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Psicologia em Revista

Print version ISSN 1677-1168

Psicol. rev. (Belo Horizonte) vol.27 no.1 Belo Horizonte Jan./Apr. 2021

https://doi.org/10.5752/P.1678-9563.2021v27n1p224-244 

ARTIGOS

DOI - 10.5752/P.1678-9563.2021v27n1p224-244

 

A compreensão emocional infantil: uma revisão da literatura

 

Children’s emotional understanding: a literature review

 

La comprensión emocional infantil: una revisión de la literatura

 

 

Ana Beatriz de Mota e Souza*; Deise Maria Leal Fernandes Mendes**; Stella Rabello Kappler***

 

 


Resumo

A compreensão emocional é uma habilidade de grande relevância para o desenvolvimento emocional infantil, estando relacionada ao ajustamento social e à competência acadêmica. O objetivo deste estudo foi examinar características da produção acadêmica nessa temática, entre 2007 e 2017, de modo a identificar lacunas e fomentar avanços em novas pesquisas nesse campo. Para alcançar esse objetivo, foram realizadas buscas em duas bases de dados, tendo sido selecionados, após a aplicação dos critérios de inclusão e exclusão, 32 artigos. Algumas categorias foram concebidas para analisar os estudos. Verificou-se uma maior concentração de estudos em países europeus e norte-americanos, e em crianças de 0 a 5 anos. Conclui-se que há necessidade de estudos brasileiros sobre o tema e que explorem a diversidade de contextos socioculturais do país.

Palavras-chave: Emoções. Compreensão emocional. Socialização de emoções. Desenvolvimento emocional. Competência emocional.


Abstract

Emotional understanding is a very important skill for the child’s emotional development, and is related to social adjustment and academic adroitness. The aim of this study was to examine the characteristics of scholar research on this theme in the last ten years, in order to foster advance in new inquires on this domain. For this purpose, searches were conducted in two databases and, after using the exclusion criteria, 32 articles were selected. A few categories were designed to analyze the studies. A higher concentration of studies was found among European and North American countries, and in children from 0 to 5 years old. It is concluded that there is a need for Brazilian studies on the subject to explore the cultural diversity of the country.

Keywords: Emotions. Emotion comprehension. Socialization of emotions. Emotional development. Emotional expertise.


Resumen

La comprensión emocional es una habilidad de gran importancia para el desarrollo emocional infantil y está relacionada con el ajustamiento social y con la competencia académica. El objetivo del presente estudio fue examinar características de la producción académica en esa temática, entre 2007 y 2017, a fin de identificar brechas y fomentar avances en nuevas investigaciones en ese campo. Para lograr ese objetivo, se realizaron búsquedas en dos bases de datos y fueron seleccionados 32 artículos con base en los criterios de exclusión e inclusión. Algunas categorías fueron creadas para analizar los estudios. Hubo una mayor concentración de los estudios en los países europeos y norteamericanos y en niños de 0 a 5 años de edad. Se concluye que hay la necesidad de estudios brasileños acerca del tema y que exploren la diversidad de los contextos sociales del país.

Palabras clave: Emociones. Comprensión emocional. Socialización de las emociones. Desarrollo emocional. Competencia emocional.


1. INTRODUÇÃO

capacidade de lidar com as emoções, essencial aos seres humanos para melhor enfrentar os acontecimentos ao longo da vida e para a manutenção de boas relações interpessoais, vem sendo foco de interesse de estudiosos nas últimas décadas. Nesse sentido, foram desenvolvidos noções e constructos como o da "inteligência emocional" (Goleman, 1995; Mayer, & Salovey, 1997), que, entre outras características, reflete uma visão cognitivista da emoção e o da "competência emocional" (Denham, Bassett, Brown, Way, & Steed, 2015; Denham, & Burton, 2003; Saarni, 2011), incorporado a um modelo desenvolvimentista das competências emocionais, enfatizando a ontogênese e as características dos diferentes momentos do desenvolvimento e, por essa razão, assumido neste estudo. Assim como as competências cognitivas, a competência emocional apresenta-se como uma capacidade fundamental para o desenvolvimento global e o bem-estar psicológico do indivíduo e sua adequada inserção no ambiente social em que vive (Saarni, 2011). A criança, desde muito jovem, necessita responder emocionalmente aos mais diversos desafios presentes em seu cotidiano, aplicando o conhecimento que tem sobre as emoções assim como sobre a forma de expressá-las e regulá-las. Essas capacidades são primordiais nas relações que ela estabelece com os adultos com os quais convive e com outras crianças (Denham, Ferrier, Howarth, Herndon, & Bassett, 2016).

