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Avaliação Psicológica
Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431
Aval. psicol. vol.18 no.3 Itatiba July/Sept. 2019
https://doi.org/10.15689/ap.2019.1803.16277.04
ARTIGOS
Análise das Propriedades Psicométricas do Questionário de Monitoramento Parental
Analysis of the psychometric properties of the Parental Monitoring Questionnaire
Análisis de las Propiedades Psicométricas del Cuestionario de Monitoreo Parental
Cynthia CassoniI; Luciana Carla dos Santos EliasII; Edna Maria MarturanoII; Anne Marie FontaineIII
IUniversidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro-RJ, Brasil
IIUniversidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP, Brasil
IIIUniversidade do Porto, Porto-PT, Portugal
RESUMO
O monitoramento parental tem sido associado a desempenho escolar, competência social, autoestima e ajustamento em crianças e adolescentes. O objetivo da pesquisa foi estudar as propriedades psicométricas do Questionário de Monitoramento Parental (QMP). Em estudo prospectivo em escolas públicas, com duas coletas, no 5º (N = 415) e no 6º ano (N = 379), foram utilizados: QMP, Prova Brasil, Questionário para Avaliação do Autoconceito e Escala Multidimensional de Satisfação de Vida para Crianças. Realizou-se análise fatorial exploratória (AFE) e confirmatória (AFC) para avaliar o ajustamento do modelo estrutural. A AFE indicou dois fatores, monitoramento do pai e monitoramento da mãe, confirmada na AFC, com indicadores aceitáveis de consistência interna e estabilidade. O QMP foi associado ao desempenho em português, autoconceito e satisfação com a vida, particularmente com a família. Evidência preliminar de confiabilidade do instrumento e associações sugestivas de validade preditiva justificam novas pesquisas para validação do QMP.
Palavras-chave: monitoramento parental; validação de instrumento; confiabilidade de instrumento.
ABSTRACT
Parental monitoring has been associated with academic performance, social competence, self-esteem, and adjustment in children and adolescents. The objective of the study was to study the psychometric properties of the Parental Monitoring Questionnaire (PMQ). In a prospective study performed in public schools, with students of the 5th (n = 415) and the 6th years (n = 379), the PMQ, the Brazil Test, the Self-Concept Assessment Questionnaire and the Multidimensional Life Satisfaction Scale for Children were applied, with two collections. Exploratory factor analysis (EFA) and confirmatory factor analysis (CFA) were carried out to evaluate the fit of the structural model. The EFA indicated two factors, paternal monitoring and maternal monitoring, confirmed in the CFA, with acceptable indicators of internal consistency and stability. The PMQ was associated with performance in Portuguese, self-concept and satisfaction with life, particularly regarding the family. Preliminary evidence of instrument reliability and associations suggestive of predictive validity justify further research to validate the PMQ.
Keywords: parental monitoring; instrument validation; reliability.
RESUMEN
El control parental ha sido asociado al rendimiento escolar, competencia social, autoestima y capacidad de adaptación en niños y adolescentes. El objetivo de la investigación fue estudiar las propiedades psicométricas del Cuestionario de Control Parental (QMP). Fue realizado un estudio prospectivo en escuelas públicas con dos colectas, en el 5º (N = 415) y en el 6º año (N = 379), donde fueron utilizados: QMP, Prueba Brasil, Cuestionario para Evaluación del Autoconcepto y Escala Multidimensional de Satisfacción con la Vida para Niños. Se realizó un análisis factorial exploratorio (AFE) y confirmatorio (AFC) para evaluar la adaptación del modelo estructural. La AFE indicó dos factores, control del padre y control de la madre, confirmados en la AFC, con indicadores aceptables de consistencia interna y estabilidad. El QMP fue vinculado con el rendimiento en portugués, autoconcepto y satisfacción con la vida, sobre todo con la familia. La evidencia preliminar de confiabilidad del instrumento y las asociaciones sugestivas de validez predictiva justifican nuevas investigaciones para la validación del QMP.
Palabras clave: control parental; validación de instrumento; confiabilidad de instrumento.
Nas últimas décadas, o monitoramento dos pais surgiu na pesquisa sobre desenvolvimento como um importante processo intrafamiliar relacionado ao comportamento dos filhos (Crouter, MacDermid, McHale, & Perry-Jenkins, 1990). Monitoramento Parental (MP) tem sido entendido como o conhecimento que os pais têm em relação aos seus filhos, resultado, por um lado, do esforço dos pais para saber o que seus filhos fazem, onde e com quem, e, por outro, da disposição dos filhos em compartilhar informação sobre suas atividades, quando não estão sob as vistas dos pais (Kerr & Stattin, 2000; García, Gómez, Gómez, Marín, & Rodas, 2016).
