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Avaliação Psicológica
Print version ISSN 1677-0471On-line version ISSN 2175-3431
Aval. psicol. vol.20 no.4 Campinas Oct./Dec. 2021
https://doi.org/10.15689/ap.2021.2004.21950.07
ARTIGOS
Avaliação da Motivação para Aprender com Base na Teoria da Autodeterminação
Motivation to Learn Assessment Based on the Theory of Self-Determination
Evaluación de la Motivación para Aprender Basada en la Teoría de la Autodeterminación
Amanda Lays Monteiro InácioI; Patrícia Waltz ScheliniII; Ana Paula Porto NoronhaIII
IUniversidade São Francisco, Campinas, Brasil. https://orcid.org/0000-0003-1892-6242
IIUniversidade Federal de São Carlos, São Carlos, Brasil. https://orcid.org/0000-0002-2765-865X
IIIUniversidade São Francisco, Campinas, Brasil. http://orcid.org/0000-0001-6821-0299
RESUMO
O presente estudo buscou estimar indicadores de validade com base na estrutura interna e estimativa de precisão da versão adaptada do Continuum de motivação, por meio de uma análise fatorial confirmatória (AFC). Participaram 391 alunos do primeiro ao terceiro ano do ensino médio (M = 17,6; DP = 2,7), ambos os sexos, provenientes de duas instituições do estado do Paraná. Os resultados da AFC indicaram a presença dos cinco fatores do Continuum, todos com a mesma quantidade de itens. Os índices de consistência interna foram considerados aceitáveis e o instrumento apresentou bons índices de ajuste. Foram encontradas correlações positivas e negativas entre os fatores, significativas e com magnitude variando de pequena a grande. Por fim, os estudantes mostraram-se mais motivados extrinsecamente por regulação identificada. Os resultados evidenciam importantes avanços no que concerne a medidas com bons indicadores psicométricos para avaliação do construto motivacional, haja vista sua contribuição para a aprendizagem dos estudantes.
Palavras-chave: aprendizagem; evidências de validade; motivação; psicometria; teoria da autodeterminação.
ABSTRACT
The present study sought to estimate validity indicators based on the internal structure and precision estimate of the adapted version of the Motivation Continuum, through Confirmatory Factor Analysis (CFA). Participants were 391 students from the first to the third year of high school (M=17.6 years of age; SD=2.7), of both sexes, from two institutions in the state of Paraná. The CFA indicated the presence of the five factors in the Continuum, all with the same number of items. The internal consistency indices were considered acceptable and the instrument presented good fit indices. Significant positive and negative correlations were found between the factors, with magnitudes varying from small to large. The students were more extrinsically motivated by identified regulation. The results show important advances with regard to the psychometric indicators of a measure for assessing the motivational construct, considering its contribution to student learning.
Keywords: learning; evidence of validity; motivation; psychometrics; theory of self-determination.
RESUMEN
El presente estudio buscó estimar indicadores de validez a partir de la estructura interna y estimación de precisión de la versión adaptada del Continuum de Motivación, mediante un Análisis Factorial Confirmatorio (AFC). Participaron 391 estudiantes de ambos sexos del primero al tercero año de secundaria (M=17.6; DS=2.7) de dos instituciones de la provincia de Paraná. Los resultados de AFC indicaron la presencia de los cinco factores en Continuum, todos con el mismo número de ítems. Los índices de consistencia interna se consideraron aceptables y el instrumento presentó buenos índices de ajuste. Se encontraron correlaciones positivas y negativas entre los factores, significativas y con variación de magnitud de pequeñas a grandes. Finalmente, los estudiantes estaban motivados de manera más extrínseca por la regulación identificada. Los resultados muestran importantes avances en cuanto a medidas con buenos indicadores psicométricos para evaluar el constructo motivacional, dada su contribución al aprendizaje de los estudiantes.
Palabras clave: aprendizaje; evidencias de validez; motivación; psicometría; teoría de la autodeterminación.
