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Revista da SPAGESP

Print version ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.11 no.2 Ribeirão Preto  2010

 

ARTIGOS

 

Grupos: os fatores que auxiliam no crescimento do grupo

 

Growth factors in the group

 

Grupos: los factores que contribuyen al crecimiento del grupo

 

 

Beatriz Silvério Fernandes 1

Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares, São Paulo, SP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A proposta deste artigo é refletir sobre alguns fatores que geram crescimento/desenvolvimento psíquico dentro dos grupos terapêuticos sob a ótica da psicoterapia analítica de grupo. As observações são advindas do trabalho com grupos em consultório privado e de estudos acerca do que promove crescimento nos grupos.

Palavras-chave: Grupo; Coordenador; Fatores de crescimento.


ABSTRACT

The goal in this article is to reflect upon some factors which generate growth/psychological development within the therapeutic groups under the approach of group analytical psychotherapy. The observations are based on the work with groups in a private practice and writing regarding what promotes growth in groups.

Keywords: Group; Coordinator; Growth factors.


RESUMEN

La propuesta de este artículo es reflexionar sobre algunos factores que generan crecimiento/y desarrollo psiquico dentro de los grupos terapéuticos y de otros grupos bajo la óptica de la psicoterapia analítica del grupo. Las observaciones se obtienen del trabajo de grupos en consultorios privados y diversos estudios, relacionado a lo que promueve crecimiento en los grupos.

Palabras clave: Grupo; Coordinador; Factores de crecimiento.


 

 

INTRODUÇÃO

A harmonia ou o equilíbrio é um desejo da vida que se fundamenta nas relações, na aceitação mútua, assim como nos vínculos amorosos que devem ser cultivados a cada dia. É necessário cultivar uma harmonia entre os impulsos, mecanismos psíquicos e aquilo que chamamos "os outros reais externos". Puget, apud Fernandes (2009), descreve "os outros reais externos" mostrando que a presença de um sujeito afeta o outro sujeito, refletindo sobre o que ocorre entre paciente e terapeuta no dispositivo grupal.

Esta harmonia tem que ser construída e administrada por nós a cada dia. É pensando nestes aspectos e nos membros dos grupos que se fundamenta esta reflexão. Chamou minha atenção certo dia quando, conversando com um participante de grupo sobre seu crescimento, repentinamente, com os olhos quase transbordando em lágrimas, fixou o olhar na minha direção e disse-me: você está me dispensando?

Confesso que fiquei paralisada, pois estávamos conversando sobre seu crescimento, no sentido de valorizar suas aquisições. Quando pude expressar esta ideia e deixar claro o seu crescimento, ele pode revelar seus sentimentos: pensei que você ia me dispensar, logo agora que me sinto bem, que faz bem dividir as ideias no grupo, ouvir meus colegas e, principalmente, você.

Em outro grupo, uma jovem que tem muita dificuldade de entrar em contato com seus sentimentos, com sua família e que dificilmente parece me ouvir, quando digo que precisarei me ausentar por uns dias, enche os olhos de lágrimas e me diz: tudo de novo não! Eu quero melhorar, deixar de ter surtos, e preciso de terapia. Não quero mudar de novo (a antiga terapeuta não suportava mais o contato com a paciente e a pressão que esta fazia para ir às consultas).

Fato interessante em outro grupo chamou-me a atenção: falando sobre resistências, atrasos, entre outros, um paciente que religiosamente atrasa de vinte a trinta minutos, mas dificilmente falta, relata: eu não sei o que dizer, mas se isto for para mim, não se aplica. O grupo começa a rir e fazer piadas sobre o assunto e ele também. Em seguida, complementa: estar aqui, ouvir vocês, saber que me aceitam com meus atrasos, com a paciência da Bia, com os meus desabafos angustiantes, me faz pensar muito... Hoje em dia eu até consigo ficar mais nervoso somente a partir de novembro (época de licitações, fechamento do ano). Aí não tem jeito.

