A Psicologia Social Cognitiva define o estigma com base em quatro tipos: o estigma público, a autoestima, o estrutural e o de cortesia (Siegel, Meunier, & Lekas, 2018). No nível social, o estigma público pode ser compreendido como sendo fruto de reações sociais e psicológicas da sociedade em relação ao indivíduo estigmatizado. Quando o indivíduo se torna consciente desse estigma, concorda com ele, incorporando, assim, os estereótipos sociais e avaliações negativas a ele atribuídas, tem-se um processo conhecido como a internalização do estigma público pelo sujeito estigmatizado, ou autoestima. Já o estigma estrutural deriva de políticas nos setores público e privado capazes de restringir o acesso a grupos minoritários. Por último, o Estigma de cortesia está relacionado àqueles que são estigmatizados por manterem contato frequente e convívio próximo com indivíduos alvo de estigma (Corrigan, Roe, & Tsang, 2011; Corrigan & Watson, 2002). Um ponto crucial desse modelo é que o estigma público ocupa o papel central e do qual derivam os outros três tipos de estigma, de modo que a sua inexistência também acarretaria a inexistência dos demais (Siegel et al., 2018)
O modelo teórico da Psicologia Social Cognitiva sustenta ainda que o estigma é fundando por três elementos principias, sendo eles: estereótipos, preconceitos e discriminação (Corrigan, Markowitz, Watson, Rowan, & Kubiak, 2003). Dessa forma, os estereótipos corresponderiam a crenças coletivas sobre determinados grupos sociais, sendo meios eficientes para categorizar os sujeitos, o preconceito como produto de sentimentos negativos em relação à pessoa estigmatizada e a discriminação, a qual diz respeito a ações de segregação e isolamento. (Fiske, 1998; Corrigan et al., 2003; Corrigan et al., 2011; Sheehan, Niweglowski, & Corrigan, 2017). Um ponto bastante notório desse modelo diz respeito as possibilidades de reações situacionais tanto por parte dos indivíduos estigmatizadores, quando dos estigmatizados, também em três respostas possíveis, sendo elas: cognitivas, afetivas e comportamentais (Harding, Proshansky, Kumer, & Chen, 1969).
Tais esquemas de respostas têm sido estudadas, principalmente, com relação aos tipos de estigma em que a marca não se encontra nítida, como nos casos em que existe a real ameaça de descobrimento do atributo indesejado ou de se estar associado com alguém que o tenha. Dessa forma, pessoas que são vítimas do Estigma de cortesia se enquadram nessa última categoria, visto que estes têm a possibilidade de encobrir a sua relação de parentesco ou proximidade com sujeitos que são alvos de estigma direto (Quinn & Chaudior, 2009).
Um agrupamento alvo de Estigma de cortesia e ponto central deste estudo diz respeito aos familiares de usuários de drogas. Em uma pesquisa recente, realizada com trinta e um familiares de usuários de drogas na Austrália, demonstrou que o principal ponto temático trazido pelos participantes foi o esforço em tentar manter em segredo o fato de possuírem um parente que faz uso de drogas, acarretando como consequência o isolamento e a evitação de buscar apoio tanto formal quanto informal. Nesse sentido, a manutenção do segredo decorria de fatores como: o medo de ser julgado, a luta contra sentimentos de vergonha e embraço e a falta de conhecimento e empatia dos outros, uma vez revelada a informação de possuírem um familiar dependente de drogas. (McCann & Lubman, 2018).
Apesar da centralidade que os familiares ocupam na vida do usuário de drogas, ainda há necessidade de um maior aprofundamento acerca das variáveis preditivas e dos efeitos nocivos do Estigma de cortesia enfrentados por eles. Nessa linha, alguns escassos estudos exploratórios indicam que familiares podem sofrer com o isolamento social decorrente da tentativa de esconder o status de possuírem um parente usuário de substâncias e do sentimento de fracasso e falha pessoal em tentar ajudar este último (McCann & Lubman, 2018).
Diante disso, destaca-se que, para compreender os prejuízos psicológicos e sociais relacionados ao Estigma de cortesia entre familiares de usuários de drogas, faz-se necessário o desenvolvimento de instrumentos capazes de avaliar os efeitos nocivos que esse tipo de estigma provoca nessas pessoas. Portanto, o objetivo do presente artigo é construir e apresentar evidências preliminares de validade e confiabilidade da Escala de Estigma de Cortesia entre Familiares de Usuários de Drogas (ECOFA) que considere a realidade social e cultural brasileira.
Método
A construção da ECOFAD consistiu em quatro etapas. Na primeira delas, foi feita uma revisão de literatura com o intuito de identificar os instrumentos utilizados para mesurar o construto Estigma de Cortesia, independentemente destes serem ou não destinados aos familiares de usuários de drogas, de modo a tentar coletar a maior quantidade de informações possíveis relacionadas a esse fenômeno. A segunda etapa correspondeu a construção do instrumento propriamente dito. A terceira etapa avaliou as evidências de validade de conteúdo, por meio de uma comissão de juízes e a quarta e última etapa, correspondeu a aplicação online em uma amostra de familiares de usuários de drogas o que possibilitou obter os primeiros dados de confiabilidade e validade.