As atividades realizadas ao longo da vida, sejam elas acadêmicas ou não, têm como características o emprego do esforço mental, da persistência e da utilização de recursos internos para que se concretizem. No contexto escolar, as exigências de natureza cognitiva se sobressaem, com o emprego da atenção e da concentração, da apreensão e integração de informações, bem como do raciocínio lógico e da resolução de problemas. Diante disso, evidencia-se que, para aprender, faz-se necessário que os alunos estejam motivados, uma vez que a motivação possibilita que as atividades sejam iniciadas e mantidas (Bzuneck, 2009; Bzuneck, & Boruchovitch, 2016).
Diversos modelos teóricos foram formulados ao longo dos anos para a associação entre a motivação e a aprendizagem humana (Schunk et al., 2014). A variedade de modelos explicativos evidencia a complexidade e multidimensionalidade do construto, visto que ele não pode ser considerado apenas em termos de presença ou ausência. Quando avaliados os fatores que levam o estudante a estar motivado a aprender, deve-se contemplar os componentes próprios de seu contexto, tais como o ambiente escolar, as disciplinas cursadas, os professores, os recursos metodológicos e estratégias de aprendizagem, dentre outros (Bzuneck, & Boruchovitch, 2016; Maieski et al., 2017).
Em meio às principais teorias sociocognitivas que visam compreender a motivação, encontra-se a teoria da autodeterminação (Deci, & Ryan, 2017), objeto do presente estudo, que ultrapassa a dicotomia existente entre a motivação intrínseca e extrínseca, indicando a existência de um Continuum motivacional. Para os autores, as pessoas cumprem tarefas em seu cotidiano a fim de evitar punição e obter algum ganho. Contudo, os indivíduos possuem uma tendência inata a desenvolver-se pessoalmente, interiorizando suas experiências em direção ao sucesso, ou seja, evoluindo para formas mais autorreguladas de motivação (Guimarães, 2009; Moreira et al., 2016).
A teoria da autodeterminação evidencia, afora o caso da desmotivação (entendida como ausência de motivação), a existência de níveis distintos de motivação extrínseca. A motivação extrínseca por regulação externa pode ser compreendida como aquela na qual há razões externas, como pressão, incentivos ou recompensas para justificar o envolvimento com a atividade, por exemplo, "Posso ter problemas se não realizar a tarefa". A motivação extrínseca por regulação introjetada não necessita da presença concreta do controle externo, mas as ações são exercidas para evitar sentimentos como culpa ou vergonha, por exemplo, "Vou me sentir culpado de não realizar a tarefa". Por sua vez, na motivação extrínseca por regulação identificada, os valores são endossados por serem congruentes com os próprios valores da pessoa, por exemplo, "Envolvo-me com a tarefa porque acho importante fazê-lo" (Lepper et al., 2005; Moreira et al., 2016).
Em última instância do Continuum, tem-se a motivação intrínseca, que parte do interesse pessoal espontâneo do sujeito, da satisfação pela atividade em si, sem a necessidade de recompensa por sua realização. O indivíduo intrinsecamente motivado procura por novidades, entretenimento e a satisfação de sua curiosidade, implicando-se em tarefas desafiadoras. Vale destacar que, no ambiente escolar, envolver-se em atividades nas quais o estudante se sente intrinsecamente motivado pode auxiliar nos processos de aprendizagem e, consequentemente, em um melhor desempenho escolar (Pansera et al., 2016; Schunk, et al., 2014). Em suma, o Continuum motivacional indica uma relação na qual há, portanto, formas mais autônomas e formas mais controladas de regulação, sendo esperado que, no ambiente escolar, sejam oportunizadas situações que auxiliem os estudantes no desenvolvimento de formas mais autorreguladas autonomamente (Guimarães, 2009).
Pesquisas em diferentes etapas de ensino revelam uma tendência ao decréscimo da motivação ao longo dos anos escolares, o que corrobora a diminuição da curiosidade, persistência e do envolvimento pessoal com as atividades. Tais resultados revelam um quadro mais preocupante, visto que os alunos menos motivados, ou ainda, desmotivados, estudam pouco e, por consequência, tem uma aprendizagem insuficiente, o que pode causar prejuízos em sua formação enquanto sujeitos críticos e reflexivos perante a sociedade (Bzuneck, 2009; Lepper et al., 2005; Pansera et al., 2016).
