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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471

Aval. psicol. vol.12 no.2 Itatiba Aug. 2013

 

 

Escala de avaliações autorreferentes: características psicométricas em amostras brasileiras

 

The core self-evaluations scale: psychometric characteristics in Brazilian samples

 

Escala de evaluaciones auto-referentes: características psicométricas en muestras brasileñas

 

 

Maria Cristina Ferreira1; Sayonara Helena Thadeu; Verônica da Costa Masagão; Luziene Francisca da Silva Gottardo; Larissa Maria David Gabardo; Simone Alves Azeredo Sousa; Thays Corletto Tavares Mana

Universidade Salgado de Oliveira

 

 


RESUMO

Foi objetivo da presente pesquisa buscar evidências de validade e fidedignidade da Escala de Avaliações Autorreferentes em amostras brasileiras. Participaram do estudo 393 trabalhadores de ambos os sexos, que responderam à Escala de Avaliações Autorreferentes, a uma Escala de Exaustão Emocional e a uma Escala de Satisfação no Trabalho. Os resultados da análise fatorial evidenciaram que a Escala de Avaliações Autorreferentes apresentou estrutura unifatorial, além de índice satisfatório de consistência interna. Outrossim, as correlações entre as três escalas adotadas no estudo demonstraram a existência de correlações positivas significativas das avaliações autorreferentes com a satisfação no trabalho e, correlações negativas e significativas, com a exaustão emocional. Tais resultados permitiram concluir que a Escala de Avaliações Autorreferentes apresentou índices psicométricos que recomendam seu uso em situações de diagnóstico e pesquisas futuras, no contexto das organizações de trabalho.

Palavras-chave: avaliações autorreferentes; autoestima; autoeficácia; lócus de controle; estabilidade emocional.


ABSTRACT

The present research aimed to find validity and reliability evidences of the Core Self-Evaluations Scale in Brazilian samples. The participants were 393 employees from both genders, which answered to the Core Self-Evaluation Scale, to an Emotional Exhaustion Scale and to a Job Satisfaction Scale. Factor analysis results showed that the Core Self-Evaluations Scale presented a one-dimensional structure, as well as an adequate internal consistency. Otherwise, the correlations between the three scales used in the study revealed that positive and significant correlations between core self-evaluations and job satisfaction and negative and significant correlations between core self-evaluations and emotional exhaustion were obtained. It was concluded that the Core Self-Evaluation Scale has good psychometric properties and can be used in situations of diagnostics and research in the organizational context.

Keywords: core self-evaluations; self-esteem; self-efficacy; locus of control; emotional stability.


RESUMEN

El propósito de esta investigación fue encontrar pruebas de validez y fiabilidad de la Escala de Evaluaciones Auto-referentes en muestras brasileñas. Participaron del estudio 393 trabajadores de los dos sexos. Ellos respondieron a la Escala de Evaluaciones Auto-referentes, la Escala de Satisfacción con el Trabajo y la Escala de Agotamiento Emocional. Los resultados del análisis factorial demostraron que la Escala de Evaluaciones Auto-referentes es unifactorial y tiene un índice satisfactorio de consistencia interna. Además, las correlaciones entre las tres escalas utilizadas en el estudio demostraron la existencia de correlaciones positivas y significativas entre las evaluaciones autoreferentes y la satisfacción en el trabajo y de correlaciones negativas y significativas entre las evaluaciones auto-referentes y el agotamiento emocional. Los resultados apoyan la conclusión de que la Escala de Evaluaciones Auto-referentes mostró buenos índices psicométricos y puede ser utilizada para el diagnóstico y la investigación en contextos organizacionales.

Palabras-clave: evaluaciones auto-referentes; autoestima; autoeficacia; locus de control; estabilidad emocional.


 

 

A história recente da psicologia evidencia que, a partir da Segunda Grande Guerra e motivada principalmente pela necessidade de avaliar e curar o sofrimento, ela se configurou como uma disciplina apoiada eminentemente em um modelo patológico do funcionamento humano. Tal modelo focado na doença mental tornou-se responsável por uma visão distorcida do ser humano que desconsidera suas potencialidades e virtudes e se preocupa, antes de tudo, com o tratamento dos prejuízos causados pela doença (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000).

