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Avaliação Psicológica

Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431

Aval. psicol. vol.14 no.2 Itatiba Aug. 2015

 

 

Adaptação do Cognitive Estimation Test (CET) ao português brasileiro1

 

Adaptation of the Cognitive Estimation Test (CET) to brazilian portuguese

 

Adaptación del Cognitive Estimation Test (CET) al portugués brasileño

 

 

Gabriela Peretti Wagner2, I; Suzi Alves CameyII; Maria Alice de Mattos Pimenta ParenteII; Clarissa Marceli TrentiniII

IUniversidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre
IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul

 

 


RESUMO

Realizar estimativas cognitivas é uma habilidade que envolve encontrar respostas não imediatamente disponíveis utilizando-se processos de raciocínio e resolução de problemas para se chegar a uma alternativa de resposta. Tal habilidade pode ser investigada com o Cognitive Estimation Test (CET). A tarefa existe no idioma inglês, sendo necessárias adaptações para diferentes idiomas. O objetivo do presente estudo foi adaptar o CET para o português brasileiro. O CET foi traduzido da versão original, em inglês britânico, e então submetido à análise teórica e empírica. Como resultado do estudo piloto, uma escala de 28 perguntas foi produzida, atingindo níveis de consistência interna de 0,50 (alfa de Cronbach), 0,58 (split half), e 0,73 (Guttmann). A tarefa definida no estudo piloto foi então testada em uma nova amostra, obtendo índices de fidedignidade de 0,57 (alfa de Cronbach), 0,60 (split half), e 0,74 (Guttman). Uma versão final do CET em português brasileiro foi definida e disponibilizada.

Palavras-chave: lobo frontal; validade estatística; neuropsicologia.


ABSTRACT

Cognitive estimation is an ability that involves searching for non-readily-available answers, requiring reasoning and problemsolving processes in order to find a response alternative. This ability can be investigated with the Cognitive Estimation Test (CET). The test exists in an English version and requires adaptations to be used in different languages. The aim of the present study was to adapt the CET to Brazilian Portuguese. The CET was translated from the original version in British English, then its items were submitted to theoretical and empirical analysis. The pilot study generated a 28-item scale with levels of internal consistency of 0.50 (Cronbach’s Alpha), 0.58 (split half), and 0.73 (Guttmann). The test defined during the pilot study was then tested in a new sample, producing internal consistency values of 0.57 (Cronbach’s Alpha), 0.60 (split half), and 0.74 (Guttman). A final version of the CET was produced and is now available in Brazilian Portuguese.

Keywords: frontal lobe; statistical validity; neuropsychology.


RESUMEN

Realizar estimativas es una habilidad que requiere encontrar respuestas no disponibles inmediatamente, lo que comprende procesos de raciocinio y resolución de problemas para llegarse a una alternativa de respuesta. Esta habilidad puede ser investigada a través del Cognitive Estimation Test (CET). El test existe en el idioma inglés, lo que implica en adaptaciones para otros idiomas. El objetivo del presente estudio fue el de adaptar el CET al idioma portugués de Brasil. El CET fue traducido de la versión original, en inglés británico, y luego realizado un análisis teórico y empírico. Como resultado del estudio piloto, una escala de 28 ítems fue producida, alcanzando niveles de consistencia interna de 0,50 (alpha de Cronbach), 0,58 (split half), y 0,73 (Guttmann). El test definido en el estudio fue utilizado en una nueva muestra, obteniendo índices de fidedignidad de 0,57 (alpha de Cronbach), 0,60 (split half), y 0,74 (Guttman). Una versión final del CET en portugués de Brasil fue, por fin definida y ofrecida a la comunidad científica.

Palabras-clave: lóbulo frontal; validez estadística; neuropsicología.