Para a realização deste estudo, o projeto foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa com seres Humanos da Universidade Católica de Petrópolis (UCP), número do parecer 4.801.497, e todos os participantes assinaram eletronicamente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Etapa 1: Revisão Sistemática da Literatura
O intuito da revisão de narrativa foi a de mapear os principais instrumentos utilizados para mensurar o construto Estigma de Cortesia e de servir como base para a etapa posterior de construção dos itens. Os detalhes desta revisão foram reportados em outro artigo, submetido a outro periódico e aguardando avaliação. De uma forma geral, a revisão sistemática de literatura foi realizada com base nas recomendações Preferred Report Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) (Page & Moher, 2017), com o objetivo de aumentar a sua reprodutibilidade futura. Para tanto, efetuou-se uma busca bibliográfica envolvendo o conceito Estigma de Cortesia como assunto principal em artigos indexados nas bases de dados PsycNET (APA), Pubmed, Bvs Brasil, Periódicos CAPES, SciELO e Pepsic Psicologia. Utilizaram-se as palavras-chave Courtesy Stigma, Affiliate Stigma e Associative Stigma.
Etapa 2: Construção do Instrumento
A construção da escala se deu por meio da junção de todos os itens dos instrumentos encontrados na revisão de literatura. Os itens foram traduzidos para o português, já que todos eles estavam disponíveis apenas no idioma inglês, e adaptados para o contexto de familiares de indivíduos que fazem uso de álcool e outras drogas, visto que nenhum dos instrumentos encontrados trabalhavam com essa temática, sendo quatro deles destinados a familiares de pessoas com algum tipo de transtorno mental ou a profissionais da saúde que prestam cuidados a esse agrupamento da população, um relacionado a familiares de indivíduos soropositivos e outro voltado para familiares e amigos de pessoas lésbicas, gays ou bissexuais. Essa etapa de tradução e adaptação passou por uma análise de dois especialistas na área de drogas e validação de instrumentos, com o objetivo de se certificar a adequação dos itens para o contexto do consumo de substâncias psicoativas e clareza dos enunciados. Outros itens foram adicionados pelos pesquisadores com o objetivo de cobrir o máximo possível o construto estudado e para a população que o instrumento é focado.
No que diz respeito a categorização dos itens, utilizou-se a perspectiva da Psicologia Social Cognitiva, ou seja, os itens foram alocados tomando como referência as dimensões: cognitiva, afetiva e comportamental. A escolha por adotar esse modelo se deveu a dois motivos principais: a possibilidade de sua generalização para diferentes condições de saúde, inclusive para o contexto de familiares de usuários de drogas, e por ele focar nas relações entre os indivíduos, considerando as possíveis respostas situacionais tanto por parte de quem estigmatiza, quanto por quem é alvo do estigma. (Sheehan et al.,2017).
Em relação aos itens que não foram aproveitados no processo de construção do instrumento, os critérios de exclusão adotados foram: itens que não faziam sentido para o contexto de familiares de usuários de drogas ou que não delimitavam adequadamente o conceito do Estigma de Cortesia, aqueles repetidos ou com sentidos muito semelhantes entre si, os que não podiam ser agrupados nas dimensões cognitivas, afetivas ou comportamentais
Etapa 3: Evidências de Validade de Conteúdo por Análise de Juízes
Participaram do estudo sete juízes, todos psicólogos e especialistas em estigma, álcool e outras drogas, psicoterapia familiar ou psicometria. A escolha dos juízes foi por amostra de conveniência, os quais receberam uma carta convite via e-mail e o link contendo os itens do instrumento elaborado no Google Forms. A avaliação dos juízes consistiu em dois aspectos principais: avaliação da clareza e escrita dos itens e avaliação da pertinência dos itens nas categorias correspondentes. No primeiro aspecto, foi solicitado que se avaliassem os itens com base na sua inteligibilidade e capacidade de representar uma ideia única, de forma simples, direta e sem ambiguidades, sendo que as opções de resposta possíveis para a avaliação da escrita e clareza era uma escala Likert com cinco alternativas: discordo totalmente, discordo parcialmente, nem concordo nem discordo, concordo parcialmente e concordo totalmente. Também foi disponibilizado um espaço para sugestões de reescrita.
No aspecto avaliação da pertinência dos itens na dimensão correspondente, também foi utilizado o mesmo modelo de resposta do tipo Likert e foi apresentada as definições conceituais de cada dimensão: afetivo referente a emoções, sentimentos, sensações sobre um dado objeto social; cognitivo como sendo o conjunto de ideias, crenças, informações e opiniões que se tem sobre um dado objeto social; comportamental como um conjunto de ações, reações, respostas comportamentais frente ao objeto social.