Na última década, porém, na esteira do movimento conhecido como Psicologia Positiva (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000), o modelo de doença deu lugar a um novo modelo, caracterizado pela busca da saúde, bemestar e felicidade. A Psicologia Positiva se preocupa, portanto, com a construção das qualidades positivas, isto é, ela tem como foco as experiências subjetivas positivas passadas, presentes e futuras (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000), as virtudes e potencialidades positivas do ser humano (Sheldon & King, 2001), os aspectos positivos da saúde e bem-estar, e não mais os aspectos negativos da doença (Aspinwall & Staudinger, 2003).

A ênfase na doença e negatividade predominou não apenas no campo da psicologia em geral, mas também na área da Psicologia Organizacional que, por longo tempo, concentrou seus esforços na investigação de fenômenos como o estresse, o burnout, os comportamentos contraprodutivos, a resistência à mudança e às deficiências, problemas e disfunções de gerentes e empregados (Luthans, 2002). No entanto, o movimento da Psicologia Positiva rapidamente se difundiu também entre os estudiosos das organizações, dando origem a diferentes correntes que compartilham entre si a crença de que as investigações desenvolvidas no contexto do trabalho devem se pautar em perspectivas que priorizem a análise das potencialidades do empregado (Luthans & Youssef, 2007).

Dentre essas abordagens, está a de Judge e seus colaboradores (Judge & Bono, 2011a; Judge & Bono, 2001b), que irão se concentrar no estudo de um traço positivo, ao qual denominam de avaliações autorreferentes (Judge, Locke, & Durham, 1997), ou autoconceito (Judge, Erez, & Bono, 1998), e suas implicações para o contexto do trabalho. De acordo com esses autores (Judge e cols., 1997), o referido construto se caracteriza por premissas fundamentais que as pessoas mantêm acerca de si próprias e do modo como funcionam em seu meio ambiente.

Na escolha dos traços que melhor definiriam as avaliações autorreferentes, Judge e seus associados (Judge e cols., 1997; Judge e cols., 1998) realizaram extensa revisão de literatura, tendo identificado quatro traços que se adequavam mais diretamente a seus pressupostos iniciais de encontrar traços capazes de caracterizar a natureza mais ampla e geral do construto. Nesse sentido, as avaliações autorreferentes passaram a ser definidas pelos quatro traços seguintes (Judge & Bono, 2001a): autoestima (autoavaliação de si mesmo enquanto pessoa); autoeficácia generalizada (julgamento acerca da própria capacidade de mobilizar recursos cognitivos e adotar estratégias destinadas a lidar com situações específicas); locus de controle (crenças do indivíduo sobre sua própria capacidade de exercer ou não controle sobre os eventos que vivencia) e estabilidade ou ajustamento emocional, que, na direção oposta, corresponde ao neuroticismo, isto é, à tendência a vivenciar afetos negativos como ansiedade, medo e depressão. Em outras palavras, os indivíduos com avaliações autorreferentes positivas se auto-avaliam de forma positiva e consistente em diferentes situações, ou seja, se veem como capazes, valiosos e detentores do controle sobre suas próprias vidas (Judge & Hurst, 2007).

Avançando em suas formulações teóricas, Judge e Bono (2001a) propuseram que as avaliações autorreferentes consistem em um traço de personalidade geral, latente e multidimensional, de natureza hierarquicamente superior, que engloba, assim, os quatro traços disposicionais mais específicos que o compõem e que são inter-relacionados entre si. Essas proposições se confirmaram em inúmeras pesquisas realizadas por Judge e seus associados, não apenas em amostras norte-americanas (Judge, Bono, & Locke, 2000; Judge e cols., 1998), mas também japonesas (Piccolo, Judge, Takahashi, Watanabe, & Locke, 2005), em que procedimentos de análise fatorial exploratória e confirmatória atestaram que as medidas dos quatro traços centrais se apresentavam correlacionadas e convergiam em um fator comum de ordem superior.

