contingencialmente. E que a nomeação de AE, em vez de sustentar consistências, com sorte pode fazer borda neste furo, como indica o jogo com iniciais de seu nome em português: AEscola.
Referências bibliográficas
DUNKER, C.I. L. ; KYRILLOS NETO, F. Conflito entre psicanalistas e impasses fálicos da brasilidade. In: Stylus: Revista de Psicanálise, n. 29. Rio de Janeiro: AFCL, 2010, pp. 67-84. [ Links ]
QUINET, A. A estranheza da psicanálise: a Escola de Lacan e seus analistas. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009. [ Links ]
SOLER, C. A experiência do passe e o desejo do analista. [ Links ] Conferência proferida no XVIII Encontro Nacional dos Fóruns do Campo Lacaniano, São Paulo, 14 de novembro 2016.
Recebido: 23/05/2017
Aprovado: 04/06/2017