Desse modo, na adolescência, por exemplo, acompanhar e monitorar as atividades de lazer dos filhos é um desafio a que os pais buscam se ajustar, como indicado por Costa e Faria (2017). Em sua pesquisa junto a pais e mães de estudantes do ensino médio, os participantes mostraram estar cientes da importância de considerar, nessa fase do desenvolvimento dos filhos, além dos aspectos de dependência, necessidade de segurança e estabelecimento de regras, também a crescente necessidade de autonomia do adolescente.
Tanto em crianças como em adolescentes, MP tem sido relacionado a indicadores de desempenho acadêmico (Wang & Sheikh-Khalil, 2014), competência social (Marturano, Elias, & Campos, 2004; Taylor, Conger, Robins, & Widaman, 2015), resiliência (García et al., 2016) e ajustamento pessoal e social (Kerr & Stattin, 2000; Marturano et al., 2004). Pode constituir mecanismos de proteção contra problemas de comportamento para indivíduos em risco (Véronneau & Dishion, 2010) ou expostos aos efeitos adversos da amizade com colegas academicamente desengajados (Im, Hughes, & West, 2016). O efeito protetor para comportamentos de risco está particularmente associado à percepção do adolescente sobre a supervisão dos pais (Clark, Donnellan, Robins, & Conger, 2015; Del Priore, Schlomer, & Ellis, 2017; Low & Espelage, 2014), um dado que reforça a importância da perspectiva dos filhos, assinalada recentemente em estudo sobre envolvimento parental e comportamento oposicional desafiante em crianças mais jovens, de seis a 11 anos (Li, Clark, Klump, & Burt, 2017).
A pesquisa empírica tem contribuído também com alguma evidência de efeitos diferenciais do monitoramento do pai e da mãe (Cia, Pamplin, & Willams, 2008; García et al., 2016; Taylor et al., 2015). Ainda que esparsos, esses estudos indicam a conveniência de se avaliar separadamente MP pelo pai e pela mãe.
Instrumentos para avaliar MP têm sido propostos com base em diferentes definições operacionais do conceito, mais ou menos abrangentes. O Parental Monitoring Knowledge (Véronneau & Dishion, 2010), por exemplo, avalia apenas o conhecimento dos pais sobre as atividades e companhias dos filhos, um recorte adotado em outros estudos recentes (Clark et al., 2015; Del Priore et al., 2017; García et al., 2016; Rusby, Light, Crowley, & Westling, 2018; Taylor et al., 2015). Em contrapartida, Stattin e Kerr (2000), com base em evidência empírica, propõem uma conceituação ampliada de MP, que inclui, não só o conhecimento, mas também a solicitação ativa dos pais na busca por informações, o controle por meio de regras e a revelação espontânea dos filhos sobre suas atividades (disclosure). Mediante a contribuição de Stattin e Kerr (2000), definições mais abrangentes têm sido adotadas para avaliação de MP (Keijsers & Poulin, 2013; Keijsers et al., 2016; Kerr & Stattin, 2000; Low & Espelage, 2014). Nessa categoria estão as escalas disponibilizadas por Keijsers et al. (2016), que cobrem as quatro dimensões de MP tratadas por Stattin e Kerr (2000): conhecimento, busca por informações, controle e disclosure, ou revelação espontânea da criança sobre suas atividades.