A análise da escrita, clareza e pertinência dos itens nas dimensões correspondentes foram feitas por meio do Coeficiente de Validade de Conteúdo. Para Cassep-Borges, Balbinotti e Teodoro (2010), é esperado que esse coeficiente esteja acima de 0,8 para se considerar um bom grau de concordância entre juízes, apesar de que valores um pouco abaixo, também podem ser aceitos, caso os juízes tenham formações e especialidades distintas
Etapa 4: Evidências de Confiabilidade por meio de um Estudo Online
Após a avaliação dos juízes e adequações gerais dos itens, foi realizada a coleta de dados da escala em uma amostra com familiares de usuário de drogas que fazem parte de grupos de mútua ajuda. A escala foi aplicada por formulário online, por meio do Google Forms. O objetivo dessa etapa foi realizar os primeiros estudos de consistência interna da ECOFAD. Para tanto, foram realizadas análises do alfa de Cronbach e do método das duas metades (Split half), dividindo a escala entre os itens pares e ímpares.
Participaram do estudo 86 familiares de usuários de drogas, sendo 80 mulheres (93%) e seis homens (7%). A média de idade foi de 53,46 anos, sendo o mais jovem participante de 32 anos e o mais velho de 78 anos. Quatro pessoas não informaram a idade.
No que diz respeito à relação de parentesco com o familiar que faz uso de drogas, mais da metade (58,1%) informou serem pais. Os outros agrupamentos que mais apareceram foram esposo (a)/companheiro(a) (14%), irmão(ã) (10,5%), filho(a) (7%) e tio (a) (4,6%). No agrupamento Outros (5,8%), foram casos de ex-companheiros, pessoas com mais de um parente usuário de drogas, sobrinho(a) e avô(ó) (Tabela 1).
Variável | Categoria | n | % | |
---|---|---|---|---|
Sexo | Feminino | 80 | 93 | |
Masculino | 6 | 7 | ||
Faixa etária* | 32 a 54 | 42 | 51,2 | |
55 a 78 | 40 | 48,8 | ||
Relação de parentesco | Pais | 50 | 58,1 | |
Esposo(a)/companheiro (a) | 12 | 14 | ||
Irmão (ã) | 9 | 10,5 | ||
Filho (a) | 6 | 7 | ||
Tio (a) | 4 | 4,6 | ||
Outros | 5 | 5,8 |
Nota. *Quatro pessoas não informaram a idade
Realizou-se também uma análise fatorial exploratória (AFE) com o objetivo de avaliar a estrutura fatorial da Escala de Estigma de Cortesia entre Familiares de Usuários de Drogas (ECOFAD). A análise foi implementada utilizando uma matriz de Pearson como uma aproximação de uma matriz Policórica para situações de pequenas amostragens e método de extração Robust Diagonally Wheighted Least Squares (RDWLS) (Asparouhov & Muthen, 2010). A decisão sobre o número de fatores a ser retido foi realizada por meio da técnica da análise paralela com permutação aleatória dos dados observados (Timmerman & Lorenzo-Seva, 2011) e a rotação utilizada foi a Robust Promim (Lorenzo-Seva & Ferrando, 2019).
A adequação do modelo foi avaliada por meio dos índices de ajuste Root Mean Square Error of Aproximation (RMSEA), Comparative Fit Index (CFI) e Tucker-Lewis Index (TLI). De acordo com a literatura valores de χ2 não devem ser significativos; a razão χ2/gl deve ser < que 5 ou, preferencialmente, < que 3. Valores de CFI e TLI devem ser >0,90 e, preferencialmente acima de 0,95. Valores de RMSEA devem ser <0,08 ou, preferencialmente <0,06 (Brown, 2015).
A estabilidade dos fatores foi avaliada por meio do índice H (Ferrando & Lorenzo-Seva, 2018). O índice H avalia quão bem um conjunto de itens representa um fator comum (Ferrando & Lorenzo-Seva, 2018). Valores altos de H (>0,8) sugerem uma variável latente bem definida, que é mais provável que seja estável em diferentes estudos. Valores baixos de H sugerem uma vaiável latente mal definida e provavelmente instável entre diferentes estudos (Ferrando & Lorenzo-Seva, 2018).
Resultados
Resultado da Etapa 1: Revisão Sistemática de Literatura
Ao todo foram encontrados seis instrumentos que mensuram o construto Estigma de Cortesia ou a internalização desse tipo de estigma, denominada Estigma de Afiliação, no caso de familiares e pessoas próximas que convivem com o indivíduo estigmatizado, ou Estigma de Associação, quando se trata de profissionais da saúde, sendo eles: Afilliate Stigma Scale (ASS) (Mak & Cheung, 2008); Clinician Associative Stigma Scale (CASS) (Yanos, Vayshenker, DeLuca, & O'Connor, 2017); Chinese Courtesy Stigma Scales (CCSS) (Liu, Xu, Sun, & Dumenci, 2014); Parents' Internalized Stigma of Mental Ilness (PISMI) (Zisman-Ilani et al., 2013); Lesbian, Gay, Bisexual Affiliate Stigma Measure (LGB-ASM) (Robinson & Brewster, 2016); Afilliate Stigma Scale-Malay (ASS-M) (Yun et al., 2018).
A ASS (Mak & Cheung, 2008) é um instrumento desenvolvido na China e utiliza como amostra familiares de indivíduos com algum tipo de doença mental ou deficiência intelectual, sendo que os seus dados tem apresentado boa estabilidade e validade para esses agrupamentos (Saffari, Koenig, O'Garo, Broström, & Pakpour, 2019).
