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Stylus (Rio de Janeiro)

Print version ISSN 1676-157X

Stylus (Rio J.)  no.37 Rio de Janeiro July/Dec. 2018

 

ARTIGO BILÍNGUE

 

Adventos do real: psicanálise e política do sintoma

 

Advents of the real: psychoanalysis and symptom politics

 

Advenimientos de lo real: psicoanálisis y política del síntoma

 

 

Fernando Martínez; Tradução de Wilson Alves-Bezerra1

 

 


RESUMO

O objetivo deste trabalho é destacar o dispositivo analítico como um espaço político em ato para o tratamento do real na época. Podemos apontar, com Lacan, que o real que advém dos efeitos da ciência em sua articulação com a economia de mercado introduz, por uma via política, suas implicações na subjetividade. Na experiência da prática analítica, encontramo-nos com uma forma singular do sintoma diante dos adventos do real da época, em que, em muitos casos, a precariedade do laço social, a banalização da palavra consumida em "packs" disfarçados de discurso e outra série de manifestações redobram a aposta do psicanalista: restituir o estatuto ao sujeito do inconsciente. É nesse ato ético e político que a descoberta freudiana mantém-se vigente, não sem redimensionar o lugar do analista no mal-estar na cultura, produzindo, a partir de um advento, um acontecimento que modifica a posição do sujeito.

Palavras-chave: Advento do real; Acontecimento; Real.


ABSTRACT

The purpose of the work is to highlight the analytical device as a political space in act for the treatment of the real at the time. We can point out, with Lacan, that the real that comes from the effects of science in its articulation with the market economy introduces, by a political route, its consequences on subjectivity. In the experience of analytic practice we find the singular form of the symptom before the advents of the real of the epoch; where, in many cases, the precariousness of the social bond, the banalization of the word consumed in "packs" disguised as discourse and another series of manifestations redouble the bet of the psychoanalyst: to restore the status to the subject of the unconscious. It is in that ethical and political act where the Freudian discovery maintains its validity, not without redimensioning the place of the analyst in the malaise in the culture. Producing from an advent an event that upsets the position of the subject.

Keywords: Advent of the real; Event; Real.


RESUMEN

El propósito del trabajo es destacar el dispositivo analítico como un espacio político en acto para el tratamiento de lo real en la época. Podemos señalar, con Lacan, que lo real que adviene por efectos de la ciencia en su articulación con la economía de mercado introduce, por una vía política, sus consecuencias sobre la subjetividad. En la experiencia de la práctica analítica nos encontramos con la forma singular del síntoma ante los advenimientos de lo real de la época; donde, en muchos casos, la precariedad del lazo social, la banalización de la palabra consumida en "packs" disfrazada de discurso y otra serie de manifestaciones redoblan la apuesta del psicoanalista: restituir el estatuto al sujeto del inconsciente. Es en ese acto ético y político donde el descubrimiento freudiano mantiene su vigencia, no sin redimensionar el lugar del analista en el malestar en la cultura. Produciendo de un advenimiento un acontecimiento que trastoca la posición del sujeto.

Palabras clave: Advenimiento de lo real; Evento; Real.


 

 

Para ilustrar o percurso de um processo analítico que aposte no tratamento do real que advém, começarei por indicar uma diferenciação básica entre advento e acontecimento. Interessa-me marcar essa diferença entre os termos, dado que muitas vezes eles são usados como sinônimos: o advento refere-se à ação de chegar, suceder, sobrevir - bastante ligado à liturgia religiosa. Acontecimento, por outro lado, é uma situação que, por contar com algum aspecto extraordinário, adquire relevância e consegue chamar atenção, motivo pelo qual pressupõe certa sanção subjetiva.

O acontecimento produz um corte com o sentido estabelecido e provoca algo novo, tal como ocorre no Acontecimento Freud na cultura que abala o instituído e que, em linhas gerais, produz uma modificação no modo de ler o humano.

Então, como um advento do real torna-se acontecimento no sujeito que quebra com o sentido e abala sua posição?

Um acontecimento é uma construção lógica posterior a um advento do real. Dado que um real carece de sentido, é necessário que o sujeito possa sancionar isso que advém como êxtimo. Um sujeito que é ao mesmo tempo abalado e implicado nesse alheamento próprio.

