SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.4 issue4Transubjectivity. Present society: the importance of nets of supportSo close to the pain of the other, so close to the own insanity: the health professional and the death author indexsubject indexarticles search
Home Pagealphabetic serial listing  

Services on Demand

article

Indicators

Share


Revista da SPAGESP

Print version ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.4 no.4 Ribeirão Preto Dec. 2003

 

ARTIGOS

 

Primeiras reflexões acerca da psicoterapia de grupo infantil e as vivências da gravidez da terapeuta

 

First reflections about children group psychotherapy and the experiences of the therapist’s pregnancy

 

Primeras reflexiones acerca de la psicoterapia de grupo infantil y las vivencias del embarazo de la terapeuta

 

 

Cláudia Alexandra Bolela Silveira 1

Universidade de Franca-SP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A gravidez constitui uma vivência peculiar para as psicoterapeutas e seus pacientes porque incide em fatores concretos e psíquicos na dinâmica da relação terapeuta-paciente. A mudança física da terapeuta com o crescimento da barriga a cada mês, as curiosidades dos pacientes sobre o sexo e o nome do bebê; o bebê como um novo elemento a fazer parte da sessão e que obriga de certa forma o paciente a dividir seu espaço com ele.

A gravidez remete o tempo todo o terapeuta e o paciente às fantasias primitivas de sua própria origem, de sua primeira infância; sendo mais uma maneira de acessar o inconsciente e seus desejos.

Este artigo consiste em algumas reflexões sobre a experiência de atuar com o grupo de psicoterapia infantil durante o período de gravidez da terapeuta, sendo a primeira etapa de uma série de reflexões que virá além do período gestacional, como da licença maternidade e o retorno da terapeuta após a licença.

Palavras-chave: Psicoterapia de grupo infantil; Gravidez; Relação terapeuta-paciente; Maternidade.


ABSTRACT

Pregnancy s a peculiar experience to both women therapists and their patients because it involves concrete and psychic factors in the dynamics of their relationship. The physical change that comes with the growing belly each month, the patients’ curiosity about the baby’s name and sex; in a way the patient has to share his space with this new element in the session.

All the time the pregnancy reminds them of the primitive fantasies of their own origins, of their early childhood; it is one more way to reach the unconscious and its desires. This article makes some reflections about the experience of working with the children’s psychotherapy group during the therapist’s pregnancy.  This is the first phase of a series of reflections that will go beyond the pregnancy period, such as the maternity leave and the return of the therapist after the leave.

Keywords: Children group psychotherapy; Pregnancy; Therapist-patient relationship; Maternity.


RESUMEN

El embarazo constituye una vivencia peculiar para las psicoterapeutas y sus pacientes porque incide en factores concretos y psíquicos en la dinámica de la relación terapeuta-paciente. El cambio físico de la terapeuta con el crecimiento de su vientre cada mes, las curiosidades de los pacientes sobre el sexo y el nombre del bebé; el bebé como un nuevo elemento haciendo parte de la sesión y que obliga de cierta forma al paciente a dividir su espacio con él.

El embarazo remite todo el tiempo al terapeuta y al paciente hacia las fantasías primitivas de su propio origen, de su primera infancia; siendo una manera más de accesar el inconsciente y sus deseos.

Este artículo consiste en algunas reflexiones sobre la experiencia de actuar con el grupo de psicoterapia infantil durante el período del embarazo de la terapeuta, siendo la primera etapa de una serie de reflexiones que vendrán más allá del período gestacional, como la licencia por maternidad y el retorno de la terapeuta después de la licencia.

Palabras clave: Psicoterapia de grupo infantil; Embarazo; Relación terapeuta-paciente; Maternidad.


 

 

Desde o início de minha atuação profissional, em 1996, venho trabalhando na área clínica com psicoterapia de grupo infantil. Pude perceber que muitos movimentos na psicoterapia grupal permitiam uma certa facilidade das crianças em se expressarem, ao falarem sobre temas considerados difíceis para elas. Estas vivências possibilitavam-nas superar suas dificuldades num período menor, quando comparadas às crianças que faziam psicoterapia individual.

Este fato me chamou atenção e ao mesmo tempo fui me apaixonando pela psicoterapia de grupo com as crianças: o brincar em grupo, a espontaneidade das crianças ao falar, jogar, defender suas idéias e interesses, as múltiplas relações que aconteciam entre elas e delas comigo, enfim, todas estas situações eram desafiadoras para mim, o que me instigava cada vez mais a trabalhar com grupos.

O atendimento em grupo com crianças já acontecia há cinco anos e meio quando eu engravidei (meu primeiro filho) e esta boa-nova levou-me a questionamentos em termos profissionais. Eu pensava em como esta gravidez iria refletir no grupo de psicoterapia com as crianças, e mais uma vez me deparei com um desafio - a vivência da gravidez e a atuação como psicoterapeuta de grupo.

