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Semina: Ciências Sociais e Humanas

On-line version ISSN 1679-0383

Semin., Ciênc. Soc. Hum. vol.40 no.1 Londrina Jan./June 2019

 

Artigos

Formação na clínica: uma experiência inicial com crianças e famílias orientada pela Psicanálise

Training in the clinic: an initial experience with children and families guided by Psychoanalysis

 

 

Maria Ângela Fávero-Nunes1

1Universidade Paulista

 

 


Resumo

A complexidade dos problemas atuais tem impulsionado um constante aprimoramento da formação clínica do estagiário de Psicologia que atende às diversas demandas do sujeito contemporâneo. O presente estudo teórico-clínico pretendeu refletir sobre a formação da atitude clínica do aluno de Psicologia a partir de uma experiência inicial de atendimento grupal a crianças e pais, em modalidade de avaliação/intervenção orientada pela Psicanálise. Utilizou-se material clínico das transcrições, observações e supervisões das sessões ocorridas em uma clínica-escola. As queixas iniciais de problemas de aprendizagem e dificuldades na escola puderam ser ampliadas. Uma insegurança foi inicialmente vivida pelos estagiários diante do encontro com as diversidades e familiaridades, com posterior construção de vínculos dentro do grupo e maior envolvimento dos pais nas dificuldades das crianças. As supervisões permitiram a análise de aspectos inconscientes das relações, transferência e contratransferência, considerando a capacidade negativa implicada no atendimento; o supervisor buscou acompanhar os estagiários na metabolização dessa experiência emocional. Eles puderam aprimorar observações, interligar conhecimentos teórico-técnicos com a prática, construir reflexões sobre a postura profissional e a atitude clínica.

Palavras-chave: Criança. Famílias. Formação profissional. Psicanálise. Psicologia clínica.


Abstract

The complexity of the current problems has driven a constant improvement in the clinical training of Psychology trainees in order to meet the diverse demands of the contemporary subject. The present theoretical-clinical study was intended to reflect on the formation of the clinical attitude of the Psychology student from an initial experience of attending a group of children and parents, in an evaluation/intervention modality guided by Psychoanalysis. Clinical material from the transcriptions, observations and supervision of the sessions that took place in a university clinic was used. The initial complaints of learning problems and difficulties in school could be amplified. Insecurity was initially experienced by the trainees when encountering the diversities and familiarities, with the subsequent construction of bonds within the group and greater involvement of the parents in the difficulties of the children. The supervisions allowed the analysis of unconscious aspects of the relationships, transference and countertransference, considering the negative capacity involved, with the supervisor seeking to accompany the trainees in the metabolization of this emotional experience. They could to improve observations, to interconnect theoretical-technical knowledge with practice and to construct reflections regarding the professional posture and clinical attitude.

Keywords: Child. Clinical psychology. Families. Professional qualification. Psychoanalysis.


Defrontamo-nos atualmente com a significativa necessidade de atenção à saúde mental da população brasileira. As crises, em suas diversas dimensões, política, econômica, social, sobretudo ética, avolumam e reverberam nas dores internas, assim como as rupturas do psiquismo encontram ressonâncias no mundo externo. Crianças, adolescentes e adultos, casais e famílias sofrem com as instabilidades da vida contemporânea ao mesmo tempo em que são sujeitos dessas transformações. Mediante as grandes quebras, impactamo-nos com a fome e as guerras, o racismo e o preconceito de gênero, as imigrações, as pessoas em situação de rua, as crianças abandonadas dentro e fora de casa carentes de cuidados concretos e afetivos. O avanço tecnológico permitiu passos importantes principalmente no combate a doenças, através do aperfeiçoamento dos meios de transporte e comunicação. Concomitantemente, esse progresso provoca a digitalização da vida, constrói ligações que se restringem ou se amplificam no ambiente virtual, criando novas subjetividades. O sujeito contemporâneo busca viver a experiência de estar junto, percebendo, muitas vezes, a impossibilidade de estar na companhia do outro na sua alteridade, ou mesmo a incapacidade de estar só. “A habilidade de estar só tem sua base na experiência precoce de estar só na presença de alguém” (WINNICOTT, 2007, p. 34) que representa um sinal importante do amadurecer do desenvolvimento emocional.

O profissional da área da saúde precisa situar-se nessa realidade e de forma simultânea, é encontrado por ela. Interrogamo-nos sobre a responsabilidade social da Psicologia e as possibilidades de trabalho diante de tal cenário. Em 1918, Freud (1996) já apontava sua preocupação com o fato de a Psicanálise se fazer presente e fundamentar uma prática que não fosse apenas aquela do consultório, com o paciente deitado no divã. Essa atenção tem sido discutida no âmbito das Sociedades de Psicanálise filiadas à Associação Psicanalítica Internacional, com a proposta de ampliação das atividades psicanalíticas para além do setting tradicional, conforme artigo recente de Mattos et al. (2016).