É preciso estar atento, persistindo na esperança de transformação individual, objetivo que o trabalho de grupo propõe a todos os seus trabalhadores: quer sejam terapeutas ou participantes de grupos terapêuticos. Trata-se de um trabalho de "formiguinhas" em que se espera que cada um tente fazer a sua pequena parte. Com o trabalho constante, a mudança ocorrerá ou poderá entrar em curso quando cada um de nós puder optar por este caminho.

Observa-se que, para esta finalidade ser encontrada, é necessário que alguns princípios ou direcionadores se apresentem. Ao longo de meses, quando o tema aparecia nos grupos, sempre lançava uma perguntava: por que vocês acham que este processo ajuda? Falem um pouco sobre ele. Sempre que possível fui anotando, pensando, escrevendo e pesquisando outros autores para ampliar e dar sustentação ao que ouvia de meus próprios pacientes.

Outra situação ocorreu em uma escola para crianças carentes com múltiplas deficiências. Os pais foram convidados a participar de um grupo para discutirem as dificuldades com seus filhos e com a escola. Sua finalidade era dar um lugar aos pais para falarem de suas dificuldades e facilidades frente a sua realidade e de sua família.

Ao mesmo tempo acontecia outro grupo com a instituição. Um fato interessante chamou nossa atenção. As queixas e falas de autodestrutividade também eram presentes.

Nada aparecia de positivo, tudo convergia para o encerramento da instituição, para a incompetência da direção, para a destrutividade inconsciente reinante, em que ninguém conseguia enxergar uma nova luz, nenhuma solução. Lentamente, depois de encontros com muitas queixas e de falas de autodestrutividade, conseguiu-se mostrar a necessidade de uma ouvir a outra, de falar uma de cada vez, de não formarem subgrupos, pois perderíamos muitas contribuições.

Assim como água mole bate em pedra dura até que fura, após três meses de grupos, quando a frequência diminuíra, mas com permanência constante, já conseguiam ouvir uma a outra, ajudar-se mutuamente, indicando locais para atendimentos e medicação, dividir angústias e diminuir sensivelmente a idealização. Já conseguiam entrar em trabalho grupal, percebiam raiva, dificuldades com os demais membros (grupo de pais e da instituição). Desidealizaram a instituição e, consequentemente, a instituição também desidealizou seu trabalho. Os grupos fluíram mais a partir do momento em que alguns membros desistiram, o que ocorreu nos dois grupos. A direção se reorganizou a partir de falas específicas e de afastamentos de alguns funcionários.

A situação que acabei de descrever vem confirmar o objeto de estudo presente, mostrado desde 2003 (FERNANDES, 2003), que é o fato de o objetivo e ideologia dos grupos se basearem na circulação de conhecimento e também no desabrochar das capacidades técnicas de cada um, permanecendo dentro de seus interesses e de suas potencialidades. Ninguém poderá trabalhar ou dedicar-se àquilo em que não acredita ou aprecie.

Meses mais tarde, após discussões e muitas horas de estudo, levantou-se a hipótese de que os elementos corrosivos eram tão fortes e tão intensos que paralisavam o fluxo da instituição como um todo. A faxineira era o único elemento que realmente não se abatia com as "desgraças" permanecendo com seu ideal.

Dizia no grupo: Eu gosto, acredito no que faço. Vejo muita maldade, mas Deus está comigo. Estou acostumada com lixo, banheiro, limpar crianças, mas não sei limpar maldade. Acho que você pode limpar esta coisa, com a ajuda de Deus.

Neste contexto institucional, refletimos sobre as tensões oriundas de o processo administrar/ensinar. No grupo, não havia um tema pré-fixado, deixava-se um espaço amplo para discussão, pouco definido, o que facilitava construções e projeções pelos próprios participantes (FERNANDES, 2004, p. 205) e o que propiciou um aprendizado com as experiências a partir do desenvolvimento das capacidades de cada um.