A CASS (Yanos et al., 2017), escala desenvolvida com profissionais da saúde mental nos Estados Unidos da América (EUA), mensura o estigma associativo desses profissionais com pessoas que necessitam de cuidados nessa área, tendo demostrado boa consistência interna e validade convergente com outros indicadores de estigma (Yanos et al., 2017).
A CCSS (Liu et al., 2014) possui como foco o estigma vivenciado por familiares e cuidadores de pessoas portadores do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). O estudo que originou essa escala parte do princípio de que pessoas soro negativas também podem vivenciar certo grau de estigma, na medida em que se encontram associadas com pessoas soro positivas.
A PISMI (Zisman-Ilani et al., 2013), escala elaborada com base na escala Interanlized Stigma of Mental Ilness (ISMI) (Ritsher et al., 2003), parte da ponderação de que familiares de pessoas com doenças mentais severas também podem ser alvo de estigma. Sendo assim, a elaboração da PISMI teve como premissa apresentar a mesma estrutura fatorial da ISMI.
A LBG-ASM (Robinson & Brewster, 2016) foi desenvolvida visando compreender o impacto emocional e psicológico do estigma entre familiares e amigos próximos de pessoas lésbicas, bissexuais e gays (LGB) e, dessa forma, propor iniciativas que as ofereçam maior suporte. Por fim, tem-se a escala ASS-M (Yun et al., 2018), que foi elaborada para o contexto da população que reside na Malásia e tem como base a ASS citada anteriormente.
Resultado da etapa 2: Construção do Instrumento
Itens contendo situações hipotéticas de um estigma experimentado foram excluídos a exemplo de “Eu já estive em situações que fui tratado com menos competência do que os outros”, assim como os que exigiam um tipo de resposta discursiva ou que expressassem uma atitude positiva do familiar em relação ao usuário de drogas, a exemplo “Eu me preocupo que o meu familiar usuário de drogas possa sofrer ao ser estigmatizado”.
No caso da exclusão dos itens com sentido positivo, essa escolha se deu em razão do estigma ter uma natureza essencialmente negativa, gerando no indivíduo estigmatizado sempre efeitos nocivos. Além disso, a não inclusão desses itens teve o intuito de evitar pontuações invertidas e confusões no momento de preenchimento do instrumento. Dessa forma, a versão final da escala de Estigma de Cortesia entre Familiares de Usuários de Drogas (ECPFAD) ficou ao todo composta por 38 itens, distribuídos da seguinte forma: 10 itens na dimensão afetiva, 18 na dimensão cognitiva e 10 na dimensão comportamental.
Resultado da Etapa 3: Evidências de Validade de Conteúdo por Análise de Juízes
Os Coeficientes de Validade de Conteúdo para a escrita, clareza e pertinência dos itens nas dimensões foram de: 0,78, 0,82 e 0,87, respectivamente. A única categoria, portanto, que apresentou o coeficiente um pouco abaixo do esperado foi em relação a redação dos itens e isso se deveu pelas várias sugestões de reescrita propostas pelos juízes. Aquelas que indicaram melhorias no entendimento, tornado as frases mais curtas, simplificando a compreensão para pessoas de baixa escolaridade ou colaborando para eliminação de ambiguidades foram acatadas.
Sendo assim, boa parte dos itens continham a expressão “familiar usuário de droga”, a qual foi substituída por “familiar que faz uso de drogas”, visando justamente melhorar o entendimento da frase como ocorreu na afirmativa “Eu me sinto fracassado por te um familiar usuário de drogas” modificado para “Eu me sinto fracassado por ter um familiar que faz uso de drogas”. Itens contendo adjetivações vagas, imprecisas ou pouco utilizadas no vocabulário cotidiano brasileiro também foram retirados, a exemplo das sentenças “Eu me sinto sem esperança por ter um familiar que faz uso de drogas” e “Eu me sinto abalado emocionalmente por ter um familiar que faz uso de drogas” substituídos para “Eu me sinto desanimado por ter um familiar que faz uso de drogas” e “Eu me sinto chateado por ter um familiar que faz uso de drogas” respectivamente.
Modificações nas estruturas e tempos verbais também ocorreram, de modo a evitar itens com estruturações gramaticais pouco homogêneas entre si ou incorretos do ponto de vista do português padrão, como “Eu me preocupo caso as pessoas descubram que tenho um familiar que faz uso de drogas” e “Por eu ter um familiar que faz uso de drogas, eu acho que as pessoas não verão mais minhas qualidades” alterados para “Eu me preocuparia se as pessoas descobrissem que eu tenho um familiar que faz uso de drogas” e “Por eu ter um familiar que faz uso de drogas, eu acho que as pessoas não percebem minhas qualidades”.
De forma semelhante, sugestões de alterações entre voz ativa e passiva também foram aceitas, a exemplo “Ter um familiar que faz uso de drogas gera um impacto negativo em mim” e “Ter um familiar que faz uso de drogas estragou a minha vida” trocados para “Sofro impactos negativos por ter um familiar que faz uso de drogas” e “Minha vida foi estragada por ter um familiar que faz uso de drogas”, respectivamente.