A experiência da gravidez e da maternidade mobilizou muitos pensamentos e emoções acerca de como seria esta experiência no meu cotidiano e enquanto psicoterapeuta de grupo infantil. O anúncio da gravidez, o crescimento da barriga, o novo ser que passaria a fazer parte do grupo, a interrupção do grupo no período da licença maternidade, os ataques à barriga que poderiam surgir em brincadeiras mais bruscas e agressivas, o surgimento das fantasias de simbiose mãe-bebê, os questionamentos sobre o sexo, o nome do bebê; enfim, todos esse sentimentos estiveram presentes a partir do momento que eu soube da gravidez e no decorrer desta.

“A gravidez sem patologia a nível psicológico representa uma crise de maturação normal e organizativa que envolve necessidade de reestruturação e reajustamento, de reorganização intrapsíquica, em um processo de mudança de identidade e nova definição de papéis (Mexia, 1996, p.16)”.

Como coloca essa autora portuguesa, todo esse processo maturacional de reorganização interna e externa que a gravidez produz na mulher possibilitou os pensamentos e sentimentos em relação à gravidez e também ao grupo de psicoterapia infantil. Assim como a gravidez exigiu um processo de reestruturação e reajustamento, o grupo também passou por este processo diante da gravidez da terapeuta.

É importante relatar alguns aspectos deste grupo para contextualizar a discussão que era realizada nesse trabalho. Constitui um grupo de psicoterapia infantil que acontece desde 1996 no Centro de Estágio e Pesquisa em Psicologia da Universidade em que trabalho. Atualmente o número de pacientes é quatro, sendo dois meninos e duas meninas entre 09 e 12 anos de idade. Por ser um grupo aberto os pacientes de hoje não são os mesmos do início do grupo e o paciente que está mais antigo está desde 1998.

O encaminhamento das crianças para o grupo depsicoterapia infantil geralmente é realizado pelo setor de linguagem da área de fonoaudiologia por não estarem alcançando resultados no tratamento fonoaudiológico e por perceberem que aspectos psicológicos estariam envolvidos neste processo. Sendo este o objetivo do surgimento do atendimento em grupo: atender a demanda encaminhada da clínica de fonoaudiologia.

Uma queixa comum dos pacientes além do aspecto fonoaudiológico constitui a dificuldade escolar, ou seja, crianças que não apresentam desempenho escolar esperado para sua faixa etária, fator este que representa uma carga emocional muito significativa, não só na escola, mas também na vida das crianças.

Sobre a terapia de grupo, Ginnot (1974) coloca que esta se constitui uma experiência qualitativamente diferente e potencialmente muito rica por si própria. Isto ocorre desde o primeiro encontro da criança com o grupo quando ela tem que deixar a mãe para acompanhar a terapeuta que até então é uma estranha para ela.

A vivência da primeira sessão dos pequenos pacientes de grupoterapia com os demais, facilita a chegada da criança na primeira sessão, o que é mais difícil na terapia individual. Da mesma forma, o grupo fornece também oportunidades para relacionamentos multilaterais que não são possíveis na ludoterapia individual, permitindo outros modelos de identificação aos pacientes, além do terapeuta.

A gravidez entra no processo de psicoterapia de grupo com crianças como mais uma forma de relacionamento que possibilita a manifestação de fantasias, desejos e regressões multilaterais, ou seja, entre as crianças e a terapeuta, entre as crianças e o bebê, que é um novo elemento do grupo, e da terapeuta com o grupo e com o bebê.

Como Ferro (1995) relata, o analista não é idealizado e a incompletude de sua análise está sempre presente e influenciando de alguma forma a experiência do grupo e o mínimo que se pode fazer é considerar as oscilações emocionais presente no campo da psicoterapia analítica de grupo.

Dessa forma as regressões clássicas da gravidez estarão presentes na atuação da terapeuta no grupo de terapia infantil. Mexia (1996), aponta que na gravidez os jogos infantis da mãe se prolongam em vivências que dificultam diferenciar onde acaba o jogo e começa a vida real.

A mistura entre a fantasia e o real da terapeuta pôde ser percebida nas sessões do grupo, depois de saber da gravidez, em um episódio em que eu me vi com um olhar diferenciado para uma das crianças do grupo, me encantando com os seus cabelos, sua roupa, seus sapatos, como nunca havia percebido antes.

... em seguida ela chegou toda vestida de azul, com cabelos cacheados e sapato melissinha, toda dengosa; estava linda!

Este fato mostrou claramente o quanto a gravidez da terapeuta favoreceu os processos de manifestação dos desejos da mesma em relação ao bebê, despertados pela paciente em questão, ou seja, é possível perceber que situações da sessão ou os próprios pacientes, por serem crianças, facilitam a ocorrência de fantasias e desejos da terapeuta.