 

PONTOS LEVANTADOS SOBRE O QUE AUXILIA NO CRESCIMENTO DOS GRUPOS

Tanto nas escolas quanto nas instituições, nas empresas, nas famílias e consultórios, observa-se o reflexo dos novos tempos. A pressa, a correria e o querer abraçar o mundo com as duas mãos não nos permite trabalhar visando o desenvolvimento emocional nos moldes convencionais. Hoje utilizamos alguns dispositivos que nos auxiliam e que, por vezes, são tão eficientes ou mais que os tradicionais. Estou falando de grupos de discussão e reflexão com técnicas expressivas, grupos breves e os grupos terapêuticos propriamente ditos.

A técnica escolhida é sempre grupal, por ser plural e por contar com múltiplos fenômenos e elementos do psiquismo. É como diz Zimerman (2000, p. 84), "uma melodia que resulta não da soma das notas musicais, mas da combinação e arranjo entre elas".

O primeiro item apontado por eles (todos os participantes que concordaram em ajudar a escrever este artigo) foi o pensar sempre em afetos no lugar de buscar sobressair-se ou querer impor seu próprio modelo. Esclarece também que modelo não seria bem a palavra, "forma" seria melhor, que é onde colocamos a massa de bolo e ela fica como a forma mandar.

Acreditar que o bom e o belo são possíveis, apesar de tudo, sem passes de mágica, mas que nem sempre surge nos nossos moldes, como os filhos e os pacientes. É preciso aqui reconhecer que abertura pressupõe a aceitação do desconhecido, do inesperado e do imprevisível, por isso, exercitar-se na difícil tarefa de assimilação do outro ter direito a ideias e verdades diferentes das nossas. Poder fazer algo pelo outro ou utilizar nossos atributos o melhor possível e não simplesmente o mínimo necessário.

Freud, em "Recordar, Repetir, Elaborar" (1914), escreve que a elaboração representa o trabalho que se faz necessário, tanto por parte do terapeuta quanto dos membros do grupo, a fim de superar resistências à mudança, devido às tendências pulsionais de se apegarem a padrões habituais de descarga. É uma tarefa que se soma aos trabalhos requeridos para desvendar os conflitos e as resistências.

Zimerman diz:

A vida psíquica é constituída por estruturas compostas por pares antitéticos (amor x ódio, partes psicóticas x partes não psicóticas etc.) os quais, dissociados e projetados, estão fundidos e confundidos... Elaborar, em resumo, é o processamento de uma integração e síntese harmônica desses elementos decompostos. (ZIMERMAN, 2000, p. 186)

Buscar pertencer e participar no lugar de querer freneticamente "aparecer", poder estar em um clima gostoso, em um ambiente acolhedor. Bion (1963) sempre nos ajuda quando fala das qualidades do analista como pessoa real que são decisivas para o processo analítico. As emoções do analista devem permitir as articulações das projeções de modo que se permita pensar sobre elas e estabelecer o vínculo do conhecimento. Pacientes mais terapeutas com a capacidade de rêverie e de contenção de situações de dúvida permitirão maior desenvolvimento mental.

Tentar ser um pouco menos cego, surdo e arrogante e, quem sabe, aí começar a ver o mundo com olhos reais, escutar diferentes conversas e conseguir colocar uma nova ordem no mundo interno.

 

DISCUSSÃO FINAL

Creio que estes pontos levantados conjuntamente com os pacientes revelam algo significativo para nossa compreensão sobre o que realmente é importante para o grupo poder colaborar na avalanche de mudanças e crescimento de todos nós. Não basta apenas compreender a teoria, é preciso ter ousadia para levar em conta aquilo que produzimos no nosso dia a dia. Juntos, terapeutas e pacientes, muito podem fazer para a compreensão desse processo.

Refletindo sobre o meu papel em diferentes grupos, penso ter sido, acima de tudo, tal produção conjunta o elemento que proporcionou a criação do espaço de contenção de angústias e de surgimento de esperança, e não algo mágico. Esperança no sentido de poderem conviver com melhor qualidade de vida, com a realidade de cada um.

