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Avaliação Psicológica
Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431
Aval. psicol. vol.7 no.3 Porto Alegre Dec. 2008
ARTIGOS
Estudo de validação do Inventário de Perspectiva de Tempo do Zimbardo
Zimbardo time perspective inventory validation study
Umbelina do Rego LeiteI, *; Luiz PasqualiII, **
I Universidade do Rio Verde
II Universidade de Brasília
RESUMO
Dois estudos, usando amostras brasileiras, foram conduzidos para contribuir para validação do Zimbardo Time Perspective Inventory - ZTPI no Brasil. No estudo 1, 528 universitários, idade média de 19,8 (DP = 1,8), sendo 51,9 % homens, responderam a uma versão traduzida na íntegra do ZTPI. Já, no estudo 2, com 1.047 participantes, idade média de 25,11 (DP = 9,62) anos, sendo 61,8 % mulheres, foi utilizada uma versão do ZTPI adaptada. Foi atestada a estabilidade da estrutura dos construtos medidos pelo ZTPI em cinco subescalas apreciavelmente idênticas nas duas amostras deste estudo e na original, identificando a perspectiva temporal como um construto válido na cultura brasileira. Propõem-se duas versões para o ZTPI, uma na íntegra e outra com adaptações substanciais, podendo estas serem reexaminadas e utilizadas em uma das duas formas em futuras pesquisas. São discutidas as áreas de investigação, aplicação e a conceituação do construto, principalmente, presente e futuro.
Palavras-chave: ZTPI, Perspectiva de tempo, Análise dos componentes principais, Psicometria.
ABSTRACT
Two studies using Brazilian samples were conducted to contribute to the validation of the Zimbardo Time Perspective Inventory - ZTPI for Brazil. The first study worked with 1528 college students, with average age of 19.8 years (SD= 1.8), that answered a translated version of the ZTPI, 51.9 % of which were male. The second study worked with 1047 subjects, with average age of 25.11 years (SD = 9.62), 61.8 % of which were female, that answered an adapted version. The stability of the structure of the five constructs measured by the ZTPI was estimated identical among the two samples and the original study. These studies identified the temporal perspective as a valid construct in the Brazilian culture. Two versions of the ZTPI are proposed: an integral version and a substantially adapted version, both of which could be used as they are, or be reexamined in future studies. We discuss the areas of investigation, application and conceptualization of constructs, mainly, those of present and future.
Keywords: ZTPI, Time perspective, Principal component analysis, Psychometrics.
Introdução
O tempo foi uma das primeiras questões investigadas na psicologia. Com a tradição da psicofísica, assumiu-se que a capacidade da percepção do tempo, por analogia a outros sentidos, apreenderia a duração do mesmo como um objeto ou estímulo (James, 1890/1950; Fraisse, 1963; 1984; Grondin, 2001). Wundt (1886, citado por James, 1890/1950) demonstrou que a simples repetição do som é suficiente para prover todos os elementos para a percepção do tempo. A percepção de tempo é então concebida como a percepção de sucessão e duração de eventos, envolvendo particularidades do processo perceptivo humano (Fraisse, 1963, 1984).
A percepção de tempo, como explicitado na vida diária em muitas culturas, é realizada em três quadros temporais: passado, presente e futuro. O tempo presente é experienciado no aqui e agora, o sujeito é consciente de sua existência durante o momento em que está vivendo, enquanto percebe o mundo e tem controle direto sobre ele. William James (1890/1950) propôs que o presente é a relação temporal criada entre os eventos sensoriais como acontecendo agora; o passado como elaborado graças à memória; e o futuro, um grupo de expectativas sobre eventos a vir. Mas, James também afirma que o presente é uma abstração ideal, nunca realizada. O passado surge não por uma qualidade intrínseca do evento ocorrido, mas pela associação feita a outros eventos, os quais foram codificados na memória como passado. O senso de futuro é a base conceitual para ações que procuram adiamento de gratificação, baseada na regularidade de eventos passados. Decerto, estudos de Damásio (2002) realizados com pacientes portadores de lesão cerebral apontam a habilidade de formar memória como uma parte indispensável para a construção do tempo e da cronologia.
Kurt Lewin (1951/1967), na teoria do espaço vital, concebe que o tempo não está limitado ao que se considera a situação presente, são incluídos o futuro, o presente e também o passado. As ações e emoções de uma pessoa, em um dado momento, dependem de sua perspectiva de tempo total. Os quadros temporais passado, presente e futuro são utilizados para codificar, armazenar e recordar eventos, como também para formar expectativas, metas e possíveis enredos. O impacto do futuro e dos eventos passados no comportamento presente é compreendido na medida em que eles estão presentes no raciocínio, no nível cognitivo do funcionamento comportamental, fato também evidenciado por autores como Kastenbaum (1973), Carstensen, Isaacowitz e Charles (1999). Para eles, a orientação e a direção preferencial dos pensamentos e ações de uma pessoa em relação ao passado, ao presente, ou ao futuro tem uma influência dinâmica nos seus julgamentos, decisões e ações. A percepção que as pessoas têm da extensão do tempo futuro ou da importância do passado exerce um papel importante no comportamento atual e também gera implicações para emoção, cognição e motivação. Este aspecto do tempo é denominado perspectiva temporal (PT).
A PT como primeiramente evidenciada por Kurt Lewin (1951/1967), é definida por ele como a "totality of the individual's view of his psychological future and psychological past existing at a given time"1 (p. 75). O conceito que Zimbardo e Boyd (1999) propuseram propôs, complementa o anterior. Para ele PT é "a nonconscious process whereby the continual flow of personal and social experiences are assigned to temporal categories, or time frames, that help to give order, coherence and meaning to those events"2 (p. 1271) . A despeito das propostas de conceituação, Van der Linde (2005) argumenta que não há um entendimento a respeito da natureza e da dimensão da PT, sendo esta uma questão necessária de ser esclarecida para um melhor entendimento do conceito. A PT, às vezes, é identificada como uma motivação, uma característica da personalidade ou um esquema cognitivo.
Os autores que apontam a PT como uma motivação, afirmam que a pessoa, quando se depara com uma necessidade, irá projetar no futuro e categorizá-la dentro da categoria de antecipação. Essa antecipação, que satisfará a necessidade, é um importante aspecto que influencia a motivação do indivíduo em prosseguir com certos objetivos e atividades (De Volder & Lens, 1982). Seijts (1998) afirma que a PT é uma estrutura cognitiva e não uma disposição, tal como uma característica de personalidade. Van der Linde (2005) conceitua a PT como uma estrutura cognitiva multidimensional que influencia a motivação e a personalidade do indivíduo, e determina como este vê o tempo. Essa idéia é corroborada por Lennings, Burns e Cooney (1998), que afirmam que a PT é um importante construto subjacente à personalidade, à tomada de decisão e ao planejamento.