A motivação para aprender vem sendo amplamente estudada no contexto brasileiro, sobretudo no que tange ao ensino fundamental (Maieski et al., 2017; Moreira et al., 2016; Pansera et al., 2016). A pesquisa de Maieski et al. (2017), por exemplo, buscou avaliar a motivação para aprender em 528 crianças de duas realidades culturais distintas, a saber, Brasil e Chile (M = 7,8; DP = 1,3). Os resultados evidenciaram que os estudantes de ambas as realidades culturais encontram-se motivados intrinsecamente para aprender, com pontuações bastante próximas. Além disso, houve diferença estatisticamente significativa entre os países, com predominância da motivação nos alunos chilenos (p = 0,001), o que, segundo os autores, estaria relacionado ao maior investimento educacional presente no Chile.
Ademais, são encontradas pesquisas desenvolvidas com amostras de ensino superior, como a de Beluce e Oliveira (2016), que buscou construir um instrumento e verificar evidências de validade para uma escala de estratégias de ensino, de aprendizagem e motivação para aprender em ambientes virtuais de aprendizagem (AVA), com base na teoria da autodeterminação. O instrumento foi aplicado em 572 estudantes (M = 40,8; DP = 7,96) matriculados em cursos disponibilizados em AVA no Paraná. A escala apresentou uma estrutura de cinco dimensões, todas com índices de consistência interna aceitáveis, que variaram de 0,63 a 0,75.
Por sua vez, Porto e Gonçalves (2017) realizaram uma pesquisa buscando associar a motivação para aprender e o envolvimento acadêmico. A amostra foi composta por 406 estudantes universitários de Pernambuco e da Bahia, com idades entre 20 e 30 anos. Os resultados apontaram para correlação positiva e significativa entre motivação e envolvimento acadêmico e correlações negativas e significativas entre a desmotivação e o envolvimento (com atividades obrigatórias e com atividades não obrigatórias). As magnitudes do efeito foram entre pequenas e médias.
Por fim, no que tange aos estudos realizados com estudantes do ensino médio, Mariano et al. (2019) avaliaram a motivação para aprender em 524 estudantes de Minas Gerais e do Paraná (M = 16,5 anos; DP = 1,49) e relacionaram tais resultados com a percepção dos professores desses alunos acerca da motivação apresentada em sala de aula. A amostra foi composta por 10 docentes com idade média de 35 anos e 4 meses. Os resultados evidenciaram que os estudantes se apresentam mais orientados pela motivação extrínseca por regulação identificada e os professores percebem seus alunos como motivados para ingressar no mercado de trabalho e dar continuidade aos estudos.
Santos e Inácio (2020), por sua vez, buscaram caracterizar o nível de motivação para aprender com base na teoria das Metas de Realização e o emprego das estratégias de aprendizagem em alunos do ensino médio. As autoras avaliaram também a correlação entre as medidas e uma possível predição entre as subescalas dos instrumentos. Participaram 261 estudantes do ensino particular da Bahia, (M = 16,6 anos; DP = 1,4). Os resultados revelaram que os estudantes se mostraram mais orientados pela Meta Aprender (que se assemelha à motivação intrínseca na teoria da autodeterminação) e fazem uso das estratégias metacognitivas. Ademais, houve correlação positiva e significativa entre a Meta Aprender e todas as subescalas do instrumento de estratégias de aprendizagem e negativas, e significativas entre a Meta Performance-evitação e as mesmas subescalas de estratégias. As magnitudes do efeito foram entre pequenas e médias. A relação de predição indicou modelos explicativos com variância de 6% a 33% para a motivação explicando o emprego das estratégias de aprendizagem dos estudantes.
Com base nos resultados das pesquisas citadas, confirma-se que a teoria da autodeterminação (Deci, & Ryan, 2017) vem sendo empregada como modelo teórico explicativo da motivação. De modo análogo, está presente a Teoria de Metas de Realizações (Elliott, & Dweck, 1988), sendo estas as mais frequentemente utilizadas, trazendo importantes contribuições ao construto da motivação para aprender (Bzuneck, & Boruchovitch, 2016).