As transformações são muitas, nos sujeitos e, por consequência, em suas escolhas, ganhando expressão também nas diferentes e novas configurações de família. Recentemente, as famílias tem se apresentado de diversas formas, nucleares e tradicionais, monoparentais, homoparentais, casais sem filhos, famílias reconstituídas, experiências de inseminações e fertilizações, dentre outras. Observa-se essa alteridade na atividade de atendimento psicológico às crianças e suas famílias, o encontro com o diferente compõe o novo profissional que almeja preparar-se, oferecer ajuda a seus pacientes, que precisa construir uma identidade profissional e desenvolver uma postura permeada pela ética. Segundo Roudinesco (1999), a Psicanálise sendo uma filosofia da liberdade, busca ajudar esse sujeito em formação, seja o de terno ou o de jeans, através de uma leitura específica e aprofundada do mundo mental, balizada pelo conceito de inconsciente.

O Olhar da Psicanálise para o Singular Contemporâneo: Algumas Possibilidades se Contato

Freud (2005) não evidenciou o estudo de crianças, mas sugeriu os primeiros passos, com o acompanhamento da análise do caso de uma fobia do pequeno Hans, um garoto de cinco anos, analisado pelo pai sob sua orientação clínica. Buscou amenizar os sintomas do menino realizando uma orientação ao pai. Desde os tempos de Freud, é amplamente reconhecido que o atendimento psicológico psicanalítico tem-se demonstrado como saída possível ao sofrimento psíquico, auxiliando as pessoas diante de suas interrogações.

A Psicanálise possui três dimensões (LAPLANCHE; PONTALIS, 1992, p. 384-385): é uma investigação dos processos psíquicos de difícil acesso; é um método de tratamento que se fundamenta nessa investigação; trata-se de uma série de concepções psicológicas adquiridas por esse meio e que fundamentaram uma disciplina científica nova. Estabeleceu-se, buscando diálogo contínuo entre a teoria e a clínica para a elaboração e sistematização de pensamentos sobre fenômenos psíquicos. O conhecimento psicanalítico inaugurou uma nova forma de fazer pesquisa, que leva em conta “a participação do sujeito no fenômeno que observa.” (SAFRA, 1993, p. 125)

Jung et al. (2006) escreveram um artigo de revisão que levantou publicações entre os anos 90 e janeiro de 2006 e apresentaram as perspectivas atuais da pesquisa de resultados em psicoterapia psicanalítica de longa duração com pacientes adultos em ambulatório. Demonstraram a efetividade significativa da psicoterapia psicanalítica, com diversos delineamentos de pesquisa. Perceberam que houve evolução na metodologia de pesquisa utilizada nas investigações no decorrer dos anos. A preocupação em colocar a investigação psicanalítica consoante com princípios científicos, sem desconsiderar a subjetividade característica dessa abordagem, foi marcante. Ressaltou-se a importância da investigação psicanalítica para confirmar os pressupostos do corpo teórico e a eficácia/efetividade do tratamento e possibilitar a refutação e modificação da teoria psicanalítica. Outro estudo (LEICHSENRING; RABUNG, 2008) verificou que pacientes que passaram por psicoterapia psicodinâmica de longo prazo apresentaram melhoras e beneficiaram-se por mais tempo dos ganhos provindos da terapia, recorrendo menos aos serviços de saúde e, quando retornavam, faziam-no após extenso período. Para Inaklevich (2015), é fundamental que o processo psicoterápico tenha um planejamento, não estático, um esboço utilizado como ponto de referência e que precisa ser repensado ao longo de todo processo. De acordo com a autora, o processo psicoterápico pretende auxiliar o paciente a resolver o problema considerado causador de seu sofrimento e, além disso, possibilita uma “[...] ampliação dos recursos mentais de que dispõe para viver as experiências emocionais de sua vida.” (INAKLEVICH, 2015, p. 195)

Transitamos do paradigma da Psicanálise Clássica de Freud baseado na ideia da causalidade dos sintomas para o paradigma da complexidade presente na Psicanálise Contemporânea que trata do objeto complexo e do princípio da incerteza. Essa proposta de uma mudança de paradigma “[...] trazida pelo objeto psicanalítico confere ao pensamento de Bion a potência de um legado decisivo para um psicanalista encontrar-se em sintonia com o pensamento contemporâneo” (DIAS; VIVIAN, 2011, p. 206). Segundo Chuster (2011), o modo de pensar a relação paciente-analista fundamentado na complexidade, em um modo não linear, mas espectral gerou uma ampliação dos princípios específicos do trabalho analítico. No livro publicado em 1970 chamado “Atenção e interpretação”, Bion (1993) usa o termo capacidade negativa, mencionando que o analista deve suspender a memória, o desejo e a necessidade de compreensão na relação analítica. A proposta é pensar com as incertezas e complexidades, sendo que a mente não saturada do analista pode permitir a este entrar em uníssono com a mente do paciente. Pina (2018) discutiu a importância da capacidade negativa no processo de busca da verdade concluindo que pode ser entendida como a condição da mente de suportar o espaço vazio decorrente das frustrações, apresentando-se assim associada à expansão do pensamento em direção à verdade e ao desenvolvimento psíquico.