Tais resultados, aliados ao fato de que as avaliações autorreferentes vinham sendo avaliadas de forma indireta (por meio da combinação de quatro diferentes medidas, destinadas a avaliar a autoestima, a autoeficácia generalizada, o locus de controle e a estabilidade emocional) e, consequentemente, mais extensa, motivaram Judge, Erez, Bono e Thorensen (2003) a desenvolverem e validarem a Escala de Avaliações Autorreferentes. A referida escala tem por objetivo avaliar os quatro traços que definem as avaliações autorreferentes por meio de um único instrumento que se mostrou unifatorial, além de ter apresentado bons índices de consistência interna (média de α = 0,84, em quatro diferentes amostras norteamericanas) e validade para predizer o desempenho no trabalho (rxy = 0,23 e 0,24, em duas diferentes amostras norte-americanas) e a satisfação com a vida (rxy = 0,54; 0,45; 0,54, em três diferentes amostras norte-americanas) (Judge e cols., 2003). Em pesquisa subsequente, Judge, van Vianen e Pater (2004) confirmaram a estrutura unifatorial e os bons índices de consistência interna da escala, em amostras espanholas (α = 0,82) e holandesas (média de α = 0,83, em duas diferentes amostras), bem como sua validade para predizer a ambição na carreira de estudantes espanhóis (rxy = 0,29).

No que diz respeito às relações das avaliações autorreferentes com a satisfação no trabalho, as investigações também têm apontado resultados consistentes acerca das associações positivas entre esses construtos, em amostras norte-americanas (Heller, Judge, & Watson, 2002; Judge & Bono, 2001b; Judge, Bono, Erez, & Locke, 2005) e japonesas (Piccolo e cols. 2005), quando medidas independentes para cada um dos traços centrais são adotadas. Ademais, quando a Escala de Avaliações Autorreferente foi adotada, em amostras norte-americanas (Judge e cols., 2003) e holandesas (Judge e cols., 2004), tais correlações continuaram se mostrando sistematicamente positivas e significativas (rxy = 0,41 e 0,49, em duas diferentes amostras norte-americanas; rxy = 0,56, na amostra holandesa). Em síntese, os dados até aqui obtidos têm atestado a validade da Escala de Avaliações Autorreferente, no que tange a suas associações positivas com a satisfação no trabalho, satisfação com a vida em geral, desempenho no trabalho e ambição de carreira.

Até aqui, porém, a maioria dessas investigações foi conduzida em amostras norte-americanas, europeias ou asiáticas. Justificam-se, assim, estudos que possam trazer evidências adicionais sobre o funcionamento da Escala de Avaliações Autorreferentes, no que tange a suas características psicométricas, em amostras ainda não contempladas nos estudos anteriores realizados com o referido instrumento, como é, por exemplo, o caso de amostras brasileiras. Nesse sentido, os objetivos do presente trabalho se associam à investigação da estrutura interna e consistência interna da Escala de Avaliações Autorreferentes em uma amostra brasileira, bem como de sua validade de construto convergente e divergente, mediante verificação das associações que ela mantém com construtos que lhe são ou não correlacionados.

 

Método

Participantes

Participaram da pesquisa 393 trabalhadores de organizações públicas e privadas, que concordaram voluntariamente em participar da pesquisa. Desse total, 52,7% eram homens e a maioria (61%) apresentava nível superior completo ou incompleto. Suas idades variaram de 19 a 79 anos (média de 33,79 e desvio padrão de 10,75). No que diz respeito ao tempo total de serviço, os resultados variaram de 1 a 60 anos (média de 12,83 e desvio padrão de 10,15). Grande parte desses empregados pertencia aos ramos de educação, indústria e prestação de serviços (61%) e desempenhava funções administrativooperacionais (54%). Cumpre ressaltar que o número mínimo de participantes foi definido como sendo igual a 120, considerando-se o número de itens da escala original a ser validada, multiplicado por 10. No entanto, a coleta de dados excedeu consideravelmente a quantidade de participantes inicialmente prevista.

