O cinismo é um mecanismo que auxilia o indivíduo a lidar com visões de mundo inconsistentes por meio de posições críticas (Bergström et al., 2014). O termo surgiu a partir de uma escola filosófica na antiga Grécia como uma crítica aos costumes e à moral vigentes, fundada por Antístenes (Assis & Oliveira, 2016). O cinismo faz parte da vida cotidiana sendo analisado tanto como traço de personalidade por parte da literatura quanto como atitude por outros pesquisadores, que afeta também o ambiente laboral (Fauzan, 2019; Wanous et al., 2000).
O cinismo pode agir como um mecanismo de proteção contra manipulação e de questionamento do status quo para verificar a validade do que está sendo proposto (Thundiyil et al., 2015). Além disso, pode representar uma tradução de ideias em ação decorrente de problemas no gerenciamento e implantação da mudança e a atitude cínica é um esforço individual para trazer sentido às alterações propostas (Bergström et al., 2014).
O cinismo organizacional (CO) representa dimensões que englobam pensamentos pessimistas, afetos negativos e comportamentos críticos dirigidos à organização (Dean Jr et al., 1998). A perspectiva organizacional do cinismo surge da crença dos trabalhadores de que a organização em que estão inseridos não possui integridade (Grama & Todericiu, 2016). A dimensão afetiva abarca reações emocionais, como raiva e vergonha ao ver sua organização relacionada a práticas como a corrupção ou deficiente prestação pública de serviços (Arslan, 2018). A faceta comportamental trata de comentários depreciativos e críticos de funcionários em relação à organização que podem minar as relações entre os colegas (Abugre, 2017; Salessi & Omar, 2014). Por fim, o aspecto cognitivo relaciona-se à reflexão decorrente de experiências passadas, informações disponíveis e conhecimento de que os objetivos da organização não estão em harmonia com crenças individuais (Grama & Todericiu, 2016; Kocoglu, 2014).
Não foram encontradas no país escalas criadas ou adaptações realizadas que mensurassem o CO após buscas realizadas no portal de periódicos da Capes (todas as bases) e Web of Science. Internacionalmente verificou-se a existência de três instrumentos, dois deles o Cynicism About Organizational Change (Wanous et al., 2000) e a Cynicism Subscale (Naus et al., 2007) retratam facetas muito específicas do cinismo. A escala mais completa foi a de Cynicism (Brandes et al., 1999) que apresenta três subescalas para o CO, com dimensão cognitiva com alfa de Cronbach (α) de 0,96, subescala afetiva (α=0,80) e esfera comportamental (α=0,78) e um fator para o cinismo geral (α=0,91) que utilizou o instrumento de personalidade cínica (Wrightsman, 1992).
Esse instrumento é bastante conhecido e são encontradas diversas replicações, especialmente das subescalas de CO, em que foram encontradas as mesmas dimensões e alfas de Cronbach similares ao do estudo original (Akbaş et al., 2018; Arslan, 2018; Arslan & Roudaki, 2019; Durrah et al., 2019; Kwantes & Bond, 2019; Salessi & Omar, 2018; Scott & Zweig, 2016). A escala foi adaptada para países não nativos da língua inglesa, como Argentina (Salessi & Omar, 2014) com amostra de 396 trabalhadores de organizações públicas e privadas, cujas dimensões obtiveram α≥0,86 e na Turquia (Karacaoglu & Ince, 2012) com 300 empregados industriais, em que se encontraram α≥0,82.
Porém na adaptação realizada em Portugal, apenas dos fatores de CO, não foi possível rejeitar a hipótese de unidimensionalidade da escala, pois foram encontrados indícios de que as dimensões façam parte de uma variável latente mais abrangente (Assis & Nascimento, 2017).
A escala de Brandes et al. (1999) não foi integralmente adaptada em nenhum dos países avaliados. Assim, este estudo levanta questionamentos se realmente existe um construto de cinismo que abarque as dimensões geral e organizacional, ou seja, se existe uma única variável latente de cinismo (Bornovalova et al., 2020; Valentini et al., 2015). Será que o cinismo geral e o organizacional estão sendo mensurados adequadamente pela escala de Brandes et al. (1999)? As definições propostas pelos autores são adequadas e estão sendo transpostas de maneira efetiva para os itens do instrumento? É possível adaptar adequadamente esse instrumento para o Brasil?
