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Psicologia em Revista
Print version ISSN 1677-1168
Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.16 no.1 Belo Horizonte Apr. 2010
ARTIGOS
Relação de amizade de adolescentes obesos e eutróficos
Friendship among obese and eutrofic adolescents
Relación de amistad de adolescentes obesos y eutróficos
Teresa Helena Schoen-Ferreira * ; Flávia Sayegh **; Ana Damaso ***; Isa de Pádua Cintra ****
Resumo
Na adolescência, ampliam-se os horizontes sociais. Muitos obesos têm uma autoimagem crítica e tornam-se mais isolados. Objetivo: verificar o grau de intimidade nos relacionamentos entre pares de adolescentes obesos, comparando-os a eutróficos. Método: participaram 160 adolescentes, sendo 80 obesos (IMC > 95, grupo estudo). Instrumento: foi usado o friendship questionarie, que caracteriza o interesse, intimidade e integração com amigos. Procedimentos: o grupo estudo respondeu ao instrumento em um ambulatório para adolescentes e o grupo controle em uma escola. Resultados: não houve diferença estatística significante (p=0,412) entre o escore médio do GE (80,08) e GC (81,99). Entre os obesos, não houve diferença estatística (p=0,220) entre o sexo masculino ( = 82,83) e o feminino ( = 78,51); entre os eutróficos, as moças ( = 84,88) tiveram uma média significativamente maior (p=0,016) que os rapazes ( =76,90). Conclusão: não houve diferenças em relação ao grau de intimidade com os pares entre adolescentes obesos e eutróficos. Ambos os grupos estudados procuram investir em uma amizade mais íntima e forte. A obesidade parece afetar menos os relacionamentos sociais dos adolescentes masculinos.
Palavras-chave: adolescente, obesidade, amizade; relações interpessoais.
Abstract
Social horizons expand during adolescence. Many obese individuals have a poor self-image and become more isolated. This paper aims to determine the degree of intimacy in peer relationships among obese adolescents in comparison to eutrofic ones. Out of the 160 adolescents who took part in the research, 80 were obese (BMI > 95, Study Group) and 80 presented a normal range. The instrument used was a Friendship Questionnaire, characterizing interest, intimacy and integration with friends. The procedure consisted of the study group answering the questionnaire at a clinic for adolescents, and the control group doing the same at a school. Results pointed out that there was no significant statistic difference (p=0.412) between the mean score of the study group (80.08) and that of the control group (81.99). Among the obese individuals, there was no statistic difference (p=0.220) between males ( = 82.83) and females ( = 78.51); among the eutrofic ones, the females ( = 84.88) had a significantly higher mean score (p=0.016) than the males ( = 76.90). In conclusion, there was no difference as to the degree of intimacy with peers between obese and eutrofic adolescents. Both groups were seeking to invest in a more intimate, deeper friendship. Obesity appears to have less effect on the social relationships of male adolescents.
Keywords: adolescent; obesity; friendship; interpersonal relations.
Resumen
En la adolescencia se amplian los horizontes sociales. Muchos obesos poseen una auto-imagem crítica y se vuelven más aislados. Objetivo: verificar el grado de intimidad en las relaciones entre pares de adolescentes obesos y eutroficos. Método: Participaron 80 adolescentes obesos (IMC > 95) e 80 eutróficos. Instrumento: Fue utilizado el Friendship Questionarie que caracteriza el interes, intimidad e integración con amigos. Procedimientos: El grupo estudio respondió al instrumento en un ambulatório para adolescentes y el grupo control en una escuela. Resultados: No hubo diferencia estadística significante (p=0,412) entre el resultado medio del grupo estudio (80,08) y control (81,99). Entre los obesos no hubo diferencia estadística (p=0,220) entre el sexo masculino ( = 82,83) y el femenino ( = 78,51). ). Entre los eutroficos hubo diferencia estadística (p=0,016) entre el sexo masculino ( = 76,90) y el femenino ( = 84,88). Conclusión: Los adolescentes, independiente de ser obesos o no, está buscando invertir en una amistad más íntima y fuerte. La obesidad parece afectar menos las relaciones sociales de los adolescentes masculinos.