Instrumentos

Escala de Avaliações Autorreferentes

A referida escala, de autoria de Judge e cols. (2003), tem por objetivo avaliar os quatro traços que definem as avaliações autorreferentes por meio de um instrumento unifatorial. Em sua versão original, ela se compõe de 12 itens (6 positivos e 6 negativos), a serem respondidos em escalas Likert de 5 pontos, variando de “discordo fortemente” a “concordo fortemente”, segundo o grau de avaliação que o indivíduo tem de si mesmo. Nos estudos de validação a que a escala já foi submetida, sua estrutura unifatorial foi confirmada, além de ela ter apresentado bons índices de consistência interna (todos acima de 0,80) em diferentes amostras. Na tradução do instrumento para o presente estudo, foram adotados procedimentos de tradução para o português, retradução para o inglês (back-translation), comparação da versão original com a versão retraduzida e ajustes da versão final em português, conforme preconizado por Brislin (1986).

Escala de Exaustão Emocional

A referida escala constitui uma das dimensões da Escala de Caracterização do Burnout, de autoria de Tamayo e Tróccoli (2005), sendo composta por 12 itens, a serem respondidos em escala tipo Likert de 5 pontos, variando de nunca (1) a sempre (5), em função do grau em que apresentam determinados sentimentos em relação a seu dia a dia no trabalho. A consistência interna da escala no presente estudo, calculada pelo Alfa de Cronbach, foi de 0,95. A escala é avaliada no sentido da exaustão e, consequentemente, quanto maior o escore, maior o grau de exaustão vivenciado pelo indivíduo em seu dia a dia no trabalho.

Escala de Satisfação no Trabalho

De autoria de Silva e Ferreira (2009), a Escala de Satisfação no Trabalho é composta de 5 itens, a serem respondidos em escalas Likert de cinco pontos, variando de discordo fortemente (1) a concordo fortemente (5), segundo o grau em que as pessoas manifestam sentimentos de satisfação ou insatisfação com seu trabalho. A consistência interna da escala, no presente estudo, calculada pelo Alfa de Cronbach, foi de 0,88. A escala é avaliada no sentido da satisfação e, assim, quanto maior o escore, maior o grau de satisfação do indivíduo com seu trabalho.

Questionário Sociodemográfico

Para a coleta de informações sociodemográficas da amostra, foi utilizado um questionário com perguntas relativas ao sexo, idade, escolaridade, tipo de organização e função nela desempenhada pelo respondente.

Procedimento

Após a aprovação do estudo pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição dos autores, os instrumentos foram aplicados em sessão única de tempo livre, sob a forma individual ou coletiva, aos empregados que concordaram em colaborar com a pesquisa, mediante o preenchimento do termo de consentimento informado. Aos que concordaram em participar, foi garantido o anonimato.

 

Resultados

1. Validade fatorial e consistência interna da Escala de Avaliações Autorreferentes

Para verificar se os dados obtidos atendiam aos pressupostos da análise fatorial, foram calculados o índice de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) e o teste de esfericidade de Bartlett. O KMO foi igual a 0,83, evidenciando, assim, a adequação da amostra à realização da análise fatorial. O teste de Bartlett, por sua vez (χ = 1152,99; p < 0,001), foi significativo, demonstrando, dessa forma, que a matriz de correlações entre os itens permitia a realização da análise fatorial.

Nesse sentido, a matriz de correlações foi posteriormente submetida à análise dos componentes principais, que indicou a presença de dois fatores com eigenvalues acima de 1, responsáveis por 48,4% da variância do instrumento. De modo semelhante, o scree plot (teste gráfico) revelou um número máximo de dois fatores interpretáveis.

Considerando-se, porém, que a escala original é unifatorial, foram realizadas, em seguida, análises fatoriais pelo método dos eixos principais, com solução antecipada de um e dois fatores. A solução que melhor descreveu a estrutura interna da escala foi a de um único fator, no qual foram retidos todos os itens, em virtude de apenas um ter apresentado carga fatorial abaixo de 0,30 (Tabela 1), o que não chegou, porém, a prejudicar a consistência interna da escala e permitiu a réplica fiel de sua estrutura original. Tal fator foi responsável por 30% da variância total do instrumento e sua consistência interna foi igual a 0,78.

 

 

Em síntese, a versão brasileira da Escala de Avaliações Autorreferentes ficou com os mesmos 12 itens da versão norte-americana e definida por um único fator. Sua correção se dá no sentido positivo e, por esta razão, os itens negativos devem ser invertidos, de modo a que um maior escore represente um maior grau ou um índice mais positivo de autoavaliação.