Assim, o principal objetivo deste estudo foi traduzir a escala para o português e fornecer evidências da validade da versão brasileira, com qualidade psicométrica adequada (Pasquali, 2011), para que ela possa ser usada futuramente, pois foi encontrada associação do CO à diminuição do comprometimento de funcionários (Arslan, 2018), à erosão das redes interpessoais de apoio (Salessi & Omar, 2014), ao aumento do burnout (Akbaş et al., 2018) e à prontidão para a mudança (Imran et al., 2016). Além disso, em país com idioma similar ao nosso, mas com importantes divergências semânticas e culturais, foi encontrada a possibilidade de unidimensionalidade do CO, dessa maneira este estudo também tem o intuito de verificar se a estrutura original será ou não mantida no contexto nacional.
Método
Participantes
Participaram da análise fatorial exploratória (AFE) 180 servidores de uma organização pública de Santa Catarina. A amostra é formada em sua maioria por pessoas na faixa etária entre 36 e 40 anos (25%), estão entre 6 e 4 anos na organização (35,80%), possuem mestrado (40,34%) e não ocupam cargo gerencial (75%). Houve homogeneidade entre o quantitativo de respondentes de ambos os sexos (50%).
A análise fatorial confirmatória (AFC) contou com 150 sujeitos de organizações públicas e privadas de distintas unidades da federação (Amazonas, Distrito Federal, Goiás, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Tocantins). A amostra é formada em sua maioria por mulheres (74,45%), com especialização (40,88%), sem ocupação de função gerencial (66,42%) e estão na organização entre 1 e 2 anos (27,01%). As faixas etárias entre 31 e 36 anos e 37 e 42 anos obtiveram o mesmo número de respondentes, 34 sujeitos (24,82%) em cada uma.
Instrumento
Foi solicitada a autorização para adaptação a um dos autores, que enviou o instrumento para o início do processo. O instrumento conta com quatro fatores, personalidade cínica com 10 itens (Wrightsman, 1992), com alfa de Cronbach (α) de 0,91e a escala de CO (Brandes et al., 1999), com cinco itens na dimensão cognitiva (α=0,96), quatro itens na afetiva (α=0,80) e quatro itens na comportamental (α=0,78). O instrumento usa uma escala de tipo Likert de sete pontos em que 1 (discordo totalmente) e 7 (concordo totalmente).
Foram seguidas as etapas preconizadas pela literatura e pelo International Test Commission (Bandeira & Hutz, 2019; ITC, 2018) iniciando-se com a tradução, efetuada por duas pessoas bilíngues, com intuito de diminuir vieses linguísticos, psicológicos e culturais (Borsa et al., 2012; Cassep-Borges et al., 2010). Na segunda etapa, houve avaliação da tradução por três juízes que verificaram a compreensão do instrumento e buscaram obter um consenso entre o conteúdo do item e sua dimensão, por meio do cálculo do coeficiente de validade de conteúdo (CVC; Cassep-Borges et al., 2010; Hernández-Nieto, 2002). A pontuação do CVC, conforme Tabela 1, foi efetuada com base em escala do tipo Likert de 1 (pouquíssima aderência) a 5 (muitíssima aderência) dos itens ao conceito avaliado. Após, o instrumento foi apresentado a um grupo de 30 servidores da administração pública federal, de diversas carreiras e órgãos para verificação da linguagem dos itens, da clareza da redação e do entendimento geral do instrumento (Borsa et al., 2012; Pasquali, 2011). Foram feitos ajustes pontuais na redação de alguns itens. Por fim, o instrumento passou por tradução reversa (back-translation), também com duas pessoas, com retradução para o inglês. A síntese das traduções foi muito próxima da versão original. Foram solicitadas ainda cinco variáveis demográficos (sexo, idade, escolaridade, tempo de organização e a ocupação de cargo de gestão) para caracterização da amostra.