Palabras Clave: adolescente, obesidad, amizade; relaciones interpersonales
1 Introdução
A obesidade está sendo considerada uma doença crônica e epidêmica, pois vem apresentando um rápido aumento nas últimas décadas, além de estar relacionada com uma alta taxa de morbidade e mortalidade (Koehly & Loscalzo, 2009). Um estudo realizado no município de São Paulo, envolvendo 43 escolas, observou um excesso de peso em 23% dos estudantes de escolas públicas e em 33% dos de escolas particulares (Passos, Cintra, Branco, Machado, & Fisberg, 2010).
Adolescentes obesos tendem a tornarem-se adultos obesos, sujeitos a riscos físicos, sociais e psicológicos (Christakis & Fowler, 2007, Koehly & Loscalzo, 2009; Zeller & Modi, 2006). Muitos possuem uma auto-imagem crítica e tornam-se mais isolados socialmente e sedentários. Numa sociedade que valoriza a magreza, o excesso de peso pode estar associado problemas emocionais e sociais (Ali & Lindström, 2006).
A obesidade pode levar a uma depreciação da própria imagem física, tornando os adolescentes inseguros em relação aos pares e imaginando que estes os discriminam. O adolescente pode apresentar constante preocupação com o seu peso, procurando seguir um ideal de beleza imposto pelo corpo magro, e a não-aceitação de seu corpo, o que o leva a sentir-se estigmatizado pela sociedade. Dessa forma, adolescentes que têm obesidade passam por muitos problemas em relação à aceitação de sua auto-imagem e à valorização de seu próprio corpo (Fonseca & Matos, 2005).
Quando a criança obesa atinge a adolescência, o estigma da obesidade já contribui para uma auto-imagem negativa, comportamento passivo e isolamento social que são reforçados pela pouca aceitação de si mesmo e do grupo de pares. Portanto, se não houver uma boa intervenção todos estes aspectos serão incorporados à identidade adulta (Kiess et al., 2001), especialmente na área interpessoal (Erermins, Cetin, Tamar, Bukusoglu, Akdeniz, & Goksen, 2004; Fonseca & Matos, 2005; Thompson, Shroff, Herbozo, Cafri, Rodriguez, & Rodriguez, 2007).
Ferriani, Dias, Silva e Martins (2005) e Fonseca e Matos (2005) constataram dificuldades enfrentadas pelos adolescentes obesos no momento de fazer novos amigos e em situações de paquera. Os jovens obesos podem parecer alegres e despreocupados no convívio social, mas sofrem com o sentimento de inferioridade, insatisfação, carência afetiva e tendem a revelar intensa necessidade de sentirem-se amados e aceitos.
Os relacionamentos interpessoais são o âmago da existência do ser humano, que desde o nascimento tem uma necessidade de se ligar aos outros por meio de laços permanentes e íntimos (Myers, 2000). Como em todos os períodos do ciclo vital, na adolescência o indivíduo necessita de apoio solidário ao se defrontar com as situações ligadas a seu crescimento e desenvolvimento (Silva, Schoen-Ferreria, Medeiros, Aznar-Farias & Pedromônico, 2004). Precisa aprender a ser independente dos pais ou outros adultos e estabelecer relações sociais mais maduras com os pares de ambos os sexos (Zeijl, te Poel, du Bois-Reymond, Ravesloot, & Meulman, 2000; Çiftçi, Demir, & Bikos, 2008).