Apesar de vários itens terem sofrido alterações, na análise da escrita aproximadamente 82% deles tiveram o Coeficiente de Validade de Conteúdo acima de 0,7. No quesito clareza, 89,5% apresentaram esse resultado e, em relação à pertinência na dimensão, praticamente todos eles, 97,4 %, tiveram esse coeficiente acima de 0,7. Dessa forma, optou-se por manter os 38 itens da ECOFAD para o estudo-piloto com familiares de usuários de drogas (Tabela 2).
Resultado da Etapa 4: Evidências de Confiabilidade por meio do Estudo Online
Em relação à consistência interna, as três dimensões apresentaram alfa de Cronbach acima de 0,8, sendo 0,89 para a dimensão Afetiva, 0,88 para a Cognitiva e 0,82 para a Comportamental. A escala como um todo apresentou alfa de Cronbach de 0,94 e o coeficiente de correlação de Spearman-Brown foi de 0,95. Por meio desses resultados é possível afirmar que os itens são homogêneos e que todas as subpartes do instrumento medem a mesma característica.
Os coeficientes de correlação item total corrigidos foram todos acima do valor de critério de 0,30, com exceção do item 15 “As pessoas se preocupam com minha segurança, quando descobrem que eu tenho um familiar que faz uso de drogas” e do 25 “Por eu ter um familiar que faz uso de drogas, eu acho que as pessoas não percebem as minhas qualidades”, ambos da dimensão Cognitiva (Tabela 3).
Itens – Dimensão Afetiva | Fator | M | DP | CITC | α | Com |
1. Eu me preocuparia se as pessoas descobrissem que eu tenho um familiar que faz uso de drogas. | 0.61 | 2.40 | 1.38 | 0.56 | 0.89 | 0.37 |
2. Eu tenho receio de ser rejeitado pelas pessoas no meu trabalho, se elas descobrirem que eu tenho um familiar que faz uso de drogas. | 0.68 | 2.09 | 1.50 | 0.64 | 0.88 | 0.47 |
3. Eu me sinto inferior as outras pessoas por ter um familiar usuário de drogas. | 0.62 | 1.84 | 1.30 | 0.60 | 0.88 | 0.39 |
4. Eu me sinto chateado por ter um familiar que faz uso de drogas. | 0.67 | 3.83 | 1.50 | 0.65 | 0.88 | 0.45 |
5. Eu me sinto envergonhado por ter um familiar que faz uso de drogas. | 0.76 | 2.69 | 1.54 | 0.70 | 0.88 | 0.58 |
6. Eu me sinto desanimado por ter um familiar que faz uso de drogas. | 0.69 | 3.17 | 1.57 | 0.62 | 0.88 | 0.48 |
7. Eu me sinto triste por ter um familiar que faz uso de drogas. | 0.72 | 3.85 | 1.47 | 0.70 | 0.88 | 0.52 |
8. Eu me sinto muito pressionado por ter um familiar que faz uso de drogas. | 0.71 | 2.90 | 1.52 | 0.65 | 0.88 | 0.50 |
9. Eu me sinto culpado por ter um familiar que faz uso de drogas. | 0.59 | 1.91 | 1.33 | 0.51 | 0.89 | 0.35 |
10. Eu me sinto fracassado por ter um familiar que faz uso de drogas. | 0.73 | 2.24 | 1.53 | 0.67 | 0.88 | 0.54 |
Itens – Dimensão Cognitiva | Fator | M | DP | CITC | α | Com |
11. Eu sofro discriminação por ter um familiar que faz uso de drogas. | 0.68 | 2.28 | 1.44 | 0.61 | 0.87 | 0.46 |
12. A minha reputação está prejudicada por eu ter um familiar que faz uso de drogas. | 0.75 | 1.73 | 1.17 | 0.67 | 0.87 | 0.57 |
13. Ter um familiar que faz uso de drogas me faz pensar que sou incompetente em comparação as outras pessoas | 0.52 | 1.74 | 1.21 | 0.48 | 0.88 | 0.28 |
14. As pessoas acham que a família é responsável pelos comportamentos do usuário de drogas. | 0.65 | 3.33 | 1.48 | 0.62 | 0.87 | 0.43 |
15. As pessoas se preocupam com minha segurança, quando descobrem que eu tenho um familiar que faz uso de drogas. | 0.24 | 2.78 | 1.45 | 0.25 | 0.88 | 0.06 |
16. As pessoas consideram que os usuários de drogas não melhoram no tratamento, e isto deve causar tristeza aos familiares. | 0.59 | 3.30 | 1.53 | 0.57 | 0.88 | 0.34 |