Jackson (2006) advoga a PT como parte da personalidade, entendendo esta como sendo uma união de todas as respostas naturais e aprendidas do indivíduo. Como as pessoas diferem em relação à personalidade, também diferem em termos de suas perspectivas de tempo, sendo esta diferença um dos principais fatores em comportamentos de resolução de problemas e na construção de crenças em geral (Jackson, 2006). No entanto, a PT não é considerada um aspecto estático da personalidade (Fingerman & Perlmutter, 1995).
Este artigo utiliza Zimbardo e Boyd (1999) como base teórica e empírica, e estes concebem a PT como determinada pela situação e como um processo de diferença individual relativamente estável. Os referidos autores postulam que a tendência da pessoa a desenvolver uma ênfase exagerada, em uma das três zonas temporais, quando toma uma decisão, serve como um viés cognitivo temporal em direção ao passado, futuro ou presente. Quando cronicamente eliciado, essa tendenciosidade se torna um estilo disposicional ou uma variável de diferença individual, que é preditivo de como a pessoa irá responder a muitos eventos diários.
A PT tem sido relacionada a uma gama de construtos psicológicos. O que nos primeiros estudos havia acontecido de forma simplificada, enfocando um só aspecto, a PT de futuro, por exemplo, os estudos de Geiwitz (1965) e Lessing (1968), não lidando com a complexidade do construto, mais recentemente, foi descrito em variações de dimensões temporais. E este foi o trabalho de Phillip Zimbardo (e.g. Zimbardo & Boyd, 1999) que, com seu programa de pesquisa multiestudos sobre PT, tem diminuído esta lacuna e colocado o tempo mais próximo da corrente principal da psicologia contemporânea. Como modelo teórico, Zimbardo segue a tradição Lewiniana e adota o conceito de Hall (1983) como um processo de funcionamento individual e societal. Uma das contribuições de Zimbardo é a proposição de cinco construtos da PT: passado-negativo, passado-positivo, presente-fatalista, presente-hedonista e futuro (Zimbardo & Boyd, 1999; Zimbardo, 2008), detalhados a seguir.
A dimensão temporal do passado representa uma influência dominante para algumas pessoas - positivo ou negativo, real ou distorcido - e pode afetar a interpretação e a resposta para uma decisão presente. O passado-negativo reflete uma visão geralmente negativa, pessimista e aversiva em relação ao passado. Essa atitude negativa em relação ao passado pode ser conseqüência de eventos atuais que foram experienciados como traumáticos ou desagradáveis, ou da reconstrução negativa de eventos passados, sendo mais freqüente a mistura de ambos. Uma pessoa que tem uma atitude predominantemente passado-negativa pode se encontrar freqüentemente ruminando experiências passadas desagradáveis e revivendo uma decepção ou um trauma. Pessoas com uma atitude passado-positiva também tendem a refletir experiências passadas, porém, em contraste com a atitude passado-negativa, essa tendência gera sentimentos de calor e sentimentalidade.
As pessoas com a PT no presente são imediatistas e tendem a acreditar que comportamentos de hoje não afetam a probabilidade de conseguir objetivos no futuro. No presente-fatalista a atitude reflete uma posição predominantemente desamparada e desesperada para vida e o futuro. Pessoas que pensam dessa maneira freqüentemente se sentem sem controle das situações. O presente-hedonista é caracterizado por uma pessoa que vive para o momento e que apresenta tomada de risco e comportamentos hedonistas. Sugere uma orientação para o prazer do presente de tal extensão que mostra pouca preocupação por conseqüências futuras.
Por fim, as pessoas que a PT está no futuro são voltadas a alcançar metas futuras e recompensas. Essa atitude é associada a um foco no futuro em que a situação presente é contemplada em termos de conseqüências futuras. Na PT no futuro, a pessoa acredita que comportamentos realizados no presente irão aumentar a probabilidade de uma meta futura a ser alcançada, por isso dão mais valor a metas com possibilidade de serem alcançadas no futuro.
Uma PT ideal é equilibrada entre as orientações temporais e permite transições flexíveis que se adéquam às diferentes situações (Zimbardo, Boyd & Keough, 1999; Boniwell, 2005). Quando uma orientação específica é mais usada em detrimento das outras, a pessoa pode se tornar "tendenciosa" na sua PT. Por exemplo, pessoas predominantemente orientadas para o presente podem desfrutar melhor o momento, mas podem ter problemas com situações em que a gratificação é retardada, e também com planejamento realístico de suas metas. As pessoas com alta orientação para o futuro conseguem alocar seu tempo para obrigações a longo prazo, mas, por outro lado, podem ser inclinadas a sacrificar as alegrias presentes e as satisfações da vida. Enfim, pessoas orientadas para o passado são capazes de apreciar e honrar obrigações e responsabilidades, mas podem ser rígidas quando enfrentam mudanças (Zimbardo, 2002). Com esse entendimento, pode-se vislumbrar um dos potenciais práticos da investigação da PT. Compreendendo e mudando o foco da PT, mudam-se emoções, cognições e comportamento e, assim, pode-se apreciar o passado, planejar o futuro e desfrutar o presente (Zimbardo & Boyd, 2008).
Desenvolvimento de Medidas de Perspectiva de Tempo (PT)
O desenvolvimento de um corpo teórico de conhecimento necessita do desenvolvimento de medidas práticas, válidas e confiáveis. Pesquisadores interessados em estudos da PT desenvolveram várias técnicas de medidas. As primeiras medidas relatadas na literatura são mais indiretas, como um método metafórico em que os participantes selecionam círculos de diferentes tamanhos para representar o passado, o presente e o futuro. A forma como os círculos são arranjados é um padrão para representar o senso de relação entre esses períodos de tempo (Cottle, 1967, citado por Fingerman & Perlmutter, 1995). A tarefa de completar histórias e o Teste de Apercepção Temática (TAT) também têm sido usados (Kornfeld & Marshall, 1987). Na técnica de completar frases, os respondentes expressam suas aspirações e metas, que são classificadas de acordo com a extensão temporal e seu conteúdo motivacional (Bouffard, Bastin & Lapierre, 1996). Várias críticas são feitas a essas técnicas, principalmente às medidas indiretas que criam uma PT futuro mais curta para respondentes mais velhos e envolve alta demanda mental.