A proximidade física facilita o desenvolvimento de uma amizade e influencia na frequência com que as pessoas se encontram (Myers, 2000), facilitando a interação e a comunicação (Lin, Sun, Lee & Wu, 2007). É importante que as pessoas se vejam para que mantenham uma interação mais intensa e íntima. Amigos que se encontram com frequência partilham ideias, atitudes, convicções, desejos e valores parecidos, o que acaba fortificando o grau da amizade. O estudo de Chistakis e Fowler (2007) observou que havia maior chance de pessoas morarem próximas serem eleitas como melhores amigos.
A amizade é especialmente importante para os adolescentes (Renna, Grafova, & Thakur, 2008), e se baseia em valores e interesses mútuos (Christakis & Fowler, 2007). A semelhança produz afeição (Klepper, Sleebos, van de Bunt, & Agneessens, 2009; Myers, 2000). O adolescente escolhe seus amigos e tende a se associar a um grupo que compartilhe seus valores, atitudes, comportamentos.
Um fator que favorece a aproximação das pessoas é a atração física. Inúmeros trabalhos vêm demonstrando sua influência nos relacionamentos humanos (Jones, Vigfusdottir, & Lee, 2004; Thompson et al., 2007). No estudo de Chistakis e Fowler (2007) foi observado que, apesar da proximidade geográfica, obesos e sobrepesos eram menos citados como amigos que eutróficos. Em caso de amigos que moravam distantes, o IMC não afetava na escolha destes.
Na adolescência, há uma ampliação dos horizontes sociais (Silva, Schoen-Ferreira, Medeiros, Pedromônico, 2004). O adolescente passa a andar com seus pares e entre eles trocam confidências. A autorrevelação com os amigos é um tema importante nesta faixa etária (Ferreira & Garcia, 2008). Suas amizades tornam-se cada vez mais íntimas à medida que eles contam sentimentos e segredos e passam a conhecer melhor o sentimento dos outros. A fidelidade e a lealdade tornam-se características de amizade muito valorizadas, justamente porque os adolescentes procuram construir uma amizade bastante íntima com alguns outros indivíduos da mesma faixa etária, expressando seus sentimentos e pensamentos privados (Myers, 2000).
A intensidade das amizades é maior na adolescência do que em qualquer outra época da vida. Os adolescentes procuram a ajuda, a interação e o afeto mútuos como núcleo da amizade. Os adolescentes são mais capazes de expressar seus pensamentos e seus sentimentos privados, além de considerar o ponto de vista de outra pessoa (Kimmel & Weiner, 1998; Papalia, Olds & Feldman, 2006).
Ter amigos íntimos ajuda o adolescente a conhecer a si mesmo, a explorar seus próprios sentimentos, a definir sua identidade e a validar seu próprio valor. Entre pessoas onde o indivíduo percebe-se como aceito, sente-se mais seguro de expressar suas opiniões, admitir fraquezas e obter ajuda na resolução de problemas. As relações igualitárias e recíprocas permitem a exploração de diversas formas de ser. Os adolescentes quando estão entre amigos, sentemse livres, abertos, motivados e envolvidos afetivamente (Kimmel & Weiner, 1998; Papalia, Olds & Feldman, 2006).
A amizade na adolescência exige habilidades sociais mais desenvolvidas do que a amizade na infância (Papalia, Olds & Feldman, 2006). Os jovens orientam-se pelo diálogo e precisam ser capazes de iniciar e sustentar conversações. Precisam saber procurar amigos, telefonar-lhes e fazerem planos, lidando com conflitos e discórdias (Ferreira & Garcia, 2008).
As pessoas fisicamente atraentes são consideradas mais simpáticas e com maior desenvoltura social e tendem a ser as mais populares. Com isso, as pessoas belas são valorizadas e favorecidas, desenvolvendo, maior confiança social (Myers, 2000). Têm qualidades que os outros apreciam por pensar que são mais felizes, sexualmente mais ardentes, mais extrovertidas, mais inteligentes e mais bem-sucedidas.