O começo de uma análise é um acontecimento iniciático, dado que anuncia ao sujeito seu próprio ICC, daquilo que advém de fora do discurso: um ato falho, um lapso, um sonho ou um sintoma são acontecimentos de algum advento do real na medida em que há ali um sujeito que sancione a ex-sistência disso, como uma formação de seu inconsciente: que um ato falho seja realmente falho e queira dizer outra coisa e não seja um engano, por exemplo. É nesse sentido que podemos pensar a queixa como um sinal não decifrado do advento do real e, já em sua formalização como sintoma analítico, estabelecer um modo de tratamento do real em jogo. Para que tal operação ganhe corpo, é necessário o encontro com o desejo do analista e a aposta na virada do discurso, de modo que: "apenas uma intervenção da interpretação pode sustentar que o acontecimento está apresentado na situação, enquanto advento ao ser do não-ser, advento ao visível do invisível" (Badiou, 2015, p. 204).

A manobra interpretativa do início, fundante do tratamento, produz um acontecimento que abala os dizeres e permite tratar o advento do real do dizer do sujeito, implicando a política da psicanálise, a incidência do discurso analítico que aposta na diferença absoluta, no rumo que o próprio sujeito possa dar no tratamento a seu modo irredutível de gozar concernido por seu sintoma como coalescência entre significante e gozo enquanto "é o mais real que há no sujeito a-substancial produzido pelo significante" (Soler, 2017, p. 2). Essa aposta no um por um e no que acontece de real para cada sujeito é uma aposta ética, que se sustenta nesse laço social particular entre o analisante e o analista, onde radica a vigência da psicanálise, em tal contexto social onde os laços se encontram ameaçados pela hegemonização de um mercado que foraclui o sujeito e promove a instrumentalização das individualidades.

Em nossa prática, recebemos sujeitos que se queixam da afetação gozosa do corpo pelo significante, agravada muitas vezes pela fragilidade do laço social contemporâneo. Trata-se de um real que já adveio, o dispositivo analítico, sustentado na transferência, e que proporciona uma virada no discurso em que o sujeito pode se enodar no dizer e nele experimentar um acontecimento, um fora-dentro moebiano de sentido: novidade que o retira da queixa e o relança na possibilidade do ato, superando-se.

Podemos encontrar no Seminário 21 uma referência à diferença entre o advento do real e o acontecimento do dizer sustentado na temporalidade do nó, tal como o indica Sandra Berta em seu pretexto; lá, Lacan inclui o acontecimento do dizer como escritura do nó, diferenciando o acontecimento simbólico, o real e o imaginário. "O acontecimento, ele, o acontecimento não se produz senão na ordem do simbólico. Não há acontecimento a não ser do dizer" (Lacan, 1974). O preciso tempo para escrever o nó do dizer, nó do parlêtre que produz o trauma borromeano (Berta, 2017, p. 2).

Advento do real/acontecimento no simbólico como uma forma de escritura do dizer no transcurso da análise, acontecimento do real advindo do trou-matisme, que provoca um novo advento desdobrado no tratamento, um re-advento do real: acontecimentos de um dizer que evocam ao real que adveio no traumático.

Cabe diferenciar, então: o real que adveio sem implicação subjetiva: queixa que indica sem que seja um acontecimento do dizer no sujeito; o re-advento do real na transferência que acontece no dizer no tratamento, e um ponto de sobreposição entre esse re-advento e o acontecimento do ato no fim da análise: só o vazio nomeia o que há em comum (Badiou, 2015, p. 208) entre o advento do real e o acontecimento do fim. Os ecos desse vazio adcontecido no fim do tratamento, que nos chegam do dispositivo do passe, são ecos que enunciam e que transmitem um traço, forma simples da marca traumática da origem do significante, matriz da repetição inaugural, cicatrizes do real que adveio.

 

Referências bibliográficas

Badiou, A. (2015). El ser y el acontecimiento. Buenos Aires: Alfaguara.         [ Links ]

Berta, S. (2017, Maio). Pretexto 2 a la X Cita de la IF-EPFCL "Acontecimiento y advenimiento de lo real".         [ Links ]

Lacan, J. (1974). El seminario, libro 21: los no incautos yerran.         [ Links ] 15 de janeiro de 1974. Inédito.

Soler, C. (2017). Advenimientos de lo real. (Rithée Cevasco, Trad.). 27 de maio de 2017. Intervenção na cidade de Gijón, Asturias, Espanha. Convite do DEL da EPFCL-España-F9, no âmbito das XVII Jornadas dos Colé         [ Links ]gios Clínicos.

 

 

Recebido: 21/08/2018
Aprovado: 19/11/2018

 

 

1 Revisão da tradução por Maria Luisa Rodriguez.

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