 

 

O papel dos lobos frontais em operações cognitivas – as chamadas funções executivas – é um fato apresentado na literatura científica (Jurado & Rosselli, 2007; Miller & Cohen, 2001; Stuss & Levine, 2002). Tais processos envolvem um leque amplo de processos: sabe-se que os lobos frontais estão envolvidos em funções complexas, como resolução de problemas, raciocínio, julgamento e tomada de decisão, entre outras. As funções executivas constituiriam processos multicomponenciais (Jurado & Rosselli, 2007; Stuss & Levine, 2002), tendo em vista a diversidade de atividades desempenhadas. Isto quer dizer que uma avaliação adequada dos processos executivos requer a diversos instrumentos, uma vez que diferentes tarefas dão conta de componentes variados.

Entre os instrumentos para avaliação das funções executivas estão o Teste Wisconsin de Classificação de Cartas (WCST; Berg, 1948; Heaton, Chelune, Taley, Kay, & Curtiss, 1993), o Controlled Oral Word Association Test (COWAT; Benton & Hamsher, 1989) e o Stroop Colors and Words Test (SCWT; Stroop, 1935), entre outros. Eles avaliam componentes como raciocínio, flexibilidade mental, formação de conceitos, controle inibitório e iniciativa, entre outros (Jurado & Rosselli, 2007), mas não a resolução de problemas, por exemplo.

Existe também uma tarefa verbal envolvendo raciocínio, planejamento e resolução de problemas que recebeu relativamente pouca atenção da literatura neuropsicológica em comparação a outras mais tradicionais. Essa tarefa é chamada de Cognitive Estimation Test (CET; Shallice & Evans, 1978), que, do modo como está estruturada, pode vir a contribuir na avaliação de funções executivas necessárias no dia a dia, no sentido de produzir o comportamento dirigido a objetivos – goal-directed behavior (Duncan, Emslie, Williams, Johnson, & Freer, 1996).

O CET consiste em uma tarefa de avaliação de funções executivas (Strauss, Sherman, & Spreen, 2006), mais especificamente de estimativas cognitivas, desenvolvida na Grã-Bretanha no final da década de 1970 (Shallice & Evans, 1978). A estimação cognitiva consiste em um grupo de funções cognitivas requisitadas quando uma resposta imediata não está disponível. Nesses casos, geralmente a resposta é estimada por conhecimentos gerais e memória semântica (Della Sala, MacPherson, Phillips, Sacco, & Spinnler, 2003; Shallice & Evans, 1978). Por exemplo, a estimação cognitiva pode ser necessária quando um indivíduo planeja uma viagem e organiza um roteiro, bem como quando se pensa a quantidade de dinheiro a levar. Realizar estimativas também envolve pensarmos o tempo necessário de deslocamento para se chegar a algum destino quando se tem hora marcada.

Shallice e Evans (1978) perceberam que pacientes com lesões frontais avaliados apresentavam déficits em fazer estimativas adequadas, mesmo que habilidades cognitivas subordinadas (como nomeação e inteligência, por exemplo) se mantivessem intactas após a lesão. Esses pacientes apresentavam falhas em selecionar, avaliar e checar a eficácia de uma estratégia ou plano de ação, habilidades necessárias para efetuar a estimação cognitiva. Portanto, entre os resultados, os autores destacam uma “falha frontal” no desempenho no CET.

O estudo de Shallice e Evans (1978) apresenta tanto aspectos positivos quanto algumas limitações. Ressaltase, entre os aspectos positivos, que os autores forneceram evidências de validade clínica da tarefa, uma vez que o CET discriminou pacientes com lesões frontais de pacientes com lesões em outras regiões cerebrais e extracerebrais, fato corroborado por pesquisas posteriores (Leng & Parkin, 1988; Shoqeirat, Mayes, MacDonald, Meudell, & Pickering, 1990), que apresentaram evidências de validade de construto da tarefa em testes com pacientes portadores de lesões frontais de diferentes etiologias, mostrando que instrumento é adequado para detectar disfunções executivas, mais precisamente déficits nas habilidades de fazer estimativas cognitivas. Entre as limitações do estudo de Shallice e Evans (1978), é importante mencionar que não houve uma normatização do instrumento na época, fato já apontado por Shoqeirat et al. (1990).