2. Validade de construto da Escala de Avaliações Autorreferentes

Para examinar a validade de construto convergente e divergente da Escala de Avaliações Autorreferentes, foram investigadas suas correlações (r de Pearson) com os escores globais da Escala de Satisfação no Trabalho e com a Escala de Exaustão Emocional. Considerando-se que a satisfação no trabalho expressa as crenças e julgamentos positivos ou negativos acerca do próprio trabalho (Weiss, 2002), seria de se esperar que as avaliações autorreferentes se mostrassem positivamente associadas à satisfação no trabalho e, negativamente, à exaustão emocional, uma vez que esta consiste em uma reação extrema ao estresse laboral, caracterizada pela sensação que os recursos emocionais se esgotaram (Maslach, 2003).

Para a confirmação de tais pressupostos, os escores obtidos por cada indivíduo, em cada uma das três escalas, foram computados. Posteriormente, as médias, desvios padrão e correlações entre elas foram calculados (Tabela 2). A análise de tais resultados demonstrou que, atendendo ao que era previsto, a Escala de Avaliações Autorreferentes se correlacionou positiva e significativamente com a Escala de Satisfação no Trabalho (rxy = 0,15; p< 0,01). Também conforme o esperado, a Escala de Avaliações Autorreferentes se correlacionou negativa e significativamente com a Escala de Exaustão Emocional (rxy = - 0,55; p < 0,001). Tais resultados forneceram, assim, indicações sobre a validade de construto da escala.

 

 

 

Discussão

O presente trabalho teve como objetivo investigar a estrutura interna e a consistência interna da Escala de Avaliações Autorreferentes em amostras brasileiras, assim como sua validade de construto convergente e divergente, mediante verificação das associações que ela mantém com construtos que lhe são ou não correlacionados. Os índices psicométricos obtidos na análise da estrutura interna e da consistência interna do instrumento, aliados aos indicadores acerca de sua validade, atestam que a Escala de Avaliações Autorreferentes demonstrou ser um instrumento válido e fidedigno à mensuração das premissas fundamentais que as pessoas mantêm acerca de si próprias e do modo como funcionam em seu meio ambiente.

De modo consistente com os resultados obtidos em outras amostras, a escala se revelou unidimensional, numa indicação de que o construto por ela avaliado consiste em um traço único de personalidade geral, latente, que envolve componentes associados à autoestima, autoeficácia, locus de controle e ajustamento emocional. Mas esses componentes se relacionam entre si de modo a compor um traço único, de natureza hierarquicamente superior (Judge & Hurst, 2007).

No que tange à validade convergente da escala, cumpre ressaltar o fato de que embora ela tenha apresentado uma correlação positiva e significativa com a satisfação no trabalho, o resultado ora obtido (rxy = 0,15; p< 0,01) foi bem inferior ao anteriormente verificado em amostras norte-americanas (rxy = 0,41 e 0,49) e holandesas (rxy= 0,56). De modo semelhante, o índice de confiabilidade presentemente obtido foi inferior ao observado nas amostras norte-americanas. Tais divergências podem se dever à natureza do instrumento adotado nos diferentes estudos para a avaliação da satisfação no trabalho (no caso da validade convergente) ou a diferenças culturais entre as amostras (no caso da validade convergente e da confiabilidade), e merecem ser aprofundadas em estudos futuros. Já no que se refere à validade divergente, os resultados encontrados foram mais promissores (rxy = - 0,55 entre avaliações autorreferentes e exaustão emocional), apesar de não terem sido localizadas investigações anteriores com este foco, que permitissem comparações com os atuais achados.

Ainda assim, porém, o instrumento em questão demonstrou características que recomendam seu uso para fins de diagnóstico e pesquisas. Nesse sentido, a escala poderá ser usada, por exemplo, na investigação do papel desempenhado por fatores individuais nas atitudes e comportamentos que os indivíduos mantêm em relação a seu trabalho, já que estudos anteriores têm demonstrado que quanto maiores forem as avaliações autorreferentes, mais positiva e confiantemente os indivíduos deverão se comportar nas diversas circunstâncias de suas vidas, visto que suas autoavaliações lhes garantem uma visão mais consistente de si mesmos (Judge & cols., 1998).