Uma das demandas da contemporaneidade e desafio à Psicologia e Psicanálise é a criação de modalidades terapêuticas que tragam benefícios ao sofrimento mental e favoreçam esse processo de busca da verdade do sujeito, ainda que o tempo de trabalho e a disponibilidade do paciente sejam limitados. Daher et al. (2017) apresentaram um artigo no qual é relatada a experiência da escuta psicanalítica no Plantão Psicológico que funciona em um serviço-escola de Psicologia de uma universidade. Os autores (DAHER et al., 2017, p. 150) ofereceram subsídios para essa “prática clínica da contemporaneidade” a partir do arcabouço teórico e técnico da Psicanálise. A referida intervenção clínica buscou atender o mais pontualmente possível a necessidade do indivíduo, procedendo com acolhimento e esclarecimento da demanda. Foi considerado o encontro do estagiário de Psicologia com a “[...] escuta do inesperado do inconsciente que insiste para que seja ouvido.” (DAHER et al., 2017, p. 147) sustentando a expectativa de que o sujeito que fala também possa ouvir-se, o que contribui para um reposicionamento e ressignificação diante da queixa inicialmente apresentada. Inferimos que essa demanda psíquica circunscrita pode ser suficientemente repensada neste trabalho breve, ou pode ainda representar um caminho para o aprofundamento através do dispositivo da terapia de longo prazo.

Embora a indagação por diferentes modalidades de intervenção tenha surgido por carências específicas da atualidade, o psicanalista inglês Donald Woods Winnicott (1984) já apresentara a consulta terapêutica como alternativa àqueles casos de crianças e seus pais que não podiam comparecer às sessões de análise principalmente devido ao fato de morarem no interior da Inglaterra, distantes de Londres, em uma época que não havia recursos como aqueles que encontramos na atualidade. A técnica da consulta terapêutica utiliza a proposta de atendimento por demanda, realizada sob a forma de entrevista que traz certa flexibilidade de atuação procurando adequar-se às possibilidades dos pacientes. Foi desenvolvida por Winnicott (1984) como uma forma de entrevista com o objetivo de usar o espaço terapêutico de forma produtiva, não realizando interpretações como em uma análise standard. O analista propõe-se a realizar comunicações diante do que é transmitido pelo paciente. Favero-Nunes e Gomes (2009) trabalharam com consultas terapêuticas com casais com filhos com autismo. Avaliaram a utilização da consulta terapêutica na compreensão do funcionamento familiar e ponderaram sobre a necessidade de um espaço terapêutico mais constante para os casais a fim de que pudessem pensar no cuidado com o filho bem como pensar na conjugalidade. Em artigo recente, Tosta (2017) relacionou os conceitos de saúde e de fenômenos curativos da teoria winnicottiana com a proposta das consultas terapêuticas. Conforme essa autora, essa modalidade de atendimento ativa a criatividade da dupla psicanalista e paciente, salientando a ideia da emergência de capacidades mesmo em situações muito críticas que atravessamos.

Permeadas pelos conceitos winnicottianos e pensando a construção da prática clínica, Sei e Paiva (2011) pesquisaram a atividade clínica de alunos da graduação do curso de Psicologia. No percurso dos estágios supervisionados surge a ocasião da supervisão como um meio de aprendizado que permite a articulação entre a bagagem teórica construída e a prática que começa a ser experimentada. Essa atividade inicial suscita angústias que precisam do manejo realizado pelo supervisor. As autoras avaliaram que o conceito de holding pode contribuir para que se reflita sobre a posição e a função do supervisor em Psicologia. O holding é a sustentação que pode ser vivida pelo estagiário no surgimento da função psicólogo para que ele possa apresentar-se verdadeiramente no encontro clínico. Assim, o grupo de supervisão pode proporcionar um ambiente suficientemente bom para o aprendizado.

Sobre o conceito de holding, Winnicott (1975) estudou profundamente o relacionamento familiar, introduzindo o fator ambiente como componente de importância fundamental para o crescimento e desenvolvimento emocional da criança. Evidenciou o papel da mãe no oferecimento de uma provisão ambiental, sob a forma de um ambiente de acolhimento. Sintonizada com as necessidades da criança, essa mãe fica disponível para o que a criança precisar, no início de sua vida. A mãe identifica-se com as necessidades de seu bebê. Se esse ambiente não é suficientemente bom, ele prejudica o desenvolvimento da criança.

Utilizando uma estratégia investigativa-interventiva, baseada no uso do Procedimento de Desenhos-Estórias com Tema (PDE com Tema), Ribeiro, Tachibana e Aiello-Vaisberg (2008) pesquisaram alunos de psicologia frente às primeiras entrevistas clínicas. Através da análise psicanalítica encontrou-se que o imaginário coletivo daqueles estudantes estava permeado pelos campos “o paciente ideal”, “o terapeuta expert”, “a possibilidade de rejeição” e “o encontro com o outro” que marcavam as sensações de despreparo e de mal-estar emocional vividos nesses encontros com os primeiros pacientes, levando as autoras a conceberem a supervisão como espaço que precisa integrar o conhecimento teórico e a função de holding. Nota-se que no momento de iniciação à prática psicológica pode-se oferecer um suporte que auxilia o estudante a construir sua identidade profissional, conforme apontado por Aguirre et al. (2000), além do trabalho fundamental de psicoterapia/análise pessoal que esse estudante deve procurar.