Salienta-se também que Leng e Parkin (1988), Shoqeirat et al. (1990) e Shallice e Evans (1978) não foram os únicos a investigar habilidades de fazer estimativas cognitivas com a aplicação do CET. Sabendo da importância de avaliar esse construto, Axelrod e Millis (1994) e Della Sala et al. (2003) idealizaram versões do CET, enfatizando os procedimentos de normatização para duas populações. Axelrod e Millis (1994) construíram uma versão norte-americana do teste, contendo dez questões. Della Sala et al. (2003) construíram uma versão italiana do instrumento, contendo 21 perguntas. A existência de tais estudos vem ao encontro da necessidade de adaptar a tarefa para o contexto sociocultural em que será utilizado, um dos objetivos do presente estudo.

Tendo em vista o possível uso do CET como medida de funções executivas, a relativa escassez de instrumentos verbais de avaliação dos componentes de raciocínio e resolução de problemas e a necessidade de adaptação de instrumentos de avaliação para o contexto sociocultural em que será utilizado, o objetivo do presente estudo foi adaptar a versão britânica de Sarah E. MacPherson, Lisa Cipolotti, e Tim Shallice, para o português brasileiro (MacPherson et al., 2014). Para tal, dois estudos foram idealizados. O primeiro estudo, de adaptação propriamente dita, envolve a tradução do instrumento do inglês britânico para o português brasileiro e as análises teórica e empírica dos itens. A análise teórica foi feita por juízes, enquanto a empírica foi realizada por um estudo piloto. O segundo estudo consistiu em uma fase de teste do instrumento.

 

Método

Estudo 1 – Adaptação do CET – Procedimentos de adaptação.

O processo de adaptação, realizado em etapas (Wagner, 2010), seguiu as diretrizes da American Educational Research Association (AERA), American Psychological Association (APA) e National Council on Measurement in Education (NCME) (1999) e do Conselho Federal de Psicologia, respeitando a Resolução nº 002/2003 (CFP, 2003).

Etapa 1. Tradução.

As duas versões do CET (Formas A e B), conforme o projeto original, foram traduzidas diretamente do inglês britânico pela primeira autora. Não houve tradução reversa. Optou-se por um procedimento de tradução direta primeiramente, e, a seguir, por uma adaptação das questões à realidade brasileira.

Etapa 2. Análise de juízes

As duas versões do instrumento foram analisadas por seis juízes, pesquisadores de Psicometria e Neuropsicologia, que receberam a versão original, em inglês britânico, e a versão traduzida e adaptada em português brasileiro, e indicaram sua concordância ou discordância com as instruções e perguntas da versão adaptada, bem como sugestões de modificações para mais clareza ou novas alternativas de questões (análise de conteúdo do instrumento). Após esse processo, uma nova versão adaptada foi gerada.

Etapa 3. Estudo piloto.

Em seguida, realizou-se uma aplicação piloto da versão gerada após a análise de juízes. O objetivo dessa aplicação piloto foi avaliar a adequação das perguntas quanto à clareza e semântica, bem como gerar normas de pontuação.

Delineamento e participantes

Trata-se de um estudo transversal, em que participaram 37 indivíduos adultos saudáveis, estudantes de graduação (nível superior incompleto) selecionados por amostragem não aleatória por conveniência. As idades desses participantes variaram entre 17 e 31 anos, (M=20,84; DP=2,91), sendo (n=31, 83,8%) de mulheres. Os critérios de exclusão foram história ou episódio atual de doença neurológica ou psiquiátrica e dificuldades visuais ou auditivas não corrigidas. Os dados sociodemográficos constam na Tabela 1.

 

 

Instrumentos

Cada participante respondeu a uma ficha autoadministrada de dados sociodemográficos e culturais, indicando informações como idade, escolaridade, nível socioeconômico, história de transtornos neurológicos ou psiquiátricos e uso de medicações, entre outros. O nível socioeconômico foi pontuado pela quantificação de itens de bens de consumo, segundo o critério Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa (ABEP, 2008). Os índices referentes aos hábitos de leitura e de escrita foram pontuados em uma escala do tipo Likert, em que escore máximo para os hábitos de leitura é de 16 e para os de escrita, 12.