Medidas mais diretas, como a técnica do Teste de Eventos, requerem que o respondente liste dez eventos futuros e a idade em que espera que aconteçam. A média da diferença da idade do respondente e da idade dos dez eventos é o escore da PT futuro (Wallace, 1956, citado por Lessing, 1968). Em uma técnica similar a anterior, Lennings (1991, 1992) propôs o Time Perspective Questionnaire, que, além do futuro, a medida de perspectiva de passado foi introduzida, listando dez eventos que aconteceram no passado. Outra medida, a Consideration of Future Consequences Scale - CFC (Stratman, Gleicher & Edwards, 1994) avalia a diferença no grau no qual as pessoas consideram as conseqüências imediatas versus as futuras de um comportamento. A CFC consiste em doze declarações, tais como "Eu só ajo para satisfazer preocupações imediatas, porque o futuro cuidará de si mesmo". No Time Reference Inventory, os respondentes designam os rótulos: passado, presente e futuro a uma variedade de eventos da vida (Strumpf, 1987). Shirai (1994) construiu a Experiential Time Perspective Scale, que mede os três quadros temporais: passado, presente e futuro. A escala mede dois aspectos do futuro, denominadas: hopefulness (esperança) e goal-directedness (orientação para metas).
Os trabalhos de Zimbardo deram um grande impulso para o crescimento da área, tendo como marco o desenvolvimento do Zimbardo Time Perspective Inventory - ZTPI, construída nos Estados Unidos da América, que contempla os cinco aspectos da perspectiva temporal: passado-negativo, passado-positivo, presente-hedonista, presente-fatalista e futuro. O ZTPI tem a vantagem de apresentar definições operacionais e ter suas qualidades psicométricas testadas, mostrando-se uma medida objetiva e robusta. Esse foi primeiramente testado em uma amostra de doze mil respondentes da revista Psychology Today (Gonzales & Zimbardo, 1985). Ainda denominado, Stanford Time Perspective Inventory - STPI é um teste de 38 itens distribuídos nos fatores da versão atual e mais um fator de urgência de tempo. Após mais de uma década de uso e revisões, os autores chegaram à versão atual, com 56 itens que representam proposições sobre crenças, preferências e valores de experiências temporais (Zimbardo & Boyd, 1999).
As propriedades psicométricas do STPI - inventário precursor do ZTPI - foram examinadas por Lennings (2000), que encontrou suporte para o uso da subescala orientação para o futuro e orientação para o passado, apesar da última apresentar baixa fidedignidade. O autor não encontrou suporte para os dois tipos de PT presente, somente para o hedonista. O fator urgência de tempo não teve fidedignidade satisfatória, sendo recomendada sua retirada. O que é consistente com os trabalhos subseqüentes de Zimbardo, visto que o ZTPI já não apresenta esse fator. Worrell e Mello (2007) examinaram a validade estrutural e concorrente do ZTPI em uma amostra de 815 adolescentes talentosos. Os parâmetros psicométricos foram de baixo a moderado. A análise fatorial exploratória mostrou a estrutura de cinco fatores, mas também proveu suporte para uma estrutura de seis fatores, partindo o fator futuro, incluindo um fator adicional refletindo sentimentos negativos em relação ao futuro, e outro de futuro positivo, que foi utilizado pelos autores e que é consistente com os primeiros estudos de Zimbardo com o SPTI (Gonzalez & Zimbardo, 1985), em que o futuro se decompôs em várias subescalas.
O ZTPI já teve adaptações em diferentes línguas e culturas. D'Alessio, Guarino, De Pascalis e Zimbardo (2003) avaliaram as propriedades psicométricas do SPTI em uma amostra italiana, encontrando boa consistência interna e características psicométricas comprovadas para três fatores: presente-fatalista, presente-hedonista e futuro. Porém não comprovaram o passado como um fator na estrutura do teste. O ZTPI foi validado para a língua francesa (Apostolidis & Fieulaine, 2004), sendo atestada a sua estabilidade e confiabilidade, e somente dois itens saíram e três migraram. O ZTPI foi utilizado em vários estudos no contexto sul-africano, e em um desses estudos, Athawale (2004) encontrou coeficientes alfas semelhantes ao original. Em contraste, os coeficientes alfas determinados no estudo de Van der Linde (2005) foram relativamente baixos, fator que pode ser explicado em parte pela diferença da amostra ou pela utilização de uma adaptação para Sesoetho, causando algumas diferenças semânticas. Morales (2006) validou o ZTPI, em uma amostra de 756 adultos espanhóis, mostrando a estrutura fatorial de cinco componentes, similar às análises do inventário original, com uma pequena diferença na composição do presente-fatalista.
Duas versões de língua portuguesa para cultura brasileira do ZTPI foram recentemente publicadas. Oliveira e Pinheiro (2007) relatam um estudo de validação do ZTPI em uma amostra de 457 motoristas de ônibus brasileiros, encontrando dificuldades em validar a escala para a cultura brasileira. As principais dificuldades foram inadequação semântica e falta de consistência interna dos itens, sendo necessária a eliminação de 20 itens, e a não-comprovação da estrutura em cinco dimensões: gerando somente um fator presente. Essas dificuldades são explicadas pelos autores como resultante das diferenças cultural e econômica da amostra utilizada, motoristas de ônibus do nordeste brasileiro, com a original norte-americana, universitários. Já Milfont, Andrade, Belo e Pessoa (no prelo), com uma amostra de 247 universitários brasileiros, encontraram a estrutura de cinco dimensões, ou subescalas. Os autores também encontraram baixos índices psicométricos e eliminaram 18 itens, recomendando o uso de uma versão com 38 itens.
Estudos de Perspectivas de Tempo (PT)
A PT é uma variável que tem gerado muito interesse em diversas áreas. Os primeiros estudos de PT, porém, exploravam as dimensões isoladamente. Com a elaboração do ZTPI, a PT passou a ser investigada como um construto multifacetado com grande avanço nas pesquisas. A revisão dos estudos mostra o ZTPI como um marco, sendo que depois da sua construção, tem sido amplamente utilizado. Com uma pesquisa, no site de busca Google, em 8 de janeiro de 2008, obteve-se 427 entradas para "Zimbardo Time Perspective Inventory". Com a mesma pesquisa em 30 de agosto de 2008, obteve-se 1.160 entradas, mostrando a grande aceitação e o crescente interesse pelo instrumento.
A PT futuro foi a que mais importância e atenção foram atribuídas desde os primeiros estudos, tendo ainda enfoque nos dias atuais. Geiwitz (1965) relacionou a PT futuro com a estimativa de tempo, encontrando que quanto mais extensa a PT no futuro, mais a pessoa superestima um intervalo temporal presente. No estudo de Lessing (1968), sempre que alguma relação significativa foi encontrada entre PT futuro e outras variáveis, a PT futuro mais longa foi associada a atributos psicossociais mais favoráveis como: inteligência, sucesso acadêmico, status socioeconômico e personalidade bem adaptada.