Outra estratégia investigativa-interventiva reconhecida na Psicologia é a do Psicodiagnóstico Interventivo. Barbieri (2010) propõe como característica principal do Psicodiagnóstico Interventivo a realização de intervenções tais como assinalamentos, interpretações e holding durante as entrevistas e demais intervenções. O modelo do Psicodiagnóstico Interventivo tem auxiliado no conhecimento dos sentidos e significados que pais e filhos dão às suas vidas e seus mundos (MOURA; ANCONA-LOPEZ, 2013).

De acordo com Barbieri (2010, p. 210), o Psicodiagnóstico Interventivo é um procedimento clínico que consiste em efetuar intervenções no momento da realização de entrevistas e, se necessário, aplicação de testes “[...] oferecendo ao paciente devoluções durante todo o processo avaliativo e não somente ao seu final.” Neste contexto, as técnicas utilizadas são empregadas como meios de comunicação entre o psicólogo e o paciente (ARZENO, 1995). Diferentes abordagens são utilizadas nesta modalidade: Psicométrica, Fenomenológico-Existencial e Psicanalítica (BARBIERI, 2010). O referencial teórico adotado no presente estudo é psicanalítico. Psicanálise e Psicodiagnóstico Interventivo tem uma característica indissociável de se situarem entre a investigação e a intervenção (BARBIERI, 2009).

Partindo dos estudos psicanalíticos e frente à complexidade de situações da contemporaneidade, pretendeu-se refletir sobre a formação da atitude clínica do aluno de Psicologia a partir de uma experiência inicial de atendimento de um grupo de crianças e do grupo de seus pais, em uma modalidade de avaliação/intervenção orientada pela Psicanálise, ponderando acerca do benefício de um trabalho que inclua a família no atendimento. Para tal objetivo utilizou-se o material clínico das transcrições de casos atendidos, observações e supervisões dos encontros ocorridos em uma clínica-escola de uma universidade.

Uma Moldura para Olhar a Paisagem

Nesta modalidade de estágio, inicia-se a parte prática a fim de realizar uma triagem interventiva através de encontros com os responsáveis pelas crianças. Realizam-se entrevistas (história clínica e anamnese) com o objetivo de investigar a demanda psicológica juntamente com os pais. A partir da triagem interventiva, compõe-se o grupo que participará semanalmente do processo do Psicodiagnóstico Interventivo ao longo de doze encontros, intercalando-se encontros grupais com as crianças e encontros grupais com os pais dessas crianças.

No procedimento clínico do Psicodiagnóstico Interventivo a função não é funcionar como uma análise em seu modelo clássico, porém o fato de apresentar-se como uma avaliação em interface com a intervenção possibilita efeitos terapêuticos consequentes dessa abertura ao mundo interno. Uma das finalidades da análise em seu modelo clássico é a gradual modificação da excessiva severidade do superego, o que se consegue, em parte, no caso das crianças, pela interpretação dos papeis em brincadeiras e jogos e, no caso dos adultos, pela interpretação dos conteúdos vindos das associações livres. No caso do Psicodiagnóstico Interventivo busca-se uma comunicação do que se está vivendo. O trabalho do psicólogo é realizar intervenções e efetuar entrevistas devolutivas ao longo de todo o processo.

Quanto ao tipo de participação dos pais e da criança durante o processo de avaliação, enquanto no modelo tradicional é passiva (oferecem as informações ou respondem às solicitações do examinador), no modelo interventivo a participação é ativa, ou seja, os pais ou responsáveis e a criança são convidados a exporem suas visões sobre os motivos para a busca por atendimento e discutem as hipóteses propostas por estes e pelo psicólogo. O atendimento das crianças no modelo do Psicodiagnóstico Interventivo ocorre permeado por jogos, desenhos, pinturas, faz-de-conta, brincadeiras, pela interação com o grupo. Cada dupla de estagiários acompanhou um dos casos do grupo e fez as entrevistas com os pais. Existiram momentos em que a interação entre pares foi buscada e outros que as crianças preferiram brincar separadamente, a depender do funcionamento psíquico dela no “aqui e agora”.

Com relação ao trabalho com pais, além das entrevistas iniciais e da entrevista devolutiva final, os mesmos participaram de encontros que funcionaram como entrevistas devolutivas parciais com o objetivo de explorar as hipóteses levantadas e aumentar os seus possíveis efeitos terapêuticos (BECKER; DONATELLI; SANTIAGO, 2013). Os encontros foram grupais porém, nesse mesmo ambiente, ocorreram momentos em que a dupla de estagiários (destinada a acompanhar determinado caso no decorrer do processo) e os pais conversaram particularmente sobre a criança referida e sobre a família. Preconiza-se que o funcionamento grupal do Psicodiagnóstico Interventivo pode diminuir a sensação de isolamento vivido por algumas crianças e suas famílias diante das diversas queixas, favorecendo movimentos de identificação com o sofrimento de outros membros do grupo, diminuindo a impressão de estranheza e diferença que provocam a sensação de não ter saída, conferindo uma identidade grupal.