Os adolescentes fazem muitas atividades juntos para manter a intimidade de seus relacionamentos (Ferreira & Garcia, 2008). Podem passear, ir a shopping, falar ao telefone, frequentar festas ou participar de algum esporte. Geralmente atividades que permitem a comunicação face-a-face. Entretanto, atualmente os adolescentes têm seu tempo para encontrar os amigos bastante limitado (Grinter & Eldridge, 2001) e fortalecem seus laços de amizade utilizando a tecnologia, como aparelhos celulares e Internet, especialmente utilizando programas que permitem a interação em tempo real, como o MSM (Lee & Sun, 2009).
Embora grande parte dos estudos mostre que os adolescentes obesos apresentam mais dificuldades sociais que seus pares eutróficos, há outros que não encontraram diferenças, mostrando que tanto obesos quanto eutróficos têm amigos (Christakis & Fowler, 2007; Silveira, Taddei, Escrivão, Oliveira, & Ancona-Lopes, 2006). Em função do exposto, este estudo teve por objetivo verificar o grau de intimidade nos relacionamentos com amigos que adolescentes obesos apresentam em relação aos seus pares eutróficos.
2 Método
Foi realizado um estudo retrospectivo, transversal e observacional com análise de dois grupos selecionados por conveniência. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo/ Hospital São Paulo sob o número CEP 0135/04.
2.1 Participantes
O grupo estudo – GE – foi composto de 80 adolescentes obesos (IMC > 95), que frequentaram o Centro de Atendimento e Apoio ao Adolescente – CAAA – do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo, nos anos de 2004 e 2005, em resposta a um convite feito por meio de rádio ou televisão para participarem de um projeto de emagrecimento. No GE, 63,75% eram do sexo feminino, com idades de 14 a 19 anos. A escolaridade variou da 4ª série do Ensino Fundamental ao 3ª ano do Ensino Médio, havendo nove adolescentes que já haviam terminado o EM.
O grupo controle – GC – foi composto por 80 adolescentes eutróficos, que estudavam nas proximidades da clínica-escola, pareados por sexo com o GE, cursando da 8ª série do Ensino Fundamental ao 3º ano do Ensino Médio A idade variou de 14 a 19 anos.
2.2 Instrumento
Foi utilizada a tradução brasileira (Anexo I) do questionário do “The Friendship Questionaire” – FQ (Baron-Cohen & Wheelwright, 2003). O teste FQ foi traduzido e adaptado por Pedromônico, Marteleto e Schoen-Ferreira (2004) com autorização dos autores do referido instrumento. O questionário da amizade contém 36 questões que caracterizam o interesse, intimidade e integração com amigos, sendo que 27 recebem escores (só estas foram analisadas neste estudo). Quanto mais alto o escore obtido, maior intimidade dos relacionamentos. O FQ serve para avaliar a afeição, comportamento social, similaridade, intimidade, admiração, companheirismo, diferenças, competição e exclusividade na relação de amizade. A afeição foi considerada o grau em que os adolescentes gostam de seus melhores amigos. O comportamento social, o quanto os adolescentes cooperam entre si e fazem coisas juntos. A similaridade, quanto o adolescente e seus amigos têm aspectos em comum. A intimidade foi considerada como o quanto o adolescente e seus amigos compartilham seus segredos e sentimentos uns com os outros. A admiração, o quanto o adolescente se sente orgulhoso de estar com seus amigos. O FQ mede a extensão em que o adolescente e seus amigos vão aos lugares e fazem coisas juntos; o quanto discordam das opiniões uns dos outros e debatem sobre valores, comportamentos ou questões cotidianas. As questões que observam a exclusividade perguntam sobre lugares aonde os adolescentes vão e o que fazem juntos. Em média os adolescentes gastaram 15 minutos para o seu preenchimento. Quanto maior o resultado, mais o adolescente investe em relacionamentos com os pares de modo saudável, envolvendo trocas de opiniões, sentimentos e pensamentos, sendo o escore máximo possível de 135.