Nº | Item | CVC | DTC | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
CL | PP | RT | G | C | A | Co | ||
1 | Se a maioria das pessoas pudesse entrar em uma sala de cinema sem pagar, e se tivessem certeza de que não seriam vistas, elas fariam isso. | 0,80 | 0,73 | 0,73 | 3 | 0 | 0 | 0 |
2 | Eu reclamo de como as coisas acontecem em minha organização com amigos de fora da organização. | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 0 | 0 | 0 | 3 |
3 | Quando penso na minha organização, eu sinto ansiedade. | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 0 | 0 | 3 | 0 |
4 | A maioria das pessoas contaria uma mentira se pudesse ganhar com isso. | 0,87 | 0,87 | 0,80 | 3 | 0 | 0 | 0 |
5 | É patético ver uma pessoa altruísta no mundo de hoje porque assim as pessoas podem se aproveitar dela. | 0,93 | 0,87 | 0,87 | 3 | 0 | 0 | 0 |
6 | Eu geralmente falo com os outros sobre como as coisas funcionam na minha organização. | 0,87 | 1,00 | 1,00 | 0 | 0 | 0 | 3 |
7 | As pessoas fingem se preocupar mais umas com as outras do que de fato se preocupam. | 1,00 | 0,87 | 0,87 | 3 | 0 | 0 | 0 |
8 | A maioria das pessoas intimamente não gosta de se dispor a ajudar outras pessoas. | 0,87 | 0,87 | 0,87 | 3 | 0 | 0 | 0 |
9 | Vejo pouca semelhança entre o que a minha organização diz que fará e o que realmente faz. | 1,00 | 0,93 | 0,93 | 0 | 3 | 0 | 0 |
10 | A maioria das pessoas não é realmente honesta pelos motivos esperados, mas porque tem medo de ser pega. | 0,80 | 0,80 | 0,80 | 3 | 0 | 0 | 0 |
11 | Acredito que a minha organização diz uma coisa e faz outra. | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 0 | 2 | 0 | 1 |
12 | As políticas, objetivos e práticas da minha organização parecem ter pouco em comum. | 0,87 | 0,87 | 0,87 | 1 | 2 | 0 | 0 |
13 | Quando penso na minha organização, eu sinto irritação. | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 0 | 0 | 3 | 0 |
14 | A minha organização diz que espera uma coisa dos seus funcionários, mas recompensa outra. | 1,00 | 0,93 | 0,87 | 0 | 2 | 0 | 1 |
15 | A maioria das pessoas fraudaria o imposto de renda se tivessem a chance. | 1,00 | 0,93 | 1,00 | 3 | 0 | 0 | 0 |
16 | Quando penso na minha organização, eu me sinto incomodado. | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 0 | 1 | 2 | 0 |
17 | Quando a minha organização diz que vai fazer alguma coisa, pergunto-me se isso vai mesmo acontecer. | 0,93 | 1,00 | 0,93 | 1 | 2 | 0 | 0 |
18 | Quando penso na minha organização, eu sinto tensão. | 1,00 | 1,00 | 1,00 | 0 | 0 | 3 | 0 |
19 | Um aluno típico irá colar em uma prova se todos os outros também o fzerem, mesmo que tenha padrões éticos. | 0,80 | 0,73 | 0,73 | 3 | 0 | 0 | 0 |
20 | O indivíduo comum é pretensioso. | 0,93 | 0,80 | 0,80 | 3 | 0 | 0 | 0 |
21 | Eu troco olhares com meus colegas querendo dizer algo. | 1,00 | 0,87 | 0,80 | 0 | 0 | 0 | 3 |
22 | As pessoas afirmam que têm padrões éticos em relação à honestidade e à moralidade, mas poucas pessoas se atêm a eles quando as coisas estão difíceis. | 0,73 | 0,80 | 0,87 | 3 | 0 | 0 | 0 |
23 | Eu critico as práticas e políticas da minha organização com outras pessoas. | 0,93 | 1,00 | 1,00 | 0 | 0 | 0 | 3 |
Total | 0,89 | 0,87 | 0,86 |
Legenda. Nº=número da questão; CVC=coeficiente de validade de conteúdo; CL=clareza de linguagem; PP=pertinência prática; RT= Relevância teórica; DTC=Dimensão Teórica do Cinismo; G=Geral; C=Cognitivo; A=afetivo; Co=Comportamental
Procedimentos de Coleta
O instrumento de pesquisa e os e-mails foram cadastrados no site de pesquisa online Survey Monkey e um link de acesso foi enviado por e-mail aos participantes. Ao acessarem a pesquisa, os respondentes liam um texto com informações sobre o objetivo da pesquisa, foram exibidas instruções informando sobre a garantia de anonimato e confidencialidade e solicitava-se o aceite o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TLCE). O estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa, protocolo CAAE 36924820.1.0000.5540, seguindo as diretrizes da Resolução nº 510/2016.