Neste sentido, se torna muito importante a supervisão constante do terapeuta e a terapia pessoal para que possa trabalhar seus próprios sentimentos, desejos e diferenciando-os dos sentimentos e desejos dos pacientes para poder compreender as manifestações inconscientes que perpassam as sessões de psicoterapia.

A respeito da reestruturação e reajustamento do grupo mediante a gravidez foi possível observar em uma das sessões

...quando as crianças se propuseram a jogar matança (brincadeira de jogar a bola no membro da equipe adversária com força para matá-lo, ou seja, eliminá-lo da equipe) e uma delas disse que não podia jogar a bola forte porque eu estava grávida e podia pegar no bebê.

Nesse momento verifica-se o sentimento de ambivalência das crianças com o bebê, o cuidado na fala do paciente e ao mesmo tempo a brincadeira de eliminar, matar o intruso da sessão, no caso o bebê, representado na barriga.

A relação de afeto com o bebê (barriga) e como este faz parte do grupo são expressos no cuidado e proteção que remetem diretamente à história de vida da criança que falou, tendo em vista que tem muitos conflitos com a mãe, preferindo ficar com o pai (na separação dos mesmos) e não com a mãe. Nesta mesma sessão antes do momento citado ele havia dito que a primeira palavra que falou foi PAI quando pequeno e relatou sobre a separação dos pais o que mostra o processo de recordação da primeira infância quando começou a falar, e dos aspectos que sua família lhe conta sobre este momento inicial de sua vida.

Outro fragmento da sessão que aponta também sobre o desejo do paciente de ter o meu bebê, cuidar dele como sendo seu foi quando na sessão

...a paciente contou que sonhou comigo, que eu deixava o meu filho na casa dela para ela cuidar e depois ela levou ele para minha casa quando eu cheguei do trabalho.

Este relato também remete à relação terapêutica da paciente-terapeuta onde a terapeuta cuida da psique do paciente na sessão e depois o devolve para seus pais.

Houve momentos de intensa rivalidade e competição na sessão entre os pacientes durante o jogo de bola com manifestação de agressividade muito grande ao jogar, que em função do meu estado de gravidez, me fez pensar nos ataques ao bebê, este intruso que vai tirar a terapeuta do grupo, e com o qual eles têm que se preocupar e ter cuidado.

Nesta sessão foi preciso interromper o jogo, segurar a bola sendo proposto ao grupo a troca da bola, por outro brinquedo em função dos riscos que poderia ter. Eles concordaram, pedindo o apagador e o canetão para escrever na lousa branca.

A retirada da bola não interrompeu a expressão da agressividade que continuou na brincadeira com os carrinhos que trombavam o tempo todo com muita força, provocando acidentes e na brincadeira de escolinha em que a professora era muito brava e gritava com seus alunos.

Esse período coincide com as férias da clínica e o transcorrer da gravidez. Estava se aproximando o momento da dupla separação terapeuta-paciente, uma em função das férias e a outra da licença-maternidade.

Concluindo esta primeira reflexão sobre o tema, vale ressaltar que é inegável que a gravidez mobiliza sentimentos de ódio e amor tanto nos pacientes quanto na terapeuta em função da reestruturação e do reajustamento que o período gestacional requer da terapeuta e dos pacientes. As mudanças físicas e psíquicas nesse momento possibilitam a terapeuta trabalhar com conteúdos bem primitivos que vão surgindo nas sessões. Como é uma fase de muita fragilidade da terapeuta a supervisão e terapia são fundamentais para que possa perceber toda a dinâmica do grupo e diferenciá-la de seus próprios sentimentos, sendo necessário o olhar do supervisor e a terapia pessoal.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

FERRO, A. A técnica na psicanálise infantil. A criança e o analista: da relação ao campo emocional. São Paulo: Imago, 1995. 224p.        [ Links ]

GINOTT, H. G. Psicoterapia de grupo com crianças. Belo Horizonte: Interlivros de Minas Gerais Ltda, 1974. 208p.        [ Links ]

MEXIA, M. da G. A grupanalista, as “Suas” grávidas os “Seus” casais. In: Revista da Associação Brasileira de Psicoterapia Analítica de Grupo. São Paulo: Ed. Paulista, v.3. p.16, 1996.

 

 

Endereço para correspondência
Cláudia Alexandra Bolela Silveira
E-mail: bolela@uol.com.br

Recebido em 12/01/2003.
1ª Revisão em 20/01/2003.
Aceite Final em 10/02/2003.

 

 

1 Psicóloga, pedagoga, Mestre em Educação, docente da Universidade de Franca, Supervisora de Psicopedagogia do Centro de Estágio e Pesquisa em Psicologia da Universidade de Franca e Psicóloga Escolar da Educação Infantil Segmento Creche da Prefeitura Municipal de Franca; aluna em formação no Núcleo de Formação da SPAGESP &– Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo.