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Psicologia em Revista
Print version ISSN 1677-1168
Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.17 no.3 Belo Horizonte Dec. 2011
Resumo de dissertação
O percurso dos trabalhadores afastados das fábricas em decorrência de adoecimento psíquico: caminhos e descaminhos dos trabalhadores do setor automotivo em Betim-MG
The trajectory of the workers removed from the factories as a result of mental illness: ways and abandonment of the workers in the automotive sector in Betim-MG
Maria Regina Greggio*
As estruturas clínicas
A pesquisa teve como objetivo investigar a situação dos trabalhadores do setor automotivo da cidade de Betim, após serem afastados da fábrica, em decorrência de adoecimento psíquico. Trata-se de um estudo aprofundado sobre o percurso desses trabalhadores, desnudando as falhas do sistema previdenciário e da saúde pública no que tange ao cumprimento da legislação pertinente à proteção de direitos dos trabalhadores incapacitados para o trabalho. Os preconceitos e os interesses que os colocam em situações de extrema vulnerabilidade são analisados nas histórias apresentadas. A pesquisa mostra também as dificuldades enfrentadas pelos profissionais de saúde no atendimento e acompanhamento desses trabalhadores, bem como o lugar secundário que o psicólogo ocupa nos serviços públicos e privados de assistência ao trabalhador acometido de adoecimento psíquico. Os desafios de realizar as políticas públicas e seus avanços constitucionais conquistados, com a participação do movimento operário e de trabalhadores da saúde, são enfrentados pelos gestores da saúde do trabalhador, em razão, muitas vezes, da incompreensão e desconsideração dos demais dirigentes governamentais. Ao trazer esse vasto panorama, a pesquisa discute a possibilidades de saídas frente aos entraves do sistema que culminam no abandono, doença e morte dos trabalhadores.
A escolha desse tema se baseou na experiência clínica de atendimento a trabalhadores afastados do trabalho por doença mental. Discutem-se as dificuldades de tratamento de seu adoecimento, aliadas ao acompanhamento de seus familiares. As histórias se repetem na boca de homens e mulheres gravemente adoecidos, cujo tratamento se reduz a uma longa trajetória de medicação ineficaz, além da tentativa de continuar trabalhando, até serem descartados pelas empresas, não conseguindo retornar ao mercado de trabalho. Os persos quadros de adoecimento estão associados, segundo os trabalhadores e alguns profissionais de saúde, à carga de trabalho nociva à qual ficaram expostos durante vários anos.
Os referenciais teóricos da Psicossociologia e da Psicologia do Trabalho forneceram as bases desse estudo, o que permitiu reconhecer a inseparabilidade e a irredutibilidade entre os processos subjetivos e o campo social, com base em uma concepção de homem biopsicossocial. Entende-se que o trabalho tem importância fundamental na realização do sujeito, embora ele também possa ser causa de adoecimento e morte.
A pesquisa foi organizada em três momentos:
1) vertente teórico-histórica: investiga como se constituiu o campo da saúde do trabalhador, como política de governo, e sua inserção na saúde pública, resgatando as lutas em defesa da saúde do trabalhador. Investigou-se também, em razão de os sujeitos atendidos serem trabalhadores metalúrgicos, a evolução da indústria automotiva no Brasil;
2) pesquisa documental referente às leis que regem a saúde do trabalhador, um campo novo de atuação da saúde pública;
3) pesquisa de campo, pidindo os entrevistados em três grupos, para efeito de análise:
3.1) Entrevistas semiestruturadas com os gestores das entidades e instituições envolvidos na saúde do trabalhador:
instituições públicas especializadas no atendimento aos trabalhadores: CERESTs (Centro de Referência em Saúde do Trabalhador): Cerest Estadual de Minas Gerais e do Cerest Regional de Betim;
Caps (Centros de Atenção Psicossocial);
Sindicato dos Metalúrgicos de Betim, Igarapé e São Joaquim de Bicas;
Associação dos Aposentados de Betim.
3.2) Profissionais de saúde que atendem os trabalhadores do setor metalúrgico nos sistemas público e privado das seguintes entidades:
SESMT (Serviço Especializado em Engenharia de Segurança e em Medicina do Trabalho);
clínicas conveniadas com as empresas do setor automotivo;
serviços de saúde conveniados com o Sindicato dos Metalúrgicos de Betim, Igarapé e São Joaquim de Bicas;
INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social);
PSF (Programa de Saúde da Família);
SAIT (Serviço de Atendimento Integrado ao Trabalhador):
3.3) Entrevista aberta, nos moldes de grupo focal, realizada com sete trabalhadores aposentados, licenciados ou demitidos das montadoras, com diagnóstico de adoecimento psíquico. Os trabalhadores foram escolhidos com base no fichário/arquivo das entidades pesquisadas ou indicados por outros trabalhadores.
A metodologia utilizada no tratamento dos dados foi a técnica da análise de conteúdo, por melhor atender aos objetivos de uma pesquisa de caráter exploratório, descritivo e analítico, como essa. Assim, foi realizada a análise, o tratamento e a interpretação em cada etapa da pesquisa e, posteriormente, feito o cruzamento dos dados.
Buscou-se conhecer o caminho trilhado pelos empregados de grandes empresas, acometidos de adoecimento psíquico, licenciados, demitidos ou aposentados. Tal percurso compreende, em geral, o atendimento nos serviços conveniados com as empresas de saúde e, posteriormente, no Sistema Único de Saúde. Tal estudo permitiu perceber os desafios que envolvem os atores implicados no campo da saúde mental do trabalhador. Quando o sofrimento e o adoecimento psíquico dizem respeito a um fenômeno coletivo, ele deve ser compreendido também como um fenômeno político e, como tal, deve ser enfrentado também coletivamente, no bojo dos movimentos sociais organizados.
A pesquisa mostrou, entre outros elementos, que os profissionais entrevistados se sentem fragilizados e imobilizados, dada a fragmentação dos serviços e a dificuldade técnica (às vezes, também teórica) em estabelecer o nexo causal entre o adoecimento e o trabalho. Evidenciou também a ausência do psicólogo nos serviços de saúde do trabalhador. Ficou evidente ainda que a questão da saúde do trabalhador é permeada pelo jogo de interesses econômicos, daí os conflitos ligados aos diagnósticos, aos tipos de tratamento, aos direitos trabalhistas e previdenciários. Neste último caso, pode-se perceber onde e por que a legislação falha, trazendo resultados desastrosos para a vida pessoal, familiar e laboral dos sujeitos acometidos pela doença mental. Discutem-se, finalmente, as formas de enfrentamento das dificuldades vividas por todos os atores envolvidos na questão, entre os quais estão os gestores da saúde pública e os próprios trabalhadores, historicamente desrespeitados em seus direitos de cidadania.
* Mestra em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Orientador: Prof. Dr. José Newton Garcia de Araújo. E-mail:mareggio@gmail.com.