Análise de Dados
Foram realizadas as análises de dados atípicos e de pressupostos para análises estatísticas multivariadas (normalidade, linearidade, homocedasticidade e multicoline-aridade), por meio do SPSS (v.25) e RStudio (RStudio Team, 2020). Foi usado programa Factor (Ferrando & Lorenzo-Seva, 2017) na AFE, com o objetivo de avaliar a estrutura fatorial da escala (Lorenzo-Seva & Ferrando, 2013), por meio de análise com matriz policórica e o método de extração Robust Diagonally Weighted Least Squares (RDWLS; Li, 2016; Lorenzo-Seva & Ferrando, 2019).
A AFC foi executada no software MPlus (v.7), pelo método de estimação Weighted Least Square Mean and Variance Ajusted (WLSMVA), que trata os itens como variáveis ordinais, prescinde do pressuposto de normalidade das variáveis e é robusto para pequenas amostras (Freitas et al., 2016; Li, 2016; Muthén & Muthén, 2017). Foram observados os seguintes indicadores: TLI (Tucker-Lewis Index) >0,95, CFI (Comparative Fit Index) com mesmo patamar de aceitação, RMSEA (Root Mean Square Error of Approximation) <0,08 e os valores de χ2 (qui-quadrado) por graus de liberdade (gl) <3 (Byrne, 2012; Hair, 2019).
Resultados
Os itens tiveram CVC≥0,86 em cada conteúdo analisado e 0,87 no cômputo geral, conforme Tabela 1. O grau de concordância foi calculado com base no coeficiente de kappa =0,79, p=0,00, CI [0,65-0,93] considerado substancial (Landis & Koch, 1977).
Foram detectados seis outliers multivariados na AFE, após o cálculo da distância de Mahalanobis (p≤0,001), que foram excluídos. Foi verificada a existência de curtose multivariada (5,35, p =0,05). A análise inicial solicitou a extração de quatro de fatores, como previsto no instrumento original, tendo se encontrado um índice de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO=0,86) considerado meritório e o teste de Bartlett foi significativo (χ2[253]=1893,9; p<0,01) demonstrando a adequabilidade dos dados para a realização da análise fatorial (Field, 2017; Hair, 2019; Pasquali, 2011). Os autovalores indicaram uma variância explicada de cerca de 64% e a implementação ótima da análise paralela com permutação aleatória (Timmerman & Lorenzo-Seva, 2011) indicou apenas duas dimensões, com a explicação de 54% de variância dos dados reais.
Foi realizada a extração com dois fatores e os índices de ajuste de ambas as soluções fatoriais foram comparados (Ferrando & Lorenzo-Seva, 2017; Novaes et al., 2019). A solução com quatro fatores apresentou os melhores resultados (RMSEA=0,03; CFI=1,00; TLI=1,00; χ2[167]=115,67; p<0,001; χ2/gl=0,69), na comparação com o modelo de dois fatores (RMSEA=0,08; CFI=0,98; TLI=0,98; χ2[208]=331,14; χ2/gl=1,59).