Sobre o trabalho com grupos, o psicanalista Wilfred Bion (1975) teceu colaborações importantes ao atendimento desta demanda, publicando um de seus primeiros trabalhos em Psicanálise a partir do enquadre grupal. Enquanto Freud compreendeu a formação de grupos a partir do estudo do paciente neurótico, Bion utilizou suas observações do paciente psicótico para compreender os fenômenos grupais, conceituando que o líder é criado pelo grupo, emerge das necessidades desse grupo. Propôs, posteriormente, a formação de grupos terapêuticos sem líder. Esse psicanalista contribuiu com conceitos originais acerca da dinâmica do campo grupal, iniciando sua experiência com grupos na ala de reabilitação de um hospital psiquiátrico militar. Além disso, apresentou importantes concepções para a Psicanálise Contemporânea referentes à gênese dos pensamentos e o “aparelho para pensar os pensamentos”, trouxe ampliação da teoria de Melanie Klein da identificação projetiva em termos de “continente-contido”, além de salientar elementos de análise dos grupos como as tensões intragrupais. Destacou o movimento do grupo em dois planos: o da intencionalidade consciente que Bion denominou “grupo de trabalho”, voltado para a execução de uma tarefa, e o grupo de “pressupostos básicos” que opera no plano inconsciente concernente às pulsões e fantasias inconscientes (ZIMERMAN, 1999).

Primeiras Experiências Clínicas: um Início para Nascer

Trata-se de um estudo teórico-clínico que utilizou as transcrições do material oriundo das sessões de avaliação/intervenção do processo do Psicodiagnóstico Interventivo, além das observações de sala e supervisões. Nesse estudo, abordaremos dois dos seis casos atendidos no grupo do estágio. As sessões ocorreram em uma clínica-escola de uma universidade do interior paulista. O serviço de Psicologia da universidade referida atende gratuitamente crianças, adolescentes, adultos e famílias que buscam ajuda psicológica. As crianças e suas famílias inserem-se no serviço através do Psicodiagnóstico Interventivo que ocorre em grupos. Posteriormente, quando necessário, são encaminhadas para atendimentos psicoterapêuticos e ludoterápicos individualizados e de família.

O grupo composto tinha seis crianças com idade entre oito e nove anos. Nesses encontros contava-se com uma caixa com brinquedos e jogos de uso comum, além de uma pasta com material gráfico para cada criança. A sala de trabalho era adequada, com iluminação e ventilação suficientes. Foram realizadas 12 sessões, intercalando-se encontros com a criança e entrevistas devolutivas parciais com os pais.

As queixas apresentadas no grupo, de maneira geral, concerniam a dificuldades de aprendizagem, problemas de relacionamento das crianças com os pais e na escola, e problemas de ansiedade. Os dois casos referidos nesse estudo apresentavam queixas relacionadas ao ambiente escolar: dificuldade de aprendizagem e problemas na interação com pares. Segundo Souza e Mosman (2014), os professores são responsáveis pelo maior número de encaminhamentos de crianças para psicoterapia quando identificam diversas dificuldades nos alunos, principalmente problemas de aprendizagem. Igualmente, a observação pelos professores de comportamentos agressivos e dificuldades de relacionamento interpessoal e de atenção também promovem a sugestão de encaminhamento à psicoterapia.

No primeiro caso, identificado como B., a mãe procurou a clínica-escola preocupada com a dificuldade da filha de aprender a ler e escrever. A menina teve um desenvolvimento normal, embora a mãe salientasse problemas na alimentação (apresentava-se seletiva, preferindo alimentos facilmente digeríveis) e sono (dificuldade para dormir sozinha). A escola considerava que B. não apresentava o desempenho esperado na leitura, apresentando dificuldade na memorização das palavras. Relato materno informou sobre a separação recente do casal parental e essa temática fez-se presente nos desenhos e brincadeiras de B.. A dificuldade com a separação mãe-filha também surgiu na entrevista, além dos dados referentes à alimentação e sono, relatou-se que a menina teve problemas na adaptação à escolinhas, sendo essa adaptação interrompida retornando ao contexto escolar anos depois. Segundo Marcelli e Cohen (2010, p. 305), a ansiedade de separação frequentemente ocorre bem além do período habitual (dos dois aos quatro anos) e “[...] é uma das queixas mais comuns nas situações de recusa escolar na criança ”, apresentando-se comportamentos de isolamento e fracasso dos resultados escolares.