Lennings (1991) mostrou que as pessoas impulsivas tendem a subestimar o tempo - o tempo parece passar devagar - e a ter uma PT de futuro mais curta. Ele também encontrou que a busca de sensação se correlacionou com uma PT de presente. Lennings (1994a) apresenta um modelo que ressalta a importância das distorções da PT para o comportamento suicida. Athawale (2004) encontrou que a PT futuro era a orientação de tempo mais dominante entre um grupo de adolescentes de culturas diferentes, e que gênero, estado socioeconômico e cultura não são preditores de PT.
A PT futuro é relacionada à maximização do sucesso acadêmico de estudantes no ensino superior (De Volder & Lens,1982; Lennings, 1994b; Lennings, 1997; Harshbarger, 1998). A subescala de PT futuro foi associada com o sucesso no término do programa de treinamento vocacional dentro de uma prisão (Chubick, Rider, Owen, Witherspoon & Witherspoon, 1999). Shell e Husman (2001) relacionaram crenças de controle, PT futuro e realização acadêmica. Essa também está vinculada a modelos atuais de motivação e aprendizagem tais como a motivação intrínseca e a auto-regulação, particularmente em como a concepção de futuro influencia e é influenciada pela motivação do estudante (Kauffman & Husman, 2004). Em Harber, Zimbardo e Boyd (2003) as diferenças individuais, da PT futuro, foram preditoras para determinar quando os estudantes se inscreveriam para participar em estudos e o quanto eles seriam fiéis às obrigações da pesquisa. Assim, o estudantes orientados para o futuro iniciaram e completaram a participação na pesquisa mais cedo e de forma mais confiávies que os estudantes orientados para o presente. Lomelí, Maytorena, Escalante e Cruz (2006) demonstraram a influência da PT futuro na procrastinação de tarefas e desempenho em universitários. Worrell e Mello (2006) avaliaram PT em adolescentes academicamente superdotados. Mendonça e Leite (2007) encontraram que a indecisão quanto à escolha profissional está relacionada a fatores negativos como a depressão e falta de PT futuro.
As investigações com usuários de drogas na sua maioria apontam a PT como um preditor significante para este comportamento. Breier-Williford e Bramlett (1995) examinaram as correlações entre o SPTI, depressão e desesperança em usuários de drogas internados. Apesar da hipótese do usuário de drogas ser mais voltado para o presente-hedonista e presente-fatalista ao invés de ser orientado para o passado ou para o futuro não ter sido confirmada, encontraram a orientação futura correlacionada negativamente com escores de depressão e medidas de desesperança. Lennings (1996) mostrou uma significância para PT futuro como um preditor de longa abstinência e controle do uso de bebidas. Petry, Bickel e Arnett (1998) encontraram que viciados em heroína apresentaram abaixo indicativo de orientação futura. Pouca orientação futura pode explicar o uso persistente de usuário de drogas, apesar das conseqüências negativas a longo prazo associadas com uso da droga.
Wills, Sandy e Yaeger (2001) testaram a relação entre a PT e o início precoce de uso de drogas (tabaco, álcool, e maconha) em estudantes de ensino fundamental, utilizando o ZTPI e medidas de enfretamento de estresse. Efeitos independentes mostraram a orientação futura inversamente relacionada ao uso de drogas e a orientação presente positivamente relacionada ao uso de substância. A análise da equação estrutural indicou que a relação de medidas de PT para uso de substância era indireta, mediada pelo enfrentamento comportamental. Apostolidis, Fieulaine, Simonin e Rolland (2006) relacionaram o ZTPI ao uso de maconha e às percepções de risco associado a esta substância. A PT agiu como uma preditora significante do uso de substâncias psicoativas e do consumo de maconha. Uma segunda série de análises mostrou que a PT moderou a ligação entre consumo de maconha e percepções de risco. Cullen (2006) observou um efeito principal da PT (CFC e ZTPI) no uso de bebida alcoólica. Os indivíduos mais orientados para o futuro informaram beber menos que os orientados para o presente. Ekendahl (2007) relacionou uma atitude positiva em relação à mudança nos hábitos de uso de substância com PT futuro.
Pesquisadores têm voltado a atenção e explorado o impacto dos fatores psicossociais na saúde. A PT é um desses fatores e tem ganhado crescente atenção à medida que mais estudos explorando esse construto demonstram relações com conseqüências positivas para a saúde. Mahon, Yarcheski e Yarcheski (1997) encontraram que a PT futuro acontece de forma diferente ao longo da vida e é um forte motivador para práticas de saúde positivas. Em um estudo com resultados muito otimistas, Sundaramurthy, Bush, Neuwelt e Ward (2003) avaliaram a PT e o dano permanente de órgão em pacientes com lupus sistêmico erythematosus na primeira visita, como linha base e, depois de quatro anos. Os pacientes mais orientados para o presente tiveram um aumento no índice de dano no órgão permanente maior do que os que eram mais orientados para o futuro. Lukwago, Kreuter, Holt, Steger-May, Bucholtz e Skinner (2003) encontraram a PT presente negativamente associada ao conhecimento relacionado ao câncer de mama e à realização da mamografia e, positivamente associada às barreiras percebidas para realização da mamografia. Ainda, os efeitos da orientação de tempo presentes persistiram depois do ajuste para renda, educação e ocupação, três indicadores de circunstância social. Já com idosos de um programa de reabilitação cardíaca, Grace, Hamilton, Kives e Micevski (2003) encontraram que orientações para o presente-hedonista e passado-positivo estão relacionadas positivamente com comportamentos que promovem a saúde.
Em contrapartida, em La Roche e Frankel (1986) as pessoas orientadas para o futuro informaram ter mais doenças físicas que as pessoas orientadas para o presente, como também eram mais ansiosas e mais deprimidas que as pessoas orientadas para o presente. Resultados esses, que apesar de negativos demonstram outro aspecto da orientação para o futuro fácil de explicar: pessoas voltadas para o futuro são mais preocupadas com eventos futuros, mais precavidas e conseqüentemente mais ansiosas e deprimidas. Estes resultados não parecem conclusivos, por exemplo, Mendonça e Leite (2007) ao investigar o ZTPI e medidas de depressão, encontraram correlação da depressão com passado-negativo, presente-hedonista e presente-fatalista. Resultado semelhante foi o de Bitsko, Stern, Dillon, Russell e Laver (2007), que testaram os efeitos mediadores da felicidade (Subjective Happiness Scale) e a PT passado-negativo (ZTPI) na qualidade de vida e depressão em adolescentes com câncer. Eles mostraram que a felicidade pode ser um preditor mais direto de qualidade de vida que a intensidade do tratamento. E que pensar negativamente sobre o passado é um preditor direto de sintomas depressivos.