A literatura indica que análise paralela pode subestimar o número de dimensões de modelos na presença de correlações altas entre os fatores e número de itens pequeno por fator (Martins et al., 2017; Ruscio & Roche, 2012). Assim manteve-se a extração de quatro fatores por meio da rotação Robust Promin tendo em vista ser mais potente em relação à flutuação amostral (Lorenzo-Seva & Ferrando, 2019).
A Tabela 2 apresenta a extração dos fatores, com respectivas dimensões, contendo as cargas fatoriais acima de 0,40, sendo esse o limite aceitável na criação do fator (Figueiredo Filho & Silva Júnior, 2010). As cargas fatoriais ficaram acima de 0,42, com exceção do item 21, que não apresentou o valor mínimo do item 16, apresentou cargas cruzadas com diferença menor do que 0,10 em dois fatores.
Nº | Item | AFE 4 fatores | AFC 4 fatores | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
F1 | F2 | F3 | F4 | CG | COCG | COCP | COA | |||
15 | A maioria das pessoas fraudaria o imposto de renda se tivessem a chance. | 0,88 | −0,1 | 0,06 | −0,17 | 0,75 | ||||
4 | A maioria das pessoas contaria uma mentira se pudesse ganhar algo com isso. | 0,84 | −0,01 | −0,04 | 0,03 | 0,76 | ||||
1 | A maioria das pessoas entraria em uma sala de cinema sem pagar o ingresso, se tivesse certeza de que não seria vista. | 0,75 | 0,08 | −0,02 | −0,16 | 0,76 | ||||
10 | A maioria das pessoas não é realmente honesta pelos motivos esperados, mas porque tem medo de ser pega. | 0,72 | 0,04 | −0,14 | 0,1 | 0,84 | ||||
20 | O indivíduo comum é pretensioso. | 0,59 | −0,11 | 0,03 | 0,09 | 0,61 | ||||
8 | A maioria das pessoas em seu íntimo não gosta de se dispor a ajudar outras pessoas. | 0,48 | 0,02 | −0,03 | 0,28 | 0,69 | ||||
7 | As pessoas fingem se preocupar mais umas com as outras do que de fato se preocupam. | 0,47 | 0,11 | 0,03 | 0,13 | 0,73 | ||||
22 | As pessoas afirmam que têm padrões éticos próprios em relação à honestidade e à moralidade, mas poucas pessoas se atêm a eles quando as coisas estão difíceis. | 0,42 | 0,21 | 0,17 | −0,21 | 0,72 | ||||
19 | Um aluno típico irá colar em uma prova se todos os outros também o fizerem, mesmo que tenha padrões éticos. | 0,43 | −0,02 | 0,01 | 0,03 | 0,54 | ||||
5 | É patético ver uma pessoa altruísta no mundo de hoje porque as pessoas podem se aproveitar dela. | 0,42 | −0,08 | −0,09 | 0,25 | 0,41 | ||||
9 | Vejo pouca semelhança entre o que a minha organização diz que fará e o que realmente faz. | −0,09 | 1,05 | 0,03 | −0,12 | 0,78 | ||||
12 | As políticas, objetivos e práticas da minha organização parecem ter pouco em comum. | −0,07 | 0,91 | −0,02 | −0,01 | 0,78 | ||||
11 | Acredito que a minha organização diz uma coisa e faz outra. | −0,01 | 0,92 | −0,05 | 0,04 | 0,85 | ||||
14 | A minha organização diz que espera uma coisa dos seus funcionários, mas recompensa outra. | 0,02 | 0,83 | −0,18 | 0,1 | 0,75 | ||||
17 | Quando a minha organização diz que vai fazer alguma coisa, pergunto-me se isso vai mesmo acontecer. | 0,22 | 0,54 | 0,09 | −0,03 | 0,72 | ||||
2 | Eu reclamo de como as coisas acontecem na minha organização com amigos de fora da organização. | 0,04 | 0,03 | 0,85 | 0,11 | 0,81 | ||||
23 | Eu critico as práticas e políticas da minha organização com pessoas de fora da organização. | 0,02 | 0,14 | 0,76 | 0,06 | 0,91 | ||||