A investigação sobre MP não tem tradição no Brasil. Em uma revisão da literatura nacional, encontra-se o estudo de Santos e Marturano (1999), com 41 adolescentes de 11 a 15 anos, com história de dificuldade no aprendizado escolar, que haviam sido atendidos quatro anos antes em uma clínica escola de Psicologia. Para avaliar MP, as autoras desenvolveram o Questionário de Monitoramento Parental (QMP), que cobre vertentes diversificadas do MP, cuja importância foi posteriormente evidenciada por Stattin & Kerr (2000). Inclui itens representativos de conhecimento, controle por meio de regras e revelação, acrescidos de itens de suporte e comunicação pais-filhos, importantes facilitadores da revelação (Crouter et al., 1990). O QMP, objeto de investigação deste estudo é o único publicado no Brasil (Marturano et al., 2004) com foco ampliado no MP. Desenvolvido para avaliar MP segundo a percepção dos filhos, compreende três escalas, duas idênticas com itens de monitoramento do pai e da mãe em separado, e a terceira com itens relativos ao monitoramento conjunto por ambos. Dos itens que remetem a ações parentais, cinco focalizam a comunicação (por exemplo: "Quando seu pai/sua mãe quer que você faça algo para ele/ela explica o porquê?"), quatro, o conhecimento (por exemplo: "Seu pai/ sua mãe conhece seus amigos?"), dois, as regras ("Você tem hora para chegar em casa nos finais de semana?") e dois, o suporte ("Você pode contar com a ajuda de seu pai/ sua mãe quando tem algum problema?"). Dois itens remetem à revelação por parte da criança ("Quando tem algum problema fora de casa você conta para seu pai/sua mãe?").
O QMP não passou por avaliação sistemática de suas propriedades psicométricas; há informação sobre a consistência interna do instrumento, obtida sobre dados da amostra original de 41 adolescentes (Marturano et al., 2004), com índice alfa satisfatório (Hair, Black, Anderson, & Tatham, 2005) para as escalas de MP-pai (0,91) e MP-mãe (0,72) e baixo para a escala de MP-conjunto (0,56). Mesmo com essa amostra restrita, recrutada em contexto clínico (Marturano et al., 2004; Santos & Marturano, 1999), o QMP forneceu resultados coerentes com a evidência empírica da época (Kerr & Sattin, 2000), ao detectar associação direta entre MP e indicadores de desempenho escolar e competência social, bem como relação inversa com medidas de ajustamento e saúde mental. Além disso, antecipando contribuições da literatura sobre MP tal como percebido pela criança/adolescente, outros resultados indicaram associação entre MP e um relacionamento afetuoso entre pais e filhos (Del Priore et al., 2017; Taylor et al., 2015) e destacaram o monitoramento do pai como variável relevante para uma atitude mais positiva da criança em relação à escola (García et al., 2016; Im et al., 2016).
Dado o potencial do QMP, sugerido pela evidência empírica disponível, e desde que não se dispõe de outro instrumento de avaliação do MP desenvolvido para o Brasil, considera-se relevante uma investigação sistemática de algumas das suas qualidades psicométricas. Assim, o presente estudo teve como objetivos: (a) verificar a estrutura fatorial do QMP; (b) aferir a confiabilidade do instrumento; (c) investigar associações com desempenho escolar e correlatos de ajustamento do adolescente.
Para verificar a estrutura fatorial, parte-se da hipótese de três fatores, correspondendo às escalas de monitoramento do pai, da mãe e conjunto. A aferição da confiabilidade do instrumento é feita por meio de indicadores de estabilidade e precisão. Para a investigação de associações com desempenho e ajustamento do adolescente parte-se da evidência de: (a) associação positiva entre MP e desempenho acadêmico (Véronneau & Dishion, 2010), engajamento nas atividades escolares (García et al., 2016; Im et al., 2016), relações pais-filhos harmoniosas (Del Priori et al., 2017; Taylor et al., 2015) e aceitação pelos pares (Véronneau & Dishion, 2010); (b) associação negativa entre MP e baixa autoestima e problemas no relacionamento com a mãe e o pai (Kerr & Stattin, 2000).
Método
Participantes
Em um município no interior do estado de São Paulo, Brasil, foram sorteadas duas salas de aula em todas as escolas públicas (15 escolas municipais) que oferecem o Ensino Fundamental I (EFI). Foram então convidados 823 alunos cursando o 5º ano do EFI. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi preenchido e assinado pelos responsáveis de 415 alunos (183 meninos), com idade média de 10,60 anos (DP = 0,91) que participaram na 1ª coleta de dados. Destes, 379 alunos foram reavaliados no 6º ano (167 meninos; M = 11,52; DP = 0,75).
Instrumentos
Questionário de Monitoramento Parental (QMP, Santos & Marturano, 1999). Compõe-se de 28 itens com três opções de resposta, sim, não ou às vezes, pontuando em cada item: 2 pontos quando a resposta for sim, 1 ponto quando a resposta for às vezes e nenhum ponto (0) quando a resposta for não. São pontuados e somados separadamente os itens relacionados ao monitoramento do pai, da mãe e dos pais em conjunto. Essa somatória produz os escores relacionados ao MP-pai (máximo de 24 pontos), MP-mãe (máximo de 24 pontos) e dos pais em conjunto (máximo de 8 pontos). O escore total do QMP é a soma dos escores de todos os itens.