Rothspan e Read (1996) encontraram que pessoas com orientação de tempo presente eram mais prováveis de serem sexualmente experientes e de terem muitos parceiros sexuais. Em contraste, aqueles com alta orientação futura eram mais prováveis de usar métodos alternativos de redução à exposição ao vírus HIV (e.g., saber da história sexual do parceiro, retardar o início da vida sexual ou se abster de sexo). Appleby, Marks, Ayala, Miller, Murphy e Mansergh (2005) investigaram se a tendência de considerar as conseqüências futuras de suas ações estava associada a comportamentos sexuais de risco para infecção de HIV em homens homossexuais. Mostraram que homens com mais orientação futura eram menos prováveis de se engajar em sexo sem preservativo. A PT foi também a melhor preditora do comportamento sexual e contou por mais variância que qualquer um dos fatores demográficos. A PT futuro (ZTPI) foi relacionada ao aumento do comportamento preventivo e à diminuição de comportamentos de risco para saúde (uso de álcool, droga, tabaco, cinto de segurança, comportamento sexual e exercício físico), enquanto que o presente-hedonista exibiu um padrão oposto; o presente-fatalista só estava relacionado a comportamentos destrutivos de saúde (Henson, Carey, Carey & Maisto, 2006). Préau, Apostolidis, Francois, Raffi e Spire (2007) exploraram a associação entre a PT e qualidade de vida em pacientes portador de HIV, demonstrando que o construto PT provê estratégias chaves de administração da infecção de forma a melhorar a qualidade de vida.
No estudo de Bryan, Aiken e West (2004), a auto-estima e a PT futuro foram preditores de intenção de uso de preservativo em adolescentes encarcerados. Abousselam (2005) investigou o efeito moderador da PT futuro na relação entre a ego-eficácia e o comportamento sexual de risco. Encontrou que a ego-eficácia e a PT futuro estão negativamente relacionadas com o comportamento sexual de risco. A PT futuro também tem uma relação direta com comportamento sexual de risco e, por conseguinte não influencia a ego-eficácia. Assim, o efeito moderador não foi encontrado para PT futuro na relação entre ego-eficácia e comportamento sexual de risco.
O ZTPI foi relacionado desde estratégia de coping em relação à obtenção de moradia e emprego em pessoas desabrigadas (Epel, Bandura & Zimbardo, 1999), direção de risco (Zimbardo, Keough & Boyd, 1997) a problemas de sono (Vranesh, Madrid, Bautista, Ching & Hicks, 1999). Outras áreas, bem diversas, têm sido foco de atenção dos pesquisadores, com resultados promissores. Por exemplo, a subescala de PT futuro foi associada ao Questionário de Privação Ambiental (Chubick, Boland, Witherspoon, Chaffin e Long, 1999). Shores e Scott (2007) exploraram a relação entre PT, alocação de tempo, recreação e bem-estar. Jogadores compulsivos patológicos apresentaram PT futuro mais curta que jogadores sociais (Hodgins & Engel, 2002). Corral-Verdugo, Fraijo-Sing e Pinheiro (2006) encontraram que a orientação para o presente afeta negativamente o comportamento de conservação de água, e que a orientação futura tem um afeito positivo. Milfont e Gouveia (2006) relacionaram PT, valores e atitudes, explicando o dilema social e o conflito temporal. Webley e Nyhus (2006) mostraram que o comportamento parental (como discutir questões financeira com os filhos) e as orientações parentais (consciência, orientação futura) têm um impacto fraco, mas claro no comportamento econômico do adolescente; e depois quando este torna-se adulto. Ferguson (2006) demonstrou uma relação entre PT e impulsividade em homens condenados por violência doméstica, sugerindo que, o comportamento impulsivo nesta população pode estar associado com orientação diminuída em relação ao futuro e ao passado-positivo. Já Drake, Duncan, Sutherland, Abernethym e Henry (2008) não encontraram a correlação esperada entre TP futuro e a felicidade subjetiva.
Os achados das pesquisas mencionadas provêm evidências de que a PT é uma variável com um papel preditivo em muitas situações da vida. É evidente também que instrumentos de medidas efetivas necessitam serem desenvolvidos. Com a intenção de prover uma medida de PT para a população brasileira, é que se realizou este trabalho, que tem como objetivo principal contribuir para a validação do Inventário de Perspectiva de Tempo do Zimbardo (Zimbardo Time Perspective Inventory - ZTPI) para o Brazil. Assim, neste estudo, o Inventário de Perspectiva de Tempo do Zimbardo - ZTPI - foi adaptado para realidade brasileira em duas versões. Dois estudos foram realizados em que primordialmente a estrutura do ZTPI foi explorada.
Estudo 1 - Método
Participantes
Participaram 528 estudantes universitários da Universidade Federal de Goiás (UFG). A idade mínima encontrada foi de 17 anos (a idade máxima foi controlada em 25 anos) (M = 19,8, DP = 1,8) e a maioria estava no grupo de 18 e19 anos (50,1 %), eqüitativamente distribuídos entre os sexos. Quando agrupados em áreas do curso que ingressaram, 49,1% eram de exatas e 50,9% de humanas e sociais. A maioria cursava o primeiro ano (62,9 %), era solteiro (94,1 %) e não trabalhava (66,1%). Foi encontrada uma dependência entre a área do curso e a variável sexo (x2 = 40,924, p< 0,001). Dessa forma, entre os respondentes que cursavam humanas/sociais (n = 265) era maior a proporção de mulheres (63 %), enquanto que entre os que cursavam exatas (n = 259), a maioria era de homens (66 %).
Instrumento
Inventário de Perspectiva Temporal do Zimbardo - ZTPI (Zimbardo Time Perspective Inventory - Zimbardo & Boyd, 1999), composto por 56 itens que representam proposições sobre crenças, preferências e valores de experiências temporais, com cinco subescalas distintas e teoricamente viáveis que explicavam 36 % da variância total. As cinco subescalas são: 1) Passado-negativo (a = 0,82) com 10 itens que refletem uma visão negativa aversiva do passado; 2) Presente-hedonista (a = 0,79), com 15 itens, medindo uma atitude hedonista e de risco em relação ao tempo e à vida; 3) Futuro (a = 0,77), com13 itens apresentando uma orientação para ações futuras de planejamento e expectativas; 4) Passado-positivo (a = 0,80) com 9 itens que refletem uma visão do passado, mas contrária ao do primeiro fator; e 5) Presente-fatalista (a = 0,74) com 9 itens que revelam um fatalismo e uma atitude de falta de esperança com a vida e o futuro.