Em muitos nichos culturais, as habilidades cognitivas estão elencadas entre as capacidades mais relevantes para determinar o quão bem-sucedido o indivíduo é ou será em sua vida. Na Psicologia científica, somente nas últimas décadas, as emoções ganharam destaque como foco de investigações. Algumas perspectivas, especialmente a Psicologia Evolucionista (Ekman, 2016; Izard, 2007) e as Neurociências (Damásio, 2012), têm resgatado o papel protagonista das emoções na vida humana e investigado sua influência nos processos cognitivos, na motivação e na ação. Tal visão acentua a relevância do desenvolvimento da competência emocional desde as etapas iniciais do ciclo vital (Saarni, 2011).

O conceito de competência emocional é multifacetado, incluindo componentes relacionados à expressão, compreensão e regulação das emoções, que se constituem e se apresentam de acordo com a idade, e de modo adequado à situação social envolvida (Denham et al., 2016). Embora não se possa dizer que haja um componente da competência emocional mais relevante do que outro, a compreensão das emoções pode ser considerada o âmago da competência emocional.

Na busca por lidar com suas experiências emocionais e de comunicá-las, a compreensão das emoções revela-se uma habilidade primordial. As crianças, desde muito cedo, desenvolvem, gradualmente, a competência em identificar emoções, por meio do reconhecimento de determinadas expressões faciais, padrões vocais e até mesmo comportamentos, que podem ser associados a uma variedade de emoções. Essa capacidade é essencial na construção de um significado para as emoções, significado esse compartilhado com outros membros de seu grupo social e cultural (Chronaki, Hadwin, Garner, Maurage, & Souga-Barke, 2015). Pons, Harris e Rosnay (2004) destacam nove componentes da compreensão emocional em crianças:

1) o reconhecimento das emoções, baseado nas expressões faciais;

2) compreensão das causas externas das emoções;

3) compreensão do desejo despertado;

4) compreensão das emoções baseadas em crenças;

5) compreensão da influência da lembrança em circunstâncias de avaliação de estados emocionais;

6) compreensão das possibilidades de controlar as experiências emocionais;

7) compreensão da possibilidade de esconder um estado emocional;

8) compreensão da existência de múltiplas ou até contraditórias (ambivalentes) respostas emocionais;

9) compreensão de expressões morais.


Esses componentes se desenvolvem com a idade e a experiência em situações sociais.

Para mostrar que distinguem as diferentes emoções e o significado cultural associado a elas, as crianças devem conseguir diferenciar e nomear as expressões das emoções, especialmente das básicas (Izard, 2007), presentes em sua experiência emocional. Denham et al. (2015) mencionam que as crianças, já no fim da pré-escola, são capazes de identificar e nomear as expressões emocionais associadas a esse conjunto de emoções. Adicionalmente, para compreender suas emoções e as dos outros com os quais interagem, as crianças devem conseguir reconhecer as situações mais comumente associadas às emoções e que são deflagradoras destas.

O conhecimento que a criança adquire das consequências de suas expressões emocionais bem como das manifestadas por pessoas com quem interage, sejam adultos ou seus pares, é um componente importante na regulação de suas emoções. As crianças que compreendem o que ocorre quando as emoções são experienciadas são mais capazes de regular suas próprias emoções, assim como de reagir às emoções dos outros de forma considerada mais apropriada (Denham et al., 2015). Assim, é possível pensar o quanto a compreensão das emoções é um componente vital da competência emocional e que subsidia a expressão e a regulação das emoções (Denham et al., 2015).

O uso da linguagem emocional é também essencial no desenvolvimento da compreensão das emoções. Nesse sentido, é imprescindível considerar que as crianças não constroem um vocabulário para as emoções em um vácuo social, mas com base nas interações com outros agentes sociais (pais, pares, irmãos, por exemplo), o que configura o papel de relevo das interações sociais no desenvolvimento dessa capacidade. As conversas dos pais, como agentes privilegiados da socialização dos filhos, acerca das experiências emocionais vividas por eles e pelas crianças, favorecem a expressão e a compreensão das emoções por parte dos filhos (Ornaghi, & Grazzani, 2013).

Conforme a criança se torna mais velha, outro relevante avanço vai se configurando, gradativamente. Trata-se da compreensão das emoções que requerem o desenvolvimento de uma autoconsciência, tais como a culpa e a vergonha, e das emoções ditas sociais, como a empatia, o orgulho e o constrangimento (Lewis, 2010). Sobre esse aspecto, Denham e Burton (2003) observaram que o uso pela criança dos termos mais precisos na designação dessas emoções geralmente não ocorre antes dos 6 anos de idade. As crianças pré-escolares, em sua maioria, empregam os termos correspondentes às emoções básicas (como a alegria, tristeza e raiva, para citar algumas) para expressar emoções mais complexas, como as referidas anteriormente. Reportam mais comumente sentir alegria do que orgulho, por exemplo, em uma situação em que obtiveram êxito em alguma tarefa importante.