O mesmo posso dizer de mim enquanto terapeuta e pessoa. Convivendo com diferentes grupos, contive meus ideais e desejos, sobrevivi e posso dizer com certeza que cresci muito. Pude perceber que modelos são modelos e não há nada que se possa fazer para provar que determinado modelo é melhor que o outro. O que é preciso? É ter amor às verdades, como diz Zimerman (1995), gostar daquilo que se faz e também gostar dos pacientes.

O crescimento caminha a partir do aceite em frequentar os grupos, conviver com os diferentes colegas de diferentes origens, credos e profissões; depois a escuta passa a existir por parte de todos, havendo a possibilidade de aceitar o não desejado.

Podendo reviver no grupo suas histórias, agruras, sua miséria humana, seus benefícios e progressos, todos conseguem conviver com seus problemas concretos, já não fugindo deles, o que os fazia adoecer, mas conseguindo agora viver mais confortavelmente, embora com algum sofrimento inerente a situações de vida difíceis.

Estar na coordenação de um grupo terapêutico produz medo? Claro que sim. São tantas premissas sem respostas, são tantos momentos inusitados, tantas explosões repentinas que nos deixam à mercê da maré. Hoje aceito que devo me deixar levar pela maré, mas até o ponto em que não me afogue. Deixar-me levar até que consiga perceber que movimentos estão existindo e esclarecê-los, conhecendo, controlando e utilizando a contratransferência.

A união de um ambiente acolhedor com um coordenador que consegue conter, escutar, tolerar, introjetar e devolver a seus participantes algo de referência do que foi tratado pode permitir crescimento. Além desses fatores: estar ali presentes, conseguir ouvir uns aos outros depois de tantos ensaios realizados, de ouvir sobre seus progressos, assim como suas regressões, e serem aceitos pelo terapeuta, por si próprios e pelos colegas, percebo que algo mais ocorreu. Além de ser o grupo considerado o receptáculo de um pouco de tudo de nossas vidas, acho que seus participantes conseguem se encontrar socialmente também, podendo rir, às vezes até mesmo divertir-se.

O processo grupal parece ser algo novo e diferente para todos os membros do grupo, inclusive ao coordenador. Para quem não tem regras, poderá encontrá-las; para os muito "certinhos", um momento de pensar sobre a possibilidade de quebra de regras. Da mesma forma, romper idealizações e também criar ideais sem os quais não se vive, reviver conflitos e, quem sabe, assim como a costureira, poder cerzir os tecidos desfiados, deixando a marca, mas podendo usufruí-los com propriedade.

Para mim, o que promove crescimento é poder viver tudo isto por meio das estruturas evolutivas internas, do meio social, do meio ambiente familiar, profissional e da falta e, o mais mágico de tudo, no grupo e por meio do grupo.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BION, W. R. (1963). Elementos de psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1991. 79 p.         [ Links ]

FERNANDES, B. S. Grupos em diferentes contextos. Trabalho apresentado em evento científico. Jornada Paraense de Grupanálise. Belém, 2003.         [ Links ]

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FERNANDES, W. J. O narcisismo dos pacientes e terapeutas: uma perspectiva vincular. Vínculo, São Paulo, v. 6, n. 2, p. 153, 2009.         [ Links ]

FREUD, S. (1914). Recordar, repetir, elaborar. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1969. p. 191-203.         [ Links ]

ZIMERMAN, D. E. BION: da teoria à prática - uma leitura didática. Porto Alegre: Artmed, 2000, 272 p.         [ Links ]

ZIMERMAN, D. E. Fundamentos básicos das grupoterapias. Porto Alegre: Artmed, 1995. 186 p.         [ Links ]

 

 

Endereço para correspondência
Beatriz Silvério Fernandes
E-mail: bibitriz@terra.com.br

Recebido em 26/07/2011.
Aceite Final em 08/08/2011.

 

 

1 Psicóloga clínica, membro fundador e docente de: Núcleo de Estudos em Saúde Mental e Psicanálise das Configurações Vinculares – NESME e Sociedade de Psicoterapias Analíticas Grupais do Estado de São Paulo – SPAGESP, co-organizadora do Livro: Grupos e Configurações Vinculares, São Paulo, Brasil. E-mail: bibitriz@terra.com.br.