Traduziu-se o inventário da versão original em inglês, utilizando o método de back translation. Com este método a versão original foi traduzida para o português por dois tradutores independentes. Compararam-se as duas versões chegando a uma única. Outro tradutor nativo da língua inglesa retraduziu para o inglês que foi finalmente comparada com a versão original e realizados mais ajustes. Os tradutores são fluentes em português e inglês, sendo sua primeira e segunda língua, têm experiência em tradução acadêmica, como também formação e pós-graduação em psicologia. Também foi adaptada do original, a escala Likert de 5 pontos, de absolutamente não característico a muito característico,
Procedimento
As escalas foram aplicadas coletivamente nas salas de aula. A primeira autora contatava o professor a priori, explicando brevemente os objetivos e procedimento do estudo, e negociava um horário para a aplicação dos questionários. Aos participantes, a pesquisadora apresentava breve e oralmente: tema, objetivo e justificativa da pesquisa. Também esclarecia as questões da confidencialidade e do caráter voluntário da pesquisa, apresentando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). Os que se voluntariavam, assinavam o TCLE e recebiam o questionário que continha, além da escala ZTPI, uma folha de rosto com um resumo das explicações sobre a pesquisa, outras escalas e questões sobre dados sociodemográficos, que responderam individualmente em um tempo médio de 20 minutos.
Resultados e discussão
De acordo com as recomendações de Tabachnick e Fidell (2001), foi realizada a análise do banco de dados para acuidade da entrada de dados, cálculo dos itens sem resposta (missings), procura de outliers e normalidade. Como já haviam sido excluídos os casos em que os respondentes não completavam o questionário, o número de valores faltosos da amostra final não atingiu 1 %, não sendo necessários ajustes e, possibilitando o tratamento nas análises com a opção de exclusão pairwise. Utilizando-se a técnica distância de Mahalanobis (p< 0,001) não foram encontrados outliers multivariados.
Para verificar da estrutura do instrumento, foi realizada uma análise de componentes por meio da análise de componentes principais (PC). O coeficiente de KMO de 0,82, apresentado pela escala, indica que ela é fatorizável. Com indicativos do estudo de Zimbardo e Boyd (1999) e do gráfico do teste de Scree (Figura 1), foi fixada a extração de cinco componentes. A análise do PC, com cinco componentes e rotação oblíqua, mostrou que a estrutura em tal número de componentes era a mais interpretável, além de estar consoante com a teoria do instrumento. Mostrou, ainda, que todos os componentes são independentes (a correlação mais elevada foi de r =0,24), o que justificou o uso da rotação Varimax. Utilizou-se essa técnica, também, pela possibilidade de se comparar os resultados com Zimbardo e Boyd. Essa solução explicou 33,38 % da variância do instrumento. Esse índice foi abaixo da validação da versão americana original que alcançou 36 % e bem próxima da versão espanhola de 33,82 % (Morales, 2006). Dos 56 itens originais do ZTPI, seis itens não atingiram a carga fatorial mínima de 0,32 e não foram utilizados na interpretação dos componentes (35, 41, 48, 53, 55, 56). Os resultados se encontram na Tabela 1, mostrando as cargas iguais ou superiores a 0,32.
Os coeficientes de fidedignidade dos componentes tiveram valores alfas (a) de Cronbach e lambdas (x) de Guttman entre 0,69 a 0,82 (Tabela 1), indicando uma consistência interna tolerável à boa. Alguns itens parecem complexos, com saturação em mais de um componente e, que considerando teoricamente o construto que medem, podem ser interpretados tanto em um componente quanto em outro (itens 11, 23, 24, 25, 36, 44, 47). Como, por exemplo, o item 11: "Em geral, tem muito mais coisas boas do que ruins no meu passado", com carga negativa no componente passado-negativo e carga positiva no passado-positivo, portanto, sendo congruente em ambos os componentes. Optou-se por utilizar os itens complexos na interpretação de mais de um componente.
Com os resultados foi possível encontrar uma estrutura similar à validação de Zimbardo e Boyd (1999), interpretando os cincos componentes (Tabela 1): Componente 1: passado-negativo (Itens 4, 5, 11, 16, 22, 25, 27, 33 invertido, 34, 36, 47, 50 e 54); Componente 2: presente-hedonista (Itens 1, 8, 12, 17, 19, 23, 26, 28, 31, 42, 44, 46, 52; Componente 3: futuro (Itens 6, 9 invertido, 10, 13, 18, 21, 24 invertido, 30, 32 invertido, 40, 43, 45, 51; Componente 4: presente-fatalista (Itens 3, 14, 23, 24, 37, 38, 39 44, 46); e Componente 5: passado-positivo (Itens 2,7,11, 15, 20, 25 invertido, 29, 36, 47, 49).
Comparando os resultados deste estudo, com os de Zimbardo e Boyd (1999), a estrutura fatorial foi muito parecida, porém a forma em que os itens foram afetados, variou. Uma das variações foi que, nem todos os itens atingiram cargas fatoriais de 0,30. Adaptações para outras culturas também não atingiram os índices da versão americana (Apostolidis & Fieulaine, 2004; Van der Linde, 2005), inclusive as brasileiras (Oliveira & Pinheiro, 2007; Milfont e colaboradores, no prelo). Comparando estes resultados com outras versões da amostra brasileira, por exemplo, Milfont e colaboradores (no prelo) aproveitaram uma quantidade de itens muito aquém, como também os itens que foram retirados nos dois estudos não coincidem.
Outra alteração na estrutura foi que, alguns itens não tiveram carga no componente original e migraram para outros componentes. O componente que mais diminuiu em número de itens foi o presente-fatalista, com três itens que não atingiram a carga fatorial (35, 41, 53). E o item 52, que em Zimbardo e Boyd obteve carga fatorial mais alta em presente-fatalista, neste estudo obteve carga maior no componente presente-hedonista. Estudos de validação do ZTPI em outras culturas, também relatam diferença na composição do mesmo componente (Díaz-Morales (2006). Já Oliveira e Pinheiro (2006) relataram uma alteração muito grande, e não confirmam os dois presentes, hedonista e fatalista, mas um único componente. Quanto às propriedades psicométricas (valor próprio, variância, alfa de Cronbach), os índices originais e os do presente estudo se apresentam muito similares.