 

Considerações finais

Os achados encontrados na presente investigação permitem a conclusão de que a versão brasileira da Escala de Avaliações Autorreferentes demonstrou ser um instrumento com evidências iniciais de validade e fidedignidade, o que indica sua utilização futura em situações de pesquisa e diagnóstico no contexto do trabalho. No entanto, a investigação apresentou algumas limitações.

Assim é que, apesar de o resultado obtido ter propiciado uma evidência inicial acerca da validade convergente da escala, em função de a correlação encontrada entre a satisfação no trabalho e as avaliações autorreferentes ter se mostrado significativa, tal correlação, ainda assim, pode ser classificada apenas como baixa ou fraca, segundo os critérios adotados por Miles e Shevlin (2001). Desse modo, estudos futuros poderiam se dedicar a buscar evidências adicionais acerca da validade convergente da escala, mediante a utilização de outros instrumentos para a mensuração da satisfação no trabalho, bem como de outros construtos correlatos às avaliações autorreferentes, como, por exemplo, o desempenho no trabalho e a satisfação com a vida em geral.

Outra limitação da pesquisa se refere ao fato de que ela se deteve tão somente na verificação da equivalência estrutural da versão brasileira da Escala de Avaliações Autorreferentes com a versão original do instrumento, ao demonstrar que ambos possuíam estruturas unifatoriais equivalentes. Além disso, procedimentos de tradução e retradução (back translation) foram adotados, para se garantir a equivalência do significado dos itens na versão original e na versão brasileira. No entanto, van de Vijver e Leung (1997) advertem que, para além da equivalência estrutural, os instrumentos utilizados em pesquisas transculturais devem possuir também equivalência escalar (unidade de medida e ponto de origem idênticos nos diferentes grupos culturais comparados). Nesse sentido, o emprego da versão brasileira da escala em pesquisas transculturais futuras deverá ser precedido pela verificação de sua equivalência estrutural, especialmente em função de a cultura brasileira ser de natureza predominantemente coletivista, enquanto a norte-americana é de natureza predominantemente individualista (Hofstede, 1997).

Segundo Judge e cols. (1997), outros traços também podem ser potencialmente considerados como indicadores das avaliações autorreferentes, como por exemplo, o otimismo e a afetividade positiva. Seria, assim, interessante que outras pesquisas brasileiras futuras nessa área se detivessem também na investigação desses indicadores, na medida em que as pesquisas até aqui realizadas têm se restringido aos quatro traços anteriormente referidos (autoestima, autoeficácia, locus de controle e estabilidade emocional). A realização desses estudos poderá contribuir para o aprofundamento da compreensão acerca das avaliações que os indivíduos mantêm sobre si mesmos e de sua relação com o contexto do trabalho e com a vida em geral.

 

Referências

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Recebido em novembro de 2012
Reformulado em fevereiro de 2013
Aprovado em março de 2013

 

 

Sobre os autores

Lívia de Oliveira Borges: é Doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília. Professora Adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Maria Teresa Pires Costa: é Psicóloga e Mestre em Administração. É Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. É docente efetiva do Departamento de Ciências Administrativas da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.
Antônio Alves Filho: é mestre em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, é professor da Universidade Potiguar, Natal, RN.
Anizaura Lídia Rodrigues de Souza: é Doutoranda em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Mestre e graduada em Psicologia pela Universidade Gama Filho - UGF. Atualmente é professora do Centro Universitário do Leste de Minas Gerais – Unileste.
Jorge Tarcisio da Rocha Falcão: é doutor em Psicologia da Aprendizagem e do Desenvolvimento pela Universitè Paris V, é professor Titular na Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Clara Pires do Rêgo Lobão Amorim Leite: Psicóloga pela Universidade Estadual do Piauí e mestranda no Programa de Pósgraduação em Psicologia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Sabrina Cavalcanti Barros: é Psicóloga pela Universidade Federal de São João del-Rei - UFSJ. Mestre e Doutoranda em Psicologia (UFMG).


1Endereço para correspondência: Rua Marquês de Valença, 80, apto 602, Tijuca, 20550-030, Rio de Janeiro-RJ. Tel.: (21) 2569-1176. E-mail: mcris@centroin.com.br