Outra habilidade bastante relevante, e que amplia a compreensão das emoções, refere-se ao conhecimento das regras culturais e familiares para a expressão das emoções. Esse conhecimento favorece a manutenção de relações sociais satisfatórias e o desenvolvimento da competência emocional como um todo (Denham et al., 2015).

Com base nas considerações teóricas e conceituais trazidas pelos autores citados, é possível pensar a compreensão emocional como um componente de destaque da competência emocional, tendo um papel significativo no desenvolvimento global da criança. Dessa forma, considera-se justificável o objetivo deste estudo, que foi examinar as características da produção acadêmica na temática da compreensão emocional, no período recente de 2007 a 2017, com vistas à identificação de lacunas e à promoção de novas investigações nesse campo. Para tanto, discutiram-se as perspectivas teóricas nas quais esses artigos se apoiaram, as metodologias por eles utilizadas assim como outros aspectos salientados nesses estudos.

2. MÉTODO

Para alcançar o objetivo traçado por este estudo, foi realizada uma busca em duas bases de dados, a PsycNet (da American Psychological Association) e a Web of Science. Os seguintes termos de busca foram usados: "emotions" e "comprehension", aplicando-se o operador booliano "and". Na língua portuguesa, foram utilizados os termos "compreensão" e "emoção".

Para a seleção dos artigos, foram definidos como critérios de inclusão:

1) escritos nos idiomas português ou inglês;

2) realizados com bebês e crianças até 12 anos de idade; e

3) com uma janela temporal para o ano de publicação entre 2007 e 2017 (inclusive).


Aos artigos encontrados foram aplicados os seguintes critérios de exclusão:

1) artigos de revisão de literatura, estudos clínicos, estudos de caso e estudos teóricos;

2) estudos incluindo apenas adultos e adolescentes; e

3) estudos realizados com crianças que tenham acentuado transtorno de aprendizagem e, ou, transtornos neurológicos ou psiquiátricos.


As buscas nas bases mencionadas resultaram na identificação de um total de 754 artigos, dos quais seis foram retirados por estarem duplicados. Lidos os títulos e resumos dos restantes, e após a aplicação dos critérios de exclusão, foram selecionados 32 artigos que, por atenderem aos critérios de inclusão, seguiram para a etapa de leitura completa. No que se refere aos artigos excluídos, 53 foram suprimidos por serem estudos de revisão de literatura, estudos clínicos, estudos de caso e estudos teóricos, ou seja, não serem estudos empíricos; 175 foram excluídos por terem sido realizados com crianças apresentando transtornos psiquiátricos, neurológicos e, ou, acentuado transtorno de aprendizagem; e 488 por terem sido realizados apenas com adolescentes e adultos.

Para a análise dos artigos selecionados, foram definidas as seguintes categorias: ano de publicação: ano em que o artigo foi publicado. Essa categoriafoi escolhida com o intuito de verificar o momento, no período recente analisado, no qual ocorreram mais publicações sobre o tema nas bases de dados selecionadas; local de origem do estudo: o país em que foi realizado o estudo; abordagem teórica empregada: o tipo de perspectiva teórica na qual estava embasada a pesquisa. Nessa categoria, foram ainda verificadas as principais temáticas investigadas; delineamento da pesquisa: transversal ou longitudinal. No caso dos estudos transversais que envolviam mais de uma faixa etária, essas foram também discriminadas; técnicas de coleta de dados: nessa categoria foram analisadas as diversas técnicas empregadas em pesquisas empíricas para a coleta de dados e verificado se foram aplicados questionários, entrevistas, análise de vídeos, tarefas, e a combinação de duas ou mais técnicas; instrumentos utilizados na coleta de dados: se foram utilizados instrumentos padronizados, testes ou escalas, para medir a compreensão emocional e, caso tenham sido empregados, o nome e a frequência com que foram utilizados; faixa etária das crianças participantes:nessa categoria, foram discriminadas as faixas de idade em que as crianças participantes eram divididas nos estudos.

3. RESULTADOS

Conforme os critérios de inclusão e exclusão estabelecidos para esta revisão de literatura, 32 artigos foram selecionados e analisados. Os resultados serão relatados com base nas categorias de análise preestabelecidas e apresentadas anteriormente.

Ano de Publicação: dos 32 artigos, a maioria foi publicada entre os anos de 2013 e 2015 (n= 18, 56,25%). A figura 1 apresenta a frequência de artigos publicados dentro da janela temporal de ano de publicação especificada neste estudo.