Prova Brasil. A Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc), conhecida como Prova Brasil, faz parte do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), (http://provabrasil.inep.gov.br/historico). Aplicada no quinto ano, a prova é constituída por 22 questões de português e 22 questões de matemática. Para este estudo, foram acrescentadas seis questões de português e seis de matemática no nível do 6º ano, para evitar um efeito de teto nesse ano de escolaridade. As questões acrescentadas foram desenvolvidas por professores do EF, com conteúdo do currículo do 6º ano, seguindo modelos de questões da Prova Brasil. Os escores nessa prova foram tomados como medida de desempenho acadêmico.
Questionário para Avaliação do Autoconceito1 (SDQ1, Marsh, Relich, & Smith, 1983), adaptado para o contexto brasileiro (Gardinal-Pizato, 2010). Com 76 itens, avalia autoconceito global, acadêmico (dimensões: geral, português, matemática) e não acadêmico (aparência física, competência física, relação com pais, relação com amigos). A resposta a cada item é dada pelo examinando em uma escala do tipo Likert de quatro pontos: (1) concordo totalmente, (4) discordo totalmente. A AFC com a amostra deste estudo deu suporte ao modelo proposto pelos autores: autoconceito global χ2/gl= 3,426, CFI = 0,91, GFI = 0,97, SRMR = 0,04, RMSEA = 0,08 e alfa de Cronbach 0,62; autoconceito acadêmico χ2/gl= 2,780, CFI = 0,90, GFI = 0,87, SRMR = 0,05, RMSEA = 0,06 e alfa0,88; autoconceito não acadêmico χ2/gl= 1,779, CFI = 0,90, GFI = 0,90, SRMR = 0,05, RMSEA = 0,04 e alfa= 0,85.
Escala Multidimensional de Satisfação de Vida para Crianças (EMSVC, Cassoni, Marturano, Coimbra, & Fontaine, 2017; Giacomoni & Hutz, 2008). Contém 36 itens, distribuídos em seis fatores: self, self comparado, não violência, família, amizade e escola. Em cada item, a resposta da criança indica o grau de concordância com a afirmação nele contida, em escala Likert: (1) concordo nem um pouco, (5) concordo muitíssimo. A AFC com a amostra deste estudo deu suporte ao modelo proposto pelos autores (Cassoni et al., 2017): χ2/gl = 1,851, CFI =0,90, SRMR = 0,05 e RMSEA = 0,04 e alfa = 0,86.
Procedimentos
O estudo recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras de Ribeirão Preto (CAAE: 27855914.5.0000.5407), autorização da Secretaria de Educação e Cultura do município e autorização da Diretoria Regional da Educação do Estado de São Paulo. A coleta de dados ocorreu nas escolas, durante o horário das aulas, em sessões coletivas, nos meses de agosto a setembro de 2014 e julho a agosto de 2015. Para os objetivos deste estudo, foi criado um banco de dados com os escores dos instrumentos no 5º ano (N = 415), e outro com os dados do QMP no 6º ano (N = 379). O banco de dados foi criado com o software SPSS (versão 22) e foi utilizado o software AMOS (versão 18) para as análises, que incluíram AFE, AFC, precisão, estabilidade teste-reteste, correlações e comparações de grupos. As análises foram feitas com dados do 5º ano, com exceção da estabilidade teste-reteste que utilizou igualmente os dados do 6º ano.
Análise de Dados
Antes de iniciar a análise das qualidades psicométricas do instrumento foram retirados quatro itens (P7/M7 e P9/M9) com idêntico enunciado - "Fala alguma coisa?", cuja função no questionário é meramente complementar à dos itens P6/M6 e P8/M8 (Tabela 1). Para as análises fatoriais, o banco de dados do 5º ano foi dividido da seguinte forma: o primeiro participante masculino incluído no banco foi designado para AFE, o segundo para AFC e assim por diante. O mesmo foi feito para as meninas. Foram assim destinados 207 participantes para a AFE (91 meninos) e 208 para a AFC (94 meninos).