17. Familiares de usuários de drogas são considerados pela mídia como pessoas com desvio de caráter. | 0.59 | 2.14 | 1.42 | 0.55 | 0.88 | 0.35 |
18. As pessoas não estão dispostas a cuidar de um membro na família que faz uso de drogas. | 0.33 | 2.63 | 1.43 | 0.34 | 0.88 | 0.11 |
19. As pessoas acham que filhos de pais que usam drogas não deveriam ir à escola. | 0.38 | 1.41 | 0.90 | 0.34 | 0.88 | 0.14 |
20. As pessoas não se casariam com alguém que tenha uma pessoa que faz uso de drogas na família. | 0.53 | 2.01 | 1.25 | 0.48 | 0.88 | 0.28 |
21. Pais vão querer manter seus filhos longe das crianças que têm familiares que fazem uso de drogas. | 0.65 | 3.05 | 1.45 | 0.60 | 0.87 | 0.42 |
Itens – Dimensão Afetiva | Fator | M | DP | CITC | α | Com |
22. As pessoas frequentemente me tratam com ar de superioridade por eu ter um familiar que faz uso de drogas. | 0.74 | 2.00 | 1.34 | 0.66 | 0.87 | 0.55 |
23. Ninguém gostaria de se aproximar de mim porque eu tenho um familiar que faz uso de drogas. | 0.64 | 1.50 | 0.85 | 0.57 | 0.88 | 0.40 |
24. As pessoas não me levam a sério por eu ter um familiar que faz uso de drogas. | 0.36 | 1.26 | 0.58 | 0.34 | 0.88 | 0.13 |
25. Por eu ter um familiar que faz uso de drogas, eu acho que as pessoas não percebem minhas qualidades. | 0.34 | 1.58 | 1.10 | 0.30 | 0.88 | 0.12 |
26. Eu sofro impactos negativos por ter um familiar que faz uso de drogas. | 0.66 | 2.63 | 1.59 | 0.58 | 0.88 | 0.43 |
27. Familiares de usuários de drogas não têm uma vida boa e tranquila. | 0.62 | 3.45 | 1.51 | 0.62 | 0.87 | 0.38 |
28. Minha vida foi estragada por eu ter um familiar que faz uso de drogas. | 0.71 | 2.52 | 1.45 | 0.68 | 0.87 | 0.51 |
Itens – Dimensão Comportamental | Fator | M | DP | CITC | α | Com |
29. Eu evito dizer as outras pessoas que tenho um familiar que faz uso de drogas. | 0.53 | 2.91 | 1.50 | 0.49 | 0.80 | 0.28 |
30. Eu não tenho mais relações com amigos e outros parentes porque eu tenho um familiar que faz uso de drogas. | 0.61 | 1.77 | 1.20 | 0.46 | 0.80 | 0.37 |
31. Eu evito participar de atividades voltadas para o tratamento de dependentes para que as pessoas não saibam que eu tenho um familiar que faz uso de drogas. | 0.47 | 1.26 | 0.69 | 0.44 | 0.81 | 0.22 |
32. Eu não tenho mais relações com meus vizinhos porque eu tenho um familiar que faz uso de drogas. | 0.63 | 1.57 | 1.01 | 0.50 | 0.80 | 0.40 |
33. Eu evito levar meu familiar que faz uso de drogas em festas e confraternizações. | 0.48 | 2.56 | 1.47 | 0.43 | 0.81 | 0.23 |
34. Eu não falo sobre meu familiar que faz uso de drogas, porque eu não quero incomodar os outros. | 0.63 | 2.03 | 1.21 | 0.58 | 0.79 | 0.40 |
35. Quando eu estou com meu familiar que faz uso de drogas, eu me comporto da forma mais discreta possível. | 0.63 | 2.57 | 1.47 | 0.59 | 0.79 | 0.40 |
36. Eu evito conversar com meu familiar que faz uso de drogas. | 0.62 | 1.52 | 1.12 | 0.52 | 0.80 | 0.38 |
37. Eu evito sair com meu familiar que faz uso de drogas | 0.67 | 1.81 | 1.20 | 0.58 | 0.79 | 0.46 |
38. Eu não tenho mais contato com meu familiar que faz uso de drogas. | 0.49 | 1.23 | 0.76 | 0.47 | 0.80 | 0.24 |
Na AFE, os testes de esfericidade de Bartlett (832,2, gl=703, p=0,001123) e KMO (0,79) sugeriram a fatorabilidade da matriz de correlação dos itens. A análise paralela indicou três fatores como sendo os mais representativos para os dados, representando 48,7% da variância explicada (Tabela 4). Todos os itens da dimensão afetiva, quando da dimensão comportamental, apresentaram cargas fatoriais e comunalidades elevadas e, no caso da dimensão cognitiva, apenas os itens 15, 18, 19, 24 e 25 apresentaram valores baixos quando comparados com os demais itens da escala.