Os estudos sobre construtos psicoeducacionais realizados com o público do ensino médio encontram-se, na maior parte das vezes, em menor número quando comparadas às demais etapas de ensino (Inácio, 2018). Essa faixa de escolarização enfrenta problemas identitários históricos na realidade brasileira, considerando os baixos investimentos públicos, a qualidade da educação ofertada e, consequentemente, os resultados dos estudantes no que concerne aos indicadores dos diferentes sistemas de avaliação externa, tanto nacionais quanto internacionais (Ferreira, & Silva, 2017; Ramalho et al., 2018).
Ao considerar as dificuldades presentes no ensino médio, torna-se imprescindível a busca por melhores níveis motivacionais nos estudantes, a fim de que estes encontrem nas atividades escolares satisfações pessoais para sua realização. Sua relevância consiste ainda no fato de que níveis mais elevados de motivação estão associados a um melhor desempenho escolar, sendo que a maior apropriação dos conteúdos acadêmicos auxilia na formação do estudante enquanto um indivíduo atuante criticamente na sociedade (Bzuneck, 2009; Bzuneck, & Boruchovitch, 2016; Porto, & Gonçalves, 2017).
Diante do exposto, reitera-se a relevância da motivação para aprender para a avaliação psicoeducacional, na busca de indicadores que auxiliem no desenvolvimento escolar dos estudantes do ensino médio (Bzuneck, & Boruchovitch, 2016; Lepper et al., 2005; Pansera et al., 2016). Em face à importância de instrumentos psicológicos com propriedades psicométricas adequadas voltadas ao contexto educacional (AERA, APA, & NCME, 2014; Carvalho, & Ambiel, 2017), a seguir serão descritos os objetivos do presente estudo.
Primeiramente, buscar-se-á estimar indicadores de validade com base na estrutura interna e precisão da versão adaptada do Continuum de motivação, por meio de uma análise fatorial confirmatória (AFC) e verificação da consistência interna. A escolha pela AFC deve-se ao fato de que teoricamente o instrumento já se encontra subdividido em cinco dimensões, segundo a análise fatorial exploratória (AFE) realizada por Scacchetti et al. (2014). Assim, a análise confirmatória busca comparar o ajuste do modelo, ajudando a identificar se este se encontra plausível (Hauck Filho, 2019). O segundo objetivo consiste em correlacionar os fatores do instrumento e, por fim, pretende-se analisar os níveis de motivação na amostra estudada.
Método
Participantes
A amostra foi selecionada por conveniência, sendo composta por 391 alunos matriculados nos 1º (28,6%; n = 112), 2º (33,8%, n = 132) e 3º (37,6%, n = 147) anos do ensino médio de duas instituições do estado do Paraná, sendo uma particular (85,9%, n = 336) e uma pública (14,1%, n = 55). A média de idade foi de 17 anos e 6 meses (DP = 2,7), a idade mínima foi de 15 anos e a máxima de 30 anos. O sexo feminino representou 63,7% (n = 249) da amostra e o masculino 36,3% (n = 142).
Instrumentos
Continuum de Motivação. O instrumento, de autoria de Rufini et al. (2011), foi adaptado por Scacchetti et al. (2014) para a realidade do ensino técnico profissionalizante. Para tanto, sete itens (4, 5, 6, 7, 11, 24 e 25) tiveram adequação de algumas palavras a fim de que possibilitassem um melhor entendimento aos estudantes da amostra pesquisada, evitando problemas de interpretação relacionados à conotação infantil presente em algumas das questões do instrumento, procurando assim, um vocabulário mais específico utilizado por estudantes de uma faixa de escolarização mais avançada. Após adequação, os itens passaram pela avaliação de juízes especialistas, sendo que houve concordância de 80% quanto às modificações realizadas. Um exemplo da adaptação seria: Item 4 "Venho à escola porque meus pais mandam" para "Venho estudar porque meus pais me obrigam". Vale ressaltar que as adequações realizadas no instrumento para o ensino profissionalizante se assemelham ao nível educacional do ensino médio regular, portanto, não foram necessárias novas adaptações.
O instrumento possui 25 itens subdivididos em cinco fatores, a saber: Desmotivação (1, 2, 8, 10 e 17), Motivação extrínseca com regulação externa (7, 9, 12, 14 e 23), Motivação extrínseca com regulação introjetada (3, 4, 6, 11 e 24), Motivação extrínseca com regulação identificada (13, 16, 19, 20 e 21) e Motivação intrínseca (5, 15, 18, 22 e 25), dispostos em uma escala do tipo Likert de cinco pontos. Possui evidências de validade com base na estrutura interna por meio da análise fatorial exploratória (AFE), demonstrando a disposição dos cinco fatores citados, bem como o alfa indicou consistência interna adequada para todos os fatores, com variação de 0,75 a 0,88.