2.3 Procedimento
Os adolescentes atendidos no CAAA foram convidados a responder ao questionário sobre amizade – FQ – na sala de espera, enquanto aguardavam a consulta com o médico, nutricionista ou professor de educação física, antes de iniciarem as atividades voltadas ao emagrecimento. Foram retiradas dos prontuários informações demográficas (sexo, idade, escolaridade) e peso e altura. Os dados foram organizados em planilhas, e realizadas as análises estatísticas.
Os adolescentes eutróficos foram convidados a responder ao questionário sobre amizade – FQ – na própria escola, com autorização da diretoria, em horário livre. Também foram medidos e pesados por uma nutricionista. O questionário foi aplicado em algumas turmas do Ensino Médio e Ensino Fundamental.
Foi definido para este trabalho um nível de significância de 0,05. Foram comparados com a ANOVA os resultados do FQ nos dois grupos – estudo e controle
Resultados
Houve diferença média estatisticamente significante entre os grupos para Idade (p=0,001), onde notamos que o grupo Estudo teve média de idade maior ( =16,56, DP 1,4, mediana 17 anos) do que o grupo Controle ( =15,81, DP 1,26, mediana 16 anos).
Não foi encontrada diferença média estatisticamente significante entre os grupos no Friendship Questionnaire (Tabela 1). O grupo controle apresentou uma variação maior nos escores (81 pontos) que o grupo estudo (68 pontos).
Tabela 1: Resultados obtidos no Friendhip Questionaire por obesos e eutróficos
No GC, havia 10 (dez) adolescentes que obtiveram escores menores que um desvio-padrão abaixo da média de seu grupo, sendo 60% do sexo feminino. No GE, 15 adolescentes obesos obtiveram escores menores que um desviopadrão abaixo da média de seu grupo, sendo 66,66% do sexo feminino.
Em relação aos escores um desvio-padrão mais alto que a média do grupo, no GC, nove adolescentes se encontravam nesta faixa, todos do sexo feminino; e no grupo estudo, 13 adolescentes, sendo 53,85% do sexo feminino.
Prosseguindo com a ANOVA, foi comparado o resultado entre os sexos, por grupo (Tabela 2).
Tabela 2: Resultados obtidos no Friendhip Questionaire por obesos e eutróficos, de acordo com o sexo
No GC, houve uma diferença estatisticamente significante entre os sexos (p=0,016). Os adolescentes do sexo masculino tiveram uma média de 76,90 pontos; enquanto os adolescentes do sexo feminino do grupo controle obtiveram uma média de 84,88.
No GE, não houve diferença significante entre os sexos (p=0,220). Os adolescentes obesos do sexo masculino tiveram uma média de 82,83 pontos no FQ; e os adolescentes obesos do sexo feminino, uma média de 78,51 pontos. No GE, apesar de não ter tido diferença estatística, os rapazes tiveram uma média mais alta que as moças.
Não houve diferença estatisticamente significante entre a média dos meninos do GE com a média dos meninos do GC (p=0,095). Averiguamos que somente entre as mulheres é que existiu diferença média estatisticamente significante entre os grupos, onde foi encontrada maior média foi do grupo controle (p=0,035).
Foi utilizada a Correlação de Pearson para medir a relação entre idade e o resultado no Friendship Questionnaire. Todas as correlações (total, GC e GE) foram ruins.
Os resultados por item são apresentados na Tabela 3. O item em que ambos os grupos obtiveram uma menor média (GC: 0,88; GE: 1,12) foi o de número 27: “Quando está em grupo (no trabalho, escola, igreja, grupo de pais), você acha importante saber as fofocas, ou seja, quem não gosta de quem, quem tem amizade escondida com quem?”. Não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos (p=0,295) O segundo item com menor média foi o de 26: “Você se interessa pelos detalhes da vida particular de pessoas que não são próximas (ou seja, seus relacionamentos, família, o que está acontecendo em suas vidas)?”, onde o GC obteve uma média de 1,79 e o GE de 1,59. Também não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos (p=0,370).