Fatores | Percentual de variância explicada dos dados reais | Percentual de variância explicada dos dados aleatórios (95% IC) |
---|---|---|
1 | 34.3278* | 7.8299 |
2 | 7.4204** | 6.9578 |
3 | 6.9476** | 6.4438 |
4 | 5.7390 | 5.9636 |
5 | 5.3032 | 5.6108 |
6 | 4.4095 | 5.2803 |
7 | 3.7941 | 4.9893 |
8 | 3.0460 | 4.6978 |
9 | 2.7579 | 4.4555 |
10 | 2.5947 | 4.1993 |
11 | 2.4525 | 3.9923 |
12 | 2.2536 | 3.7606 |
13 | 2.0232 | 3.5437 |
14 | 1.7824 | 3.3513 |
15 | 1.5424 | 3.1703 |
16 | 1.4939 | 2.9749 |
17 | 1.3206 | 2.8008 |
18 | 1.1894 | 2.6389 |
19 | 1.1082 | 2.4648 |
20 | 1.0389 | 2.3078 |
21 | 0.9207 | 2.1689 |
22 | 0.9000 | 2.0175 |
23 | 0.7738 | 1.8905 |
24 | 0.6698 | 1.7385 |
25 | 0.6145 | 1.6174 |
26 | 0.5545 | 1.4849 |
27 | 0.5150 | 1.3617 |
28 | 0.4608 | 1.2522 |
29 | 0.4434 | 1.1291 |
30 | 0.3803 | 1.0092 |
31 | 0.3535 | 0.9054 |
32 | 0.2612 | 0.8077 |
33 | 0.2298 | 0.6877 |
34 | 0.1520 | 0.5846 |
35 | 0.1016 | 0.4638 |
36 | 0.0930 | 0.3402 |
37 | 0.0310 | 0.2142 |
Nota. o número de fatores a ser retido é três, pois três fatores dos dados reais apresentam % de variância explicada maior do que os dados aleatórios
Os índices de ajustamento do instrumento foram adequados (χ2=651,457, gl=592, p=0,04528, RMSEA=0,034, CFI=0,993 e TLI=0,992). A medida de replicabilidade da estrutura fatorial, H-index, apresentou os valores de 1.017, 1.000 e 0.941 para os fatores Afetivo, Cognitivo e Comportamental respectivamente.
Discussão
Apesar da importância em avaliar os impactos do Estigma de Cortesia na área de álcool e outras drogas, ainda existe uma lacuna nos estudos e desenvolvimento de instrumentos para essa população, em especial entre familiares de usuários de drogas (Tamutiene & Laslett, 2016). Instrumentos que mensuram esse fenômeno, encontrados por meio de revisão de literatura e que fundamentaram a construção dessa escala, foram, em sua maioria, concebidos para pessoas que convivem com indivíduos com algum tipo de transtorno mental, sendo que nenhum deles era voltado para o público de pessoas próximas aos usuários de drogas. Ta l constatação aponta para um elemento de originalidade deste estudo, ao preencher uma lacuna importante que possui potencial de informar, não só novos estudos, mas também de fornecer subsídio para profissionais da área e que reconhecem importância relativa ao vínculo entre o familiar e pessoas com problemas relacionados com a dependência de substâncias.
Outro ponto significativo deste estudo, diz respeito à aplicação online da ECOFAD que possibilitou uma maior adesão dos participantes, justamente pela facilidade de divulgação da pesquisa e pela agilidade na coleta de dados pela internet. Soma-se a isso, o fato de que a aplicação online permite uma maior privacidade dos respondentes, ponto este relevante, uma vez que se é sabido que pessoas que tem algum familiar que faz uso de drogas podem se sentir constrangidas ou terem dificuldade de falar face a face sobre assuntos envolvendo o familiar e a dependência deste em álcool e outras drogas.
A adoção dos pressupostos teóricos da Psicologia Social Cognitiva para a elaboração do instrumento se deu por ser um modelo generalista de entendimento do fenômeno, com abrangência e potencial suporte empírico na forma de mensurar estigma, na medida que assume que o Estigma Público, fonte matriz dos demais tipos de estigma, inclusive do Estigma de Cortesia, estaria calcado no tripé macrossocial dos estereótipos, preconceitos e discriminações. Esses, por sua vez seriam representados, do ponto de vista das micro relações humanas, por reações cognitivas, afetivas e comportamentais, no sentido de que estereótipos são processamentos cognitivos, preconceitos são respostas afetivas e discriminações correspondem a manifestações comportamentais. (Sheehan et al., 2017).
Ta l modelo é especialmente vantajoso, quando são escassas na literatura informações acerca dos descritores ou fatores preditivos do Estigma de Cortesia referentes a determinado agrupamento populacional, como é o caso de familiares de usuários de drogas. Coincidentemente a escala Afilliate Stigma Scale (ASS) (Mak & Cheung, 2008), desenvolvida no contexto de familiares de indivíduos com deficiência intelectual e transtorno mental na China, adota essa divisão tripartite de atitudes frente ao estigma, fato esse que favoreceu o seu aproveitamento conjuntamente com os demais instrumentos encontrados para a construção da escala.
Dentre os outros cinco instrumento aproveitados no desenvolvimento da ECOFAD, enfatiza-se que nesses estudos o público-alvo foi bastante diversificado, não havendo convergência na classificação e número dos fatores, além de ausência de bases teóricas bem delimitadas. Todavia, a semântica e estrutura dos seus itens permitiram o seu aproveitamento nas dimensões afeti-va, cognitiva e comportamental propostas pela Psicologia Social Cognitiva, bem como a sua adequação ao contexto de familiares de usuários de drogas.