Observou-se que as primeiras brincadeiras da menina nas sessões tratavam de temas relacionados à separação, especialmente da figura materna. Observou-se a necessidade de a menina certificar-se da presença da mãe na clínica no decorrer das sessões. De forma semelhante, passou a se ligar aos estagiários com uma transferência positiva, trazendo-os para perto de si, mais do que em contato com seus pares no grupo. De acordo com Ferro (2011, p. 16) “[...] a transferência pode ser entendida como a abertura daquele canal comunicativo que permite o trânsito de projeteis na mente do outro, onde pode ter início o processo de transformação e de alfabetização destes ‘projeteis’, e podemos dizer também, de explosão contida.” Preconiza que na mente do analista também pode haver um boicote devido à intensidade de emoções vividas no processo transferencial, que aparece sob a forma de utilização de teorias inadequadas “[...] como filtro em relação ao acolhimento do que o paciente gostaria de comunicar.” (FERRO, 2011, p. 17).

Embora tenha-se observado o envolvimento dos estagiários com o caso, percebeu-se certa ansiedade dos estudantes a fim de obterem dados da vida escolar de B. relacionados à queixa da dificuldade de aprendizagem. Quando não obtinham respostas da menina referidas ao problema escolar, mostravam-se inseguros durante a supervisão, concluindo que não conseguiriam encontrar a causa do problema e nem ajudar a menina. Quando faziam perguntas relacionadas à queixa, B. pedia para mudar a brincadeira, demonstrando seu desconforto. A supervisão buscou ajudar os estagiários nesse movimento contratransferencial de apreensão e impotência frente ao caso, cujas atuações expressavam-se nas muitas perguntas que faziam. Um conceito que pode ser pensado nesse sentido é o desenvolvimento da capacidade negativa, conforme citado anteriormente (BION, 1993). Trata-se da capacidade de permanecer em um estado de dúvidas e incertezas que surge na experiência emocional do analista com seu paciente, sendo que quando é possível suportar a regularidade das incertezas, evita-se correr ou apressar a formação de significados.

Observou-se a dificuldade dos estagiários de saírem da linearidade causa-efeito. Além disso, não pareciam sentir-se bons aprendizes, assim como B. Desta maneira, buscou-se auxiliar na reflexão de que a experiência emocional vivida juntamente com a menina ajudaria na obtenção de outras informações importantes para o estabelecimento de uma aliança de trabalho. Segundo Zimerman (2005, p. 178), o paciente e o analista não podem estar fundidos, apenas através “[...] de uma distância adequada que será propiciada a possibilidade de ambos fazerem correlações e confrontações entre os recíprocos vértices, assim atingindo ao que Bion chama de visão binocular”, referindo-se às comunicações inconscientes intersubjetivas ocorridas nas sessões em grupo. Dessa forma, as possibilidades de crescimento mental e contato com o todo aumentam. Se a visão é unilateral, torna-se estática e impede o desenvolvimento psíquico.

Freud (2013) fez menção ao fenômeno da contratransferência pela primeira vez em 1910 empregando o termo transferência recíproca inicialmente. Ele utilizou tal termo para referir-se à resistência inconsciente do analista como um obstáculo que o impedia de ajudar o paciente a enfrentar áreas da psicopatologia que ele próprio não conseguia fazer frente. A contratransferência é “[...] o conjunto das manifestações do inconsciente do analista relacionadas com as da transferência de seu paciente.” (ROUDINESCO, 1998, p. 133) Primeiramente tomada como um obstáculo ao processo terapêutico, tal qual foi postulada a transferência quando descoberta, a constratransferência ganhou com os teóricos contemporâneos um lugar importante dentro do processo analítico, especialmente referindo-se a ela como uma forma de comunicação primitiva do paciente (ZAMBELLI et al., 2013), sendo que o analista fica sensível aos aspectos não-verbais das comunicações deste.

A situação apresentada criou oportunidade de discussão durante a supervisão sobre o tema da transferência e contraransferência, resistência, dentre outros, partindo das vivências ocorridas nessa experiência inicial (GUIMARÃES; FANTINI, 2013). Outros estagiários identificaram-se com os questionamentos trazidos pela dupla que atendia B., o grupo tomou posse dos pensamentos daquela dupla. Outros manifestaram sua ansiedade em procurar respostas, em um movimento semelhante ao que alguns pais traziam nas devolutivas parciais quando perguntavam como deveriam agir. Portanto, a demanda da dupla foi acolhida pelo grupo de estagiários, ocorrendo identificações, e a temática passou a ser estudada em conjunto, configurando-se esse grupo de alunos como um “grupo trabalho”.

Sobre a possibilidade de dar abrigo àquilo que o paciente está vivenciando, vale citar Assis (2010) que analisou a hospitalidade no encontro analítico. Segundo a autora, a cada movimento da sessão analítica estamos sujeitos “[...] a oferecer ou não hospitalidade aos encontros que se nos apresentam.” (ASSIS, 2010, p. 120) Existem vários fatores que entram em jogo nessa “[...] composição do abrigo possível, em cada situação específica”, sendo que a autora considera que o mais importante para o paciente seja “[...] a condição do analista de estar receptivo às identificações projetivas do analisando.” (ASSIS, 2010, p. 120-121) De acordo com Joseph (1991), Melanie Klein introduziu o conceito de identificação projetiva ao tratar dos aspectos primitivos do desenvolvimento mental infantil. Em um período inicial, vivemos uma constelação de relações de objeto, de ansiedades, de defesas contra essas ansiedades persecutórias inconscientes, que tendem a atenuar-se conforme recebemos os cuidados e atenção. De acordo com a teoria de Klein, em algumas pessoas tais ansiedades persistem por toda a vida. O bebê sente a necessidade de afastar tais ansiedades e impulsos projetando-os para dentro de um objeto, que é então sentido ou identificado como portador dessas partes escindidas, o que colore a percepção que o bebê tem do objeto e sua subsequente introjeção. Bion (1967) ampliou o conceito de identificação projetiva referindo-se a um método de comunicação primitiva. Essa reflexão levou o grupo de alunos ao estudo e investigação desse mecanismo de defesa primitivo nas interações com as crianças e os pais.