6 | Eu geralmente falo com outras pessoas sobre como as coisas funcionam na minha organização. | −0,05 | −0,23 | 0,67 | −0,1 | 0,58 | ||||
18 | Quando penso na minha organização, eu sinto tensão. | −0,16 | 0,38 | 0,07 | 0,71 | 0,78 | ||||
3 | Quando penso na minha organização, eu sinto ansiedade. | −0,02 | 0,45 | 0,03 | 0,63 | 0,83 | ||||
16 | Quando penso na minha organização, eu me sinto incomodado. | 0,09 | 0,48 | −0,02 | 0,54 | 0,90 | ||||
13 | Quando penso na minha organização, eu sinto irritação. | 0,11 | 0,42 | 0,08 | 0,53 | 0,90 | ||||
21 | Eu troco olhares com meus colegas querendo dizer algo. | 0,09 | 0,24 | 0,15 | 0,06 | 0,50 | ||||
H-latent | 0,91 | 0,97 | 0,91 | 0,94 | CC | 0,90 | 0,88 | 0,82 | 0,91 | |
H-observed | 0,94 | 0,99 | 0,89 | 0,82 | a | 0,87 | 0,85 | 0,75 | 0,89 | |
1 | 2 | 3 | 4 | |||||||
CG | 0,48 | 0,17 | 0,28 | 0,18 | ||||||
COCG | 0,41** | 0,73 | 0,71 | 0,45 | ||||||
COCP | 0,53** | 0,84** | 0,60 | 0,55 | ||||||
COA | 0,43** | 0,67** | 0,74** | 0,52 |
Nota. CG=Cinismo Geral; COA=Cinismo Organizacional Afetivo; COCG=Cinismo Organizacional Cognitivo; COCP=Cinismo Organizacional Comportamental; CC=Confiabilidade Composta. Em itálico VME. O quadrado dos coeficientes de correlação entre cada par de construtos na parte superior e as correlações na parte inferior. ** A correlação é significativa no nível 0,01 (2 extremidades)
O primeiro fator (F1) corresponde ao Cinismo Geral composto pelos itens 01, 04, 05,07, 08, 10, 15, 19, 20, 21 e 22. O segundo fator (F2) corresponde ao CO Cognitivo compreendendo os itens 09, 11, 12, 14 e 17. O terceiro fator (F3) retrata itens do CO Comportamental formado pelos itens 2, 6 e 23. Por fim o último fator (F4) consubstancia itens do CO Afetivo por meio dos itens 3, 13, 16 e 18. Os índices de replicabilidade dos escores fatoriais H-latent e H-observed foram todos acima de 0,80, indicando que os mesmos resultados serão obtidos em estudos futuros (Ferrando & Lorenzo-Seva, 2018). Tanto o item 21 quanto o 16 foram mantidos nos fatores previstos no instrumento original para verificar a carga fatorial na AFC.
Na AFC foram detectados três outliers multivariados, após o cálculo da distância de Mahalanobis (p≤0,001), que foram eliminados. Foi verificada a existência de curtose multivariada, calculada pelo teste de Mardia (−2,3; p =0,02; Mardia, 1970) por meio do pacote psych (Revelle, 2020).
Foram testados quatro modelos, iniciando-se com o bifactor (M1) para verificar a existência de um fator geral latente de cinismo (Bornovalova et al., 2020; Valentini et al., 2015). Esse modelo apresentou péssimos índices de ajuste conforme Tabela 3. Após foi testado o modelo de quatro fatores (M2), conforme proposto no instrumento original. Todos os índices de ajuste foram muito bons. Gerou-se, então, o modelo de dois fatores e com um único fator. A Tabela 3 apresenta os indicadores de ajuste dos modelos, pelos quais observa-se que o melhor é o M2, com medidas de ajuste absoluto (χ2/gl<3 e RMSEA=0,05; IC RMSEA 90% [0,04; 0,07]) e incremental (CFI e TLI>0,95) mais adequados. O modelo com um único fator teve um péssimo ajuste, indicando não existir risco elevado de viés ocasionado pela variância de método comum (Podsakoff et al., 2003).