Utilizou-se duas versões do CET (Formas A e B) contendo 30 perguntas cada. Todos os participantes responderam às duas versões, elaboradas e definidas a partir da análise de juízes. Metade dos participantes respondeu primeiramente à versão A, e a outra metade, primeiramente à versão B, para evitar efeito de fadiga ou aprendizado.

Procedimentos

Todos os participantes foram respeitados no que tange aos aspectos éticos que regem estudos com seres humanos, de acordo com as resoluções do Conselho Federal de Psicologia (CFP nº 016/2000) e do Conselho Nacional de Saúde (CNS, Resolução n° 196/96). O projeto de pesquisa foi avaliado e aprovado por um Comitê de Ética em Pesquisa (CEP), cujo número de parecer de aprovação é 001/2009.

Dois grupos de estudantes universitários de áreas de saúde participaram do estudo. Os participantes foram avaliados em sessões coletivas, de duração aproximada de 30 a 50 min. Um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) foi lido em voz alta para os grupos e suas dúvidas foram esclarecidas, e quem concordou em participar do estudo assinou o TCLE. Apenas um participante de um dos grupos optou por não participar do estudo. Os estudantes então preencheram individualmente a ficha de dados sociodemográficos. A seguir, as instruções para a tarefa foram apresentadas pela examinadora, e os participantes responderam às duas versões do CET (Formas A e B), em ordem contrabalançada.

 

Resultados

Fez-se uso de medidas estatísticas univariadas para a descrição da amostra quanto às variáveis sexo, idade, escolaridade, nível socioeconômico, hábitos de leitura e de escrita. Os respectivos dados são apresentados na Tabela 1. Medidas descritivas para todas as 60 questões do CET foram obtidas. A distribuição de respostas foi também analisada por histogramas e box plots para cada um dos itens do CET, considerando sua unidade de medida original. Por exemplo, as respostas de questões envolvendo velocidade foram analisadas em quilômetros por hora (km/h), assim como estimativas de peso foram analisadas em gramas (g) ou quilogramas (kg), e assim sucessivamente. Essa análise inicial possibilitou que se visualizassem as distribuições médias das respostas, bem como possíveis outliers.

A seguir, efetuou-se a pontuação das respostas do CET. Cada uma das questões tem uma resposta esperada aproximada, cujos valores foram pesquisados em fontes diversas. As respostas dos 37 indivíduos que participaram dessa etapa foram transformadas em escores variando de 0 a 2, segundo Della Sala et al. (2003), ressaltando-se que, diferentemente da maioria dos instrumentos de avaliação psicológica e escalas, o 0 (zero) representa o acerto. A pontuação do CET consiste em uma espécie de escore de desvio. Respostas entre 0 e 30% acima ou abaixo do gabarito foram pontuadas com escore 0, respostas equivalentes ao intervalo entre 31% e 90% acima ou abaixo da resposta correta receberam pontuação 1, e respostas que correspondem a um desvio de 90% acima ou abaixo da resposta correta foram pontuadas com escore 2. Portanto, quanto maior o escore no CET, pior o desempenho. Esse procedimento foi adotado para todas as perguntas das Formas A e B. Exemplos podem ser encontrados na Tabela 2, que apresenta questões originalmente pertencentes à Forma B.

 

 

O passo subsequente foi a análise de fidedignidade do instrumento. Calculou-se os índices de fidedignidade para as Formas A e B do CET. Tais índices constam da Tabela 3.

 

 

As formas A e B foram analisadas. Em vista dos melhores índices de fidedignidade da Forma B, optou-se por transformá-la em uma versão única final e testá-la. Essa versão foi obtida com a exclusão de duas questões, as de número oito (“Qual a velocidade média de um corredor/ maratonista?”) e 28 (“Qual a velocidade máxima de um ciclista?”), as quais tinham correlações negativas com o escore total do instrumento. Portanto, trabalhou-se com uma versão final composta de 28 perguntas, a qual corresponde à versão apresentada na Tabela 2, com as respectivas alternativas de respostas. Ressalta-se que, diferente do que ocorreu no estudo piloto, na etapa seguinte o instrumento foi testado segundo a forma de aplicação para a qual foi desenvolvido. Em outras palavras, nessa etapa os participantes foram avaliados individualmente.