Procedimentos
Os procedimentos éticos foram seguidos e estão em conformidade com a Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde e com a Resolução 510/2016 e seus complementares. O projeto foi aprovado e registrado pelo Comitê de Ética em pesquisa com seres humanos da Universidade São Francisco sob o parecer nº 3.395.651.
Os adolescentes assinaram o Termo de Assentimento Livre e Esclarecido (TALE) e os pais daqueles menores de 18 anos assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A aplicação foi realizada nas instituições escolares de forma coletiva, em um encontro, com duração aproximada de 30 minutos. Foi assegurada aos estudantes a confidencialidade de todas as informações, que a participação ocorreria de modo voluntário e que a desistência seria aceita em qualquer momento da pesquisa.
Análise de Dados
O modelo teórico estruturado em cinco fatores foi testado neste estudo utilizando-se o estimador Weighted Least Square Mean and Variance Adjusted (WLSMV), que faz uso de correlações policóricas. A rotação foi a oblíqua (Geomin). Os índices de ajuste foram analisados a partir da razão qui-quadrado por graus de liberdade (X2/gl < 3), Confirmatory Fit Index (CFI > 0,90), Tucker-Lewis Index (TLI > 0,90) e Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA < 0,08) (Hu, & Bentler, 1999). A consistência interna da escala foi estimada por meio do alfa e do Ômega de McDonald. Foram realizadas as correlações de Pearson entre os fatores do Continuum de motivação considerando as magnitudes de Cohen (1988) e as análises descritivas dos resultados da amostra. Todas essas análises foram desenvolvidas por meio dos softwares MPlus 7 (Muthén, & Muthén, 2011) e Jamovi 0.9 (The Jamovi Project, 2019).
Resultados
Com o objetivo de estimar indicadores de validade com base na estrutura interna e precisão da versão adaptada do Continuum de motivação, foi realizada a análise fatorial confirmatória (AFC). O modelo testado indicou os seguintes índices de ajuste: χ2/gl = 3,2; RMSEA = 0,07; CFI = 0,94; TLI = 0,93. A Tabela 1 fornece a distribuição dos itens por fator com suas respectivas cargas fatoriais e os indicadores de consistência interna.
Com base na Tabela 1, é possível observar que se mantiveram todos os fatores do Continuum de motivação, inclusive com a mesma quantidade e disposição dos itens (cinco por fator). Os índices de consistência interna dos fatores são considerados aceitáveis. Além disso, destaca-se que também foi calculada a consistência interna da escala total, com alfa de Cronbach de 0,73 e ômega de McDonald de 0,78. Na sequência, a Tabela 2 apresenta a correlação entre os fatores do instrumento.
É possível verificar, mediante a Tabela 2, a existência de correlações positivas e significativas entre os fatores do Continuum de motivação com magnitudes entre média e grande, segundo Cohen (1988). Além disso, também houve correlações negativas e significativas, com magnitudes que variaram entre pequena a alta. A Tabela 3 apresenta a pontuação dos estudantes da amostra pesquisada no Continuum de motivação.
Observa-se, com base na Tabela 3, que os estudantes da amostra pesquisada obtiveram maiores índices de pontuação no fator motivação extrínseca por regulação identificada, seguido pela motivação intrínseca. Em contrapartida, a menor pontuação foi em relação ao fator desmotivação.
Discussão
O principal objetivo do presente estudo foi estimar indicadores de validade com base na estrutura interna e precisão da versão adaptada do Continuum de motivação, por meio de uma análise fatorial confirmatória (AFC) e verificação da consistência interna. O instrumento em questão já havia sido investigado quanto à evidência de validade de estrutura interna por meio da AFE (Scacchetti et al., 2014), com a verificação de cinco fatores, a saber, Desmotivação, Motivação extrínseca por regulação externa, Motivação extrínseca por regulação introjetada, Motivação extrínseca por regulação identificada e Motivação intrínseca.