Modelos | χ2 | df | χ2/gl | RMSEA | IC 90% RMSEA | CFI | TLI | DiffTest |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
M1 – bifactor | 981,32 | 211 | 4,65 | 0,16 | 0,15 – 0,17 | 0,77 | 0,72 | - |
M2 – quatro fatores | 310,37 | 224 | 1,39 | 0,05 | 0,04 – 0,07 | 0,97 | 0,97 | - |
M3 – dois fatores | 411,41 | 229 | 1,80 | 0,08 | 0,06 – 0,09 | 0,95 | 0,94 | 51,30* |
M4 – 1 fator | 998,65 | 230 | 4,34 | 0,16 | 0,15 – 0,17 | 0,77 | 0,74 | 233,46* |
Nota. *p<0,001
A comparação entre os modelos é feita por uma fórmula de correção (Satorra & Bentler, 2001). Se a diferença entre os modelos for significativa (p<0,05), pelo cálculo do DiffTest no MPlus. as restrições adicionadas tornam o ajuste pior e o primeiro modelo é mantido (Muthén & Muthén, 2017). Foram feitas comparações entre o modelo M2 e M3, e entre M2 e M4, ambas significativas, reforçando a existência de quatro fatores como previsto no instrumento original.
A etapa seguinte foi avaliar a validade e confiabilidade dos construtos, por meio do coeficiente α e as confiabilidades compostas (CC) para cada escala. A validade do fator é expressa pelo tamanho das cargas fatoriais, assim quanto maiores elas forem, mais a variável representa o construto, portanto as cargas padronizadas precisam estar acima de 0,50 para serem considerados aceitáveis. A CC descreve o grau em que o os itens indicam o mesmo construto e deve estar acima de 0,7. A validade convergente expressa que os itens de um construto devem compartilhar elevada variância comum, assim a variância média extraída (VME) precisa ser maior ou iguais a 0,50 (Fornell & Larcker, 1981; Hair, 2019; Pasquali, 2011; Valentini & Damásio, 2016).
A maior parte dos itens, conforme Tabela 2 alcançou carga fatorial acima de 0,70 e as escalas obtiveram α>0,78 e CC>0,82. Entretanto, a VME do CG foi inferior ao valor limítrofe, como apresentado na Tabela 2. O instrumento como um todo obteve um α=0,84, CC=0,87 e VME=0,60, atendendo os preceitos de adequabilidade prescritos pela literatura. A validade discriminante representa a diferenciação de um construto em relação aos demais e foi avaliada pela comparação da VME de cada escala com a variância compartilhada (Hair, 2019). Os fatores relacionados ao CO apresentaram alta correlação entre as dimensões e podem indicar um único construto como apresentado na Tabela 2.
Discussão
O objetivo desta pesquisa foi adaptar o instrumento de cinismo e investigar evidências de validade para o contexto brasileiro. A análise fatorial exploratória teve o principal objetivo de verificar se os itens observados se reduziriam às dimensões latentes previstas no instrumento original (Figueiredo Filho & Silva Júnior, 2010; Hair, 2019). Houve um agrupamento em torno dos fatores previstos por Brandes et al. (1999), na AFE, porém a indicação da análise paralela foi para a existência de apenas dois fatores. Tendo em vista as diversas replicacões do instrumento (Akbaş et al., 2018; Arslan, 2018; Arslan & Roudaki, 2019; Durrah et al., 2019; Kwantes & Bond, 2019; Salessi & Omar, 2018; Scott & Zweig, 2016) manteve-se a estrutura prevista para posterior análise da AFC. Cabe ressaltar que dois itens apresentaram cargas fatoriais abaixo do valor mínimo, porém a amostra concentrada em uma única organização pode ter interferido nesses resultados.
O modelo especificado na AFC buscou corroborar a estrutura teórica original do instrumento (Brandes et al., 1999). O modelo com quatro fatores obteve os melhores índices de ajuste quando comparado a estruturas alternativas, o que corrobora os resultados de outros estudos que, em países e amostras diversas, obtiveram evidências de validade para o instrumento. Havia dúvidas se uma única variável latente poderia explicar tanto uma atitude, conformada pelo CO afetivo, comportamental e cognitivo, quanto um traço de personalidade. Porém o modelo bifactor apresentou péssimos índices de ajuste, reforçando a construção inicial com quatro dimensões específicas de cinismo.
Apesar disso, os fatores que expressam o CO apresentaram alta correlação e ausência de validade discriminante entre a dimensão comportamental e cognitiva. Em Portugal, Assis e Nascimento (2017), que investigaram 153 trabalhadores de organizações públicas e privadas, com coleta em questionário em papel, também não puderam afastar indícios de unidimensionalidade do construto CO.
Porém, em diversas outras ocasiões, o CO manteve as mesmas dimensões expressas originalmente, como na Argentina em que Salessi e Omar (2014) avaliaram 396 trabalhadores e na Turquia com amostra de 300 empregados industriais (Karacaoglu & Ince, 2012). Há diversas replicações que encontram as mesmas dimensões como definidas pelos autores com 575 trabalhadores argentinos (Salessi & Omar, 2017), 463 empregados administrativos de universidades turcas (Akbaş et al., 2018), 475 professores de nível médio turcos (Satilmis et al., 2018), 350 empregados da indústria em Omã (Durrah et al., 2019), 200 empregados de hospitais escola no Paquistão (Arslan, 2018) e 312 empregados americanos e canadenses de diversas organizações (Scott & Zweig, 2016). Em todos esses casos, as amostras tinham a partir de 200 participantes e, no Brasil e em Portugal, as amostras foram menores. Isso certamente pode ter influenciado no resultado encontrado.
Assim o processo de adaptação encontrou evidências de validade do instrumento de cinismo para o contexto brasileiro com quatro dimensões – geral, organizacional afetivo, organizacional cognitivo e organizacional comportamental, com base nos índices de ajuste encontrados, comparação a modelos alternativos, CC e alfa de Cronbach. Com relação à validade discriminante, é preciso continuar aplicando o instrumento, por meio de novos estudo empíricos, para que em novos contextos em nosso país possa ser alcançada uma melhor compreensão do fenômeno e colocação à prova as dimensões encontradas. O instrumento mostra-se apropriado à avaliação da percepção que o indivíduo tem do cinismo em âmbito nacional.
Limitações e Pesquisas Futuras
Esta pesquisa apresenta algumas limitações, dentre elas, a primeira amostra concentrou-se em uma única região do país e a segunda amostra não conseguiu abarcar todos as unidades federativas do país, assim, tendo em vista as marcantes diferenças sociais, econômicas e culturais de nosso contexto brasileiro, pesquisas futuras devem buscar abarcar outras regiões e organizações diferenciadas para verificar se as características e índices de confiabilidade do instrumento se mantêm.
Outra limitação é a possibilidade de variância comum, pois todas as variáveis foram obtidas dos respondentes em um único momento. Todavia, o instrumento foi construído de modo a atenuar tal possibilidade, os itens da escala eram apresentados de maneira aleatória aos respondentes e o anonimato das respostas foi garantido. Além disso, o modelo de fator único apresentou um ajuste ruim, dessa maneira não parece existir risco elevado de viés ocasionado pela variância de método comum (Podsakoff et al., 2003).
São necessárias a ampliação de pesquisas utilizando o instrumento para que as questões referentes à validade discriminante do instrumento e a corroboração dos encontrados. Futuras pesquisas podem verificar a aplicação do instrumento de cinismo analisando a invariância dos parâmetros do instrumento em diferentes grupos. Além disso, estudos futuros podem tentar estabelecer, utilizando o instrumento, a relação com outros construtos já estudados na literatura como intenção voluntária de desligamento (Aslam et al., 2016; Thundiyil et al., 2015), diminuição do comprometimento de funcionários (Arslan, 2018), erosão das redes interpessoais de apoio (Salessi & Omar, 2014) e prejuízo ao processo de mudança organizacional (Thundiyil et al., 2015).