Tabela 3: Comparação das médias de respostas fornecidas em cada item, por grupo
O item com maior média, para os obesos ( = 4,86) foi o de nº 30 (terceiro com maior média entre os eutróficos ( = 4,39; p= 0,010): “Como você prefere manter contato com os seus amigos? Contato face a face; E-mails ou cartas; Conversas por telefone”; enquanto para o grupo controle ( = 4,94) foi o de nº 4 (foi o segundo com a maior média entre os obesos, = 4,75; p= 0,175): “a. Eu gosto de estar junto com pessoas. b. Eu gosto de manter distância das pessoas.”. O item 2 – “a. O mais importante na amizade é ter alguém em quem confiar. b. O mais importante na amizade é ter alguém que se divirta junto com você” - foi a segunda maior média entre os eutróficos ( > = 4,75) e a terceira entre os obesos (média de = 4,24). Neste item, houve diferença estatisticamente significante entre os grupos (p=0,035).
Dois outros itens apresentaram diferença estatisticamente significativa entre os grupos: item 6 (a. Primeiro eu penso numa coisa que eu queira fazer, depois procuro alguém para fazer junto comigo; b. Quando eu quero fazer algo, primeiro eu procuro alguém e penso o que vamos fazer.) com p= 0,002 (GC =3,38; GE =2,16); e o item 18 (Em termos de personalidade, o quanto você se parece com seus amigos?) com p= 0,45 (GC =3,04; GE =2,56).
Em relação ao item número 1, 63,12% dos adolescentes disseram ter um ou dois amigos íntimos (50 eutróficos e 49 obesos). Entretanto, o dobro de obesos (4) em relação aos eutróficos (2) disseram não ter ninguém que considere amigo íntimo.
4 Discussão
Em relação aos participantes do estudo, embora o local da coleta dos dados tenha sido diferente, as escolas que participaram eram do entorno do local onde os adolescentes obesos eram atendidos. A literatura aponta haver mais adolescentes do sexo masculino com sobrepeso (Passos, Cintra, Branco, Machado, & Fisberg, 2010), entretanto mais meninas procuram ajuda profissional para emagrecer. Este estudo, então, não reflete a realidade dos adolescentes obesos, mas de um grupo específico. Tentou-se parear os grupos também por idade, entretanto Grupo Estudo ficou com uma média maior que o GC. Entre os participantes mais velhos do GE, nove haviam terminado o Ensino Básico, dificultando, neste caso específico o pareamento. Como não houve correlação entre a idade e os pontos obtidos no FQ, não consideramos importante, para este estudo específico, este resultado.
Este trabalho tratou as questões referentes ao adolescente obeso e como esses jovens investem nos contatos sociais entre os pares, abordando a amizade entre os adolescentes. Para isso, comparou-se os pontos obtidos em um questionário sobre amizade aplicado em um grupo de obesos que participava de um programa de emagrecimento com os pontos obtidos por adolescentes eutróficos. Chegou-se a conclusão que ambos os grupos de adolescentes investem nos contatos sociais em relação à amizade. Estes resultados foram ao encontro de diversos outros estudos com obesos (Koehly & Loscalzo, 2009; Silveira, Taddei, Escrivão, Oliveira, & Ancona-Lopes, 2006) ou mesmo com outras doenças crônicas (Ferreira & Garcia, 2008; Santos & Enumo, 2003), embora seja encontrado na literatura muitas referências a adolescentes obesos com mais dificuldades nos contatos sociais (Christakis & Fowler, 2007; Fonseca & Matos, 2005).