Para a AFE, utilizou-se o método de quadrados mínimos não ponderados, com rotação varimax. As primeiras extrações foram realizadas com valor próprio (eigenvalue) superior a 1. O screeplot (gráfico de cascalho) foi também considerado, na decisão do número de fatores a reter. As comunalidades, o nível de saturação de cada item no fator (< 0,20) e a saturação simultânea de um mesmo item em diferentes fatores (diferenças < 0,20) foram considerados nas decisões de manutenção ou eliminação de itens, assim como outros indicadores, como a contribuição para a consistência interna (Marôco, 2010). Para a AFC, utilizaram-se para avaliar a qualidade do ajustamento do modelo estrutural, o teste do qui-quadrado X2 (< 3,00), o Comparative Fit Index - CFI(> 0,90), o Root Mean Square Error of Approximation - RMSEA (< 0,05) e o Standardized Root Mean Square Residual - SRMR (< 0,08) (Marôco, 2010; Schweizer, 2010).
A precisão foi aferida por meio do coeficiente alfa de Cronbach, da confiabilidade composta (CC) e da variância média extraída (VME, Valentini & Damasio, 2016). Para alfa e CC estipulou-se que valores acima de 0,70 seriam considerados adequados (Hair et al., 2005). A VME foi comparada com as correlações quadradas de outras dimensões no modelo, considerando-se a presença de validade discriminante quando os valores da correlação quadrada fossem menores que os valores de VME (Fornell & Larcker, 1981). Para a estabilidade, utilizou-se a correlação teste-reteste por meio do coeficiente de correlação intra-classe, com o seguinte critério: abaixo de 0,40 fraco, de 0,41 a 0,74 moderado e de 0,75 a 1 elevado (Fleiss & Cohen, 1973).
As associações com variáveis da criança foram investigadas por meio de análise de variância e correlações. Análise de variância em função do MP foi usada para identificar possível associação com variações no desempenho acadêmico no 5º ano, avaliado com a Prova Brasil. Foram formados três grupos, de acordo com o escore total de MP no 5º ano: grupo MP1, com pontuação de 0,00 a 1,00 (n = 35); grupo MP2, pontuação de 1,01 a 1,70 (n = 213); grupo MP3, pontuação de 1,71 a 2,00 (n = 131). Na avaliação da magnitude das diferenças, considerou-se o efeito como pequeno quando η2p ≤ 0,05; médio, quando η2p variou de 0,051 a 0,25; elevado para η2p entre 0,26 e 0,50; muito elevado quando η2p > 0,50 (Cohen, 1992; Marôco, 2014).
Os escores no SDQ1 e na EMSVC foram considerados como correlatos de ajustamento nos domínios pessoal (autoconceito global, aparência física, competência física; satisfação com o self e o self comparado), familiar (autoconceito na relação com os pais; satisfação com a família) escolar (dimensões do autoconceito acadêmico; satisfação com a escola) e social (autoconceito na relação com amigos; satisfação com as amizades). Para analisar as correlações com dimensões do autoconceito e da satisfação com a vida, utilizou-se o coeficiente de Pearson, considerando os critérios definidos por Bryman e Cramer (2003): muito baixa (< 0,20), baixa (> 0,20 - 0,40), moderada (> 0,40 - 0,70), alta (> 0,70 - 0,90) ou muito alta (> 0,90).
Resultados
Verificou-se a consistência interna anterior à AFE, seguindo a estrutura proposta por Santos e Marturano (1999). Foram obtidos os seguintes índices: 0,72 para o monitoramento do pai; 0,57 para o monitoramento da mãe; 0,37 para o monitoramento em conjunto/ambos e 0,75 para o total. A AFE com uma solução de dois fatores (Tabela 1) apresentou saturação mais elevada para os itens e menor número de itens com saturação em mais de um fator do que quando realizada com três fatores. Os dois fatores explicam 25,1% da variância.
Foram retirados os itens com saturação próxima nos dois fatores (P8, M3 e M10) e os itens com saturação inferior a 0,20 (M11 e A1). Resultaram duas dimensões - Pai com 11 itens (P1 - P2 - P3 - P4 - P5 - P6 - P10 - P11 - P12 -A3 - A4) e Mãe com oito itens (M1 - M2 - M4 - M5 - M6 - M8 - M12 - A2). Após a AFE, a consistência interna do instrumento apresentou os seguintes resultados: MP-pai (0,73), MP-mãe (0,49) e MP-total (0,72).