Os primeiros dados de consistência interna da ECOFAD, mostraram que as suas sub escalas apresentaram valores para o alfa de Cronbach acima de 0,8, e a escala como um todo o valor de 0,94, sendo um bom indicativo da homogeneidade dos seus itens. Números elevados como esse, também foram encontrados na pesquisa que deram origem a escala ASS, sendo encontrado o mesmo valor de alfa, de 0,94, para familiares de pessoas com transtorno mental e de 0,95 para familiares de pessoas com deficiência intelectual (Mak & Cheung, 2008). Estudos de validação da ASS destinados a cuidadores de pessoas com demência vascular e doença de Alzheimer, também apresentaram bons resultados de consistência interna (Saffari et al., 2019; Chang, Su, & Lin, 2016).
No que tange a análise da confiabilidade pelo método das duas metades (Split Half), o instrumento apresentou um elevado coeficiente de correlação de Spearman-Brown de 0,95. Esse dado é particularmente útil porque corrobora com os dados de consistência interna obtidos por meio do alfa de Cronbach, além de ser uma técnica utilizada quando se tem a aplicação do instrumento apenas uma única vez, como foi o caso do presente estudo (Martins, 2006).
A AFE demonstrou que o modelo tridimensional proposto pela Psicologia Social Cognitiva para o entendimento do Estigma de Cortesia está coerente com a estrutura subjacente encontrada na matriz de dados, indicando o número de variáveis latentes como sendo três. A medida de replicabilidade da estrutura fatorial (H-index, Ferrando e Lorenzo-Seva, 2018) sugeriu que todos os três fatores são replicáveis em estudos posteriores.
Outro ponto a se destacar é que no caso da mensuração objetiva da dimensão comportamental pode ser importante considerar os limites de autorrelatos em termos de descrição de comportamentos, bem como a influência de desejabilidade social e variáveis contextuais.
No que diz respeito à dimensão cognitiva, embora dois itens tenham apresentado correlação item total baixa, optou-se por mantê-los, já que as suas exclusões não implicariam em aumento do coeficiente de alfa de Cronbach. De forma semelhante cinco itens dessa mesma dimensão também foram mantidos mesmo possuindo cargas fatorais baixas, uma vez que é sabido, em termos de mapeamento de construto com base na Teoria de Resposta ao Item (TRI), que itens com cargas mais baixas podem ser importantes para avaliar níveis extremos de habilidade.
Em relação aos dados coletados para a análise-piloto da ECOFAD, vale ressaltar que se trata de uma amostra por conveniência, sem a pretensão de compor uma distribuição probabilística da população-alvo, o que levou a uma caracterização específica dos respondentes, com predominância de mulheres (93%), em sua maioria mães e esposas/companheiras de usuários de drogas. Esse achado é corroborado por pesquisas sobre Estigma de Cortesia em diferentes contextos de saúde, nas quais o número de participantes do gênero feminino é predominante, justificado pelo fato de que as mulheres, na maioria das culturas, ocupam o papel central de cuidadoras e responsáveis pelo zelo familiar e pela maior prevalência de dependência e consumo de drogas entre homens. (Saffari, Koenig, O’Garo, & Pakpour, 2018; Weisman de Mamani, Weintraub, Maura, Martinez de Andino, & Brown, 2018; Werner & AboJabel., 2020).
Outro ponto importante diz respeito ao dado de que todos os participantes da amostra são membros de grupos de ajuda-mútua. Apesar da relevância desses grupos, estando espalhados por todo território nacional e em diversos outros países, recomenda-se, para estudos posteriores, a seleção de grupos mais diversificados, principalmente considerando aqueles que não recebem nenhum tipo de apoio, uma vez que a literatura sobre o Estigma de Cortesia entre familiares de usuários de drogas tem apontado que os principais alvos desse estigma são, além das mulheres, aquelas pessoas que não procuram nenhum tipo de ajuda formal ou informal, mantendo o status de ter um membro da família que faz uso de drogas em segredo (Tamutiene & Laslett, 2016).
Não obstante, os resultados terem sido promissores quanto à adequação do modelo a estrutura, há a necessidade de replicação do estudo considerando amostragens maiores, uma vez que o construto Estigma de Cortesia envolve nuances complexas, que vão desde a relação de parentesco em relação ao usuário de drogas e o tipo de substância utilizada por esse familiar, até fatores mais abrangentes como as políticas públicas de drogas no Brasil e os diferentes tipos de tratamento destinados a esse segmento da população . Sendo assim, um maior número de respondentes, tendo em vista essas complexidades, possibilitaria um melhor refinamento da escala e a remoção parcimoniosa de itens com cargas fatorais baixas e cruzadas
Conclusão
A construção da escala de Estigma de Cortesia entre Familiares de Usuários de Drogas (ECOFAD) apresentou dados iniciais promissores quanto às suas propriedades psicométricas, boa confiabilidade e aderência em termos de construto teórico para o agrupamento de indivíduos que possuem algum parente usuários de drogas. Porém, para estudos futuros, faz-se necessária a análise de propriedades psicométricas adicionais, considerando amostras maiores que permitam validar a sua estrutura fatorial por meio de análise fatorial do tipo confirmatória, além de buscar evidências de validade com variáveis externas.