 

Método

Estudo 2 – Teste da versão final do CET.

Delineamento e participantes

Realizou-se um estudo transversal, do qual participaram 30 idosos saudáveis, selecionados por amostragem não aleatória por conveniência. Ressalta-se que esse estudo envolve uma etapa inicial do processo de validação e normatização. Pretende-se ampliar essa amostra em um estudo futuro, incluindo várias faixas etárias da vida adulta. Os critérios de inclusão foram: (a) ser idoso (ter idade igual ou superior a 60 anos); (b) residir na comunidade (não ser institucionalizado). Foram excluídos idosos com história ou episódio atual de doença neurológica ou psiquiátrica, bem como os que apresentaram dificuldades visuais ou auditivas não corrigidas.

Instrumentos e procedimentos

Os idosos responderam à mesma ficha de dados sociodemográficos e culturais utilizada no estudo piloto, com os mesmos fins. Os participantes foram avaliados com o Miniexame de Estado Mental (MEEM) (Folstein, Folstein, & McHugh, 1975), para identificar sintomas de possível quadro demencial e excluir participantes com dificuldades cognitivas. O escore máximo do MEEM é de 30. Os participantes que pontuaram valores iguais ou inferiores a 24 foram excluídos do estudo. Esse ponto de corte corresponde ao da adaptação de Chaves e Izquierdo (1992).

Nessa etapa, utilizou-se a forma única final do CET, contendo 28 questões (Tabela 2). Procedimentos similares aos do estudo piloto foram adotados no que tange aos aspectos éticos e à coleta de dados. Nesse caso, porém, os participantes foram avaliados individualmente e responderam apenas a versão final do CET.

Resultados

Calculou-se medidas de tendência central e de dispersão das variáveis sociodemográficas e culturais, o mesmo processo já feito no estudo piloto. A etapa final do processo de adaptação do CET consistiu no teste da versão de 28 perguntas. Os respectivos valores constam da Tabela 4. Os índices de fidedignidade dessa última versão são 0,57 (alfa de Cronbach), 0,60 (split half) e 0,74 (Guttman).

 

 

Discussão

O objetivo do presente estudo foi adaptar o CET, recentemente publicado na Grã-Bretanha (MacPherson et al., 2014), para a realidade brasileira. No Brasil, a atualização dos instrumentos de avaliação psicológica é uma preocupação manifesta de profissionais de diversas áreas da psicologia, regulamentada e sistematizada pelo Sistema de Avaliação dos Testes Psicológicos (SATEPSI), vinculado ao Conselho Federal de Psicologia (CFP nº 02/2003).

Especificamente na área da Neuropsicologia, estudos envolvendo tarefas de avaliação de funções executivas, um construto é multiconceitual e multicomponencial (Jurado & Rosselli, 2007; Smith & Jonides, 1999) – o que pode estar relacionado à diversidade de conexões dos lobos frontais, que gerenciam seu processamento, com as diversas regiões do encéfalo (Miller & Cohen, 2001) – são necessários. Portanto, para dar conta de uma avaliação dos diversos componentes das funções executivas, diversas tarefas são necessárias (Jurado & Rosselli, 2007), e o CET pode vir a contribuir como medida auxiliar, uma vez que promove a avaliação da estimação cognitiva, processo importante no dia a dia.

De acordo com a literatura psicométrica, algumas etapas de análise são necessárias quando um instrumento está sendo criado ou adaptado. Inicialmente é importante que ocorra a análise de itens de um instrumento (Pasquali, 2001; Urbina, 2007). Essa etapa deve compreender uma análise teórica, usualmente feita por juízes que avaliam se os itens são compreensíveis e se relacionam ao atributo a que pretendem medir, e uma análise empírica, com base nos dados fornecidos por uma amostra de sujeitos submetida ao teste (Pasquali, 2001).