Nas entrevistas devolutivas com a mãe de B., a dupla de estagiários percebeu algumas semelhanças entre a menina e sua mãe que relatou também ter tido dificuldades para aprender. Ela falou de seus sentimentos em relação ao assunto, por exemplo, sua frustração por ainda não ter cursado o ensino superior. Osti e Sei (2016) assinalaram que é comum acontecer casos em que, ao questionar e ao tocar no sintoma do filho, pode ocorrer uma desestabilidade nos pais e estes, sentindo-se ameaçados, interromperem o trabalho. Deste modo, justifica-se a adoção no modelo do Psicodiagnóstico Interventivo de uma participação ativa da família no processo. O contato frequente com a mãe trouxe maior confiança no trabalho realizado e ajudou a manter o vínculo da família com a clínica. B. começou a interagir um pouco mais com as outras crianças do grupo, demonstrando ampliação da demanda inicial que começou a ser reconhecida através dos contatos com os estagiários e com o grupo.

Houve outra criança que também se apresentava tímida e reservada no início do trabalho. A queixa principal que levou os pais do menino a buscarem ajuda na clínica-escola foi de agressividade e ansiedade em casa, quando passava a comer excessivamente. Na escola, mantinha-se passivo com brincadeiras e agressões dos colegas. Ao longo dos encontros observou-se que I., um menino grande e forte, falava muito baixo, “sem voz” para se manifestar. A mãe relatou ter vivido muitas preocupações durante a gestação devido às dificuldades econômicas do casal que chegou a separar-se em um momento. I. foi amamentado durante pouco tempo, a mãe reclamava da alimentação dele atualmente, mostrando que ela mesma se via impotente diante desse tema. A morte recente da avó materna que cuidava de I. provocou uma série de mudanças na vida da família e acentuou os conflitos do menino. Ele começou a ter dificuldades para dormir, tinha sonhos com a avó. No decorrer das devolutivas parciais, a dupla de estagiários conversou com os pais sobre o desejo que eles mostravam de mudarem o filho de escola. Os pais também relatavam dificuldade de abrir um espaço de escuta das necessidades do menino em casa. Acreditavam que as agressões dos colegas estavam atrapalhando seu rendimento escolar. Nas observações lúdicas, notou-se um aumento gradativo de interações tanto com os estagiários quanto com as demais crianças, quando I. começou a falar. Nos jogos, preferia criar suas próprias regras a seguir as regras comuns estabelecidas, mostrando necessidade de controle, o conteúdo de suas histórias era de agressividade e competição.

Os estagiários viam-se na ânsia de que o menino conseguisse falar e ser ouvido, buscavam compreender as palavras ditas por I., ocupavam muitas vezes o papel de tradutores quando o menino cochichava e não podia ser ouvido no grupo. Ele utilizava a voz dos estagiários para fazer-se ouvir e escutar-se, tal qual o ego em formação necessita de um ego auxiliar para nascer e integrar-se. As observações, análises e o contato dos estagiários com I. indicavam que ele tinha recursos psíquicos que não conseguia utilizar para seu desenvolvimento emocional tampouco para as interações com os pares. A dificuldade de elaboração do luto vivido pela morte da avó e as ansiedades persecutórias consequentes da projeção da agressividade do menino faziam-no sentir-se observado e avaliado, provocando a voracidade relacionada à alimentação. Tais temas surgiam nas supervisões estendendo ao grupo de estagiários a discussão desses aspectos.

Finalmente, no modelo tradicional do Psicodiagnóstico, a sessão destinada à devolução dos resultados tem o intuito principalmente informativo, embora nela possam sobrevir, de maneira involuntária, efeitos terapêuticos (BARBIERI, 2010). A devolutiva final no Psicodiagnóstico Interventivo com os pais visou apresentar aos mesmos as considerações possíveis de serem feitas a partir de todo o material colhido sob a forma de um Relatório Psicológico que seguiu as orientações do Conselho de Psicologia. Esse relatório foi lido em conjunto com os pais para levarem consigo. A devolutiva para a criança foi realizada mediante o uso de um livro de histórias resultante da compreensão de todo o trabalho realizado nesse processo.