O Grupo Estudo respondeu ao questionário antes de terem iniciado as atividades que objetivavam o emagrecimento, como reeducação alimentar e atividades físicas. Talvez o motivo de não haver diferença estatisticamente significante entre os grupos, deva-se ao fato destes jovens estarem procurando ajuda para um problema que os aflige. Diferentes de outros obesos, estes responderam a um convite feito através da mídia, o que necessitou de recursos internos suficientes para se comunicar com pessoas estranhas a eles e exporemse. Provavelmente já desenvolveram diversas habilidades sociais que facilitam o relacionamento humano. Muitas dessas habilidades são investigadas no FQ. Este grupo estudado diz compartilhar seus segredos e trocar experiências com outros adolescentes e não apresentaram problemas para criar e manter amizade.
O que foi percebido é que a maioria dos adolescentes dos dois grupos não apresentou conflitos no aspecto social, como encontrado no estudo de Silva, Schoen-Ferreira, Medeiros, Aznar-Farias, & Pedromônico (2004). Tanto os adolescentes eutróficos como os obesos, no aspecto social, consideram a amizade bastante importante, procurando estar junto com os amigos, trocando experiências e vivências. Os adolescentes obesos valorizaram mais os encontros face-a-face, onde têm a oportunidade de utilizarem-se de pistas não-verbais para reafirmarem suas amizades, como o contato olho-no-olho, o uso do espaço ou de gestos (Aronson, Wilson & Akert, 2002). O que não deixa de ser interessante, já que a obesidade afeta justamente a aparência, e podíamos até esperar que os obesos preferissem outras formas de contato com seus amigos. Não deixa de ser semelhante com o item com maior média entre os eutróficos, que é preferir estar junto de outras pessoas. Ambos os grupos parecem considerar importante sair com os companheiros, visitá-los com frequência, e compartilhar sentimentos, segredos e sentem necessidade de estar juntos aos amigos (Christakis & Fowler, 2007; De la Haye, Robins, Mohr, & Wilson, 2010).
Em relação aos itens com menor mé=dia, observou-se que foram relativos ao interesse por pessoas estranhas. Os adolescentes sentem-se mais confortáveis com seus amigos e consideram isto muito mais importante que valorizar um relacionamento passageiro com estranhos.
Suas amizades tornam-se cada vez mais íntimas à medida que os adolescentes trocam entre si seus sentimentos e segredos e passam a conhecer melhor os sentimentos dos outros. Talvez por esta razão, o item com menor média foi aquele que falava de fofocas. A fidelidade e a lealdade tornam-se características de amizade muito valorizadas, e os adolescentes não querem ser vistos como aqueles que não são confiáveis ou com quem o outro não pode contar. Foi justamente o segundo item com maior média entre os eutróficos e o terceiro entre os obesos.
Os adolescentes começam a passar mais tempo com seus pares, e por isso a autorrevelação com os amigos passa a ser um tema dominante.
Foi comparado o resultado entre os sexos. Esta análise foi feita para cada grupo em separado. Verificou-se que a diferença existente entre os sexos somente foi estatisticamente significante no Grupo Controle, em que os adolescentes do sexo feminino obtiveram uma maior média. Este resultado vai ao encontro da literatura, que nos informa serem as mulheres que mais investem em relacionamentos sociais íntimos (Kimmel & Weiner, 1998, Papalia et al., 2006).
Embora sem diferença estatisticamente significativa, os adolescentes obesos do sexo masculino obtiveram uma pontuação maior no FQ. Poderíamos supor que a obesidade afeta menos os rapazes que as moças em relação aos contatos sociais (Christakis & Fowler, 2007; Koehly & Loscalzo, 2009; Zeller & Modi, 2006). Um padrão de beleza é mais exigido para as mulheres, e, talvez por isso, elas tido um escore mais baixo no FQ, denotando uma maior dificuldade em investir em relacionamentos sociais com seus pares.