No presente estudo, trabalhou-se com a adaptação de um instrumento já existente (MacPherson et al., 2014). Portanto, a etapa de análise teórica foi realizada com a versão traduzida do instrumento já construído, o CET (Formas A e B). Seis juízes, profissionais das áreas de Neuropsicologia ou Psicometria, selecionados por sua experiência na avaliação de funções executivas e na adaptação e validação de instrumentos, julgaram a adequação da tradução, a inteligibilidade das questões e a relação dos itens com o construto a que se propõe medir, sugerindo modificações e substituições de questões, que foram acatadas para a elaboração da versão final.

Cumprida a etapa de análise teórica dos itens, passou- se à sua avaliação empírica (Etapa 3). Trinta e sete participantes adultos jovens, estudantes de ensino superior, foram submetidos a ambas as versões do CET (Formas A e B). Suas respostas às 60 questões foram analisadas, tendo como produto um gabarito de correção. Não existe consenso acerca da forma de pontuação do CET. Shallice e Evans (1978), autores da versão original, utilizaram uma escala de quatro pontos (resposta normal, pouco extrema, extrema e muito extrema) para avaliar o desempenho dos portadores de lesão cerebral. Essa escala foi construída com base nas respostas de 25 participantes controles. Axelrod e Millis (1994) e Gillespie, Evans, Gardener, e Bowen (2002) também trabalharam com uma espécie de escore de desvio, mas, diferente do estudo original, construíram uma escala de pontuação que variou de 0 a 2, baseada em percentis. Gillespie et al. (2002), por exemplo, definiram que respostas entre os 16º e 84º percentis receberiam escore 0. As respostas de escore 1 seriam aquelas entre o segundo e 15º percentis entre o 85º e o 98º. Por fim, respostas abaixo do segundo percentil ou acima do 98º receberiam escore 2.

No presente estudo, a pontuação das respostas seguiu a pontuação de erro absoluto – absolute error score (Della Sala et al., 2003) –, cujas respostas constam da Tabela 2. Tal procedimento foi adotado por duas razões: 1. foi a forma de pontuação adotada por MacPherson et al. (2014) para a atual normatização britânica; e 2. a amostra do presente estudo é pequena para uma análise por percentil. O tamanho da amostra pode ser uma limitação do presente estudo.

Após a definição dos mecanismos de pontuação do CET, análises de fidedignidade foram conduzidas (Tabela 3). Tal procedimento teve por objetivo avaliar a consistência interna da escala. Os valores descritos na Tabela 3 evidenciam índices de consistência interna de baixa (Forma A) a moderada (Forma B). O SATEPSI (CFP nº 02/2003) indica alfas de Cronbach de 0,60 como aceitáveis, mas recomenda valores mínimos de 0,80. Ressalta-se que a consistência interna da escala encontrada no presente estudo é similar aos índices encontrados em estudos prévios. As correlações item total variaram de 0,22 a 0,57 em um estudo norte-americano (Axelrod & Millis, 1994). Em um estudo britânico, o alfa de Cronbach encontrado foi de 0,40 (O´Carroll, Egan, & MacKenzie, 1994).

As análises de fidedignidade pelo método das metades (split half) evidenciaram a mesma relação apresentada pela consistência interna, isto é, correlação entre metades de baixa (Forma A) a moderada (Forma B). Finalmente, buscou-se avaliar o índice de Guttman, utilizado em um estudo prévio envolvendo o CET (O`Carroll et al., 1994).