A Tabela 2 mostra outra contribuição para a validade desta versão do ZTPI, uma vez que a distribuição dos cinco componentes na amostra de 528 sujeitos é praticamente normal, com ausência de assimetria e de curtose. Essa tabela mostra igualmente que, dos quadros temporais, os estudantes universitários se voltam mais para o passado-positivo e futuro, o que se coaduna com os resultados de Zimbardo e Boyd (1999). Também se verifica, na Tabela 3, que as mulheres obtiveram escores mais elevados do que os homens em futuro e presente-fatalista. Também verificou-se que com o aumento da idade diminuem os escores em presente-hedonista. Ainda, os estudantes que obtiveram melhores resultados acadêmicos se mostraram mais voltados para o futuro e menos voltados para o presente-hedonista e o presente-fatalista (Tabela 3), confirmando outros estudos (Kauffman & Husman, 2004; Shell & Husman, 2001).
Com a finalidade de apresentar uma versão validada e adaptada para o contexto brasileiro optou-se por trabalhar com a possibilidade de relaxar a estrutura proposta por Zimbardo e Boyd (1999), e obedecer aos resultados das análises dos dados coletados nesta amostra brasileira. Com este objetivo realizou-se o segundo estudo. Dos 56 itens originais do ZTPI, os quatro itens com a pior carga fatorial foram eliminados. Alguns itens foram reformulados quanto a sua semântica. E itens novos foram elaborados, para completar alguns componentes com poucos itens, totalizando 59 itens, na versão reformulada. O ZTPI reformulado foi aplicado, juntamente com outras medidas, no período de 2004 a 2006.
Estudo 2 - Método
Participantes
Participaram 1.047 pessoas com idade entre 15 e 66 anos (M = 25,11; DP = 9,62). A maioria eram mulheres (61,8 %) e solteiros (61,6 %). Dentre eles, 16,1 % eram universitários da Universidade de Brasília e 29 % da Universidade de Rio Verde, 19,1 % alunos do ensino médio de Rio Verde - GO, 26,4 % profissionais da indústria e do comércio, 4,8 % de profissionais da saúde e 4,6 % do ensino de Rio Verde - GO. Quanto à escolaridade, 0,7 % tinham o ensino fundamental, 20,7 % o ensino médio, 10,9 % o ensino médio completo, 52,3 % o ensino superior incompleto, 8,9 % superior completo, 1,1 % pós-graduação, e 5,3 % não responderam.
Procedimento
No Estudo 2 o procedimento foi semelhante ao Estudo 1. A variação foi que os profissionais responderam individualmente a pesquisa, no seu local de trabalho e a pesquisadora negociava um horário para recolher o questionário respondido.
Instrumento
Foi utilizada a versão do Inventário de Perspectiva Temporal do Zimbardo - ZTPI -V2 descrita no Estudo 1. Outras medidas foram também aplicadas e serão relatadas em futuros estudos.
Resultados e discussão
Repetidos os procedimentos de validação com o ZTPI - V2, versão modificada, os coeficientes que indicam a fatorabilidade e a adequação da amostra, continuaram favoráveis, apesar do KMO - que subiu, comparada à versão 1 do ZTPI, para 0,851 - ser ainda considerado meritório (Pasquali, 2005). Analisou-se também a matriz de correlações reproduzidas, que consiste na diferença entre a matriz R das correlações iniciais e a matriz Rr (matriz reproduzida) das correlações entre as variáveis obtidas a partir da matriz fatorial de cinco componentes. A matriz das correlações reproduzidas aponta que há 1.006 resíduos com valores absolutos maiores que 0,05, sendo que 712 estão acima de 0,10, mostrando que a matriz residual ainda
apresenta bastante variância comum não explicada pelos cinco componentes extraídos (Pasquali, 2005). Com as análises pelo método dos componentes principais (PC) e a rotação Varimax, extraiu-se cinco componentes que juntos explicam 31,91 % da variância total. Quando a rotação obliqua foi pedida, verificou-se a independência entre os componentes, as correlações foram entre r = 0,05 e r = 0,26, o que confirma o uso de uma rotação ortogonal.
Foi considerado como critério para o número de componentes, um autovalor igual ou superior a 1,0. A maior carga fatorial foi de 0,78, a média = 0,55 e as comunalidades ficaram entre 0,17 e 0,70. Os coeficientes de fidedignidade dos componentes tiveram valores entre a = 0,72 e a = 0,87, demonstrado boa consistência interna. A composição final da escala e seus índices psicométricos são apresentados na Tabela 4. Dos 59 itens, cinco (9, 16, 21, 53, 58) foram excluídos após sucessivas análises, até que todos os itens presentes na escala apresentassem carga fatorial mínima de 0,30, fixando a composição final da escala com 54 itens.
Os componentes permaneceram como predito a priori, ficando distribuídos em: Componente 1: Passado-negativo (itens 4, 10, 20, 25, 27, 29, 34, 35, 44, 45, 46, 48, 57); componente 2: futuro (itens 5, 6, 7, 8, 11, 13, 17, 22, 31, 33 invertido, 39, 41, 43, 46, 47, 51, 54); componente 3: presente-fatalista (itens 3, 18, 26, 36, 37, 38, 42, 50); componente 4: passado-positivo (itens 2, 14, 19, 24, 27 invertido, 52, 56, 59), e componente 5: presente-hedonista (itens 1, 12, 15, 23, 28, 30, 32, 33, 40, 49, 55). Em comparação com a versão ZTPI - V1 (Estudo 1), a ordem de contribuição de cada componente para a escala mudou, somente o passado-negativo permaneceu na ordem anterior.
O componente passado-negativo continuou o mais robusto (variância de 8,27 %) com seus índices e números de itens muito parecidos com o Estudo 1. O componente que mais se modificou, em relação à versão ZTPI - V1, foi o componente futuro, que passou a conter o maior número de itens e apresenta maior robustez. Uma das modificações mais substanciais foi a adição de itens novos referentes à busca de objetivos, expectativas futuras e planejamento a longo prazo (itens 5, 7, 8, 13 e 46). A outra modificação foi a migração para o presente, dos itens com o sentido de planejamento de tempo diário e imediatista. Isto altera a construção teórica do construto medido no componente futuro, que se volta mais para o planejamento e expectativas futuras. Mesmo com a adição de mais itens, o componente futuro ainda permaneceu em um único componente, contrariando Zimbardo e Boyd (1999) que sugerem que com uma amostra mais variada - conseguido no presente estudo - esse componente se decomporia em outros subcomponentes, como no estudo anterior de Gonzales e Zimbardo (1985). No referido estudo, o componente futuro se decompôs em: trabalho-motivação-perseverança, planejamento de metas a longo prazo, e planejamento diário e ação pragmática para ganho futuro.