Utilizando a Correlação de Pearson para medir a relação entre Idade e o Índice de Intimidade no Relacionamento, concluiu-se que nenhuma das correlações foram estatisticamente significantes. Embora a variação de idade fosse de seis anos (dos 14 aos 19 anos), tanto os adolescentes mais novos, quanto os mais velhos investem de modo semelhante nos relacionamentos sociais com os pares. Isto é interessante, pois embora os mais velhos já possuam alguns direitos que facilitem o contato social, como carteira de motorista ou permissão para trabalhar, os adolescentes mais novos, e portanto mais dependentes de seus pais, conseguem organizar suas vidas de modo que a amizade seja fundamental.
Tanto os adolescentes obesos quanto os eutróficos consideraram muito importante a amizade no período da adolescência. Disseram possuir um ou dois amigos íntimos para compartilhar seus segredos, a percepção sobre a vida e assuntos variados. Os adolescentes deste estudo, ao assinalarem as respostas do FQ, mostraram querer se relacionar com pessoas que os aceitem da forma que se apresentam, onde podem ser eles mesmos, querem sentir-se apreciados, procuram semelhanças psicológicas e filosóficas, procurando dividir os momentos da vida e não apenas ocupar seu tempo em alguma atividade. Os adolescentes, ao emitirem estes comportamentos, estão procurando investir em uma amizade mais íntima e forte.
Observou-se que os participantes deste estudo preferiam estar próximos das pessoas. Essa proximidade é psicológica e física, necessária para seu desenvolvimento e também para preparar-se ao entrar na fase adulta, geralmente mais intima.
Ocorre uma compreensão maior entre os adolescentes nesse período, por isso trocam seus segredos e intimidade, como uma forma de estarem juntos e se autoconhecerem. Gostam de falar ao telefone tanto para resolver alguma questão quanto para conversar assuntos diversos, ou seja, estão investindo nos contatos sociais. Procuram combinar o que fazer e não tomar decisão sozinhos. Precisam saber a opinião dos amigos, suas preferências e gostos.
Os adolescentes valorizam mais quem dá apoio (Ferreira & Garcia, 2008) do que alguém com quem apenas se divertem, porque precisam sentir-se aceitos e admirados. Isso confirma a estima que se tem de si.
A busca de opiniões na resolução de problemas, ter com quem contar e poder se expressar é fundamental nesse período. Não é primordial a solução prática em relação ao assunto e sim dividir as angústias. Não procuram esquecer o problema, nem resolverem sozinhos, sentem-se melhor em compartilhar com os seus iguais.
Nesse período ocorre um cuidado maior pelo adolescente ao proferir palavras aos amigos, pois sabem que não é igual à família que aguenta maiores manifestações críticas. Portanto, o adolescente tenta estabelecer relações de amizade entre pessoas com interesses, valores e objetivos parecidos.
Em relação ao estudo realizado, chegamos à conclusão de que não houve diferença entre eutróficos e obesos em relação à intimidade nos relacionamentos entre pares, provavelmente porque o grupo de obesos foi formado por adolescentes que procuraram ajuda, e isso já indica uma forma de superação de possíveis conflitos e melhor autoestima.
Referências
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Recebido: outubro de 2009
Aprovado: julho de 2010
* Doutora em Ciências Aplicadas à Pediatria pela Unifesp, psicóloga e pedagoga, com especialização em Adolescência. E-mail: rpetrass@uol.com.br
** Psicóloga com especialização em Adolescência pela Unifesp. E-mail: flaviasayegh@uol.com.br.
*** Pós-doutora em Pediatria e Doutora em Nutrição, professora e coordenadora do curso de Educação Física da Unifesp. E-mail: ana.damaso@unifesp.br.
**** Doutora em Nutrição pela Unifesp, professora adjunta da Univesp, coordenadora do curso de Especialização em Adolescência para Equipe Multidisciplinar da Unifesp. E-mail: ipcintra@uol.com.br.