De acordo com a literatura psicométrica, os valores encontrados para o alfa de Cronbach e os coeficientes split half e de Guttman refletem o fato de que os diversos itens da escala podem estar refletindo diferentes construtos. Quanto maior a integridade ou unidade de um construto, maiores os índices de fidedignidade, o que significa dizer que as chances de os diversos itens da escala estarem medindo o mesmo processo básico são maiores. Em contrapartida, o CET foi idealizado e tem sido utilizado como instrumento de mensuração de funções executivas, mais especificamente para avaliar a geração de estratégias efetivas de resolução de problemas (Strauss et al., 2006). Sabe-se que os processos executivos são multicomponenciais (Jurado & Rosselli, 2007; Miyake, Friedman, Emerson, Witzki, & Howerter, 2000; Stuss & Levine, 2002), sendo necessárias tarefas diversas para que todos os seus componentes possam ser avaliados.

Em vista disso, talvez a habilidade de fazer estimativas cognitivas seja mesmo composta de múltiplos fatores, e não um construto unitário. Portanto, os índices encontrados podem estar refletindo a multicomponencialidade da estimação cognitiva, uma vez que diversos processos psicológicos básicos são requisitados para que uma pessoa possa fazer uma estimativa de resposta a uma determinada questão. Tal fato só poderá ser esclarecido mediante a análise das relações da estimação cognitiva com outros componentes de funções executivas. Essa é uma das limitações deste estudo e, ao mesmo tempo, algo a ser explorado em estudos posteriores.

De qualquer forma, uma vez que tais questionamentos não puderam ser respondidos no presente estudo, optou-se por seguir os preceitos psicométricos para a definição de uma forma final do CET, a qual deveria ser testada. Ela foi originada da Forma B prévia, tendo sido escolhida em vista que seus índices de fidedignidade foram melhores do que os da Forma A. Além disso, duas questões foram excluídas do instrumento (“Qual a velocidade média de um corredor/maratonista?” e “Qual a velocidade máxima de um ciclista?”) em função das baixas correlações item-total. Tal procedimento gerou uma forma única com 28 itens. Os índices constam da Tabela 3.

Na fase de teste do instrumento, buscou-se testar a versão final do CET. Em outras palavras, uma vez realizada a análise empírica dos itens (Pasquali, 2001) e construído um sistema de pontuação, fez-se necessário um teste definitivo do instrumento. Essa etapa foi realizada com participantes idosos, de 60 anos ou mais. Em vista do objetivo do presente estudo de adaptar o CET para o português brasileiro, a ideia é investigar o desempenho de diversas faixas etárias do ciclo vital adulto no CET. Neste momento, priorizou-se um segmento etário da adultez. No futuro, pretende-se que a amostra seja ampliada para envolver adultos jovens e maduros, bem como indivíduos menos escolarizados.

Na Tabela 4, apresentam-se características sociodemográficas da amostra em questão, e pode-se ver que se trata de um grupo de participantes de escolaridade elevada, de nível socioeconômico predominantemente de médio a alto, com freqüência elevada de leitura e de escrita e sem dificuldades cognitivas gerais (pontuação média alta no MEEM). Esperava-se que um grupo de indivíduos com tais características possivelmente não teria dificuldades maiores no desempenho do CET. Contudo, uma parcela dos participantes emitiu uma quantidade significativa de respostas “não sei”, o que não era esperado, tendo em vista a experiência com a amostra do estudo piloto. Em vista de se tratar de amostra de escolaridade elevada, imaginou-se que os participantes não teriam maiores dificuldades em responder às questões.

O teste de participantes de idade elevada, bem como de alta escolaridade, tende a evidenciar um melhor desempenho em uma diversidade de tarefas cognitivas (Ardila, Ostrosky-Solis, Rosselli, & Gomez, 2000; Cattell, 1963), e sabe-se que essa faixa etária tende a mostrar melhor desempenho em habilidades cristalizadas (Cattell, 1963), o que teoricamente facilitaria o desempenho em tarefas baseadas em conhecimentos, o que não se verificou no presente estudo.

Della Sala, MacPherson, Phillips, Sacco, e Spinnler (2004) realizaram um estudo buscando investigar exatamente essa questão. Após testarem o desempenho de participantes cujas idades variaram entre 18 e 87 anos no CET por testes de comparação entre médias, os autores não encontraram efeitos de idade no instrumento. Gillespie et al. (2002) realizaram um estudo similar, buscando correlacionar o desempenho no CET à idade dos participantes. Os resultados do presente estudo vão ao encontro dos de Della Sala et al. (2004).