A AFC atestou a adequabilidade do modelo teórico, segundo a teoria da autodeterminação (Deci, & Ryan 2017), sendo que todos os fatores do Continuum se mantiveram, inclusive com a mesma quantidade de itens (cinco por fator). A disposição ficou organizada do seguinte modo: Desmotivação, três formas de Motivação extrínseca, a saber, por regulação externa, introjetada e identificada, e Motivação intrínseca.
A precisão do modelo foi confirmada por meio dos índices de consistência interna alfa de Cronbach e ômega de McDonald, que apresentaram valores entre 0,67 e 0,87 para os fatores e 0,73 e 0,78, respectivamente, para a escala total. Tais resultados podem ser interpretados como a capacidade de os fatores mensurarem as respectivas variáveis psicológicas com baixo nível de erro associado à medida (Urbina, 2014).
Os índices de ajuste foram considerados adequados no que concerne ao Root Mean Square Error of Approximation (RMSEA < 0,08) em que o resultado foi 0,07; Confirmatory Fit Index (CFI > 0,90) com 0,94 e Tucker-Lewis Index (TLI > 0,90) com 0,93. Já o qui-quadrado por graus de liberdade (χ2/gl < 3) apresentou um resultado acima do indicado, apesar de aproximar-se do limite máximo, χ2/gl = 3,2 (Hu, & Bentler, 1999).
Em relação ao segundo objetivo, correlacionar os fatores do instrumento, evidenciou-se que o fator Desmotivação obteve correlação positiva e significativa com a motivação por regulação externa e por regulação introjetada, com magnitude média e grande, respectivamente. Em consonância, o fator também se correlacionou, significativamente e de forma negativa, com a Motivação extrínseca por regulação identificada e com a Motivação intrínseca, também com magnitude média e grande, respectivamente. Tais resultados mostram-se consonantes com a teoria da autodeterminação e, consequentemente, com o Continuum motivacional, em que a Desmotivação se encontra próxima dos dois primeiros fatores da Motivação extrínseca, de modo que, embora haja motivação para realização da tarefa, ela ocorre sempre em resposta a algo externo, não havendo importância pessoal com a tarefa (Lepper et al., 2005; Moreira et al., 2016). A mesma explicação corrobora a correlação positiva e significativa entre a motivação extrínseca por regulação externa e a motivação extrínseca por regulação introjetada, que obteve magnitude considerada grande (Cohen, 1988).
Destaca-se, ainda, a correlação positiva e significativa entre a Motivação extrínseca por regulação identificada e a Motivação intrínseca, considerada grande. O dado possui sentido teórico, haja vista que, na Motivação extrínseca por regulação identificada, o indivíduo consegue perceber a importância da tarefa e identificar-se com sua realização, assim como, na Motivação intrínseca, a atividade além de gerar satisfação pessoal, é realizada pelo próprio interesse do sujeito, também denotando a importância que ele atribui para sua realização (Pansera et al., 2016; Schunk et al., 2014). No ambiente escolar, por exemplo, é indicado que os estudantes apresentem esses dois níveis motivacionais, pois condizem com um maior envolvimento com a aprendizagem e estão associados a um melhor desempenho escolar (Guimarães, 2009; Porto, & Gonçalves, 2017).
No que tange ao terceiro e último objetivo, que foi analisar os níveis de motivação na amostra estudada, verificou-se que os maiores índices de pontuação foram no fator de Motivação extrínseca por regulação identificada (M = 22,7), seguido pela motivação intrínseca (M = 18,5). De acordo com Deci e Ryan (2017), as intenções de ações desenvolvidas por estudantes com esse perfil motivacional são iniciadas de forma autônoma. Assim, os estudantes do ensino médio da amostra pesquisada conseguem compreender a importância pessoal das atividades a serem desenvolvidas em sala de aula, realizando-as pelo aprendizado em si, e não por resposta a fatores externos. Ademais, a menor pontuação foi no fator Desmotivação, o que corrobora os resultados descritos, sobre o perfil motivacional dos estudantes.