Percebeu-se em ambos casos, a questão da oralidade, sendo que no primeiro caso de B., a menina manifestava o comportamento de evitar a alimentação, como se evitasse as emoções (FERRO, 2011), como se evitasse precisar das introjeções dos bons objetos ofertados pela mãe. No segundo caso, I. manifestava voracidade, não capaz de satisfazer-se e valorizar o que recebia, reclamando um cuidado que não era sentido, alimentando-se excessivamente. Ao defrontar-se com as temáticas dos lutos e separações, o grupo de estagiários, de maneira geral, também sentiu-se inicialmente sem os elementos suficientes para viver as emoções com os pacientes.

Dentre as várias possibilidades de interpretação dessas situações, procurou-se traçar um caminho de busca de uma verdade possível. Contudo, essa busca foi mudando de paradigma, sendo baseada primeiro no modelo da causalidade. Ferro (2011) cita um dos últimos trabalhos de Bion (2017) publicados, os Seminários na Clínica Tavistock, em que menciona a inércia das teorizações psicanalíticas que define como “parafrenias” que intentam “permitir que nos agarremos a algo, pelo medo que temos do nosso reduzidíssimo saber: as nossas teorias são frequentemente, uma espécie de balsa para não afogar na angústia” (FERRO, 2005, p. 17).

O espaço e o tempo da supervisão buscaram acompanhar os estagiários na metabolização das experiências emocionais que provocavam angústias e precisavam ser digeridas e pensadas. Compreende-se que a supervisão funcionou como espaço de holding, assim como foi salientado por Ribeiro, Tachibana e Aiello-Vaisberg (2008) e por Sei e Paiva (2011). Nesse encontro inicial com a investigação e intervenção clínica, ocupando a posição do profissional de saúde, os estudantes tiveram a oportunidade de aprimorar observações, interligar conhecimentos teórico-técnicos com a prática, construir reflexões sobre a postura profissional e a atitude clínica. Sobretudo, foi-lhes oferecida a oportunidade de pensar as demandas atuais através da relação construída com os pacientes e seus pais, e das interações presentes no campo grupal. Buscou-se olhar para o compromisso e envolvimento do aluno com os casos atendidos, a compreensão da demanda psicológica e a análise científica e investigativa durante o processo.

Considerações Finais

O presente estudo trouxe algumas reflexões realizadas a partir do atendimento de crianças e seus pais na modalidade de avaliação/intervenção do Psicodiagnóstico Interventivo, a partir do olhar psicanalítico, sendo abordados nesse estudo dois casos. Observou-se uma insegurança inicial vivida pelos estagiários e pacientes diante do encontro com as diversidades e familiaridades, com posterior construção de vínculos dentro desse grupo e maior envolvimento dos pais nas dificuldades das crianças.

A emergência dos conflitos referentes aos casos atendidos juntamente com as questões familiares mostrou a complexidade das situações enfrentadas no trabalho clínico e as amplas possibilidades quando se tem um espaço de comunicação ampliado à família. No espaço da supervisão foi possível conversar com os estagiários sobre suas experiências no atendimento. A transferência e contratransferência foram temas trazidos pelo supervisor de maneira a ajudar os estagiários a discriminarem os vários processos em interação no momento do atendimento. Acredita-se que esse espaço serviu de sustentação, e não elaboração, das turbulências vividas na experiência clínica. Enfatiza-se que a vivência prática mobiliza angústias que tornam a análise pessoal fundamental à metabolização dessas experiências emocionais possibilitando a construção da atitude clínica no estagiário de Psicologia.

De forma geral, nas entrevistas devolutivas finais com os pais foi possível mostrar a necessidade de uma continuidade no trabalho, através de encaminhamentos, principalmente à ludoterapia. Aos estagiários, foi necessário realizar um percurso pelos seus próprios modelos e referências de vida e família, refletindo sobre a realidade do caso atendido a partir do referencial histórico e cultural do outro. Puderam exercitar o raciocínio clínico, tiveram oportunidade de comporem um paciente e sua família internamente, não apenas nos aspectos que puderam ser observados. Ocorreram ocasiões favoráveis ao reconhecimento de fenômenos psicológicos, que solicitou tolerância às incertezas vividas no “aqui e agora” com essa população. O encontro com o grupo de crianças e com o grupo de pais permitiu aos estagiários a interligação de conhecimentos teórico-técnicos com a prática, trazendo reflexões sobre a postura profissional diante dos casos atendidos e a formação de uma atitude clínica.

Cada caso trouxe questionamentos específicos que exigiram uma pesquisa teórica buscando subsídios para o entendimento da demanda. Em decorrência, intervenções psicológicas começaram a ser planejadas e implementadas. Através da supervisão, essa prática em construção pode ser submetida a um questionamento crítico e reflexivo, a partir do olhar e escuta atentos do supervisor. A função do supervisor mostrou-se peça importante na busca de despertar no aluno uma postura ética com o outro, tanto nas atitudes quanto na adequação da escrita dos relatórios. Todavia, compreende-se as limitações do processo que não tem por objetivo esgotar o atendimento às necessidades das crianças e famílias, sendo um passo inicial ao esclarecimento das demandas do sujeito contemporâneo.

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Tramitação

Recebido em: 26 ago. 2018

Aceito em: 06 dez. 2108

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