 

 

Local de origem do estudo: observou-se que a maioria dos estudos, 23 (71,87%) deles, ocorreu no continente europeu, especialmente na Itália. Do continente americano, 7 (21,87%) estudos foram selecionados, sendo 6 dos Estados Unidos e 1 do Canadá. Vale ressaltar que não foi encontrado nas buscas nenhum estudo brasileiro ou mesmo da América do Sul.

De países orientais, foram selecionados dois estudos (6,25%): um realizado na China e outro no Japão. O estudo de Liao, Li e Su (2014) buscou investigar a associação entre a compreensão emocional em crianças chinesas e a tendência destas em buscar a reconciliação após conflitos interpessoais. Esses autores obtiveram resultados indicando que a habilidade em detectar e reconhecer as emoções de outros, um dos aspectos da compreensão emocional, pode facilitar a reconciliação após conflitos e as interações com os pares. No estudo de Hayashi e Shiomi (2015), os autores investigaram a compreensão de crianças japonesas quanto ao fato de que as pessoas poderiam esconder ou expressar emoções, dependendo do contexto, considerando especialmente contextos pró-sociais. Os autores ressaltaram o fato de que, especialmente na cultura japonesa, esconder ou mesmo dissimular uma emoção, sobretudo as negativas, pode ser incentivado e necessário para uma adequada interação social.

Abordagem teórica empregada: foram observados os aspectos teóricos dos estudos, ou seja, em que perspectiva teórica estavam ancorados. Verificou-se um expressivo número de estudos que usou a teoria da cognição social como perspectiva teórica de embasamento da pesquisa (n= 13, 40,63%). Nesses estudos, a compreensão emocional foi entendida como sendo um dos componentes da cognição social (Liao, Li, & Su, 2014; Ornaghi, Brockmeier, & Grazzani, 2014; Ornaghi, Grazzani, Cherubin, Conte, & Piralli, 2015; Sidera, Amadó, & Serrat, 2013). A Psicologia Evolucionista aparece como a segunda fonte teórica mais utilizada (n=6, 18,75%).

Com relação às temáticas investigadas, mais da metade dos estudos selecionados ressaltou a relação entre a compreensão emocional e o comportamento pró-social. Smith, Glass e Fireman (2015) sublinharam o papel relevante das emoções na espécie humana, particularmente nas interações sociais. Esses autores investigaram, em crianças de 3 a 5 anos de idade, a compreensão e a experiência de emoções "mistas", ou seja, emoções que têm valência oposta, negativa ou positiva, ante o mesmo estímulo. Eles argumentaram que, nessa faixa etária, as crianças ampliam seu círculo de relacionamentos, e as interações com os pares passam a ser significativas em suas vidas. Por isso, compreender quando se está experienciando emoções mistas pode ser uma importante ferramenta no relacionamento social e nas situações de negociação do cotidiano.

Muitos estudos (Albanese, Stasio, Chiacchio, Fiorilli, & Pons, 2010; Gil, Aguert, Bigot, Lacroix, & Laval, 2014; Morra, Parrella, & Camba, 2011; Sala, Pons, & Molina, 2014; Salish, Haenel, & Freund, 2013; Stasio, Fiorilli, & Chiacchio, 2014) abordaram ainda a relação entre os processos emocionais, especialmente os que envolviam a compreensão de emoções, e os processos cognitivos. Salish et al. (2013) salientaram o fato de que a compreensão que as crianças desenvolvem não somente de suas emoções, mas das emoções das pessoas com as quais interagem é um fator preditivo, de uma melhor interação com pares e professores, e de sucesso acadêmico. Esses autores realizaram um estudo, na Alemanha, no qual buscaram verificar a relação entre a atenção, e a compreensão emocional. Nessa pesquisa, obtiveram resultados que confirmaram a hipótese inicial de que a compreensão emocional está significativamente relacionada aos índices de atenção das crianças, reportadas pelos professores.

Morra et al. (2011) investigaram, em um estudo realizado na Itália, a relação entre a compreensão emocional e a capacidade de memória de trabalho em crianças. Obtiveram resultados indicando que a memória de trabalho tem um considerável impacto no desenvolvimento da compreensão emocional. Nessa pesquisa, salientaram a influência da linguagem como um fator diretamente envolvido na compreensão das emoções. Não obstante esses autores terem reconhecido que diversos fatores contribuem para o desenvolvimento da compreensão das emoções, realizaram, nesse estudo, uma avaliação somente de variáveis cognitivas que favorecem a compreensão emocional.