O resultado encontrado assemelha-se ao do estudo de Maieski et al. (2017) com o ensino fundamental, e ao de Mariano et al. (2019), com o ensino médio, em que os estudantes de ambas as amostras também se mostraram intrinsecamente motivados para aprender. Em contrapartida, tais resultados contradizem as pesquisas que evidenciam uma tendência à diminuição da motivação ao longo dos anos escolares, haja vista que o ensino médio, por exemplo, diz respeito a última etapa da Educação Básica (Bzuneck, 2009; Lepper et al., 2005; Pansera et al., 2016).
Em face ao exposto, conclui-se que a presente pesquisa atingiu os objetivos aos quais se propôs, evidenciando indicadores de validade com base na estrutura interna e precisão do Continuum de motivação e apresentando as correlações e níveis de motivação na amostra pesquisada. O uso de um instrumento de investigação que possa avaliar a motivação para aprender dos estudantes, sobretudo com indicadores psicométricos adequados, contribui ampliando a possibilidade de que as instituições de ensino e seu respectivo corpo docente planejem estratégias mais condizentes com o perfil motivacional de seus alunos, oportunizando a ocorrência de situações mais voltadas a formas autônomas de motivação, evidenciando, assim, sua importância à educação formal.
Como limitação, cabe mencionar o fato de a amostra estar representada por estudantes de apenas uma região do Brasil, aliado ao fato de a grande parte (85,9%), fazer parte do ensino médio particular. Ainda são necessários estudos que visem à normatização do instrumento, de modo que ele possa ser incluído em protocolos de avaliação psicoeducacional. Assim, pesquisas adicionais incluiriam amostras representativas de várias regiões do país, sendo compostas por estudantes de escolas públicas e particulares (de acordo com as distribuições de municípios e estados) e de diversas faixas de rendimento econômico. A elaboração e divulgação de técnicas com evidências de validade e precisão podem não apenas fomentar discussões sobre características de alunos que, por influenciarem a aprendizagem, devem ser analisadas, compreendidas, mas também propiciar críticas, reelaborações ou constatações dos modelos teóricos que retratam os fenômenos.
Agradecimentos
Não há menções.
Financiamento
A presente pesquisa não recebeu nenhuma fonte de financiamento sendo custeada com recursos os próprios autores.
Contribuições das autoras
Declaramos que todos os autores participaram da elaboração do manuscrito. Especificamente, as autoras Amanda, Patrícia e Ana Paula participaram da redação inicial do estudo - conceitualização, investigação, visualização, as autoras Amanda, Patrícia e Ana Paula participaram da análise dos dados, e as autoras Amanda, Patrícia e Ana Paula participaram da redação final do trabalho - revisão e edição.
Disponibilidade dos dados e materiais
Todos os dados e sintaxes gerados e analisados durante esta pesquisa serão tratados com total sigilo devido às exigências do Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos. Porém, o conjunto de dados e sintaxes que apoiam as conclusões deste artigo estão disponíveis mediante razoável solicitação ao autor principal do estudo
Conflito de interesses
Os autores declaram que não há conflitos de interesses.
Referências
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Endereço para correspondência:
Amanda Lays Monteiro Inácio
Avenida José Gabriel de Oliveira, nº 685, apt. 1203
CEP: 86047-360, Parque Aurora
Londrina, Paraná
E-mail: amandalmonteiroo@gmail.com.
Telefone:(43)99829-2222
Recebido em novembro de 2020
Aceito em abril de 2021
Sobre as autoras
Amanda Lays Monteiro Inácio é psicóloga, Mestre em Educação pela Universidade Estadual de Londrina (UEL). Doutoranda pelo Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco. Docente do curso de Psicologia da Faculdade Tecnológica do Vale do Ivaí e da UEL.
Patrícia Waltz Schelini é psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia pela PUC-Campinas. Pós-Doutora pela Universidade do Minho. Professora Associada 4 dos cursos de graduação e pós graduação em Psicologia da UFSCar. Bolsista Produtividade do CNPq.
Ana Paula Porto Noronha é psicóloga, Mestre e Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Docente do Programa de Pós-graduação Stricto Sensu em Psicologia da Universidade São Francisco. Foi coordenadora dos Grupos de Trabalho Pesquisa em Avaliação Psicológica e Avaliação em Psicologia Positiva da ANPEPP. É editora associada da Psico-USF e da Psicologia Ciência e Profissão.