Quanto ao componente presente-fatalista, um item novo foi incorporado (item 3), além de outros que migraram do futuro (item 26) e do presente-hedonista (item 42), totalizando oito itens. O componente presente-hedonista, em relação à versão ZTPI - V1 (Estudo 1), teve seus itens diminuídos, como também outros parâmetros psicométricos. Dois itens que tiveram cargas fatoriais altas no Estudo 1: o item 16 ("Tomo minhas decisões no impulso do momento") e o item 21 ("Tento viver o mais intensamente possível, um dia de cada vez") do componente presente-hedonista, não alcançaram cargas fatoriais mínimas. Assim o componente presente-hedonista diminuiu o número de itens de 13 para 11. Em relação ao Estudo 1, os itens também saturam em um só componente, indicando que os dois componentes do PT presente parecem mais distintos na amostra do Estudo 2. O passado-positivo permaneceu com o mesmo número de itens, mas os outros índices baixaram.
A distribuição normal dos escores nos cinco componentes na amostra de 1.047 sujeitos contribui para a validade do instrumento. De fato, a Tabela 5 mostra que não existe nem assimetria e nem curtose na distribuição. Também se verificou na versão 2, a independência entre os componentes. Esse dado coincide com os dados originais. A interdependência das diferentes medidas do ZTPI é um dos pontos centrais do modelo conceitual da perspectiva temporal proposta por Zimbardo e Boyd (1999).
A Tabela 5 mostra novamente que, dos quadros temporais, a amostra se volta mais para o futuro e passado-positivo, o que se coaduna com os resultados do Estudo 1, de Zimbardo e Boyd (1999) e de Milfont e colaboradores (no prelo) sobre estudantes universitários (já que amostra é 52,3 % estudantes universitários). Também se verifica, na Tabela 6, que as mulheres obtiveram escores mais elevados do que os homens em passado-negativo e, sobretudo, em presente-fatalista. Ademais, verifica-se que com o aumento da idade, diminuem os escores do passado-negativo, presente-fatalista e presente-hedonista, enquanto que aumentam os escores em futuro. Zimbardo e Boyd (1999) relatam também a relação do ZTPI com a idade enquanto que Milfont e colaboradores (no prelo), não. Também, com a escolaridade diminuem os escores em passado-negativo e presente-fatalista.
Conclusão
O objetivo principal deste estudo foi o de fornecer dados para validação de um instrumento útil para o desenvolvimento de investigação do tempo psicológico, especificamente o ZTPI, uma escala traduzida e adaptada do original de língua inglesa, que aborda a perspectiva temporal, acompanhando a necessidade de se ter à disposição da literatura brasileira instrumentos adequados para esse fim. Essa necessidade é confirmada com trabalhos de outros autores desenvolvidos independente, mas concomitante a este.
No geral, nas novas versões do ZTPI propostas neste estudo, quanto aos índices psicométricos, as subescalas passado-negativo e futuro melhoraram, mas as outras pioraram. As duas versões também não conseguiram índices tão altos quanto os índices da versão original americana. Foi encontrada a interdependência das cinco subescalas do ZTPI, um dos pontos centrais do modelo conceitual da PT, proposta por Zimbardo, e, que foram confirmadas em todas as análises realizadas. Houve mudança de posição dos elementos entre as subescalas, mas que foram coerentes com o significado teórico de cada um deles.
Quando se procurou aprimorar as escalas, foram realizadas alterações no ZTPI do Estudo 1 para o Estudo 2, não se podendo comparar as aplicações. Isto poderia ter sido contornado com a apresentação de um pool maior de itens na aplicação da primeira amostra. Mas, o segundo estudo minimizou a falta da generalização utilizando uma amostra maior e mais heterogênea permitindo a validade externa dos resultados.
Apesar da estrutura se manter nas cinco subescalas como proposto por Zimbardo, estudos para um melhor entendimento do significado dos construtos abordados devem ser desenvolvidos para esses serem reexaminadas na cultura brasileira, em comparações transculturais. Principalmente, o conceito do presente-fatalista e hedonista em que houve muita migração de itens entre si. E o componente futuro deve ser melhor investigado, pois parece um construto multifacetado e passaria a abordar mais aspectos, a exemplo das sugestões do próprio Zimbardo e de outros autores. Shirai (1994) propôs duas dimensões para o futuro: esperança e orientação para metas. Também poderia abordar os conceitos de otimismo x pessimismo, ou medo do futuro, como Worrell e Mello (2007) propuseram.
O resultado deste procedimento de validação atesta a estabilidade da estrutura dos construtos medidos pelo ZTPI em cinco subescalas que foram apreciavelmente idênticos nas duas amostras brasileiras deste estudo e na americana, contribuindo para a estabilidade cross-cultural. Assim como as propriedades psicométricas, validade nas diferenças em cada um dos componentes da orientação temporal segundo idade, sexo e outras variáveis importantes. No geral, a estrutura fatorial permaneceu de uma amostra para outra e em análises realizadas com subamostras, o que sugere que as variáveis nelas medidas estão razoavelmente definidas e representadas. Nesse sentido, o estudo oferece a oportunidade de se ter um instrumento multidimensional capaz de avaliar relações complexas da PT e outras variáveis psicológicas. Por fim, neste estudo foram propostas duas versões para o ZTPI, uma com o inventário na íntegra e outra com alterações, podendo essas ser reexaminadas e utilizadas em uma das duas formas em futuras pesquisas.
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Endereço para correspondência
E-mails: urleite@yahoo.com.br
Recebido em Fevereiro de 2008
Reformulado em Setembro de 2008
Aceito em Novembro de 2008
Sobre os autores:
* Umbelina do Rego Leite: mestre em Psicobiologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Atualmente é professora da Faculdade de Psicologia, Universidade de Rio Verde - Fesurv, atuando no ensino de graduação em Pesquisa, Psicometria e Avaliação psicológica. Tem interesse de pesquisa em perspectiva de tempo, administração de tempo e stress laboral.
** Luiz Pasquali: doutor pela Faculté de Psychologie et des Sciences de l'éducat pela Universite Catholique de Louvain. Atualmente é Professor Pesquisador Associado da Departamento de Psicologia Social e do Trabalho, Universidade de Brasília, Coordenador do Laboratório de Avaliação e Medidas, Membro do corpo editorial de vários periódicos científicos. Seu interesse está voltado para a área de metodologia científica, psicometria e a elaboração de instrumental de avaliação.
1 Tradução livre: "a visão total do indivíduo sobre seu passado e futuro psicológicos em um dado momento".
2 Tradução livre: "um processo inconsciente por meio do qual o fluxo ininterrupto de experiências pessoais e sociais é nomeado em categorias temporais, ou quadros temporais que ajudam dar ordem, coerência e significado a esses eventos".
Apoio: bolsa de doutorado do CNPq - primeira autora.