Stasio et al. (2014), em um estudo no qual pesquisaram o papel da habilidade verbal e da inteligência fluida (constructo mais relacionado aos componentes não verbais da cognição) na compreensão emocional de crianças italianas, obtiveram resultados indicando que crianças com maior habilidade verbal receptiva tinham mais facilidade em reconhecer as causas externas de uma emoção. Tal resultado levou os autores à conclusão de que as habilidades verbais desempenham um importante papel na representação de estados mentais, incluindo as emoções. Constataram ainda que a inteligência fluida estava positivamente correlacionada com a compreensão das emoções, especialmente por estar envolvida aos componentes mentais (representação mental das emoções de si e do outro) da compreensão emocional. Albanese et al. (2010) buscaram analisar os efeitos da inteligência não verbal no desenvolvimento da compreensão das emoções em crianças italianas e obtiveram resultados que revelaram que a inteligência não verbal estava estatisticamente associada à habilidade de reconhecer emoções.

Foram ainda encontrados estudos (Aznar, & Tenenbaum, 2013; Dunsmore, Her, Halberstadt, & Perez-Rivera, 2009; Karstad, Kvello, Wichstrom, & Berg-Nielsen, 2013; Karstad, Wichstrom, Reinfjell, Belsky, & Berg-Nielsen, 2015) que buscaram articular crenças parentais e mecanismos de socialização de emoções com a compreensão emocional em crianças. Karstad et al. (2013) realizaram um estudo no qual objetivaram determinar se a precisão com que os pais estimavam a compreensão emocional de seus filhos estava relacionada a outras variáveis (por exemplo, nível educacional dos pais e a compreensão verbal da criança). Os autores concluíram que, quanto mais sensível e estruturada era a interação dos pais com a criança, mais acurada era a estimativa que estes faziam da compreensão emocional da criança.

O estudo de Dunsmore et al. (2009) buscou investigar as crenças parentais acerca da emoção, sua experiência e expressão, e o reconhecimento que crianças norueguesas tinham das emoções de seus pais. Os resultados indicaram que, especialmente para os pais e não significativamente para as mães, demonstrar expressões emocionais de modo mais claroestava relacionado com a habilidade da criança em reconhecer expressões emocionais. Interessante salientar que os autores apontaram o fato de que, na faixa etária estudada, os processos de socialização das emoções não estão mais centralizados no ensinamento de expressões emocionais básicas. Além disso, o fato de a criança passar a se relacionar mais frequentemente em outros ambientes, faz com que ela aprenda também sobre as emoções em outros contextos, além da família.

Ressaltando também a importância dos processos de socialização das emoções para a compreensão emocional em crianças, Aznar e Tenenbaum (2013) realizaram um estudo com pais e crianças espanholas pré-escolares. Esses autores obtiveram resultados indicando que o uso do vocabulário emocional em interações lúdicas (tarefa do experimento) entre as mães e a criança foi preditivo da compreensão emocional de seus filhos, mesmo após o controle da compreensão emocional da criança, anteriormente ao experimento. No caso dos pais, a conversa sobre as emoções (mesma tarefa aplicada às mães) não foi preditiva da compreensão emocional, após o controle da compreensão emocional prévia das crianças, o que levou os autores a concluírem que pais e mães influenciam a criança de maneira diversa. Outro aspecto que merece ser destacado nesse estudo é a menção que os autores fizeram à influência dos aspectos culturais na compreensão das emoções e nos processos de socialização das emoções. Os autores enfatizaram a questão de como as características do contexto cultural espanhol, sendo uma delas a presença de uma demarcação mais rígida dos papéis desempenhados por homens e mulheres, pode ter influenciado nos resultados.

Delineamento da pesquisa: nessa categoria, foi encontrado apenas 1 estudo de delineamento longitudinal e 31 estudos com delineamento transversal. O estudo longitudinal selecionado (Karstad et al., 2015) foi realizado na Noruega, com crianças dos 4 aos 6 anos de idade. Esse estudo buscou investigar preditores interpessoais e covariáveis intrapessoais no desenvolvimento da compreensão emocional. Os resultados indicaram um incremento das habilidades de compreensão emocional conforme a criança ficava mais velha, em razão do aumento das habilidades verbais e sociais da criança e dos mecanismos de socialização das emoções implementados pelos pais.

Quanto ao expressivo número de estudos transversais encontrados nos resultados, em sua maioria, objetivaram investigar, entre outras coisas, os marcos no desenvolvimento da compreensão emocional.

Técnica de coleta de dados: uma boa parte dos artigos selecionados (n=22, 68,75%) utilizou para a coleta de dados a aplicação de testes padronizados, escalas, questionários, observação com registro em vídeos, ou a combinação de duas ou mais dessas técnicas.

Um número expressivo de investigações (n= 13, 40,63%) utilizou ainda tarefas criadas pelos pesquisadores para a obtenção dos dados. Sete (21,88%) estudos (Dunsmore et al., 2009; Gil, Aguert, Bigot, Lacroix, & Laval, 2014; Liao, Li, & Su, 2014; McKown, Allen, Russo-Ponsaran, & Johnson, 2013; Sidera, Serrat, Rostan, & Sanz-Torrent, 2011; Widen, & Russel, 2008, 2010) utilizaram tarefas que avaliavam a compreensão emocional mediante o uso de fotos expressando emoções básicas (alegria, tristeza, medo e raiva), nas quais era solicitada ao participante a identificação e nomeação da emoção correspondente à foto mostrada pelo pesquisador. Quatro estudos utilizaram como técnica para a coleta de dados, além da tarefa de reconhecimento de fotos, tarefas envolvendo histórias com conteúdo emocional, nas quais era solicitada ao participante a identificação da emoção sentida pelo personagem protagonista.

Utilização de instrumentos padronizados: foi destacado, nessa categoria, o tipo de instrumento padronizado usado no estudo. Alguns dos estudos utilizaram-se da combinação de mais de um instrumento padronizado. O TEC (Test of Emotion Comprehension), desenvolvido por Pons e Harris (2000), foi o instrumento padronizado mais usado na avaliação da compreensão emocional, tendo sido, em geral, associado a outros instrumentos. Faz-se relevante observar que alguns dos instrumentos apresentados na tabela 1 não geram medidas usadas para avaliação da compreensão emocional, mas foram utilizados para acessar habilidades outras que, segundo os pesquisadores, estavam relacionadas ao incremento da compreensão emocional. Esse é o caso dos estudos que empregaram o teste de habilidades verbais (Salish, Haenel, & Freund, 2013) e o Teste de Matrizes Progressivas (Albanese et al., 2010).

 

 

Faixa etária das crianças participantes: nessa categoria, optou-se por classificar as crianças participantes em duas faixas etárias: 0-5 anos de idade (pré-escolares) e 6-12 anos de idade (escolares). A maior parte dos estudos (n=18; 56,25%) foi realizada com crianças pré-escolares. Cinco estudos (15,63%) utilizaram as duas faixas etárias, e 9 estudos (28,12%) tiveram como participantes crianças na faixa escolar.

4. DISCUSSÃO

Este estudo teve como objetivo realizar uma revisão da literatura, abrangendo o período de publicação entre 2007 e 2017 dos estudos empíricos sobre compreensão emocional. O propósito norteador foi o de traçar um panorama do que vem sendo produzido sobre esse tema, indicando lacunas da literatura e, com isso, fornecer subsídios que favoreçam o avanço das investigações. Foram selecionados 32 artigos, analisados com base em categorias predefinidas, e sistematizados alguns aspectos de análise para discussão.

Em relação ao ano de publicação dos estudos, observou-se que uma parte significativa dos estudos se concentrou entre os anos de 2013 e 2015. A maioria dos estudos ocorreu em países do Ocidente, nos continentes europeu e americano do Norte, e nenhum em países sul-americanos. Apenas dois estudos foram realizados em sociedades orientais. Tal resultado revela uma lacuna na literatura, destacando-se a carência de estudos sul-americanos, particularmente brasileiros, sobre o tema. Considerando a importância da compreensão emocional como habilidade primordial no ajustamento social da criança (Denham, Way, Kalb, Warren-Khot, & Bassett, 2013) e a convicção teórica de que seu desenvolvimento é forjado em um contexto sociocultural (Saarni, 2011), argumenta-se pela necessidade de estudos contemplando a população brasileira, em seus diferenciados contextos.

Outro aspecto sobre o país de origem dos estudos refere-se ao fato de que os dois estudos selecionados nesta revisão, realizados em países orientais, Japão e China, tinham em comum o fato de ressaltarem a importância da compreensão emocional pela via da valorização da harmonia social. Tal característica está de acordo com o que Markus e Kitayama (2010) argumentam acerca de um modelo de self mais interdependente, presente em grande parte das culturas orientais.

Pons, Harris e Rosnay (2004) salientam que um dos componentes da compreensão emocional é a capacidade de ocultar um estado emocional, principalmente os relacionados às emoções consideradas como negativas no contexto em que a criança está inserida, regulando sua expressão. Nesse sentido, em diferentes nichos culturais, a capacidade de distinção entre a emoção sentida e a emoção expressa torna-se uma habilidade essencial. Por decorrência, as práticas de socialização emocional podem se dar de modo que o indivíduo aprenda que se pode experienciar uma emoção, mas, em razão das regras e expectativas do contexto social, deve-se inibi-la ou expressar outra. Em estudo conduzido na Espanha, Sidera, Serrat, Rostan e Serrano (2012) argumentam, de igual forma, que a compreensão de que os estados emocionais internos podem diferir de sua expressão é particularmente importante para os relacionamentos sociais de maneira geral.

Acerca da relação entre a compreensão emocional e as habilidades sociais, observou-se que, independentemente da abordagem teórica na qual os estudos estavam ancorados, uma parcela significativa de pesquisas ressaltou a relação entre a compreensão emocional e o comportamento pró-social, mesmo quando o objetivo do estudo não era investigar diretamente essa associação. O efeito benéfico da compreensão emocional na comunicação social e na relação entre os pares ajuda a explicar sua relação positiva com as habilidades sociais (Izard, 2007). O estudo de Smith, Glass e Fireman (2015) destaca o quanto as habilidades de compreensão emocional modelam o comportamento da criança nas situações sociais. Além dos estudos empíricos trazidos nesta revisão, a literatura teórica acerca da temática desta já ressalta o quanto a compreensão emocional é uma habilidade relevante nas interações sociais (Denham et al., 2016; Saarni, 2011), uma vez que o conhecimento sobre as emoções favorece a adequada inserção do indivíduo no ambiente social em que vive.

No que concerne à abordagem teórica na qual os estudos estavam fundamentados, o fato de a teoria da cognição social ter sido a concepção teórica mais citada como base vai ao encontro do que a literatura na área aponta. Sendo a compreensão emocional uma habilidade que envolve, entre outros aspectos, o reconhecimento por parte da criança de que as experiências emocionais dos outros podem ser diferentes das suas, o desenvolvimento da teoria da mente, um dos elementos na cognição social, é destacado como essencial para essa habilidade (Sidera et al., 2012). Em relação à Psicologia Evolucionista, também referenciada em uma boa parte dos estudos, pode-se pensar que esse resultado parece estar associado ao lugar de destaque conferido às emoções nessa perspectiva teórica. Nesta abordagem, as emoções são vistas como fenômenos centrais no funcionamento da mente humana (Izard, 2007).

Outra questão que merece ser salientada nesta revisão é a de que os estudos que argumentam acerca da íntima relação entre a emoção e a cognição indicam claramente o quanto aspectos cognitivos influenciam a compreensão emocional. Um dos marcos do desenvolvimento cognitivo, o aparecimento da linguagem verbal, foi ressaltado em alguns estudos (Morra, Parrella, & Camba, 2011; Salish, Haenel, & Freund, 2013; Stasio, Fiorilli, & Chiacchio, 2014). A linguagem permite, entre outras possibilidades, que a criança consiga nomear verbalmente as emoções, utilizando-se da linguagem emocional, habilidade relevante no desenvolvimento da compreensão emocional (Denham et al., 2015). Faz-se importante observar, no entanto, que não foi encontrada nenhuma investigação que abordasse como a compreensão emocional pudesse interferir nos processos cognitivos. Esse é um tópico que merece ser investigado por pesquisas futuras, indicando uma lacuna.

Por ser a compreensão das emoções uma habilidade que não se desenvolve em um vácuo social (Castro, Halberstadt, Lozada, & Craig, 2015; Salmon et al., 2013), os estudos que trataram dos processos de socialização das emoções foram também realçados nesta revisão. Pode-se dizer que todos os estudos que trouxeram essa temática têm em comum a procura por evidenciar a relevância dos processos de socialização das emoções, especialmente os implementados pelos pais, para o aprimoramento da compreensão emocional da criança. Assim, estudos que investiguem o impacto dos mecanismos parentais de socialização da emoção no desenvolvimento da compreensão emocional da criança são oportunos, podendo, inclusive, auxiliar a elaboração de programas de intervenção, voltados para pais e educadores.

Quanto às faixas etárias estudadas, mais da metade dos estudos concentrou-se na idade pré-escolar, o que vai ao encontro do que Denham et al. (2015) argumentam sobre o fato de que as crianças em idade pré-escolar aprimoram a compreensão emocional de diversos modos. Dessa forma, investigar a compreensão emocional nesse momento do ciclo vital pode fornecer dados importantes aos psicólogos, educadores e pais acerca da forma como essa habilidade se desenvolve.

No tocante ao delineamento das pesquisas, esta revisão evidenciou apenas um estudo longitudinal. Observa-se que, muito embora estudos transversais permitam que se especule sobre mudanças e continuidades no desenvolvimento, são os estudos longitudinais voltados, por sua natureza, ao acompanhamento do curso do desenvolvimento e da identificação de seus marcos. Por conseguinte, constata-se a premência de que mais estudos longitudinais sejam realizados, apesar das dificuldades implicadas, propiciando o fomento do conhecimento científico na temática aqui tratada. Acredita-se que, dessa forma, será possível um maior entendimento de como a compreensão emocional se desenvolve ao longo do ciclo vital, particularmente na infância.

Em relação às técnicas de coleta de dados, houve um expressivo número de estudos selecionados nessa revisão que se utilizou de tarefas de reconhecimento de emoções básicas, por meio de rostos humanos. A literatura indica que as expressões faciais têm um significativo valor no estudo das expressões emocionais, relacionando-se às mudanças observadas na face em razão de estados emocionais. Ekman (2016) menciona que as pesquisas acerca das expressões faciais trazem evidências importantes para a concepção de diferentes emoções básicas, presentes desde o nascimento. Esse autor considera haver evidências significativas da existência de expressões faciais universais de raiva, medo, alegria, tristeza e nojo, observadas e reconhecidas em contextos culturais diversos. Sendo o reconhecimento de expressões faciais de emoção um dos componentes da compreensão emocional, estudos que utilizem tarefas como a descrita são pertinentes e de valor científico.

Ainda no tocante às técnicas de coleta de dados, o instrumento criado por Pons e Harris (2000), o TEC, revelou-se, na maioria dos estudos, como uma ferramenta importante de medida da compreensão emocional em crianças. Os estudos ressaltaram que esse instrumento, além de ser de fácil aplicação, permite a avaliação de vários componentes da compreensão emocional de crianças até 11 anos de idade. Há uma adaptação brasileira do TEC, realizada por Roazzi, Dias, Minervino, Roazzi e Pons (2008), que obteve bons índices psicométricos. Não obstante se ressaltar, nesta revisão, a imperiosa necessidade da criação de instrumentos padronizados brasileiros para avaliar a compreensão emocional ou a adaptação de instrumentos já existentes, além do TEC, validados e presentes na literatura internacional, que possam ser usados levando-se em conta a diversidade cultural do Brasil. O desenvolvimento de tais instrumentos permitirá a ampliação de estudos que investiguem a relação da compreensão emocional com as várias facetas do desenvolvimento infantil, considerando as especificidades dos variados meios culturais brasileiros.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base nas considerações tecidas, um dos aspectos que merecem destaque neste estudo é o fato de não terem sido encontradas, nas bases de dados selecionadas, pesquisas brasileiras nem de outro país sul-americano sobre o tema. Tal fato é extremamente significativo, dada a importância da compreensão das emoções para o desenvolvimento emocional da criança. Faz-se necessária a realização de estudos sobre essa temática, contemplando amostras brasileiras, de modo que se tenha um panorama de como essa habilidade se desenvolve nos contextos socioculturais diversos existentes no País. Representaria ainda um importante passo para a estruturação de programas de intervenção endereçados a pais, professores e crianças, adequados à realidade cultural brasileira.

No tocante às limitações deste estudo, destaca-se a dificuldade em se poder abordar todos os aspectos envolvidos na noção de compreensão emocional, visto ser esse um constructo complexo, no qual alguns componentes estão envolvidos. Além disso, e de modo a atingir uma seleção mais ampla de investigações tratando da temática aqui em questão, pode ser considerado relevante contemplar-se a inclusão de outras bases de dados e portais de busca.

Em síntese, a compreensão emocional é uma habilidade de destacada relevância para o ajustamento social, favorecendo relações interpessoais mais satisfatórias bem como o desenvolvimento pleno e saudável. Assim, considera-se imprescindível que novas pesquisas nessa temática cubram as lacunas apontadas, aprofundem aspectos a serem investigados e, assim, promovam avanços no conhecimento a respeito.

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Texto recebido em 27 de novembro de 2019 e aprovado para publicação em 27 de novembro de 2019.

 

 

* Doutora e mestra em Psicologia Social pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Endereço: Ministério da Aeronáutica, Diretoria de Saúde da Aeronáutica. Estrada do Galeão, Rio de Janeiro-RJ, Brasil. CEP: 21941-353. E-mail: anabeatrizmota@oi.com.br.
** Pós-doutorado em Ciências Humanas pela UERJ, doutora em Psicologia Social pela UERJ. Endereço: Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Rua São Francisco Xavier - Maracanã, Rio de Janeiro-RJ, Brasil. CEP: 20550-900. E-mail: deisefmendes@gmail.com.
***Doutora e mestra em Psicologia Social pela UERJ. E-mail: stella.rkappler@gmail.com.

 

 

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