Ressalta-se que tais comparações são limitadas no presente estudo, uma vez que o desempenho das amostras do estudo piloto e da etapa de teste do instrumento não foram comparadas, não só por terem sido coletadas com objetivos diferentes, mas também pela diferença na forma de aplicação do CET: enquanto no estudo piloto os participantes responderam coletivamente, na etapa de teste o fizeram individualmente. Estudos futuros poderão ser feitos com o objetivo de avaliar o efeito da idade, utilizando a mesma forma de aplicação.

Contudo, algumas questões permanecem em aberto. A questão da quantidade de respostas corretas pode estar relacionada a outros processos cognitivos. O desempenho dos participantes idosos na tarefa, por exemplo, levanta outras questões a serem respondidas. Mesmo sabendo das limitações para comparação entre o estudo piloto a etapa de teste do instrumento, imagina- -se que a escolaridade não seja um fator que explique as dificuldades apresentadas pelos participantes mais velhos. Afinal, os anos de estudo são próximos. Talvez o desempenho no CET possa ser explicado pela relação do construto estimação cognitiva com outros processos mentais superiores. Portanto, relacionar o desempenho no instrumento a outras habilidades cognitivas, principalmente outros componentes de funções executivas, pode vir a trazer esclarecimentos importantes acerca do construto. Tais questionamentos precisam ser explorados em estudos subsequentes.

Por fim, no presente estudo, a variável Quociente de Inteligência (QI) não foi controlada. Sabe-se que é um fator importante a ser controlado em estudos que envolvem processos cognitivos, uma vez que o nível intelectual pode interferir em uma série de habilidades e capacidades mentais (Diaz-Asper, Schretlen, & Pearlson, 2004). Sugere-se que estudos futuros sejam realizados com o controle dessa variável para que seja possível uma melhor compreensão da estimação cognitiva e sua relação com a inteligência.

Em termos de conclusão, o presente estudo teve por objetivo adaptar o CET ao português brasileiro. O CET, um instrumento de avaliação de estimativas cognitivas, pode vir a contribuir com o cenário da neuropsicologia, visto que são escassos os instrumentos brasileiros verbais para a avaliação desses processos. Contudo, é necessário destacar algumas limitações deste estudo: ele foi feito com uma amostra pequena, de participantes de apenas um grupo etário (idosos) e sem o controle de uma variável importante, o QI. Sugere-se estudos futuros que compensem essas limitações.

 

Referências

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recebido em abril de 2014
reformulado em outubro de 2014
aprovado em dezembro de 2014

 

 

Sobre os autores

Gabriela Peretti Wagner: é Psicóloga, Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente é professora Adjunta da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) – Porto Alegre/RS.
Suzi Alves Camey: é Graduada em Estatística, possui Doutorado em Estatística pela Universidade de São Paulo. Atualmente é professora Adjunta do Departamento de Estatística (UFRGS) e do Programa de Pós-Graduação em Epidemiologia (UFRGS) – Porto Alegre/RS.
Maria Alice de Mattos Pimenta Parente: é Fonoaudióloga, possui Doutorado em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Atualmente é professora Colaboradora da Universidade Federal do ABC Paulista (UFABC).
Clarissa Marceli Trentini: é Psicóloga, possui Doutorado em Ciências Médicas: Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Atualmente é professora Adjunta do Instituto de Psicologia (UFRGS) e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia (UFRGS) – Porto Alegre/RS.


1A primeira autora agradece à CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal) pelo fomento à pesquisa na forma de bolsa de Doutorado no Brasil e de bolsa para estágio sanduíche na Universidade de Edimburgo (Escócia/Grã-Bretanha).
2Endereço para correspondência: R. Sarmento Leite, 245, sala 208, 90050-170, Porto Alegre-RS. Tel.: (51) 3303-9000, Ramal 8875. E-mail: gabrielapw@ufcspa.edu.br, gabrielapwagner@gmail.com


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