Para a AFC, todos os pressupostos básicos foram cumpridos - linearidade, normalidade, sem multicolinearidade e homocedasticidade das variâncias residuais (Marôco, 2010). No entanto, mantida a estrutura resultante da AFE, os itens A2, A3, A4, M5 e M6 ficaram com baixos escores de carga fatorial (abaixo de 0,35) e apresentaram baixo poder discriminativo, com mais de 90% de respostas no ponto 2 da escala Likert. Com a remoção desses itens os índices melhoraram, conforme indicado na Tabela 2, mas o valor do CFI ainda foi menor do que o desejado (CFI = 0,72). A correlação sugerida por índices de modificação entre alguns erros foi realizada: itens P4 e M4 (MI = 56,377; "Seu pai/mãe incentiva você a ser independente?"); itens P12 e M12 (MI = 31,810; "Seu pai/mãe sabe onde você está quando não está em casa?"); itens P1 e M1 (MI = 17,653; "Quando tem algum problema fora de casa você conta para seu pai/mãe?").
Após a introdução dessas mudanças, obteve-se uma estrutura com dois fatores, com índices de ajuste satisfatórios: (x2= 119,073, p = 0,001), χ2 / DF = 1,631, CFI = 0,91, SRMR = 0,05 e RMSEA = 0,05). A versão ficou com 14 itens: Pai (P), nove itens (P1, P2, P3, P4, P5, P6, P10, P11, P12); Mãe (M), cinco itens (M1, M2, M4, M8, M12). Essa composição contempla cinco itens de conhecimento (P6, P11, P12, M8, M12), quatro de comunicação (P3, P4, P10, M4), três de suporte (P2, P5, M2) e os itens de revelação da criança (P1; M1).
Com essa composição de itens, o questionário apresentou os seguintes índices: MP-pai, VME = 0,28, CC = 0,77, alfa = 0,75. MP-mãe, VME = 0,24, CC = 0,61, alfa = 0,60. MP-total, CC = 0,77, alfa = 0,74. A consistência interna e a confiabilidade composta foram satisfatórias para MP-pai e MP-total e fracas para MP-mãe. As correlações entre os fatores foram r = 0,25 e r2 = 0,06. O valor de r2 menor que os valores de VME indica validade discriminante entre os fatores. A correlação entre os fatores e a escala total foi igual a 0,91 para MP-pai e 0,61 para MP-mãe. As correlações teste-reteste foram moderadas para MP-pai (0,69), MP-mãe (0,56) e MP-total (0,67).
Na análise de variância do desempenho acadêmico em função do monitoramento parental, observa-se variação estatisticamente significativa entre os grupos no 5º ano (Tabela 3) nas variáveis português e total, ambas com tamanho de efeito pequeno. Há diferença entre MP1, com a menor média, e os demais grupos.
Os resultados das correlações entre escores do QMP e de autoconceito e satisfação com a vida são apresentados na Tabela 4. A maior parte dos índices apresenta valores positivos significativos. Nota-se que tais correlações são baixas, com duas exceções. Obteve-se correlação positiva e moderada entre MP-total e o autoconceito na relação com os pais (r = 0,40); também foi moderada a correlação entre MP-total e satisfação com a família (r = 0,41).
Discussão
Este estudo teve como objetivo verificar a estrutura fatorial do QMP, aferir sua confiabilidade e investigar associações com desempenho escolar e correlatos de ajustamento do adolescente. A AFE mostrou-se mais adequada com duas e não três dimensões. Por meio da AFC e da validade discriminante, confirmou-se a viabilidade do modelo com duas dimensões encontradas na AFE. Esses resultados excluem do QMP a dimensão de monitoramento conjunto dos pais, ao mesmo tempo que reiteram o monitoramento materno e o paterno como dimensões distintas do MP, dando suporte a evidências de efeitos distintos sobre o funcionamento dos filhos (García et al., 2016; Taylor et al., 2015).
Os dados de consistência interna foram aceitáveis para a dimensão Pai e para o escore total do QMP. A dimensão Mãe, no entanto, apresentou menor valor alfa de Cronbach e CC. Nessa dimensão, observa-se também menor capacidade discriminativa, em parte devido à presença mais generalizada das mães no dia a dia das crianças, como educadoras e cuidadoras (Cia et al., 2008). Nesse sentido, a AFC revelou no QMP dois itens de monitoramento materno com baixo poder discriminativo por presença constante em mais de 90% das respostas das crianças.
A versão reduzida do QMP manteve a composição diversificada da versão original, em acordo com a perspectiva de pesquisa segundo a qual a avaliação do monitoramento deve ultrapassar o mero conhecimento dos pais, para incluir a revelação espontânea da criança sobre suas atividades (Keijserset al., 2016; Stattin & Kerr, 2000), assim como o suporte e comunicação pais-filhos, importantes facilitadores da revelação (Crouter et al., 1990). No entanto, não se mantiveram os itens com foco em regras, que faziam parte da escala de monitoramento conjunto. À semelhança dos itens de monitoramento materno já mencionados, os da escala de monitoramento conjunto, incluídas as regras, foram pouco discriminativos por muito presentes na avaliação dos participantes.
O QMP mostrou associação com variáveis do adolescente, na direção prevista com base em achados prévios. A associação com desempenho acadêmico tem suporte em diversos estudos (Crouter et al., 1990; Santos & Marturano, 1999; Véronneau & Dishion, 2010; Wang & Sheikh-Khalil, 2014). As correlações com escores de autoconceito e satisfação com a vida podem ser remetidas apenas indiretamente a resultados de estudos anteriores, que não focalizaram os mesmos construtos. Feita a ressalva, algumas relações indiretas são aqui apontadas.
As correlações com autoconceito global e satisfação com o self têm correspondência indireta com os achados de Kerr e Stattin (2000), que encontraram correlação negativa significativa entre baixa autoestima e monitoramento parental avaliado pelo adolescente. A correlação positiva moderada com autoconceito na relação com os pais e satisfação com a família é um achado consistente com os de dois estudos prévios. Del Priore et al. (2017) obtiveram autorrelatos de melhor relacionamento com o pai e a mãe associado ao maior monitoramento parental na adolescência; Taylor et al. (2015) verificaram que o monitoramento autorrelatado pela mãe ou pelo pai foi associado à avaliação positiva da relação mãe-filho ou pai-filho por parte do adolescente. Outros resultados vão ao encontro dos obtidos por García et al. (2016) e Im et al. (2016), com correlação positiva entre o QMP e as dimensões de autoconceito escolar geral e de satisfação com a escola.
Entre as limitações deste estudo, cita-se a faixa etária dos participantes, restrita aos 10-12 anos aproximadamente; quando se trabalha com um intervalo relativamente pequeno de idade, essa condição limita a variabilidade dos resultados, o que pode ter afetado, por exemplo, o poder discriminativo dos itens de monitoramento materno. Outra limitação é mais específica e diz respeito ao momento do reteste, que ocorreu após uma importante mudança contextual: a transição do EFI para o EFII. Tal circunstância pode ter contribuído para menor estabilidade teste-reteste, dado que transições escolares, por afetarem desde a rotina diária até a composição do grupo de pares, podem influenciar o modo como as crianças avaliam seu entorno (Madjar & Cohen-Malayev, 2016).
Dentro dos limites indicados, o presente estudo contribui para o processo de validação do QMP, ao apresentar as primeiras evidências de sua confiabilidade e indícios de associação com desfechos positivos do adolescente, como desempenho acadêmico e satisfação com o self. Espera-se que possa incitar o interesse dos pesquisadores no estudo das características e qualidade do QMP como um importante recurso no desenvolvimento de crianças e adolescentes.
Referências
Bryman, A., & Cramer, D. (2003). Análise de Dados em Ciências Sociais. Oeiras: Celta Editora. [ Links ]
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Endereço para correspondência:
Cynthia Cassoni
Rua Guararapes, 495 apto. 101 Brooklin Paulista
CEP: 04561-000 São Paulo, SP, Brasil
Fone: (11) 2306-2559 ou (11) 99197-6887
e-mail: cynthia.cassoni@gmail.com
Recebido em setembro de 2018
Aprovado em junho de 2019
Sobre os autores:
Cynthia Cassoni é psicóloga, doutora em Psicologia e pesquisadora de pós-doutorado do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social, Universidade do Estado do Rio de Janeiro.
Luciana Carla dos Santos Elias é psicóloga e professora doutora da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.
Edna Maria Marturano é psicóloga e professora titular aposentada da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.
Anne Marie Fontaine é psicóloga e professora titular do Centro de Psicologia da Universidade do Porto, Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação, Universidade do Porto.
Esta investigação foi financiada por bolsa da CAPES - Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - atribuída a Cynthia Cassoni e por auxílio e bolsa do CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - atribuídos a Edna Maria Marturano.